Resumos
Este estudo teve como objetivo caracterizar o perfil de habilidades comunicativas de cinco irmãos com Desordens do Espectro Alcoólico Fetal. O diagnóstico de Desordens do Espectro Alcoólico Fetal foi realizado a partir do histórico gestacional positivo para álcool e identificação de sinais clínicos. A avaliação fonoaudiológica constou da Observação do Comportamento Comunicativo, Escala de Desenvolvimento Comportamental de Gesell e Amatruda, Teste de Vocabulário por Imagens Peabody e avaliação audiológica. Todos os participantes apresentaram alterações nos comportamentos motor grosso, motor delicado, adaptativo, pessoal-social e de linguagem em graus variados. As habilidades comunicativas estavam comprometidas para todos os participantes e S4 apresentava comportamentos autísticos. As Desordens do Espectro Alcoólico Fetal foram confirmadas em S1, S2 e S5 e o diagnóstico de Síndrome Alcoólica Fetal foi confirmado para S3 e S4. Os resultados apresentaram variabilidade no desenvolvimento das habilidades de desenvolvimento dos irmãos com as Desordens do Espectro Alcoólico Fetal. A variabilidade dos achados, principalmente nas habilidades comunicativas e comportamentais, sugere a necessidade de acompanhar crianças com histórico de uso de álcool pela mãe, visto o impacto destas desordens no desenvolvimento global destes indivíduos, com impacto nas atividades de vida diária e escolaridade.
Síndrome alcoólica fetal; Transtornos relacionados ao uso de álcool; Desenvolvimento infantil; Desenvolvimento da linguagem; Comunicação; Comportamento verbal; Avaliação
The present study had the aim to characterize the communicative abilities profile of five siblings with Fetal Alcohol Spectrum Disorders. This diagnosis was carried out based on the positive report of prenatal alcohol exposure and identification of clinical signs. The Speech-Language Pathology evaluation consisted of the Communicative Behavior Observation, the Behavioral Development Scale of Gesell and Amatruda, the Peabody Picture Vocabulary Test, and hearing evaluation. Participants presented various degrees of alterations in gross motor, fine motor, adaptative, personal-social and language behaviors. The communicative abilities were altered for all the participants, and S4 presented autistic behaviors. Fetal Alcohol Spectrum Disorders were confirmed in S1, S2 and S5 and the diagnosis of Fetal Alcohol Syndrome was confirmed for S3 and S4. The results showed variability in the development of the studied abilities among the siblings with Fetal Alcohol Spectrum Disorders. The variability of the findings, especially in communicative abilities and behavior, suggests the need to follow-up children with reports of alcohol use by the mother, considering the impact of these disorders on these individuals' global development, including daily life activities and schooling.
Fetal alcohol syndrome; Alcohol-related disorders; Child development; Language development; Communication; Verbal behavior; Evaluation
RELATO DE CASO
Desordens do espectro alcoólico fetal e habilidades de comunicação: relato de caso familiar
Fetal alcohol spectrum disorders and communication abilities: family case report
Dionísia Aparecida Cusin LamônicaI; Mariana Germano GejãoII; Sushila Ninfa Rodrigues AguiarIII; Greyce Kelly da SilvaIV; Andréa Cintra LopesVI; Antônio Richieri-CostaVI
ILivre-Docente, Professora Associada do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo - USP - Bauru (SP), Brasil
IIMestre, Fonoaudióloga do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo - USP - Bauru (SP), Brasil
IIIFonoaudióloga do Ambulatório de Audiologia "Lar e Escola Rafael Maurício" - AMA - Bauru (SP), Brasil
IVMestre, Fonoaudióloga da Prefeitura Municipal de Uru - Uru (SP), Brasil
VDoutora, Docente do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo - USP - Bauru (SP), Brasil
VINeuro-geneticista do Departamento de Genética Médica do Hospital de Reabilitação e Anomalias Craniofacial da Universidade de São Paulo - USP - Bauru (SP), Brasil
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dionísia Aparecida Cusin Lamônica Via Puccini, 1-16, Residencial Tívoli I, Bairro Tívoli Bauru (SP), Brasil, CEP: 17053-095 E-mail: dionelam@uol.com.br
RESUMO
