Resumos
Objetivou-se com este trabalho avaliar o efeito de dietas com diferentes concentrações de fibra em detergente neutro oriunda da forragem (FDNf) sobre os parâmetros ruminais (pH e amônia) em cabras leiteiras. Foram utilizados cinco cabras não-lactantes fistuladas no rúmen arranjadas em delineamento quadrado latino 5 × 5, utilizando-se os níveis de FDNf (19, 27, 35, 42 e 48%) como variável independente. O aumento dos níveis de FDNf das rações reduziu linearmente os coeficientes de digestibilidade aparente da MS, MO, EE e CNF e afetou de forma quadrática o coeficiente de digestibilidade da FDN. Os coeficientes de digestibilidade ruminal da MS, MO e FDN aumentaram linearmente com a variação dos níveis de FDNf. De forma contrária, observou-se redução no coeficiente de digestibilidade intestinal da MS, MO, PB e FDN. O aumento no teor de FDNf e os tempos de coleta influenciaram o pH ruminal, contudo a amônia ruminal foi afetada apenas pelos tempos de coleta. A eficiência de síntese de proteína microbiana, quando expressa em g/kg NDT, foi influenciada pela elevação dos níveis de FDNf, e foi melhor no nível de 29,57% de FDNf.
amônia; digestibilidade; parâmetros ruminais; proteína microbiana
The objective of this study was to evaluate the effect of diets with different neutral detergent fiber levels derived from the forage (NDFf), on ruminal parameters (pH and ammonia) in dairy goats. Five non-lactating goats were used, with fistulae in the rumen. The animals were arranged in a 5 × 5 Latin square using the NDFf levels (19, 27, 35, 42 and 18%), as independent variables. The increase in the NDFf levels of the rations reduced linearly the coefficients of apparent digestibility of DM, OM, EE and NSC and affected the NDF digestibility coefficient quadratically. The coefficients of ruminal digestibility of DM, OM and NDF increased linearly with the variation in the NDFf levels. However, reduction was observed in the coefficient of intestinal digestibility of DM, OM, CP and NDF. The increase in the NDFf contents and the collection times influenced the ruminal pH, but the ruminal ammonia only affected by the collection times. The efficiency of microbial protein synthesis, when expressed in g/kg TDN, was influenced by the increase in NDFf levels, was best at the 29.57% NDFf level.
ammonia; digestibility; microbial protein; ruminal parameters
RUMINANTES
Efeito dos níveis de fibra em detergente neutro oriunda da forragem sobre a eficiência microbiana e os parâmetros digestivos em cabras leiteiras1 1 Apoio Fapemig.
Effect of levels of neutral detergent fiber derived from forage on microbial efficiency and digestive parameters in dairy goats
Renata Helena BrancoI; Marcelo Teixeira RodriguesII; Carla Aparecida Florentino RodriguesIII; Márcia Maria Cândido da SilvaIV; Maria Ignez LeãoII; Valéria Viana PereiraVI
IInstituto de Zootecnia - CAPTA Bovinos de Corte
IIDepartamento de Zootecnia - Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG
IIIDeparamento de Zootecnia, Faculdade de Veterinária - Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ
IVDepartamento de Zootecnia - UFV, Viçosa, MG. Bolsista PNPD/Capes
VFaculdade de Ciências Administrativas e Exatas, UNIPAC - Araguari, MG
RESUMO
Objetivou-se com este trabalho avaliar o efeito de dietas com diferentes concentrações de fibra em detergente neutro oriunda da forragem (FDNf) sobre os parâmetros ruminais (pH e amônia) em cabras leiteiras. Foram utilizados cinco cabras não-lactantes fistuladas no rúmen arranjadas em delineamento quadrado latino 5 × 5, utilizando-se os níveis de FDNf (19, 27, 35, 42 e 48%) como variável independente. O aumento dos níveis de FDNf das rações reduziu linearmente os coeficientes de digestibilidade aparente da MS, MO, EE e CNF e afetou de forma quadrática o coeficiente de digestibilidade da FDN. Os coeficientes de digestibilidade ruminal da MS, MO e FDN aumentaram linearmente com a variação dos níveis de FDNf. De forma contrária, observou-se redução no coeficiente de digestibilidade intestinal da MS, MO, PB e FDN. O aumento no teor de FDNf e os tempos de coleta influenciaram o pH ruminal, contudo a amônia ruminal foi afetada apenas pelos tempos de coleta. A eficiência de síntese de proteína microbiana, quando expressa em g/kg NDT, foi influenciada pela elevação dos níveis de FDNf, e foi melhor no nível de 29,57% de FDNf.
