CARTA AOS EDITORES
Quem lê (mas não cita) ciência brasileira?
Who reads (but does not quote) Brazilian science?
Sr. Editor,
Em ciência, ler é importante; dar o crédito aos trabalhos lidos é mandatório. Inserida num contexto de uma produção científica recente bastante aumentada e qualificada na área médica, a produção na área da psiquiatria tem aumentado em quantidade e qualidade no Brasil. É importante destacar o papel da Revista Brasileira de Psiquiatria como um catalisador deste processo. Juntamente com a produção regular, a RBP tem oportunizado a edição de suplementos como aquele publicado em 2003 sobre o estresse pós-traumático.
Everton Botelho Sougey, da Universidade Federal de Pernambuco, chama a atenção para um fenômeno inquietante: o número e a qualidade dos artigos publicados na área de psiquiatria não está se refletindo numa disposição dos autores nacionais em citarem a produção qualificada de autores brasileiros. Em psiquiatria, o ambiente e a sociedade contribuem de forma significativa para a patoplastia de diversas síndromes. O estresse pós-traumático é um exemplo disto. A presença da violência em ambiente doméstico e o aumento das taxas de violência e criminalidade como um todo na sociedade sugerem que condições próprias da sociedade brasileira influenciem a expressão psicopatológica das conseqüências do trauma. Uma contribuição importante neste sentido foi feita por Câmara Filho e Sougey.1-4 Entretanto, estas contribuições amplamente reconhecidas em congressos e publicações não foram citadas no suplemento sobre o estresse pós-traumático editado pela RBP e por mim, coordenado em 2003. Respeitando a política da revista, os editores não interferem no trabalho dos autores em particular. Entretanto, a reflexão sobre o tema sugere que uma busca proativa da citação de obras brasileiras deve ser perseguida. Mais que isto, nos currículos das residências e nos exames de qualificação, a importância da obra (livros e artigos) de autores nacionais talvez deva ser mais salientada. Isto é ainda mais evidente no caso de patologias como o estresse pós-traumático, onde a influência do ambiente é tão importante.
Flávio Kapczinski
Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil
Laboratório de Psiquiatria Molecular e
Programa de Transtorno Bipolar,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
Porto Alegre (RS), Brasil
Referências
1. Kapczinski F, Margis R. Transtorno de estresse pós-traumático: critérios diagnósticos. Rev Bras Psiquiatr. 2003;25(Supl 1):3-7.
2. Camara Filho JW. Transtorno de estresse pós-traumático: características clínicas e sócio-demográficas de pacientes vinculados ao sistema de saúde da Polícia Militar de Pernambuco [dissertação]. Recife: Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); 1999.
3. Sougey EB, Camara Filho JW. Estupro e transtorno de estresse pós-traumático: aspectos epidemiológicos e clínicos. J Bras Psiquiatr. 1999;48(12):547-53.
4. Camara Filho JW, Sougey EB. Transtorno de estresse pós-traumático: formulação diagnóstica e questões sobre comorbidade. J Bras Psiquiatr. 2001;23(4):221-8.
Financiamento: Inexistente
Conflito de interesses: Inexistente
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Jul 2007 -
Data do Fascículo
Jun 2007