Este estudo teve como objetivo caracterizar o perfil de habilidades comunicativas de cinco irmãos com Desordens do Espectro Alcoólico Fetal. O diagnóstico de Desordens do Espectro Alcoólico Fetal foi realizado a partir do histórico gestacional positivo para álcool e identificação de sinais clínicos. A avaliação fonoaudiológica constou da Observação do Comportamento Comunicativo, Escala de Desenvolvimento Comportamental de Gesell e Amatruda, Teste de Vocabulário por Imagens Peabody e avaliação audiológica. Todos os participantes apresentaram alterações nos comportamentos motor grosso, motor delicado, adaptativo, pessoal-social e de linguagem em graus variados. As habilidades comunicativas estavam comprometidas para todos os participantes e S4 apresentava comportamentos autísticos. As Desordens do Espectro Alcoólico Fetal foram confirmadas em S1, S2 e S5 e o diagnóstico de Síndrome Alcoólica Fetal foi confirmado para S3 e S4. Os resultados apresentaram variabilidade no desenvolvimento das habilidades de desenvolvimento dos irmãos com as Desordens do Espectro Alcoólico Fetal. A variabilidade dos achados, principalmente nas habilidades comunicativas e comportamentais, sugere a necessidade de acompanhar crianças com histórico de uso de álcool pela mãe, visto o impacto destas desordens no desenvolvimento global destes indivíduos, com impacto nas atividades de vida diária e escolaridade.
Descritores: Síndrome alcoólica fetal; Transtornos relacionados ao uso de álcool; Desenvolvimento infantil; Desenvolvimento da linguagem; Comunicação; Comportamento verbal; Avaliação
ABSTRACT
The present study had the aim to characterize the communicative abilities profile of five siblings with Fetal Alcohol Spectrum Disorders. This diagnosis was carried out based on the positive report of prenatal alcohol exposure and identification of clinical signs. The Speech-Language Pathology evaluation consisted of the Communicative Behavior Observation, the Behavioral Development Scale of Gesell and Amatruda, the Peabody Picture Vocabulary Test, and hearing evaluation. Participants presented various degrees of alterations in gross motor, fine motor, adaptative, personal-social and language behaviors. The communicative abilities were altered for all the participants, and S4 presented autistic behaviors. Fetal Alcohol Spectrum Disorders were confirmed in S1, S2 and S5 and the diagnosis of Fetal Alcohol Syndrome was confirmed for S3 and S4. The results showed variability in the development of the studied abilities among the siblings with Fetal Alcohol Spectrum Disorders. The variability of the findings, especially in communicative abilities and behavior, suggests the need to follow-up children with reports of alcohol use by the mother, considering the impact of these disorders on these individuals' global development, including daily life activities and schooling.
Keywords: Fetal alcohol syndrome; Alcohol-related disorders; Child development; Language development; Communication; Verbal behavior; Evaluation
INTRODUÇÃO
As desordens do espectro alcoólico fetal descrevem um termo "guardachuva" que compõem os efeitos adversos do consumo do álcool durante a gravidez, com efeitos permanentes e frequentemente devastadores para o desenvolvimento infantil(1-2), incluindo anomalias estruturais, comportamentais e neurocognitivas(3). O diagnóstico clínico compõe a Síndrome Alcoólica Fetal (SAF), a síndrome alcoólica fetal parcial, a encefalopatia alcoólica e as desordens neurocomportamentais da exposição ao álcool(1).
O impacto teratogênico do álcool pode proporcionar déficits nas funções cognitivas, atenção, memória, processamento das informações, habilidades motoras e resolução de problemas e, desta forma, interferir no funcionamento social da criança e acarretar déficits no comportamento adaptativo, na competência social, na comunicação e nas habilidades de vida diária(1,3-5).
Na Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) a tríade sintomática é caracterizada por déficits de crescimento pré e pós-natais, dismorfismos faciais e evidências de anormalidades do sistema nervoso central(1-6). Estão incluídas anormalidades neurológicas, disfunções comportamentais, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, deficiência intelectual, alterações sensoriais e perceptivas(6-10).
Pesquisas sobre o perfil de habilidades de linguagem em pacientes com Desordens do Espectro Alcoólico Fetal são escassas, principalmente na literatura brasileira(11).