Palavras-chave: amônia, digestibilidade, parâmetros ruminais, proteína microbiana
ABSTRACT
The objective of this study was to evaluate the effect of diets with different neutral detergent fiber levels derived from the forage (NDFf), on ruminal parameters (pH and ammonia) in dairy goats. Five non-lactating goats were used, with fistulae in the rumen. The animals were arranged in a 5 × 5 Latin square using the NDFf levels (19, 27, 35, 42 and 18%), as independent variables. The increase in the NDFf levels of the rations reduced linearly the coefficients of apparent digestibility of DM, OM, EE and NSC and affected the NDF digestibility coefficient quadratically. The coefficients of ruminal digestibility of DM, OM and NDF increased linearly with the variation in the NDFf levels. However, reduction was observed in the coefficient of intestinal digestibility of DM, OM, CP and NDF. The increase in the NDFf contents and the collection times influenced the ruminal pH, but the ruminal ammonia only affected by the collection times. The efficiency of microbial protein synthesis, when expressed in g/kg TDN, was influenced by the increase in NDFf levels, was best at the 29.57% NDFf level.
Key Words: ammonia, digestibility, microbial protein, ruminal parameters
Introdução
A influência do alimento sobre o consumo de matéria seca é bastante associada à sua composição em FDN, especialmente para animais de alta produção, que demandam quantidades elevadas de energia dietética. A formulação de dietas com adequados níveis de energia para atender às altas produções normalmente resulta em rações com altos níveis de grãos em detrimento à fibra (Stokes, 1997), o que pode ocasionar problemas como acidose, laminite, cetose, deslocamento de abomaso, além de redução no teor de gordura do leite (Shearer, 1996). Por outro lado, dietas com altos níveis de fibra impõem ao ruminante à necessidade de maior tempo de permanência do alimento e ampla capacidade ruminal em acomodar material de baixa densidade para que ocorra fermentação adequada (NRC, 2001). Há possibilidade, nestes casos, de que o fill ou enchimento ruminal tenha efeito significativo sobre a capacidade de ingestão do animal. A distensão física do retículo-rúmen é o principal fator limitante na ingestão de muitas forragens e dietas ricas em fibra.
A formulação para animais de alta exigência, como as cabras leiteiras de alto potencial produtivo, criadas em sistemas intensivos, deve conter maior proporção de concentrado, que aumenta a digestibilidade da matéria seca, a quantidade de carboidrato degradado no rúmen, o consumo de energia, a síntese e o fluxo de proteína microbiana para o abomaso, aumentando a produção de leite. Entretanto, em cabras leiteiras, dietas com alto teor de carboidratos não-estruturais podem reduzir a concentração ruminal de acetato e a relação acetato:propionato e aumentar o teor de gordura do leite. Além disso, um dos principais efeitos negativos de dietas com altos níveis de concentrados é a redução no pH ruminal (Santini et al., 1992).
A eficiência de utilização da amônia pelos microrganismos para síntese de proteína microbiana depende, entre outros fatores, da disponibilidade de energia no rúmen. A maior parte da amônia não-utilizada para a síntese microbiana é absorvida através da parede ruminal por difusão e transportada para o fígado pela veia porta. A amônia é absorvida pela parede ruminal apenas na sua forma não-ionizada (NH3). Portanto, a redução do pH favorece a ionização da amônia e reduz sua absorção, enquanto a elevação do pH favorece a presença de amônia na forma não-ionizada, aumentando a absorção (Lobley et al., 1995).
O objetivo neste trabalho foi avaliar o efeito do nível de fibra em detergente neutro oriunda da forragem (19, 27, 35, 42 e 48% de FDNf) sobre parâmetros ruminais (pH e amônia), a taxa de passagem, o fluxo de nutrientes para o omaso e a eficiência e síntese microbiana em cabras leiteiras alimentadas com feno de capim-tifton 85 (Cynodon spp.).
Material e Métodos
O ensaio experimental foi realizado nas dependências do Setor de Caprinocultura do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Viçosa utilizando-se cinco cabras, primíparas e multíparas, não-gestantes e não-lactantes, com 48,33 ± 7,73 kg de peso corporal, fistuladas no rúmen, confinadas em baias individuais (3 m2) de piso ripado, adaptadas com telas para coleta total de fezes.
