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Percepção de agentes comunitários de saúde sobre os riscos à saúde fonoaudiológica

Resumos

OBJETIVO: Investigar a percepção dos agentes comunitários sobre os aspectos relacionados à saúde fonoaudiológica da população usuária de um programa de saúde da família. MÉTODOS: Trata-se de estudo observacional transversal com aplicação de questionário a 85 agentes comunitários. Foram investigadas 20 situações hipotéticas abordando os temas fonoaudiológicos na rotina de trabalho dos agentes. As variáveis analisadas foram: idade, tempo de atuação, escolaridade, percepção dos riscos à saúde da população nas áreas de voz, motricidade orofacial, linguagem e audiologia. RESULTADOS: A média de idade dos agentes foi de 38 anos (±9,1), e o tempo de médio de atuação no programa 5,0 anos (±2,9). Observou-se que 80 profissionais (94%) possuíam pelo menos o Ensino Médio completo, e todos eram do gênero feminino. Entre as situações hipotéticas investigadas, os agentes demonstraram ter a percepção do risco e atitude de levá-lo para discussão da equipe em 49% das situações envolvendo o risco à saúde auditiva, 53% saúde vocal, 60% e 62% os riscos relacionados à motricidade orofacial e linguagem, respectivamente. Não foi encontrada relação entre o tempo de atuação e a percepção do risco à saúde fonoaudiológica. CONCLUSÃO: Os agentes comunitários mostraram ter percepção de muitas situações de risco à saúde fonoaudiológica dos usuários, especialmente no que se refere à saúde vocal e das estruturas e funções orofaciais. É necessário ao agente comunitário ir além das habilidades e competências conceituais e procedimentais no que se refere à saúde da comunicação humana, pois se almeja um profissional com habilidades atitudinais.

Agentes comunitários de saúde; Fonoaudiologia; Educação em saúde; Saúde da família; Sistema Único de Saúde


PURPOSE: To investigate the perception of community health workers about the aspects related to hearing and communication health of users of a family health program. METHODS: Cross-sectional observational study with questionnaire application to 85 community health workers. Twenty hypothetical situations were investigated, addressing issues related to Speech-Language Pathology and Audiology present in their routine. The variables analysed were: age, work experience, education, perception of health risks in the areas of voice, orofacial myology, language and audiology. RESULTS: The mean age of the agents was 38 years (±9.1), and their mean time of experience in the family health program was 5 years (±2.9). It was observed that 80 professionals (94%) had at least complete high school education, and all were female. Among the hypothetical situations investigated, the workers showed to have the perception of risk and attitude to take it to discussion with the team in 49% of the situations involving risks to hearing health, 53% risk to vocal health, 60% and 62% risks related to orofacial myology and language, respectively. There was no relationship between time of experience and the perception of risks. CONCLUSION: The community health workers have perception of many risk situations to hearing and communication health of the population, especially regarding voice and orofacial structures and functions. Community health workers need to go beyond the conceptual and procedural abilities and competencies regarding the health of human communication, because of the idea of professionals with attitudinal skills.

Community health workers; Speech, Language and hearing sciences; Health education; Family health; Unified health system


ARTIGO ORIGINAL

Percepção de agentes comunitários de saúde sobre os riscos à saúde fonoaudiológica

Juliana Nunes SantosI; Ana Luiza Vilar RodriguesII; Ana Flávia Gonzaga SilvaIII; Emiliane Ferreira MatosIV; Niara de Souza JerônimoIV; Letícia Caldas TeixeiraI

IDepartamento de Fonoaudiologia, Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil

IIResidência Multiprofissional em Urgência e Trauma, Hospital Municipal Odilon Behrens – Belo Horizonte (MG), Brasil

IIICurso de Especialização em Disfagia e Fonoaudiologia Hospitalar, Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica – CEFAC – Belo Horizonte (MG), Brasil

IVCurso de Fonoaudiologia, Centro de Gestão Empreendedora – FEAD – Belo Horizonte (MG), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Juliana Nunes Santos. R. Coronel Pedro Jorge, 170/201, Prado Belo Horizonte (MG), Brasil, CEP: 30410-350. E-mail: jununessantos@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Investigar a percepção dos agentes comunitários sobre os aspectos relacionados à saúde fonoaudiológica da população usuária de um programa de saúde da família.

