Editorial
Um tema tão amplo como o proposto para o presente volume - "Leituras e releituras: teorias e práticas" - não poderia resultar numa seleção homogênea de textos. As contribuições que recebemos de fato apontam para a imensa gama de leituras que o motivo suscita bem como para a diversidade de escopos das pesquisas que de alguma maneira o implicam.
Na abertura do volume, não por acaso, Eduardo Sterzi mostra como a forma soneto, com Dante, implica não apenas uma nova concepção de lírica, operando a passagem da experiência da oralidade para a da escrita, mas também o nascimento de um novo público, que deve se habilitar, justamente, à leitura. Andrea Lombardi, em seguida, relê o Decameron de Bocaccio especialmente a partir do uso da ironia, especulando sobre as questões que a obra pode produzir em nossa contemporaneidade. Paula Regina Siega, por sua vez, parte de noções vinculadas às teorias da recepção para trabalhar a releitura de Bocaccio por Pasolini, em seu roteiro para o seu próprio Decameron, em que temas como o sexo e a morte ganham uma relevância diferente da que tinham na prosa medieval.
Mudando um pouco o eixo geográfico, Rita Jover-Faleiros repassa panoramicamente em revista as teorias da recepção do texto literário (Hans Robert Jauss, Wolfgang Iser e Umberto Eco), para, na segunda parte de seu artigo, analisar, com Gérard Genette, o lugar dos prefácios de autor - tomando especialmente como exemplo o caso de François Rabelais - na construção do leitor-modelo de uma obra. Claudia Amigo Pino contrapõe a leitura de Tolstoi empreendida por Roland Barthes às suas ambições de romancista, investigando em especial os manuscritos dos últimos cursos do ensaísta, "A preparação do romance". Louis-Jean Calvet retoma o diálogo de Lacan com os linguistas e seu interesse pelo ideograma chinês para especular sobre as relações entre inconsciente e escrita. Na sequência, e por um viés mais filosófico, Eduardo Guerreiro reflete com Walter Benjamin sobre a transfiguração dos exercícios espirituais de ascese da mística medieval à literatura moderna (especialmente em Proust), mostrando ao mesmo tempo como, nos exercícios de leitura em que se constituem seus ensaios, o filósofo alemão configura uma "ascese de escritor".
Politizando mais explicitamente as relações entre arte e cultura, Julio Ramos parte das viagens que Diego Rivera empreende aos Estados Unidos e dos trabalhos que ali realiza para desenvolver uma complexa trama alegórica das relações entre a América do Norte e a América Latina, reflexão que culmina na leitura de poemas de Rosário Castellanos e do clássico Alturas de Macchu Picchu, de Pablo Neruda. João Camillo Penna, a seu turno, reconstitui momentos importantes do pensamento de Silviano Santiago em seu movimento de tensionar cosmopolitismo e dependência para pensar o sujeito cultural brasileiro. Para concluir a série de artigos, Monica Gama, em leitura do conto Desenredo, de Guimarães Rosa, especula justamente sobre o lugar que a narrativa destina ao leitor.
O volume termina com a tradução de um texto sobre Coração das trevas, de Joseph Conrad, por Philippe Lacoue-Labarthe, e com uma resenha de Verónica Galíndez-Jorge sobre um dos últimos textos de (e sobre) Pascal Quignard.
Os Editores
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
23 Jan 2013 -
Data do Fascículo
Dez 2012