Acessibilidade / Reportar erro

As possibilidades das Metodologias Informacionais nas práticas sociológicas: por um novo padrão de trabalho para os sociólogos do Século XXI

The possibilities of informational technologies in sociological practices: for a new work pattern for 21st Century Sociologists

Resumos

Pretendemos discutir, neste texto, dimensões teóricas e metodológicas da relação entre as práticas de construção do conhecimento sociológico e as possibilidades da informática para o trabalho de pesquisa social, a partir de uma reflexão sobre as possibilidades de uso das diferentes ferramentas informacionais e a indicação das transformações nos processos cognitivos da investigação sociológica que estão ocorrendo na sociedade informacional.

metodologias informacionais; sociedade informacional


This article is aimed at discussing theoretical and methodological dimensions among practices for sociological knowledge building and the possibilities of computer science for social research work. The text is a reflection about the potential use of the different informational tools an the changes in cognitive processes of sociological investigation currently under way in informational society.

informational methodologies; informational society


DOSSIÊ

As possibilidades das Metodologias Informacionais nas práticas sociológicas: por um novo padrão de trabalho para os sociólogos do Século XXI

The possibilities of informational technologies in sociological practices: for a new work pattern for 21st Century Sociologists

José Vicente Tavares Dos Santos

Professor Titular do PPGS-UFRGS / Diretor do IFCH

RESUMO

Pretendemos discutir, neste texto, dimensões teóricas e metodológicas da relação entre as práticas de construção do conhecimento sociológico e as possibilidades da informática para o trabalho de pesquisa social, a partir de uma reflexão sobre as possibilidades de uso das diferentes ferramentas informacionais e a indicação das transformações nos processos cognitivos da investigação sociológica que estão ocorrendo na sociedade informacional.

Palavras-chave: metodologias informacionais, sociedade informacional

ABSTRACT

This article is aimed at discussing theoretical and methodological dimensions among practices for sociological knowledge building and the possibilities of computer science for social research work. The text is a reflection about the potential use of the different informational tools an the changes in cognitive processes of sociological investigation currently under way in informational society.

Keywords: informational methodologies, informational society

A sociedade da informação pode ser definida como uma sociedade em que todas as esferas da vida pública estarão cobertas por processos informatizados e por algum tipo de inteligência artificial, que terá relação com computadores de gerações subsequentes (Schaff, 1990, p. 49). Tal sociedade configura-se por um modo de informação, pois o intercâmbio de símbolos entre os seres humanos está agora menos sujeito às limitações de espaço e tempo, realizando-se por uma nova linguagem que altera significativamente a rede de relações sociais, reestruturando tais relações e os sujeitos que elas constituem (Poster, 1990, p. 2 e 4). Este modo de informação é definido por Levy como um ciberespaço ou rede:

O termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo (Levy, 1999, p. 17).

Trata-se de uma sociedade tanto capitalista quanto informacional, ainda que apresente uma variação considerável em diferentes países, segundo sua história, cultura, instituições e sua relação específica com o capitalismo global e a tecnologia da informação, pelo que se pode deduzir que se deve aguardar o surgimento histórico de novas formas de intercâmbio, controle e mudança social (Castells, p. 39 e 44). O que nos interessa, portanto, é refletir sobre a constituição de um novo padrão de trabalho científico na Sociedade, orientado pelo uso das metodologias informacionais.

1. O processo de investigação na Sociologia e a linguagem informacional

Partindo da proposta de Thiollent de delinear uma epistemologia propriamente sociológica, voltada ao controle dos processos de investigação (Thiollent, 1980, p. 22), propomos o questionamento dos métodos e técnicas de pesquisa mediante a problematização dos usos e possibilidades da informática nas práticas sociológicas 1 1 Neste item, partimos de Tavares dos Santos, J. V. A Aventura Sociológica na Contemporaneidade. In: ADORNO, Sérgio (org.). A Sociologia entre a Modernidade e a Contemporaneidade. Porto Alegre, Editora da UFRGS/Sociedade Brasileira de Sociologia, 1995, p. 73-84 (Número especial do Cadernos de Sociologia, PPG-Sociologia - UFRGS). .

As Sociologias contemporâneas aceitam a concepção do racionalismo aplicado na definição do conhecimento, introduzindo a noção de sistemas de informação. De acordo com Morin,

... o conhecimento é necessariamente: tradução em signos/símbolos, e sistemas de signos/símbolos (...); construção, isto é, tradução construtiva a partir de princípios/regras (programas) que permitem constituir sistemas cognitivos articulando informações/signos/símbolos; solução de problemas, a começar pelo problema cognitivo da adequação da construção tradutora, realidade que se trata de conhecer. Isto quer dizer que o conhecimento não refletiria diretamente o real, ele somente pode traduzi-lo e reconstruí-lo como uma outra realidade (Morin,1986, p.48).

A fim de caracterizar a investigação sociológica crítica na perspectiva das regras da observação, podemos evocar alguns procedimentos. Em primeiro lugar, a atitude de crítica das estruturas de dominação complexas - baseadas na classe, no gênero, na raça, nos grupos de idade e nos dispositivos de poder-saber:

No cerne da pesquisa social crítica está a idéia de que o conhecimento está estruturado pelos padrões existentes de relações sociais. O objetivo da metodologia crítica é fornecer conhecimento que questione as estruturas sociais dominantes (Harvey, 1990, p. 2).