O objetivo deste estudo é caracterizar o perfil de habilidades comunicativas de cinco irmãos com Desordens do Espectro Alcoólico Fetal.
APRESENTAÇÃO DOS CASOS CLÍNICOS
Este estudo foi encaminhado para o Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Odontologia de Bauru, tendo sido aprovado com o protocolo 004/2009. A participação dos sujeitos ocorreu com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pela representante legal dos menores, seguindo a resolução 196/96 do CONEP.
O diagnóstico foi realizado a partir do histórico gestacional positivo para álcool e identificação de sinais clínicos das Desordens do Espectro Alcoólico Fetal, realizada por meio de exame médico.
Foram realizadas sessões para coleta de informações sobre o desenvolvimento dos participantes. A mãe forneceu informações, relatou dificuldades para recordar datas, e participou de todas as sessões de avaliação.
Para caracterizar o perfil de comunicação dos irmãos, foi realizada avaliação fonoaudiológica clínica por meio da Observação do Comportamento Comunicativo, aplicação da Escala de Desenvolvimento Comportamental de Gesell e Amatruda(12), do Teste de Vocabulário por Imagens Peabody (TVIP) - Estandartização para a língua portuguesa(13) e avaliação audiológica.
A família é composta pelos pais não consanguíneos e cinco filhos. Seu nível social é baixo inferior. A dependência do álcool pela mãe é compartilhada pelo marido. A idade materna na época do nascimento do primeiro filho era de 19 anos e a paterna de 27 anos. Nenhuma gravidez foi programada. Há histórico de vários abortos espontâneos. A informante referiu ingestão de álcool (cachaça) desde o início da adolescência, mas não refere quantidade.
A casuística é descrita a seguir:
- S1: criança de gênero feminino, de 98 meses (8a 2m), nascida de parto normal, a termo e pesando 2600 g. Mãe relatou realização do acompanhamento pré-natal a partir do sexto mês gestacional. Apresentou atraso do desenvolvimento neuropsicomotor (início da marcha aos 18 meses e das primeiras palavras após 36 meses). Foi descrita pela mãe como desatenta, desobediente e hiperativa. É independente para atividades de vida diária como comer, tomar banho e vestir-se. Mãe referiu dificuldades para acompanhar as atividades escolares, pois não consegue aprender o conteúdo ensinado em sala de aula. Não houve queixas relacionadas ao comportamento auditivo.
- S2: criança do gênero masculino, de 73 meses (6a 1m), nascido de parto normal, a termo e pesando 2500 g. Mãe relatou não ter feito pré-natal. Apresentou atraso do desenvolvimento neuropsicomotor (início da marcha aos 24 meses e das primeiras palavras após 36 meses). A mãe informou que fala poucas palavras e o descreveu como nervoso, agitado e impulsivo e referiu dificuldades de adaptação na creche. Nas atividades de vida diária, alimenta-se sozinho, mas necessita de ajuda para as demais atividades. Não houve queixas relacionadas ao comportamento auditivo.
- S3: criança do gênero masculino, de 59 meses (4a 11m), nascido de parto foi normal, a termo e pesando 2450 g. O pré-natal foi realizado a partir do terceiro mês gestacional. Mãe apresentou anemia, nesta época e usou medicamentos sob orientação médica. A criança ficou hospitalizada por uma semana ao nascimento por apresentar tremores, vômitos e dificuldades para alimentação. Apresentou atraso do desenvolvimento neuropsicomotor (início da marcha após os 24 meses e das primeiras palavras após 36 meses). Mãe relatou produção de apenas palavras isoladas, frequentes infecções de ouvido e o descreveu como sendo nervoso, medroso, isolado, com dificuldades para dormir e de adaptação na creche. Nas atividades de vida diária, alimenta-se sozinho, mas necessita de ajuda para as demais atividades.