Os animais foram arranjados em delineamento experimental em quadrado latino 5 × 5 para avaliar os efeitos de cinco níveis de fibra em detergente neutro oriunda da forragem (FDNf), tendo como base forrageira o feno de capim-tifton 85 (Cynodon spp). Os níveis de 19, 27, 35, 42 e 48% de FDNf foram utilizados para caracterizar as dietas, todas formuladas para serem isoproteicas, com 17% de proteína bruta (PB) na matéria seca, de acordo com recomendações do AFRC (1993). A proporção entre volumoso e concentrado variou entre as dietas (Tabelas 1 e 2), como forma de obter a concentração de FDNf pretendida para as dietas experimentais, que foram fornecidas duas vezes ao dia, às 8 h e às 16 h.
Cada período experimental teve duração de 21 dias (12 de adaptação e ajuste do consumo voluntário e 9 dias de coleta de dados). Para avaliação do efeito do consumo de FDN da forragem, foram observados parâmetros como a digestibilidade aparente total da matéria seca e dos nutrientes (MS, MO, PB, EE, FDN, CNF), a digestibilidade parcial da matéria seca e dos nutrientes, os parâmetros ruminais (pH e amônia), a taxa de passagem de sólidos e o fluxo de nutrientes para o omaso.
Com o acesso à vontade às rações, o consumo voluntário foi calculado pela diferença entre o oferecido e as sobras, que foram ajustadas para corresponderem a 10% do total oferecido. Amostras compostas das sobras para cada unidade experimental, representada pelo animal, referente a cada período experimental foram congeladas para posteriores análises.
Durante os cinco primeiros dias do período de coleta, foram obtidos os dados para determinação da digestibilidade aparente pela técnica in vivo, com coleta total de fezes, que foram pesadas, amostradas por animal e por período e congeladas para análises laboratoriais.
A concentração de amônia (N-NH3) e a medida do pH no líquido ruminal foram obtidas a intervalos de duas horas durante 24 horas. Assim, amostras de conteúdo ruminal (150 mL) foram coletadas de quatro pontos distintos do rúmen e filtradas em camadas de tecido de algodão. O pH foi medido em potenciômetro digital imediatamente após a coleta. Para determinação de N-NH3, foi retirada uma alíquota de 10 mL do fluido ruminal, que foi acrescida de 0,1 mL de ácido sulfúrico a 50% e conservada congelada a -10 ºC. As concentrações de amônia nas amostras de líquido ruminal foram determinadas por destilação com hidróxido de potássio (KOH), conforme técnica de Fenner (1965), adaptada por Vieira (1980).
Para determinação da taxa de passagem e do fluxo de nutrientes para o omaso, foi utilizada a fibra em detergente neutro indigerível (FDNi) como indicador interno, conforme adaptação da técnica descrita por Cochran et al. (1986). Para determinação do indicador interno, foram utilizados sacos de Ankon®, que foram incubados no rúmen com os alimentos fornecidos, as sobras, as fezes e as digestas do omaso, por 144 horas, assumindo o resíduo como indigerível.
A taxa de passagem foi estimada utilizando-se a técnica da evacuação ruminal, segundo metodologia descrita por Robinson et al. (1987). Para reduzir os efeitos da alimentação, o conteúdo ruminal foi removido às 22, 13 e 4 h dos dias 7, 8 e 9 do período de coleta, respectivamente, ou seja, uma coleta entre as duas refeições diárias (menor intervalo) e duas coletas no maior intervalo, entre as alimentações da tarde e da manhã seguinte. Depois de removido, o conteúdo do rúmen foi separado em frações sólida e líquida, com auxílio de tecido de náilon. Essas frações foram pesadas separadamente e, a partir de sua proporção foram constituídas amostras representativas do material ruminal, que foram levadas à estufa de ventilação forçada (65 ºC), moídas e compostas em igual base seca por animal e por período. A taxa de passagem (kp) foi estimada a partir do quociente entre a massa ruminal e o fluxo omasal diário do indicador (FDNi) (Faichney, 1993).
