Resumos
Preconiza-se o diagnóstico até os três meses de idade em crianças com deficiência auditiva congênita. Após a etapa inicial de confirmação do diagnóstico, é necessário que se obtenha limiares precisos nas diferentes frequências, para que seja possível uma adequada seleção, indicação e regulagem de aparelhos de amplificação sonora. Nesse contexto, inserem-se os Potenciais Evocados Auditivos de Tronco Encefálico por Frequência Específica (PEATE-FE) e, mais recentemente, os Potenciais Evocados Auditivos de Estado Estável (PEAEE). O objetivo deste estudo de caso foi apresentar os achados das duas técnicas para estimar os limiares auditivos em uma criança de três meses de idade, com perda auditiva neurossensorial bilateral, diagnosticada utilizando-se como primeiro método de avaliação os Potenciais Evocados Auditivos de Tronco Encefálico com estímulo clique, tanto por via aérea como por via óssea. As duas técnicas mostraram-se eficientes para estimar os limiares auditivos, com uma vantagem dos PEAEE com relação ao tempo de duração de exame.
Potenciais evocados auditivos; Potenciais evocados auditivos do tronco encefálico; Eletrofisiologia; Perda auditiva neurossensorial; Relatos de casos
It is recommended that congenital hearing loss is identified as early as three months old. After the initial step of confirming the diagnosis, it is necessary to obtain accurate hearing thresholds, allowing an adequate selection, indication and regulation of hearing aids for these children. It is inserted, in this context, the Frequency-Specific Auditory Brainstem Responses (FSABR) and, more recently, the Auditory Steady-State Responses (ASSR). The aim of the present study was to describe the findings of the use of both techniques to estimate the auditory thresholds of a three-month-old infant with bilateral sensorineural hearing loss diagnosed using, as primary evaluation method, the click-evoked Auditory Brainstem Responses, with both air and bone stimuli conduction. Both techniques provided reliable findings for estimating auditory thresholds. The ASSR had an advantage regarding the duration of the evaluation.
Evoked potentials; auditory; Evoked potentials; auditory; brain stem; Electrophysiology; Hearing loss, sensorineural; Case reports
RELATO DE CASO
Potenciais evocados auditivos de tronco encefálico por frequência específica e de estado estável na audiologia pediátrica: estudo de caso
Frequency-specific and steady-state evoked auditory brainstem responses in pediatric audiology: case study
Gabriela Ribeiro Ivo RodriguesI; Mabel Gonçalves AlmeidaII; Dóris Ruth LewisIII
IPós-graduanda (Mestrado) do Programa de Pós-graduação em Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP São Paulo (SP), Brasil
IIPós-graduanda (Mestrado) do Programa de Pós-graduação em Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP São Paulo (SP), Brasil
IIIDoutora, Professora Titular da Faculdade de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP São Paulo (SP), Brasil
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Gabriela Ribeiro Ivo Rodrigues CeAC/DERDIC/PUC-SP R. Estado de Israel, 860, Vila Clementino São Paulo (SP), Brasil, CEP: 04022-040 E-mail: gabrielaivo@hotmail.com
RESUMO
Preconiza-se o diagnóstico até os três meses de idade em crianças com deficiência auditiva congênita. Após a etapa inicial de confirmação do diagnóstico, é necessário que se obtenha limiares precisos nas diferentes frequências, para que seja possível uma adequada seleção, indicação e regulagem de aparelhos de amplificação sonora. Nesse contexto, inserem-se os Potenciais Evocados Auditivos de Tronco Encefálico por Frequência Específica (PEATE-FE) e, mais recentemente, os Potenciais Evocados Auditivos de Estado Estável (PEAEE). O objetivo deste estudo de caso foi apresentar os achados das duas técnicas para estimar os limiares auditivos em uma criança de três meses de idade, com perda auditiva neurossensorial bilateral, diagnosticada utilizando-se como primeiro método de avaliação os Potenciais Evocados Auditivos de Tronco Encefálico com estímulo clique, tanto por via aérea como por via óssea. As duas técnicas mostraram-se eficientes para estimar os limiares auditivos, com uma vantagem dos PEAEE com relação ao tempo de duração de exame.