- S4: criança do gênero masculino, de 45 meses (3a 9m). Mãe relatou hemorragias a partir do 4º mês gestacional, quando iniciou pré-natal. O bebê nasceu prematuro, de parto normal, pesando aproximadamente 1200g. Mãe referiu que nasceu cianótico e necessitou ficar hospitalizado por dois meses. Afirmou que a criança era mole, inativa e que apresentou convulsão durante o período de internação hospitalar, além de tremores, vômitos e muita dificuldades para alimentação com o uso de sonda. Teve icterícia, necessitou transfusão sanguínea e na Triagem Neonatal (teste do pezinho), realizada aos 60 dias, foi detectada aminoacidopatia. Não foi amamentado pela mãe. Apresenta dificuldade para aceitar mudança de cardápio e não aceita alimentação sólida (só se alimenta com leite engrossado com fubá). Apresentou atraso do desenvolvimento neuropsicomotor (início da marcha após os 30 meses e ainda não fala). Apresenta problemas de sono e comportamentos "estranhos", como balanceio de corpo, bater as mãos na frente do rosto ao produzir sons. Mãe informou que não demonstra interesse por brinquedos ou pessoas, que parece não reconhecê-la e o descreveu como sendo nervoso, impaciente, ausente e arteiro. Frequenta escola especial e o Centro de Reabilitação da APAE.
- S5: criança do gênero feminino, de 28 meses (2a 4m), nascida de parto normal, a termo e com peso de 2700 g. Não foi realizado o pré-natal. Apresentou atraso do desenvolvimento neuropsicomotor (início da marcha após 18 meses e das primeiras palavras após 24 meses). Mãe relatou que apesar de compreender a fala dos outros, produz poucas palavras como "mãe", "dá" e "não", e a descreveu como sendo nervosa, agitada e com dificuldades para adaptação na creche. Não houve queixas relacionadas ao comportamento auditivo.
A Tabela 1 apresenta os resultados do exame médico para a identificação de sinais clínicos das Desordens do Espectro Alcoólico Fetal em S1, S2, S3, S4 e S5.
A Tabela 2 apresenta os resultados obtidos por meio da observação do comportamento comunicativo dos participantes S1, S2, S3, S4 e S5.
A Tabela 3 apresenta os resultados obtidos na aplicação da Escala de Desenvolvimento Comportamental de Gesell e Amatruda(12). Cabe ressaltar que esta avaliação foi realizada por meio da observação dos comportamentos dos participantes e considerando as respostas da mãe para aqueles comportamentos que não foram possíveis de ser observados. A aplicação deste instrumento para S4 não foi possível.
O Teste de Vocabulário por Imagens Peabody - TVIP(13) só foi possível ser aplicado em S1, que obteve classificação baixa inferior. Seguindo o manual do instrumento, S2, S3 e S5 não conseguiram obter os escores de base do teste. Este teste não foi aplicado em S4, devido aos comportamentos mal adaptativos apresentados pela criança.
Quanto à avaliação audiológica, S1 apresentou avaliação audiológica periférica obtida por meio da imitanciometria e audiometria tonal liminar, dentro da normalidade. Os demais participantes (S2, S3, S4 e S5) não conseguiram realizar essas avaliações, assim como a avaliação do comportamento auditivo, devido à dificuldade para compreender e seguir instruções, à agitação e à impossibilidade de utilização de fones. As crianças foram encaminhadas para avaliação eletrofisiológica da audição, entretanto, a mãe não autorizou sua realização devido à necessidade de realizar o exame com sedação, justificando ainda ausência de queixas quanto a problemas de audição.
DISCUSSÃO
As Desordens do Espectro Alcoólico Fetal ocorrem devido à ingestão de bebidas alcoólicas no período pré-conceptual e pré-natal e não se sabe a quantidade de álcool que desencadeia este quadro(1). Seus efeitos podem comprometer alguns ou toda a prole, com variabilidade de manifestações tanto do comprometimento dismórfico facial quanto do sistema nervoso central, acarretando reflexos variados para o desenvolvimento(2,6) .
A Tabela 1 apresentou a presença de sinais indicativos das Desordens do Espectro Alcoólico Fetal nos participantes deste estudo e permitiu verificar a variabilidades das manifestações quanto aos dismorfismos e desempenhos, e os sinais de SAF para S3 e S4. Estudos têm apresentado que é possível verificar correlação entre dismorfismos faciais e alterações no sistema nervoso central(1-2,5-6), sugerindo que crianças com SAF com déficit de crescimento e sinais dismórficos tendem a apresentar maiores limitações em seu desenvolvimento e desempenho cognitivo(2) com reflexos nas atividades de vida diária.