Para quantificação do fluxo omasal, nos dias 1 a 4 do período de coleta, foram obtidas, através das fistulas ruminais, alíquotas de aproximadamente 150 mL nos seguintes tempos: 24 horas (dia um de coleta); 16 horas (dia dois); 12 horas (dia três) e 8 horas (dia quatro) utilizando se um conjunto de dispositivos, composto de um kitassato, um tubo coletor e uma bomba de vácuo (através da fístula ruminal, introduzia-se o tubo coletor no orifício retículo-omasal, onde era mantido seguro com a mão durante o período da coleta; a digesta entrava no tubo coletor e era succionada até o kitassato, conectado a uma bomba de vácuo). Imediatamente após as coletas, as amostras foram armazenadas em recipientes plásticos e, posteriormente, constituíram amostras compostas por período e por animal, com base na MS.
O fluxo de matéria seca foi calculado como: Fluxo = (CDM /CMO)*100, em que CDM é o consumo diário do marcador e CMO a concentração do marcador na digesta omasal.
A digestibilidade no rúmen e nos intestinos foi calculada por meio da concentração dos nutrientes e do marcador interno de indigestibilidade no alimento consumido e na digesta omasal pelas expressões:
digestibilidade ruminal (n) = 100-100* (% indicador na dieta / %indicador na digesta omasal) × (% nutriente na digesta omasal / %nutriente no alimento); digestibilidade intestinal (n) = 100 - digestibilidade Ruminal (n).
No quinto e sexto dias de cada período de coleta, foram coletados 2.000 mL de digesta ruminal para isolamento de bactérias ruminais segundo técnica descrita por Cecava et al. (1990). A estimativa da produção de nitrogênio bacteriano foi feita de acordo com a técnica das bases purinas (Zinn e Owens, 1986) no pellet bacteriano e na digesta omasal.
Nos alimentos, determinou-se a composição em MS e nitrogênio total (NT) para estimativa dos teores de PB; extrato etéreo (EE), cinzas (CZ) utilizando as técnicas descritas em Silva & Queiroz (2002); fibra em detergente neutro (FDN) e fibra em detergente ácido (FDA), lignina em detergente ácido (LigDA), segundo Van Soest et al. (1991); nitrogênio insolúvel em detergente neutro (NIDN); e nitrogênio insolúvel em detergente ácido (NIDA), segundo técnicas descritas por Licitra et al. (1996). As sobras, a digesta ruminal, omasal e as fezes foram analisadas para determinação de MS, PB, EE, cinzas, FDN, FDA e LDA.
A concentração em carboidratos não-fibrosos (CNF) foi estimada a partir da equação: CNF = 100 - (%PB + %EE + %CZ + %FDN), segundo Van Soest et al. (1991). Para quantificação do valor de energia das dietas, utilizaram-se os dados da digestibilidade aparente obtidos no experimento, aplicando-se a equação: NDT (%) = dCNF + dPB + (dEE* 2,25) + dFDN, em que "d" representa a digestibilidade aparente de cada componente referenciado (NRC, 2001).
Os dados submetidos à análise de variância foram desdobrados quanto ao efeito de tratamento nos componentes de regressões polinomiais, de modo que o nível de FDNf constituiu-se variável independente. Os dados obtidos foram analisados por meio do programa computacional Statistical Analysis System (SAS, 1999). A análise dos dados foi feita utilizando-se o procedimento GLM e os efeitos dos tratamentos, avaliados no nível de 5% de probabilidade utilizando-se o teste F.
Os dados referentes de pH e das concentrações de amônia no líquido ruminal foram analisados conforme descrito, porém foram adicionados do fator medidas repetidas no tempo, referentes aos diversos momentos de coleta (PROC GLM do pacote estatístico SAS).
Resultados e Discussão
A digestibilidade aparente da MS, MO e dos CNF foi afetada de forma linear negativa pelos níveis de FDNf nas rações (Tabela 3). A digestibilidade da FDN apresentou efeito quadrático com a elevação dos níveis de FDNf. Não foi observado efeito dos níveis de FDNf das dietas sobre a digestibilidade da PB, cuja média foi de 85,90%.