MÉTODOS: Trata-se de estudo observacional transversal com aplicação de questionário a 85 agentes comunitários. Foram investigadas 20 situações hipotéticas abordando os temas fonoaudiológicos na rotina de trabalho dos agentes. As variáveis analisadas foram: idade, tempo de atuação, escolaridade, percepção dos riscos à saúde da população nas áreas de voz, motricidade orofacial, linguagem e audiologia.

RESULTADOS: A média de idade dos agentes foi de 38 anos (±9,1), e o tempo de médio de atuação no programa 5,0 anos (±2,9). Observou-se que 80 profissionais (94%) possuíam pelo menos o Ensino Médio completo, e todos eram do gênero feminino. Entre as situações hipotéticas investigadas, os agentes demonstraram ter a percepção do risco e atitude de levá-lo para discussão da equipe em 49% das situações envolvendo o risco à saúde auditiva, 53% saúde vocal, 60% e 62% os riscos relacionados à motricidade orofacial e linguagem, respectivamente. Não foi encontrada relação entre o tempo de atuação e a percepção do risco à saúde fonoaudiológica.

CONCLUSÃO: Os agentes comunitários mostraram ter percepção de muitas situações de risco à saúde fonoaudiológica dos usuários, especialmente no que se refere à saúde vocal e das estruturas e funções orofaciais. É necessário ao agente comunitário ir além das habilidades e competências conceituais e procedimentais no que se refere à saúde da comunicação humana, pois se almeja um profissional com habilidades atitudinais.

Descritores: Agentes comunitários de saúde; Fonoaudiologia; Educação em saúde; Saúde da família; Sistema Único de Saúde

INTRODUÇÃO

O Programa Saúde da Família (PSF), hoje denominado Estratégia Saúde da Família (ESF) foi criado em 1994 pelo Ministério da Saúde, a partir dos resultados positivos obtidos pelo Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). A ESF objetiva substituir o modelo tradicional da atenção básica ao mesmo tempo em que reorganiza a atenção primária, em consonância com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). Trata-se de uma forma de fortalecer a municipalização e universalizar o atendimento, aproximando a equipe de saúde e melhorando a qualidade de vida da população(1,2).

A atuação do Agente Comunitário de Saúde (ACS) foi formalizada com a criação do PACS, em 1991, com intuito de reduzir a morbimortalidade infantil e materna, principalmente nas regiões norte e nordeste do Brasil. Em 1997, por meio da portaria 1.886, as atribuições do ACS foram definidas, e em 1999, o Decreto 3.189 fixou as diretrizes para o exercício de suas atividades. Por fim, a lei 10.507 de 2002 que foi criada com o intuito de regulamentar a profissão do ACS, foi revogada em 2006 para que ajustes pudessem ser feitos e a lei 11.350 corresponde à nova regulamentação. Observa-se que a construção do papel do ACS dentro do SUS é caracterizada por conflitos e incertezas, uma vez que a regulamentação da profissão se deu 11 anos após a sua criação(3,4). Contudo, é indiscutível o papel que esse profissional exerce dentro do contexto da saúde, como representante do "elo" entre a comunidade e a equipe de saúde. O agente de saúde relata as demandas e problemas enfrentados pelos usuários do sistema, bem como leva as possíveis soluções para os questionamentos e necessidades da população(5,6). Como o ACS reside em sua área de atuação(7), ele se torna grande conhecedor das condições de vida e dos problemas enfrentados pela população local, importante instrumento no reconhecimento dos determinantes e condicionantes da saúde do território(6).

De acordo com a Política Nacional de Atenção Básica (Portaria 648/2006)(8), são atribuições do ACS: ações que busquem a integração equipe de saúde e população; trabalhar com adscrição das famílias; estar em contato permanente com as famílias desenvolvendo ações educativas; realizar e atualizar cadastros; orientar as famílias quanto à utilização dos serviços de saúde disponíveis; realizar atividades de promoção de saúde, de prevenção das doenças e de agravos e de vigilância à saúde; acompanhar, por meio de visita domiciliar, todas as famílias sob sua responsabilidade e ajudar na prevenção/controle da malária e dengue(8).