Correlacionando o histórico clínico das crianças e seus desempenhos, é possível verificar que todas as crianças apresentaram baixo peso ao nascer, atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, da linguagem, comportamentos mal adaptativos com diminuição da independência em atividades de vida diária e dificuldades de adaptação nos ambientes sociais(2), características previstas nas Desordens do Espectro Alcoólico Fetal. O atraso do desenvolvimento neuropsicomotor é um fator de risco importante para alterações em outras áreas do desenvolvimento, uma vez que este pode fazer com que a criança perca oportunidades concretas de ampliar seu repertorio, ocasionando lacunas nas áreas perceptivas, cognitiva, linguística e social. A aprendizagem da criança ocorre pela exploração do ambiente, manipulação dos objetos, repetição das ações, domínio do controle de seu esquema corporal e pelas relações estabelecidas em situações vivenciadas(14). Hiperatividade e déficit de atenção são comuns em crianças com Desordens do Espectro Alcoólico Fetal(1-3,5-7,10) e constituem outro agravante para a aquisição de habilidades comunicativas influenciando nas relações pessoal-sociais e comportamentos adaptativos.
Nas Tabelas 2 e 3 foi possível verificar que todas as crianças apresentam atraso e alterações da linguagem oral em todos os níveis. Todos, em graus variados apresentaram dificuldades na interação social e, apesar de S1, S2 e S5 demonstrarem intenção comunicativa, as habilidades linguísticas e o comportamento comunicativo estiveram aquém do esperado para o nível de exigência correspondente à idade cronológica. Alguns estudos(1-4,6,10) apontaram estas dificuldades e relataram-nas como sendo parte do comportamento fenotípico das Desordens do Espectro Alcoólico Fetal, prevendo, desta forma, reflexos destes nos processos de aprendizagem.
S4 apresentou comportamentos descritos como parte do espectro autístico. Deve-se levar em consideração, neste caso, o acréscimo de fatores de risco, como prematuridade e aminoacidopatia. Dentre as alterações neuroquímicas, a literatura cita a diminuição da acetilcolina, da enzima que sintetiza a glutamina e alterações nos níveis de dopamina e dos receptores dopaminérgicos(7). Isto pode constituir fator de risco para alterações do desenvolvimento, que influenciam no processamento das informações, com tendência a alterações nas habilidades, cognitivas, linguísticas, sociais e de autocuidados(1-8,11). Outro estudo(9) afirmou que, apesar das crianças com SAF apresentarem comportamentos compatíveis com Desordens do Espectro Autístico, crianças com SAF e crianças autistas, mesmo apresentando dificuldades para se engajar em interações sociais, direcionar o foco atencional e lidar com aspectos da comunicação verbal e não verbal, demonstraram diferenças na qualidade das interações.
A avaliação audiológica somente foi possível para S1. A literatura apresenta que indivíduos com Desordens do Espectro Alcoólico Fetal podem apresentar atraso no desenvolvimento da função auditiva, perda auditiva condutiva ou neurossensorial ou perda auditiva central(10-11). S1 apresentou audição nos parâmetros da normalidade. S3 apresentou histórico de otites de repetição. Um estudo(10) que teve como objetivo caracterizar a audição de crianças com SAF apresentou que é alta a frequência de crianças com otite média crônica e que a perda da audição tende a ser igual ou maior que 16 dB, nível de audição, em cada frequência testada. Os problemas comportamentais, somados às dificuldades para o processamento das informações, afetam as habilidades das crianças com Desordens do Espectro Alcoólico Fetal para responder adequadamente ao ambiente(10). Neste estudo, a mãe não apresentou queixas envolvendo a audição, exceto para S4, que mesmo assim não colaborou para a realização da avaliação auditiva, embora houvesse indicadores de risco.
Como conclusão, verifica-se que, na caracterização do perfil de habilidades comunicativas de irmãos com Desordens do Espectro Alcoólico Fetal, foi observada variabilidade. Confirmou-se características das Desordens Espectro Alcoólico Fetal para S1, S2 e S5 e de SAF para S3 e S4. Pelas alterações encontradas é possível prever dificuldades para integração social e aprendizado para todos os participantes deste estudo, confirmando as queixas de dificuldades de adaptação escolar.