Efeito linear decrescente dos coeficientes de digestibilidade aparente da MS e MO com o aumento dos níveis de FDNf foi relatado de forma similar por Carvalho et al. (2006 b) e Santini et al. (1992), que testaram níveis crescentes de FDNf e FDA, respectivamente, para cabras em lactação, e para MS e MO por Burger et al. (2000), Dias et al. (2000), Tibo et al. (2000) e Araújo et al. (1998) e avaliaram diferentes relações volumoso: concentrado, portanto diversos níveis de FDNf na ração. Segundo Rode et al. (1985), a diminuição do nível de volumoso na dieta aumenta a digestibilidade da MS e da MO, provavelmente em virtude da redução de carboidratos fibrosos e do aumento na disponibilidade de carboidratos não-fibrosos na dieta. De acordo com Valadares Filho (1985), os carboidratos não-estruturais possuem elevado coeficiente de digestibilidade da MS em relação aos carboidratos estruturais, o que reflete em maior digestibilidade da MS e da MO nas rações com menor proporção de volumoso e fibra.
Houve efeito quadrático dos níveis de FDNf das dietas nos coeficientes de digestibilidade aparente da FDN, fato explicado por um mecanismo de competição entre as bactérias amilolíticas e fibrolíticas, como citado por Olson et al. (1999). Esses autores relataram que os microrganismos amilolíticos se desenvolvem mais rapidamente que os fibrolíticos, pois os amilolíticos apresentam uma vantagem competitiva quanto ao uso de nitrogênio para seu rápido crescimento, limitando a disponibilidade de nitrogênio para os microrganismos celulolíticos. O aumento de quantidade de carboidratos rapidamente fermentáveis no rúmen com a diminuição dos níveis de FDNf nas rações fortaleceria essa competição. Estes relatos confirmam as citações de Russel (1998), o qual notou que o excesso de carboidratos, na presença de quantidades inadequadas de compostos nitrogenados, poderia ter efeitos negativos no crescimento microbiano, principalmente dos microrganismos celulolíticos. Segundo Santini et al. (1992) e Madrid et al. (1997), os carboidratos não-estruturais, apesar de suprirem energia para os microrganismos ruminais, dependendo do nível de inclusão, podem ter efeito negativo sobre sua atividade celulolítica, inibindo a digestão da fibra, principalmente pela redução do pH ruminal.
Outro fator importante e que afeta a digestibilidade do alimento é o nível de consumo, pois a maioria dos resultados de pesquisas comprova que o aumento no consumo alimentar ocasiona redução no coeficiente de digestibilidade. Os valores de digestibilidade aparente foram superiores aos relatados por Branco (2005) e Carvalho (2002) em trabalhos com níveis crescentes de FDN nas dietas para cabras em lactação, com consumos de aproximadamente três vezes o requerido para a mantença.
Segundo McDonald (1993), aumento na quantidade de alimentos consumidos geralmente causa maior taxa de passagem da digesta. O alimento é então exposto à ação das enzimas digestivas por um curto período de tempo e isso pode reduzir o coeficiente de digestibilidade. Reduções nos coeficientes de digestibilidades ocasionadas pelo aumento da taxa de passagem são maiores para componentes de lenta digestão, que são os componentes da parede celular.
O nível de FDNf das dietas ocasionou efeito linear crescente nas digestibilidades ruminal da MS, MO e FDN. A maior participação da fibra aumentou a digestibilidade ruminal da fração fibrosa, provavelmente em razão do maior tempo gasto em ruminação. Contudo, aumentos nas concentrações de FDN das dietas não afetaram a digestão ruminal de PB, EE e CNF, com médias de 71,68; 39,77 e 88,61%, respectivamente.
A média do coeficiente de digestibilidade ruminal da PB neste experimento foi de 71,68%. Estes valores positivos de digestibilidade podem indicar absorção de amônia no rúmen, portanto, pode ter ocorrido perda de proteína dietética (Carvalho et al., 1997). As limitadas respostas na digestibilidade da proteína observada neste estudo podem ser atribuídas às baixas exigências nutricionais dos animais utilizados e às elevadas concentrações proteicas das dietas.
A digestibilidade ruminal da FDN aumentou de acordo os níveis de FDN, o que indica que, em níveis menores de FDNf, a grande quantidade de concentrado influenciou a digestão da fibra. Esse resultado também foi observado por Ítavo et al. (2002), que, ao fornecerem diversos níveis de FDN na dieta de bovinos, observaram comportamento semelhante. As menores digestibilidades com a diminuição da FDN podem ser devido à acidificação do pH ruminal.