Frente à complexidade das atribuições dos ACSs, observa-se uma relação entre a atuação destes profissionais e as dimensões dos conteúdos na área educacional (conceituais, procedimentais e atitudinais)(9). Essa divisão, adotada nos Parâmetros Curriculares Nacionais Brasileiros(10) para nortear a educação básica, divide as habilidades da seguinte forma: conceituais (saber) – fatos, objetos ou símbolos que têm características comuns e permitem o aprendizado do significado; procedimentais (saber fazer) – conjunto de ações organizadas que permitem trabalhar a capacidade de agir de maneira eficaz; atitudinais (saber ser) – valores, normas e atitudes que norteiam as ações cotidianas(11). No que tange à atuação dos ACSs, observamos que há necessidade de habilidades conceituais, referentes aos domínios teóricos e ao próprio senso comum, o que permite a ligação efetiva entre os usuários e os profissionais da saúde; habilidades procedimentais, referentes às ações de vigilância epidemiológica por meio da identificação e registro das informações em prontuários ou cadernos de registro; e habilidades atitudinais, que permitem ao ACS levar as queixas e os problemas identificados aos profissionais da equipe de saúde da família, para que o planejamento de saúde do território local vá ao encontro das reais demandas da população adscrita.

Nesse sentido, percebe-se a importância da capacitação e educação permanente do ACS, objetivando, entre outras coisas, direcionar o olhar para visão reflexiva da realidade que o cerca, como forma de identificar a realidade social e suas necessidades(4,12). O ACS deve atuar em consonância com os princípios do SUS, principalmente no que tange a integralidade. Essa é vista aqui, considerando o conceito de sujeito integral, inserido na sociedade (que atua sobre ela e dela sofre interferência), e o acesso do usuário a todos os níveis de complexidade de ações da rede(13).

Assim, para a percepção integral do sujeito é fundamental que o ACS possua conhecimentos relativos à comunicação humana, que é inerente ao sujeito social. Os agentes desempenham um papel fundamental na comunidade, em especial, pela facilidade de acesso aos usuários no território de atuação, o que os possibilita a identificação de dificuldades de comunicação de membros das famílias. Além disso, os ACS podem, no espaço domiciliar e peridomiciliar, identificar situações prejudiciais à comunicação dos usuários no ambiente social e profissional(14). Faz-se importante ao ACS o conhecimento sobre as áreas de atuação do profissional fonoaudiólogo (audição, voz, linguagem e motricidade orofacial), bem como, das formas de suas alterações, manifestações e influência no cotidiano das famílias.

Para que a percepção integral do sujeito no ambiente onde vive seja realizada com eficiência é necessário que o ACS apresente múltiplos saberes e habilidades, provenientes de uma sólida e permanente capacitação, com foco na atuação em equipe(14). Não existem estudos que investiguem a percepção dos agentes comunitários de saúde acerca dos riscos à saúde fonoaudiológica.

O presente estudo teve o objetivo de investigar a percepção dos agentes comunitários sobre os aspectos relacionados à saúde fonaudiológica (audição, voz, motricidade orofacial, fluência, linguagem oral e escrita) da população usuária do programa de saúde da família do município de Itabira (MG).

MÉTODOS

Trata-se de um estudo observacional transversal, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade FEAD, sob o protocolo 144/2010, acerca da percepção dos agentes comunitários sobre a saúde fonoaudiológica dos usuários do programa de saúde da família na cidade de Itabira. A amostra foi composta por todos os agentes comunitários de saúde da cidade, que estavam em pleno exercício de suas atividades. Os participantes (ACS) foram informados dos objetivos da pesquisa e do caráter voluntário da participação e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram excluídos da amostra os ACS em gozo de férias, afastados do cargo por motivos de saúde ou aqueles que não preencheram o questionário de forma correta.

