EDITORIAL
PANDAS: visão geral da hipótese
A "Hipótese PANDAS": Disfunção dos gânglios basais devido a uma resposta imune aberrante que é ativada por infecção estreptocócica. É subjacente à patogênese de um grupo emergente de transtornos neuropsiquiátricos entre os quais PANDAS (Pediatric Autoimmune Neuropsychiatric Disorders Associated with Streptococcal Infection) são um exemplo.
A disfunção dos gânglios basais possui várias manifestações, todas sendo englobadas por uma síndrome ou um complexo de sintomas bem definido. É difícil basear-se somente nas manifestações clínicas para realizar um diagnóstico etiológico em transtornos causados por disfunção nos gânglios da base. Ainda que um fenótipo particular esteja tipicamente associado a entidades mórbidas específicas - por exemplo, coréia e tiques na Síndrome de Tourette e coréia de Sydenham, respectivamente -, a partir da aplicação dos princípios básicos poderia se esperar que a disfunção dos gânglios basais imune-mediada resultasse em um espectro amplo de transtornos de movimento e emocionais que têm sido atribuídos à patologia dos gânglios basais. A doença de Huntington tipicamente apresenta-se com coréia, mas está associada a um amplo espectro de outros transtornos de movimento, que inclui transtornos de movimento hiper e hipocinéticos. Dessa forma, seria apropriado utilizar um bio-marcador, além das características clínicas, para definir esse emergente grupo de transtornos.
Coréia de Sydenham (CS) é o protótipo desse grupo de transtornos, tendo o primeiro relato de anticorpos antigânglios da base (AAGB) sido feito na metade dos anos 70.1 Apesar dos problemas metodológicos atuais relacionados à detecção de AAGB, estudos recentes têm confirmado esse resultado inicial e estenderam o espectro dos transtornos associados à presença de AAGB. AAGB foram originalmente encontrados utilizando-se microscopia imunofluorescente. Atualmente, tanto a microscopia imuno fluorescente como a Western immunoblotting estão sendo utilizadas para detectar AAGB.1 Além de SC, indivíduos com PANDAS, ST, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), transtornos de tiques de início no adulto, distonia e parkinsonismo pós-encefalítico têm sido descritos em associação a AAGB.2
Os problemas metodológicos relacionados às diferentes técnicas de Western immunoblotting que são usadas atualmente por diferentes laboratórios podem explicar as diferenças na prevalência relatada de AAGB nesses transtornos. Essas diferenças incluem: 1) problemas com a ligação não-específica ou de baixa afinidade, um problema comum ao utilizar-se luminescência química avançada para detectar anticorpos; 2) padronização da fonte de antígeno dos gânglios basais e de como ela é preparada; e 3) otimização de métodos e condições eletroforéticos.3-4 Essas questões metodológicas serão provavelmente resolvidas se os resultados da identificação recente dos auto-antígenos candidatos5 puderem ser reproduzidos.
A fim de estabelecer se esses transtornos preenchem os critérios de Witesbsky para definir uma doença como auto-imune, será necessário estabelecer um modelo animal apropriado por meio da utilização de auto-antígenos candidatos. É interessante que uma doença com características similares a febre reumática e CS tenha sido induzida em animais por meio da inoculação do animal com cepas reumatogênicas de estreptococos. Não foi estabelecido se uma doença assemelhada a CS pode ou não ser induzida pela transferência passiva de AAGB. Dessa forma, a CS, na qual a relação temporal e etiológica com infecção recente por estreptococos não está em dúvida preenche pelo menos dois dos quatro critérios de Witesbsky para doença auto-imune.
A aparente sobreposição entre os fenótipos clínicos de CS, PANDAS, ST e TOC, e o achado de evidência sorológica de infecção recente por estreptococos e AAGB nesses transtornos, sugere que eles podem, portanto, representar uma entidade mórbida. Por exemplo, pacientes com PANDAS geralmente apresentam características psiquiátricas e freqüentemente têm movimentos coreiformes. Pacientes com CS apresentam geralmente tiques e TOC e pacientes com TOC apresentam geralmente tiques e outros transtornos de movimentos sutis. Se PANDAS, ST e TOC constituem a mesma doença que CS, por que os pacientes com esses transtornos não têm febre reumática? Essa última questão ainda tem que ser investigada sistematicamente. Pode-se especular que as cepas atuais de estreptococos que induzem doença neuropsiquiátrica são diferentes daquelas que são capazes de induzir cardite reumática. Essas questões e outras serão certamente resolvidas quando os auto-antígenos forem confirmados e também categorizados e os epítopos antigênicos tiverem sido comparados aos que presumivelmente são compartilhados com antígenos de estreptococos. Esses últimos pressupõem que a mímica molecular está subjacente à imunopatogênese desses transtornos.
Concluindo, a hipótese PANDAS é plausível, particularmente, se são aceitas as similaridades entre pacientes AAGB-positivos e PANDAS, ST, TOC e CS. A hipótese de trabalho atual é que os anticorpos induzidos em resposta à infecção por estreptococos reagem de forma cruzada com os determinantes antigênicos nos gânglios basais, resultando em disfunção nesses gânglios. Ainda que as evidências experimentais sejam incompletas, i.e., precisamos ainda confirmar os supostos auto-antígenos identificados, criar os modelos animais apropriados e doença de transferência reproduzível com a transferência passiva dos auto-anticorpos. Apesar dessa deficiência nas evidências experimentais, há atualmente argumentos convincentes para aceitar a disfunção imune-baseada dos gânglios basais como uma entidade clínica emergente. Isso é importante, pois ela possui grandes implicações para o diagnóstico e tratamento de pacientes com disfunção dos gânglios basais.
Gavin Giovannoni
Department of Neuroinflammation, Institute of Neurology, University College London
Referências
1. Husby G, van de Rijn I, Zabriskie JB, Abdin ZH, Williams RC Jr. Antibodies reacting with cytoplasm of subthalamic and caudate nuclei neurons in chorea and acute rheumatic fever. J Exp Med. 1976;144(4):1094-110.
2. Martino D, Giovannoni G. Antibasal ganglia antibodies and their relevance to movement disorders. Curr Opin Neurol. 2004;17:425-32.
3. Singer HS, Hong JJ, Rippel CA, Pardo CA. The need for caution in considering the diagnostic utility of antibasal ganglia antibodies in movement disorders. Arch Dis Child. 2004;89(7):595-7.
4. Giovannoni G, Dale R, Church A. Anti-basal ganglia antibodies in movement disorders [letter]. Arch Dis Child 2004. Available from: http://adc.bmjjournals.com/cgi/eletters/89/7/595#1116.
5. Dale RC, Candler PM, Church AJ, et al. Glycolytic enzymes on neuronal membranes are candidate autoantigens in post-streptococcal neuropsychiatric disorders. Mov Disord. 2004;19(Suppl 9):S33.
O arquivo disponível sofreu correções conforme ERRATA publicada no Volume 27 Número 1 da revista.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Out 2006 -
Data do Fascículo
Dez 2004