Os coeficientes de digestibilidade intestinais da MS, MO, PB e FDN foram influenciados pelos níveis de FDNf (Tabela 3). Houve efeito linear decrescente do aumento dos níveis de FDNf das rações sobre os coeficientes de digestibilidade intestinal da MS, MO, PB e FDN, resultados similares aos observados por Ladeira et al. (1999) e Tibo et al. (2000), em pesquisas com níveis crescentes de FDN na dieta de bovinos.
O pH ruminal foi afetado pelos níveis de FDNf e pelas horas de coleta após a alimentação (Tabela 4). A concentração de amônia ruminal foi afetada pelas horas após a alimentação. A alteração dos níveis de FDNf influenciou de maneira cúbica a taxa de passagem, com pontos críticos de mínimo e máximo (4,4 e 6,4 %/hora), obtidos com os níveis de 27 e 42% de FDNf, respectivamente.
Os valores mais baixos de pH ruminal (Figura 1a) foram observados no período da noite, provavelmente em virtude do sido pelo comportamento dos animais, já que as cabras ao anoitecer permanecem mais tempo em ócio, como foi observado por Carvalho et al. (2006a), que dividiram o dia em quatro períodos de seis horas e observou que, no período entre 0 h e 6 h, o que corresponde neste ensaio aos tempos 16 e 22, os animais permanecem mais tempo em ócio em comparação aos períodos, havendo menor incidência de ruminação, o que leva a menor fluxo de saliva, menor tamponamento ruminal e consequente diminuição do pH.
Os valores de pH para as dietas com níveis de 27, 35, 42, 48% de FDNf mantiveram-se dentro dos limites fisiológicos ao longo dos tempos de mensuração (Figura 1b). Entretanto, para a dieta com 19% de FDNf, o pH de 5,88 foi atingido no tempo 16 horas.O pH ruminal é regulado por um sistema complexo que depende do nível de fibra na dieta, do resultado líquido entre a produção e a absorção dos ácidos graxos voláteis (AGV), do fluxo de saliva e da sua capacidade de tamponamento do rúmen. Em vacas leiteiras, o pH ruminal abaixo de 6,2 usualmente resulta em redução da digestão da fibra e diminuição da gordura do leite (Mould et al., 1983).
Bugrwald-Balstad et al. (1995), citados por Caton & Dhuyvetter (1997), compararam dietas à base de concentrado e volumoso, oferecidas ad libitum e reportaram consideráveis reduções e variações diurnas no pH ruminal associadas ao fornecimento de concentrado. Mertens (1992) sugeriu que a digestão da fibra declinaria quando o pH ruminal estivesse abaixo de 6,7. Ørskov (1982) e Mould et al. (1983) indicaram que o pH abaixo de 6,2 reduziria a atividade de bactérias celulolíticas e a digestão das palhas. Esses pesquisadores indicaram que a redução no pH ruminal poderia ser responsável pala redução na digestibilidade da fibra associada com suplementação de grãos.
Os valores de N-amoniacal para todos os tratamentos foram superiores a 5 mg/dL (Figura 2), nível mínimo necessário para manter as funções normais do rúmen (Satter & Slyter, 1974).
As concentrações máximas de N-amoniacal foram de 36,01 mg/dL de líquido ruminal com 48% de FDNf e 2 horas após o fornecimento da dieta. Os valores encontrados para as máximas concentrações de N-amoniacal das dietas nos diversos tempos de coleta (Figura 2) são superiores aos relatados por Mehrez et al. (1977), os quais sugeriram que a máxima atividade fermentativa ocorreria em concentrações de N-amoniacal de 19 a 23 mg/dL de líquido ruminal. Van Soest (1994) relatou que o suprimento de nitrogênio no rúmen promove o crescimento microbiano até o limite das exigências dos microrganismos. Todavia, essa exigência estaria relacionada aos carboidratos fermentescíveis disponíveis, à produção de ATP e à eficiência de conversão em células microbianas.
A taxa de passagem observada neste ensaio variou de 4,4 a 6,4%/hora. A taxa de passagem de sólidos é influenciada pelo aumento da densidade específica das partículas do rúmen, que, por sua vez, depende da taxa de digestão. Tem-se observado redução na taxa de passagem em dietas com alta proporção de concentrados, como resultado da redução do pH e do maior tempo de residência da fração sólida da digesta ruminal (Feng et al., 1993). A passagem, ou trânsito, refere-se ao fluxo de resíduos que não foram digeridos através do trato digestório. A taxa de passagem da digesta, tem significativo efeito sobre a degradação ruminal da fibra (Firkins, 1997). Quanto maior a taxa de passagem, menor a degradabilidade da FDN, que é a responsável por fornecer energia para suportar o crescimento microbiano no rúmen. No entanto, aumento da taxa de passagem também pode estimular a eficiência de síntese microbiana, em razão da energia gasta para mantença dos microrganismos (Russel et al., 1992; Firkins, 1997).