A fim de alcançar os objetivos propostos, foi aplicado um questionário aos ACS com o objetivo de analisar a percepção e o conhecimento destes profissionais em relação aos aspectos fonoaudiológicos nas áreas de voz, motricidade orofacial, linguagem e audiologia. O instrumento foi previamente testado em agentes comunitários do município de Lagoa Santa (MG). Sua construção apoiou-se em entrevistas com ACS, enfermeiros, médicos e técnicos em enfermagem da atenção básica e visitas domiciliares, sendo feito um teste piloto seguido de adaptações(15).

O instrumento constou da investigação de características como idade, gênero, cursos realizados, tempo de atuação na estratégia saúde da família, e de 20 questões fechadas com situações hipotéticas abordando os temas fonoaudiológicos na rotina de trabalho dos ACS. Cada questão era iniciada com o texto "Ao chegar a um domicílio..." seguida da descrição de uma situação hipotética envolvendo os residentes da casa visitada pelo agente. Para cada questão o profissional teve a chance de selecionar uma entre três opções de resposta, a saber: Letra A: o ACS considera uma situação normal, não percebendo o risco à saúde (0 ponto); Letra B: o ACS considera uma situação problema que poderá levar a futuras alterações, mas não toma atitude (1 ponto); Letra C: o ACS leva o caso para ser discutido com a equipe (2 pontos).

Das 20 questões do instrumento, quatro (20%) representavam situações cotidianas da comunidade, nas quais inexistiam riscos à saúde dos moradores, sendo consideradas situações normais. As 16 questões restantes representavam situações envolvendo algum tipo de risco à saúde fonoaudiológica.

Os ACS responderam ao questionário individualmente, nos centros de saúde, e na existência de dificuldade de compreensão das questões por parte dos agentes, as pesquisadoras tinham liberdade para explicarem o conteúdo da questão.

As variáveis analisadas no contexto foram: idade do ACS, tempo de atuação, escolaridade, presença de acompanhamento ou não de profissionais que constituem os Núcleos de Apoio em Saúde da Família da equipe de trabalho do ACS, percepção dos riscos à saúde da população nas áreas de voz, motricidade orofacial, linguagem e audiologia. Pelo fato de o instrumento utilizado não ser padronizado e se tratar de um questionário para levantar conhecimentos dos ACS, criaram-se índices de percepção de riscos (IPR) a fim de qualificar as respostas. Para cada um dos ACS foram calculados os IPR, em porcentagem em cada área, com valor máximo de 100%.

Foram considerados índices de percepção do risco a saúde auditiva (IPRA) os aspectos elencados nas questões de números 2, 6, 11, 12, 16 e 18; índice de percepção do risco relacionado aos aspectos da motricidade orofacial (IPRMO) os aspectos elencados nas questões de números 3, 7, 9 e 15; índice de percepção do risco ao desenvolvimento da linguagem (IPRLG) os aspectos elencados nas questões de números 8, 10, 13 e 17; índice de percepção do risco à saúde vocal (IPRV) os aspectos elencados nas questões de números 5 e 19. O Índice de Percepção de Risco (IPR) total considerado correspondeu à média aritmética da somatória dos índices IPRA, IPRMO, IPLG e IPRV.

Um banco de dados específicos para este trabalho foi montado no software EPI INFO – 6.04. Para fins de análise descritiva foi feita a distribuição de frequência das variáveis categóricas envolvidas na avaliação em estudo e análise das medidas de tendência central e de dispersão das variáveis contínuas. Os dados foram previamente conferidos e receberam tratamento adequado. Para análise estatística foi utilizado o teste ANOVA com valores de p<0,05.

RESULTADOS

Foram entrevistados 85 ACS, todos do gênero feminino. A média de idade dos agentes foi de 38 anos (±9,1) e o tempo de atuação no PSF variou entre dois meses e dez anos, com média de 5,0 anos (±2,9). Observou-se que 80 profissionais (94%) possuíam, pelo menos, o Ensino Médio completo.

Dos agentes, 19 (22%) referiram ter feito curso de capacitação para se tornar agente comunitário de saúde. Além disso, 35 (41%) trabalhavam em equipes com cobertura dos Núcleos de Apoio em Saúde da Família e 53 (62%) em locais sem cobertura do NASF.