COMENTÁRIOS FINAIS
Os resultados apresentaram variabilidade no desen-volvimento das habilidades de desenvolvimento dos irmãos. A variabilidade dos achados, principalmente nas habilidades comunicativas e comportamentais, sugere a necessidade de acompanhar crianças com histórico de uso de álcool pela mãe, visto o impacto das Desordens do Espectro Alcoólico Fetal no desenvolvimento destes indivíduos.
Recebido em: 21/6/2009; Aceito em: 30/8/2009
Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo - USP - Bauru (SP), Brasil.
- 1. Franklin L, Deitz J, Jirikowic T, Astley S. Children with fetal alcohol spectrum disorders: Problem behavior and sensory processing. Am J Occup Ther. 2008;62(3):265-73.
- 2. Jirikowic T, Olson HC, Kartin D. Sensory processing, school performance, and adaptive behavior of young school-age children with fetal alcohol spectrum disorders. Phys Occup Ther Pediatr. 2008;28(2):117-36.
- 3. Ervalahti N, Korkman M, Fagerlund A, Autti-Rämö I, Loimu L, Hoyme HE. Relationship between dysmorphic features and general cognitive function in children with fetal alcohol spectrum disorders. Am J Med Genet A. 2007;143A(24):2916-23.
- 4. Vaurio L, Riley EP, Mattson SN. Differences in executive functioning in children with heavy prenatal alcohol exposure or attention-deficit/hyperactivity disorder. J Int Neuropsychol Soc. 2008;14(1):119-29.
- 5. Kable JA, Coles CD, Taddeo E. Socio-cognitive habilitation using the math interactive learning experience program for alcohol-affected children. Alcohol Clin Exp Res. 2007;31(8):1425-34.
- 6. Momino W, Sanseverino MT, Schüler-Faccini L. Prenatal alcohol exposure as a risk factor for dysfunctional behaviors: the role of the pediatrician. J Pediatr (Rio J). 2008;84(4 Suppl):S76-9.
- 7. Cancino FT, Zegarra J. Síndrome alcohólico fetal. Rev Neuropsiquiatría. 2003;66(4):302-12.
- 8. Burd L, Cotsona-Hassler MT, Martsolf JT, Kerbeshian J. Recognition and management of fetal alcohol syndrome. Neurotoxicol Teratol. 2003;25(6):681-8.
- 9. Bishop S, Gahagan S, Lord C. Re-examining the core features of autism: a comparison of autism spectrum disorder and fetal alcohol spectrum disorder. J Child Psychol Psychiatry. 2007;48(11):1111-21.
- 10. Cohen-Kerem R, Bar-Oz B, Nulman L, Papaioannou VA, Koren G. Hearing in children with fetal alcohol spectrum disorders. Can J Clin Pharmacol. 2007;14(3):e307-e312.
- 11. Garcia R, Rossi N, Giachetti CM. Perfil de habilidades de comunicação de irmãos com a Síndrome Alcoólica Fetal. Rev CEFAC. 2007;9(4):461-8.
- 12. Knoblock H, Passamanick B, editores. Gesell e Amatruda: psicologia do desenvolvimento do lactente e da criança pequena: bases neuropsicológicas e comportamentais. Traduzido por Vera Lúcia Ribeiro. São Paulo: Ateneu; 2000.
- 13. Capovilla AG, Capovilla FC. Desenvolvimento linguístico na criança brasileira dos dois aos seis anos: tradução e estandartização do Peabody Picture Vocabulary Test de Dunn & Dunn, e Linguage Development Survey de Rescorla. Cienc Cog Teor Pesq Aplic. 1997;1(1):353-80.
- 14. Lamônica DA, Ferraz PM. Leucomalácia periventricular e diplegia espástica: implicações nas habilidades psicolinguísticas. Pró-Fono. 2007;19(4):357-63.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Abr 2010 -
Data do Fascículo
2010
Histórico
-
Aceito
30 Ago 2009 -
Recebido
21 Jun 2009