Descritores: Potenciais evocados auditivos; Potenciais evocados auditivos do tronco encefálico; Eletrofisiologia; Perda auditiva neurossensorial/congênito; Relatos de casos
ABSTRACT
It is recommended that congenital hearing loss is identified as early as three months old. After the initial step of confirming the diagnosis, it is necessary to obtain accurate hearing thresholds, allowing an adequate selection, indication and regulation of hearing aids for these children. It is inserted, in this context, the Frequency-Specific Auditory Brainstem Responses (FSABR) and, more recently, the Auditory Steady-State Responses (ASSR). The aim of the present study was to describe the findings of the use of both techniques to estimate the auditory thresholds of a three-month-old infant with bilateral sensorineural hearing loss diagnosed using, as primary evaluation method, the click-evoked Auditory Brainstem Responses, with both air and bone stimuli conduction. Both techniques provided reliable findings for estimating auditory thresholds. The ASSR had an advantage regarding the duration of the evaluation.
Keywords: Evoked potentials, auditory; Evoked potentials, auditory, brain stem; Electrophysiology; Hearing loss, sensorineural/congenital; Case reports
INTRODUÇÃO
Com o advento da triagem auditiva neonatal (TAN), crianças cada vez menores são encaminhadas para diagnóstico audiológico, aumentando a necessidade de avaliações mais objetivas e precisas, principalmente no que se refere às estimativas de limiares nas frequências específicas, para posterior seleção e adaptação do aparelho de amplificação sonora individual (AASI).
Recomenda-se que o diagnóstico infantil seja realizado antes dos três de meses de idade e que se utilize uma combinação de métodos eletrofisiológicos, eletroacústicos e comportamentais, possibilitando assim uma estimativa dos limiares auditivos de forma mais precisa(1).
Nesse contexto, inserem-se os Potenciais Evocados Auditivos de Tronco Encefálico por Frequência Específica (PEATE-FE) e, mais recentemente, os Potenciais Evocados Auditivos de Estado Estável (PEAEE), uma vez que são capazes de predizer os limiares auditivos com especificidade de frequência. Essas técnicas podem orientar o processo de seleção e adaptação do AASI, essencial para uma habilitação/reabilitação de qualidade(2).
O PEATE-FE é o atual método recomendado para obter essa informação para neonatos, lactentes e crianças que não cooperaram durante a avaliação comportamental(1). É capaz de predizer os níveis mínimos de resposta auditiva em sujeitos com audição normal, ou com diferentes tipos e graus de perdas auditivas. Os níveis mínimos de resposta obtidos pelos PEATE-FE encontram-se entre 10 e 20 dB acima das respostas comportamentais(3). No entanto, sua utilização limita-se à pesquisa e registro de apenas uma frequência por vez, e em cada orelha separadamente. A interpretação dos achados é subjetiva e os resultados dependem de um avaliador com habilidade e experiência clínica, tornando-se, portanto, um exame de mais difícil realização(4).
Por outro lado, os PEAEE vêm despertando o interesse na clínica audiológica pela possibilidade de estimar a audição com a utilização de múltiplos estímulos simultâneos, permitindo a avaliação das quatro frequências (500, 1000, 2000 e 4000 Hz) em ambas as orelhas ao mesmo tempo. Tem-se dessa forma um registro desses potenciais de forma mais rápida, além de mais objetiva, pois nos PEAEE a detecção das respostas é baseada em testes estatísticos e algoritmos, o que reduz os riscos da interpretação subjetiva(4).
Estudos nacionais e internacionais têm mostrado boas correlações entre as respostas dos PEAEE e os limiares comportamentais em adultos e crianças com perda auditiva(5-6). Estudo que comparou os PEAEE com os PEATE-FE em adultos ouvintes e com perdas auditivas(7) encontrou níveis mínimos de resposta para os PEATE-FE, em média, 3 dB mais próximos dos limiares comportamentais que os obtidos pelos PEAEE, exceto nas perdas auditivas em rampa, casos em que os PEAEE foram mais precisos. Em neonatos ouvintes(8), comparando as duas técnicas, foram observadas respostas para os PEATE-FE significantemente melhores que para os PEAEE. No entanto, tal diferença foi considerada um artefato de calibração dos estímulos, visto que, quando os resultados dos PEAEE foram calibrados em dB peNPS (pico equivalente nível de pressão sonora), calibração utilizada nos PEATE-FE, não houve diferença entre as respostas obtidas pelos dois exames. Estudo que comparou a maturação entre as respostas dos PEATE-FE e dos PEAEE(9) demonstrou uma diminuição média de 10 dB nas respostas dos PEAEE do nascimento a seis semanas de vida, efeito maturacional este não observado nos resultados dos PEATE-FE.