A interação entre digestão e passagem é bastante complexa e muitos estudos têm sido realizados para desenvolver modelos matemáticos sobre esses processos dinâmicos que ajudem a compreender melhor a atividade gastrintestinal e a eficiência digestiva. O crescimento microbiano é essencialmente limitado pela taxa de digestão, que, por sua vez, é limitada pela composição e estrutura do alimento oferecido (Van Soest, 1994), especialmente no que diz respeito à qualidade e quantidade da fibra.
Não foram observados efeitos dos níveis de FDNf das dietas sobre o fluxo de nitrogênio microbiano (Nmic), a proteína microbiana (Pmic) e a relação NRNA/NT (Tabela 5). A eficiência microbiana, quando expressa em relação à matéria orgânica digerível no rúmen (MODR) e aos carboidratos digeríveis no rúmen, não diferiu entre os níveis de FDNf. As relações NMIC/MODR foram próximas aos níveis inferiores encontrados por Batista (1991), que variaram entre 11,65 e 16,50.
O valor médio da razão NRNA:NT, expresso com base na MS, foi de 11,31%, resultado inferior aos descritos por Leão (2002) e Rennó (2003), que encontraram valor médio de 24% ao avaliarem diferentes níveis de PB na dieta de novilhos. Clark et al. (1992) e Valadares Filho (1995), em revisão de literatura, citaram valores médios de 13,7 e 17,6%, respectivamente, para esta razão. Valadares et al. (1997,1999), Carvalho et al. (1997), Dias et al. (2000) e Cardoso et al. (2000) encontraram médias da razão de NRNA:NT, expresso com base na MS de 16,9; 15,3; 13,4; 11,3 e 10,4%, respectivamente. Chen & Gomes (1992) com base na literatura, sugeriram uma relação de NRNA:NT média de 11,6%, que é utilizada para estimativa da produção de nitrogênio pela excreção urinária de derivados de purinas.
Ao estimar a eficiência microbiana expressando-a em relação ao NDT, observou-se efeito quadrático dos níveis de fibra oriunda da forragem e obteve-se a melhor eficiência com a concentração de 29,57% de FDNf. A produção de proteína microbiana foi então estimada em 98,34g de Pmic/kg de NDT consumido ao se considerar aquela concentração. Esses resultados são contraditórios às recomendações do NRC (2001), que, embora considere o valor fixo de 130 g PBmic/kg NDT, admite variações, como aumentos na eficiência de síntese, em maior consumo de NDT, em decorrência das maiores taxas de passagem. Pode ocorrer diminuição na passagem de proteína microbiana para o intestino delgado quando se utilizam dietas ricas em concentrado, em virtude da alta taxa de degradação de carboidratos não-estruturais, resultando em fermentação não-acoplada. O mesmo pode ocorrer quando as dietas contêm elevados teores de volumosos, o que pode ser atribuído à deficiência de energia disponível e ao aumento da reciclagem de compostos nitrogenados pelos microrganismos do rúmen.
Conclusões
O aumento dos níveis de fibra em detergente neutro oriunda da forragem nas dietas diminui a digestibilidades aparente de matéria seca, matéria orgânica, extrato etéreo e carboidratos não-fibrosos, com exceção da digestibilidade aparente da proteína bruta. O pH ruminal é influenciado pelos níveis de fibra em detergente neutro e pelos tempos de coleta e as concentrações de amônia ruminal, somente pelos tempos de coleta. A eficiência de síntese de proteína microbiana, quando expressa em g de pmic/kg de nutrientes digestíveis totais, é melhor quando utilizado o nível de 29,57% de fibra em detergente neutro da forragem.
Recebido em 21/11/2008 e aprovado em 12/3/2009.
Correspondências devem ser enviadas para: renata@iz.sp.gov.br
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
17 Mar 2010 -
Data do Fascículo
Fev 2010
Histórico
-
Recebido
21 Nov 2008 -
Aceito
12 Mar 2009