Editorial
A importância dos modelos animais em psiquiatria
A pesquisa pré-clínica, ou seja, com animais, tem sido utilizada principalmente com objetivo de: (a) iniciar a avaliação da segurança, tolerabilidade e possível eficácia de novas drogas; (b) estudar o mecanismo de ação de psicofármacos; (c) auxiliar na elucidação dos mecanismos neurobiológicos dos transtornos mentais.1,2 Embora os primeiros psicofármacos modernos tenham sido descobertos em estudos clínicos visando outros quadros (a imipramina, no tratamento da esquizofrenia, ou a iproniazida, na tuberculose, são exemplos), atualmente os modelos animais tem sido considerados a espinha dorsal da pesquisa de novas drogas,1 tendo contribuído decisivamente no desenvolvimento dos tratamentos atuais da depressão e esquizofrenia.2 Mesmo em campos em que o refinamento e complexidade técnicas têm crescido vertiginosamente ¾ como a genética, por exemplo ¾ há uma grande dependência dos modelos animais quando se deseja estudar os genes relacionados a determinados comportamentos.3 A importância da pesquisa pré-clínica na medicina pode ser constatada no grande paralelismo existente entre o aumento deste tipo de abordagem e os avanços no conhecimento médico. Segundo Nicoll & Russell,4 mais de 70% dos principais avanços biomédicos estão relacionados à experimentação com animais.
Os estudos com modelos animais (preparações experimentais desenvolvidas em uma espécie para compreender determinado fenômeno em outra espécie),5 apesar de suas limitações, permitem o estudo da contribuição de um fator em determinado transtorno mental, controlando-se as outras variáveis. Permite também estudar a interação entre as múltiplas variáveis.5 Considerando-se a característica multifatorial dos transtornos mentais, esta abordagem torna-se extremamente valiosa.5
Entre as principais limitações dos modelos animais, está o fato de nos limitarmos à observação de alterações comportamentais ou fisiológicas em detrimento da característica eminentemente subjetiva e introspectiva dos transtornos mentais.1,6 Apesar disto, a importância dos modelos animais na compreensão da neurobiologia dos transtornos mentais pode ser constatada ao se comparar o grande número de teorias propostas para a depressão, para a qual existem vários modelos, como o relativamente pequeno número de teorias propostas para a neurobiologia da mania, para a qual quase não existem modelos bem validados, apesar desses quadros coexistirem nos pacientes com transtorno bipolar.
Mas qual a importância disso para o clínico? Realmente, não haveria tempo hábil (e provavelmente seria desnecessário, caso não pense em trabalhar com pesquisa pré-clínica) que o clínico procurasse um grande aprofundamento nesta questão. Entretanto, tendo em vista que somos apresentados continuamente a teorias neurobiológicas dos transtornos mentais ou a propostas de novos fármacos com mecanismos de ação diversos dos atuais, considero que o psiquiatra deve estar minimamente familiarizado com os modelos animais empregados para gerar essas teorias e desenvolver os novos psicofármacos. Isto permitiria ao clínico leitor de revistas científicas uma melhor análise crítica das informações pertinentes à pesquisa pré-clínica e suas implicações clínicas. Portanto, acredito ser importante haver um espaço nas revistas e nos congressos clínicos para que noções básicas sobre o tópico sejam abordadas.
Roberto Andreatini
Departamento de Farmacologia, UFPR
REFERÊNCIAS
1. Rodgers RJ, Cao B-J, Dalvi A, Holmes A. Animal models of anxiety: an ethological perspective. Brazilian J Med Biol Res 1997;30:289-304.
2. Weiss JM, Kilts CD. Animal models of depression and schizophrenia. In: Schatzberg AF, Nemeroff CB, editors. Textbook of psychopharmacology. Washington (DC): American Psychiatric Press Inc.; 1998. p. 89-131.
3. Lederhendler I, Schulkin J. Behavioral neuroscience: challenges for the era of molecular biology. TINS 2000;23(10):451-4.
4. Nicoll CS, Russell SM. Mozart, Alexander the Great, and the animal rights/liberation philosophy. FASEB J 1991;5:2888-92.
5. McKinney Jr-WT. Animal research and its relevance to psychiatry. In: Sadock BJ, Sadock VA, editors. Kaplan & Sadock's comprehensive textbook of Psychiatry. 7th ed. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2000. p. 545-62.
6. Guimarães FS. Modelos experimentais de doenças mentais. Rev ABP-APAL 1993;15(4):149-52.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
30 Out 2002 -
Data do Fascículo
Out 2002