Em geral, os estudos em crianças com perda auditiva têm comparado os PEAEE com os PEATE com estímulo clique, demonstrando boas correlações entre as duas técnicas para as altas frequências(10-11). No entanto, foram poucos os estudos que correlacionaram os PEAEE com os PEATE-FE(11-13) e estes priorizaram somente as frequências baixas: 250 e 500 Hz(12-13), encontrando correlações significantes entre as duas técnicas.
APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO
Neste estudo, será apresentado um caso em que foram utilizados os PEATE- FE e os PEAEE com finalidade de estimar os limiares auditivos de uma criança de três meses de idade, cujo diagnóstico de perda auditiva neurossensorial moderada bilateral foi obtido por meio do PEATE com estímulo clique, tanto por via aérea, como por via óssea.
A pesquisa foi realizada no Centro Audição na Criança (CeAC), setor da Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação (DERDIC), ambos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com aprovação da instituição e do Comitê de Ética (processo nº 113/2008). Os responsáveis pela criança envolvida assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
A criança do sexo feminino e com três meses de idade, analisada neste caso, foi encaminhada à instituição para reavaliação audiológica. Apresentava histórico de falha na TAN na maternidade, utilizando o protocolo com Emissões Otoacústicas Evocadas por Estímulo Transiente (EOAET) e PEATE com estímulo clique a 45 dB NA. O primeiro diagnóstico realizado com um mês de idade, em outra instituição, utilizou os PEATE com estímulo clique por via aérea e óssea e os PEATE-FE, sendo ambos sugestivos de perda auditiva neurossensorial moderada bilateral. Os resultados da avaliação eletrofisiológica inicial foram apresentados no Quadro 1.
Na reavaliação, foram investigados todos os indicadores de risco para deficiência auditiva(1), sendo constatada história familiar de perda auditiva congênita durante exame médico. Foi solicitada a reavaliação para confirmação dos limiares auditivos, pois os pais suspeitavam de mudança nos limiares da criança. Após avaliação médica e entrevista fonoaudiológica, foi realizada uma bateria de exames audiológicos, descritos a seguir.
Foi realizada a timpanometria com sonda de tom teste de 1000 Hz, com resultado sugestivo de curva timpanométrica do tipo pico simples(14). O registro das Emissões Otoacústicas Evocadas por Estímulo Transiente (EOAET) e Emissões Otoacústicas Evocadas por Produto de Distorção (EOAE-PD) estavam ausentes bilateralmente.
Na avaliação comportamental, devido à idade da criança e sua capacidade motora e cognitiva, foi possível realizar a audiometria de observação comportamental (BOA) em campo livre, nos tons puros de 500, 1000, 2000 e 4000 Hz calibrados segundo a norma ISO 389-1.
Para avaliação eletrofisiológica foi utilizado o equipamento modelo SmartEp da marca Intelligent Hearing Systems® (IHS). Todos os exames eletrofisiológicos foram realizados com a criança em sono natural com o mesmo padrão de colocação dos eletrodos de superfície para os dois testes, a saber: eletrodos referência dispostos nas mastóides direita (A2) e esquerda (A1); os eletrodos ativo (Fz) e terra (Fpz) na fronte.
No registro dos PEATE-FE os estímulos utilizados foram tonepipes de 500, 1000, 2000 e 4000 kHz na taxa de repetição de 39.1 Hz e polaridade condensada. Os níveis mínimos de resposta foram pesquisados a passos de 10 dB e a presença de resposta foi determinada pelo avaliador, com base na reprodutibilidade da onda V. O número mínimo de estímulos considerado foi 2000, e o máximo 6000 estímulos.