Foram obtidas as respostas dos ACS ao questionário contendo situações de possíveis riscos à saúde dos moradores em virtude de alterações fonoaudiológicas elencadas nas áreas de audição e voz (Quadro 1). Nas situações hipotéticas investigadas, os ACS não perceberam riscos à saúde vocal e auditiva das pessoas em 20% dos casos, considerando a situação dentro da normalidade. Ao redor de 30% das situações, o risco foi percebido, mas não seria levado ao conhecimento da equipe de saúde da família. Por volta de 50% dos riscos foram percebidos pelo ACS e seriam levados para discussão em equipe. O uso do Walkman em volume elevado foi considerado a situação de menor risco. A dificuldade de percepção auditiva de uma moradora associada à elevada intensidade de fala foi considerada a situação de maior risco na percepção dos agentes entrevistados.


As respostas às questões referentes à motricidade orofacial e linguagem também foram levantadas (Quadro 2). Foi possível verificar que a alimentação em posição deitada representou pequeno risco na percepção dos ACS e os casos de respiração oral e disfagia, os maiores riscos à saúde. Em cerca de 60% das situações hipotéticas envolvendo risco à saúde nas áreas de linguagem e motricidade orofacial, o ACS agiria após a percepção do risco, levando os casos para discussão com os profissionais da equipe de saúde da família.


Os índices de percepção do risco classificados segundo as áreas de atuação fonoaudiológica e sua relação com o tempo de atuação do agente na saúde da família puderam ser observados (Tabelas 1 e 2). Eles indicam que o ACS conseguiu, em situações hipotéticas, perceber, na maioria das vezes, que o estado de saúde do morador estava em risco. A percepção do ACS não sofreu influência do tempo de atuação profissional. Tais achados são de grande relevância para o trabalho do profissional fonoaudiólogo na estratégia de saúde da família, que pode ter o agente comunitário de saúde como parceiro na identificação de riscos à saúde fonoaudiológica.

DISCUSSÃO

O presente estudo propôs-se a analisar a percepção do ACS sobre aspectos relacionados à saúde fonoaudiológica da população referenciada pela estratégia de saúde da família no município de Itabira, Minas Gerais. Uma dificuldade encontrada foi a falta, em nosso meio, de um instrumento de avaliação, padronizado e validado, adequado à população estudada. Sendo assim, utilizou-se um questionário investigativo com simulação de situações vivenciadas pelo ACS na sua rotina de trabalho(15). A opção também se justificou pelo fato de o instrumento ter sido testado com ACS de outro município após realização de um piloto, e ter sido fruto de um processo de construção conjunta por múltiplos profissionais da atenção básica local(15).

Como membro fundamental da equipe de saúde da família, responsável pela ligação entre a comunidade e o serviço de saúde(3,6), espera-se que o ACS possua habilidades específicas, além de competências conceituais, procedimentais e atitudinais. Tais habilidades foram inicialmente utilizadas na área da educação básica e têm se expandido para a educação de jovens e adultos e outras áreas do conhecimento(10,11,16).

Na área da educação, os conteúdos são assumidos como portadores de três características distintas: os conteúdos conceituais, os procedimentais e os atitudinais. Os conteúdos conceituais são responsáveis por toda construção da aprendizagem, pois são detentores das informações: são as bases para assimilação e organização dos fatos da realidade. Os conteúdos procedimentais visam o saber fazer, atingindo uma meta por meio das ações. Por sua vez, os conteúdos atitudinais proporcionam que sujeito se posicione perante o que apreendem(9,16).

Analisando os dados do presente estudo à luz dos conceitos supracitados verificamos que no concerne à saúde fonoaudiológica, é necessário que o agente conheça as principais alterações fonoaudiológicas presentes na comunidade e suas possíveis implicações na vida dos sujeitos (conceituais). Na rotina diária, esse profissional precisa saber examinar o domicílio e o ambiente a fim de reconhecer os riscos à saúde que a comunidade está exposta, fazendo o registro dos achados relevantes no caderno de visitas domiciliares (procedimentais). E tão importante quanto identificar, é levar as informações coletadas para discussão com a equipe de saúde da família a fim de auxiliar no enfrentamento desses problemas e na elaboração de um plano de saúde do território baseado nas demandas locais (atitudinais).

Neste estudo, foi possível perceber habilidades conceituais dos agentes de saúde no reconhecimento de alguns riscos tais como o excessivo ruído ambiental, mudanças da qualidade vocal dos moradores, hábitos orais deletérios e a forma de falar dos sujeitos (Quadros 1 e 2). Na maioria das situações hipotéticas apresentadas, os ACS demonstraram certo conhecimento teórico que lhes permitiu associar a situação descrita à existência de um risco para a saúde. Tal fato só é possível a partir de uma informação prévia existente(17). Acredita-se que a recente inserção da Fonoaudiologia na atenção básica, especialmente nos NASFs(18), assim como o aumento da escolaridade dos ACS(19), têm favorecido a disseminação desse saber. Além disso, as campanhas e ações desenvolvidas pelas entidades de classe fonoaudiológicas, tais como a Campanha Nacional da Voz, o Dia Mundial da Gagueira, entre outras, e a divulgação das ações pela mídia podem ter contribuído para o aumento do conhecimento dos ACS de a respeito da profissão e suas ações na saúde.

Entre as situações hipotéticas elaboradas para a área de voz observou-se que a maior parte dos agentes (ACS) disse reconhecer alterações da qualidade vocal tais como rouquidão e oscilações bruscas de frequência vocal. Isso é considerado positivo já que vozes roucas, com frequência oscilante ou com falhas podem ser sintomas principais ou secundários de um distúrbio vocal(20). Embora os distúrbios da voz limitem a comunicação e causem impacto negativo na qualidade de vida dos sujeitos(20), apenas a metade do número de agentes (ACS) compreende que a situação hipotética de alteração vocal deveria ser comunicada à equipe, o que demonstra falhas nas habilidades procedimentais e atitudinais. A rouquidão é um dos principais sintomas do câncer de laringe, que quando diagnosticado a tempo pode evitar a perda das pregas vocais(20).

Os ACS demonstraram percepção limitada sobre o risco à saúde fonoaudiológica na área de linguagem. Estudo realizado com ACS demonstrou uma visão do agente acerca da prática fonoaudiológica predominantemente relacionada à clínica curativa, de modo especial, aos distúrbios da fala e escrita/aprendizagem(17). No presente estudo, poucos ACS perceberam risco na presença de dificuldade de escrita. Essa percepção relaciona-se aos conhecimentos teóricos adquiridos e também à existência de determinadas habilidades procedimentais no que concerne a abordagem do sujeito e da família dentro de sua realidade social(3).

No presente estudo, não foi possível identificar a ação "registro do risco" isolada das demais ações do profissional ACS. Estudo realizado no Centro de Saúde Escola, na Faculdade de Medicina da USP, revelou que os ACS apresentam descuido no preenchimento do prontuário do paciente, com a ocorrência de erros, como a desorganização de datas, incongruências dos dados cadastrais e falta de clareza no registro(21). O estudo evidenciou ainda que, para o ACS, o registro é um trabalho desagradável, o que potencializa a ocorrência de erros e dificulta a utilização dos dados do prontuário por outros profissionais. Alguns ACS não reconheceram a importância do preenchimento adequado e preciso do prontuário. Outros, no entanto, referiram que o prontuário é uma forma de reconhecimento do seu trabalho e, portanto, de extrema importância. Considerando que o registro adequado é uma habilidade procedimental fundamental ao adequado funcionamento da rede de serviços de saúde, assim como à vigilância epidemiológica(22), percebe-se a necessidade de orientar os ACS em relação às habilidades procedimentais. No diário de campo profissional, o agente registra agravos à saúde detectados nos usuários da comunidade, tais como a presença de diabetes e hipertensão, no entanto, torna-se necessário incluir nesse registro os riscos à saúde fonoaudiológica citados no estudo.

No que tange as habilidades atitudinais, observou-se uma tendência dos ACS em levar o risco de saúde identificado à equipe para discussão, na maior parte das situações hipotéticas levantadas. Tal achado é o almejado pelo Ministério da Saúde(8,22), que atribui ao ACS as tarefas de promover a integração da equipe de saúde com a população, desenvolver atividades de promoção da saúde, prevenção das doenças e agravos, e de vigilância à saúde, mantendo a equipe informada sobre as famílias em situação de risco, entre outras.