Os níveis mínimos de resposta para os PEAEE foram pesquisados a passos de 5 dB e detectados automaticamente pelo sistema. Cada estímulo utilizado consistiu da combinação múltipla de quatro tonepipes nas frequências portadoras de 500, 1000, 2000 e 4000 kHz, apresentados nas taxas de repetição de aproximadamente 77, 85, 93 e 101 Hz na orelha esquerda e de 79, 87, 95 e 103 Hz na orelha direita. O número máximo de estímulos apresentados foi 400. Os PEAEE foram registrados em dB nível de pressão sonora (NPS) e convertidos para dB nível de audição (NA) segundo a norma ISO 389-2 para fones de inserção, com o intuito de viabilizar as comparações. Essa conversão foi realizada em estudo que utilizou o mesmo equipamento(15).
Foi determinado nível mínimo de resposta auditiva, a menor intensidade em que as respostas foram registradas nas duas técnicas. Os resultados encontrados nos potenciais evocados e o tempo gasto para seu registro, assim como os resultados da audiometria de observação comportamental foram apresentados no Quadro 2.
Os traçados obtidos no registro dos PEATE-FE são apresentados na Figura 1 e os níveis mínimos de resposta observados no registro dos PEAEE na Figura 2.
DISCUSSÃO
Tanto os PEATE-FE como os PEAEE puderam estimar os limiares auditivos, confirmando o diagnóstico de perda auditiva moderada bilateral. Os níveis mínimos de resposta obtidos pelos PEAEE apresentaram-se semelhantes aos do PEATE-FE em ambas as orelhas, embora levemente menores. Esses achados confrontam aqueles observados em estudo que comparou as duas técnicas em adultos(7), que obtiveram respostas melhores para os PEATE-FE, exceto nas perdas auditivas em rampa, em que os PEAEE forneceram uma estimativa mais precisa.
Comparando a avaliação eletrofisiológica realizada com um mês de idade com a posteriormente realizada aos três meses, notam-se diferenças de aproximadamente 10 dB tanto nos achados do PEATE - clique como dos PEATE-FE. Tais diferenças podem ser explicadas, possivelmente, pelos diferentes parâmetros de estimulação utilizados nas duas avaliações, pela subjetividade da interpretação das respostas entre dois diferentes avaliadores(4), ou ainda, pela maturação do sistema nervoso auditivo central (SNAC)(8-9).
As diferenças entre os níveis mínimos de resposta obtidos pelas duas técnicas também podem ser justificadas pelas distintas unidades de calibração e formas de registro: PEAEE registrados automaticamente pelo sistema em dB NPS, convertidos para dB NA e pesquisados a passos de 5 dB; e os PEATE-FE registrados com base na observação do avaliador em dB NA e obtidos a passos de 10 dB(8-11).
No que concerne ao tempo de realização dos exames, a realização dos PEATE-FE nas frequências de 500, 1000, 2000 e 4000 Hz em ambas as orelhas durou aproximadamente 80 minutos, enquanto a dos PEAEE durou aproximadamente 59 minutos. Os PEATE-FE demoraram 21 minutos a mais para serem finalizados quando comparados aos PEAEE, o que pode ser justificado pela possibilidade de se utilizar estímulos múltiplos e avaliar as duas orelhas simultaneamente, indicando uma vantagem na utilização dos PEAEE quando comparados aos PEATE-FE(3-4).
CONCLUSÃO
Este estudo de caso demonstra que as duas medidas eletrofisiológicas apresentam utilidade clínica no diagnóstico da perda auditiva em crianças pequenas que não respondem com precisão a uma avaliação convencional como a audiometria tonal, predizendo os limiares auditivos e, dessa forma, possibilitando o início da seleção e adaptação do AASI antes dos seis meses de idade de forma mais precisa.
Recebido em: 19/9/2008; Aceito em: 18/7/2009
Trabalho desenvolvido no Centro Audição na Criança da Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo CeAC/DERDIC/PUC-SP São Paulo (SP), Brasil.
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Endereço para correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
11 Jan 2010 -
Data do Fascículo
2009
Histórico
-
Recebido
19 Set 2008 -
Aceito
18 Jul 2009