O fato de o presente estudo identificar que os ACS apresentam algumas habilidades atitudinais quanto à saúde vocal, auditiva, de linguagem e motricidade orofacial dos usuários do serviço representa um avanço no sistema de saúde, antes focado no modelo médico, curativo. As mudanças são sugestivas de um novo modelo centrado no usuário de modo integral e nas práticas de prevenção e promoção de saúde. A implantação dos Núcleos de Apoio em Saúde da Família com a presença de fonoaudiólogos nas equipes a partir de 2008, assim como o perfil etário do ACS do município de Itabira, cuja média de idade é de 38 anos, parecem contribuir para consolidação de um profissional com habilidades atitudinais, que se posiciona diante do que aprende e diante de sua equipe de trabalho. ACS com mais idade tendem a apresentar maior conhecimento acerca dos problemas da comunidade(23).

No contexto de saúde brasileiro atual, é importante que os profissionais ACS sejam pró-ativos, capazes de não só identificar os riscos de saúde, mas também de levá-los até a equipe. Assim, a equipe será sensibilizada para que estratégias e procedimentos sejam providenciados dentro do projeto de saúde do território(22).

Considerando a práxis do ACS no contexto de habilidades conceituais, procedimentais e atitudinais, questiona-se como instigar tais competências nos ACS. A resposta parece estar ligada aos processos de capacitação e educação permanentes(23) com utilização, inclusive, de metodologias ativas de aprendizagem(24). A capacitação do ACS deve ter caráter hibrido, pois o profissional necessita de conhecimentos técnicos e de senso comum a fim de permitir o diálogo entre as duas esferas: comunidade e demais profissionais de saúde(25,26).

O estudo demonstrou que os ACS de Itabira possuem habilidades que os permitem identificar grande parte dos riscos à saúde fonoaudiológica nas situações hipotéticas apresentadas. No entanto, não basta ao profissional perceber o risco e até mesmo registrá-lo. Como estabelece o Manual de conduta dos ACS no Brasil(22), é indispensável ao agente informar a equipe de saúde da família sobre o risco o qual a comunidade está exposta, o que consiste em uma habilidade atitudinal. Percebe-se, portanto, a necessidade de investimentos nos processos de capacitação e educação permanente, com saberes multidisciplinares e atuação em equipe já que os ACS são imprescindíveis para viabilizar o trabalho territorial proposto pela ESF(27). O fonoaudiólogo, como profissional do Núcleo de Apoio em Saúde da Família deve se dedicar ao estreitamento dos laços com o ACS a fim de que esses profissionais se tornem agentes potenciais de educação e promoção de saúde também no campo da Fonoaudiologia.

É necessário que o ACS tenha mais do que habilidades e competências conceituais e procedimentais no que se refere à saúde da comunicação humana. Almeja-se um profissional com habilidades atitudinais que seja capaz de informar e sensibilizar as equipes para os riscos que a comunidade está exposta, a fim de gerar discussões e planejamento de ações de saúde no território. Tornam-se necessários estudos posteriores que investiguem as ações do ACS em situações reais da sua rotina de trabalho e permitam a criação de indicadores de saúde fonoaudiológica no território de ação das equipes de saúde da família.

CONCLUSÃO

Os agentes comunitários do município Itabira mostram ter percepção de muitas situações de risco à saúde fonoaudiológica dos usuários, especialmente no que se refere à saúde vocal e das estruturas e funções orofaciais. No entanto, a percepção do risco parece estar limitada à identificação do problema fonoaudiológico em si, não gerando ações de ligação entre a comunidade e o serviço de saúde.

Recebido em: 15/3/2012

Aceito em:18/7/2012

Conflito de interesses: Não

Trabalho realizado no Curso de Fonoaudiologia, Centro de Gestão Empreende­dora – FEAD – Belo Horizonte (MG), Brasil.

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  • Endereço para correspondência:

    Juliana Nunes Santos.
    R. Coronel Pedro Jorge, 170/201, Prado
    Belo Horizonte (MG), Brasil, CEP: 30410-350.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Set 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      15 Mar 2012
    • Aceito
      18 Jul 2012
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