Esta atitude crítica supõe um trabalho de desconstrução e de reconstrução de conceitos, de permanente reconceitualização:

Conceitualizar, para o pesquisador social crítico, está fundado no mundo material. Está ligado à prática. O processo desconstrutivo - reconstrutivo que está no cerne da análise dialética envolve um constante trânsito para trás e para frente entre conceitos abstratos e dados concretos; entre totalidades sociais e fenômenos particulares; entre estruturas atuais e o desenvolvimento histórico; entre a aparência e a essência; entre reflexão e prática (Harvey, 1990, p. 29).

Em segundo lugar, a disposição do lançar-se à busca dos materiais sem a falsa clarividência de sua absoluta certeza, mas deixar-se levar pelo claro e pelo escuro, pela certeza da demonstração e pela incerteza do acaso. Bourdieu anota em uma de suas investigações:

É evidente, com efeito, que o conjunto das escolhas sucessivas (...) não se realizaram em uma perfeita transparência epistemológica e em uma inteira lucidez teórica. Seria necessário nunca ter feito pesquisa empírica para acreditar ou pretender o contrário (...). Esta espécie de obscuridade para si mesmo das operações sucessivas (...) parece ser o princípio verdadeiro da fecundidade insubstituível da pesquisa empírica: fazer sem saber completamente o que fazemos, é dar-se uma chance de descobrir no que fizemos alguma coisa que não sabíamos (Bourdieu, 1984, p.17).

Em terceiro lugar, a investigação não pode esquecer o processo social e sociológico de construção do dado observável, pois, contrariamente ao que faz supor nosso hábito de trabalhar com estatísticas censitárias ou com documentos letrados, jamais a ciência trabalha com "dados brutos" e sim com "instâncias empíricas", como aprendemos com Florestan Fernandes:

... o raciocínio científico não toma por objeto os dados brutos, diretamente acessíveis aos nossos sentidos. Ele lida com instâncias empíricas selecionadas e comprovadas, que reproduzem os fenômenos estudados por meio de atributos e caracteres essenciais sua descrição positiva, de determinado ponto de vista ( Fernandes, 1967, p. XX).

Em outras palavras, a evidência, detalhada histórica e empiricamente, é uma necessidade da pesquisa social com orientação crítica. (Harvey, 1990, p.210).

Os procedimentos delineados parecem estar agindo no interior das estratégias de pesquisa atualmente utilizadas, que se compõem de um conjunto de métodos de investigação (que empregam técnicas diversas), sobre os quais a expansão da linguagem da informática produz, no âmbito da pesquisa sociológica e sobre as distintas estratégias de investigação, uma série de efeitos metodológicos, cujos contornos pretendemos sugerir, uma vez que a linguagem da ciência está em revolução semântica permanente (Bachelard, 1990, p. 215).

A terceira fase da história da informática – marcada pelo desenvolvimento da microeletrônica, pela fabricação dos microprocessadores, pela produção dos microcomputadores e pelas novas linguagens de programação, a partir dos anos de 1970 – 1980 (Breton, 1991, p. 187) - e o expressivo avanço das ciências da computação, configuraram a revolução informacional. Desde os anos de 1980, o tratamento computacional de informações passou a se disseminar, sobretudo face ao acesso ampliado aos microcomputadores (pelo menos nos países centrais do sistema capitalista), de modo que a computação passou a ser considerada um elemento central do processo cognitivo. Afirma Morin:

... propomos conceber a computação como um complexo organizador/produtor de caráter cognitivo, comportando uma instância informacional, uma instância simbólica, uma instância de memória, uma instância de programação (Morin, 1986, p. 37).

Isto significa que a computação desenvolve e amplia a capacidade própria da investigação cientifica (Von Foerster, apud Pessis-Pasternak, 1993, p. 203), definida precisamente enquanto uma interrogação acerca do real, que se aplica a resolver problemas, diversos e particulares. Seguimos, novamente, Morin:

A organização computante, uma organização que, a partir de princípios ou regras, trata mais do que informações e mais do que símbolos, mas, com informações e símbolos, trata problemas. Nestas condições, a organização computante nos aparece como um general problems solver (Simon), isto é, como uma competência geral tão poderosa para poder aplicar-se a problemas diversos e particulares (Morin, 1986, p.39).

Essa organização computante da atividade cognitiva exige que se compreenda a relação entre o homem e a máquina, no caso, o computador, para além de uma relação fetichizada: trata-se de uma relação social comunicativa, pois supõe compreender a dimensão social da tecnologia e desenvolver o aprendizado de uma linguagem produzida pelo conhecimento humano.

O microcomputador propiciou, de fato, a integração social de toda informática. Ele transformou essa máquina em um objeto que se integra a nosso modo de refletir sobre nós mesmos, tornando-se um `objeto de iniciação' (que desperta questões existenciais nos que a manejam) (Breton, 1991, p. 246).

Ainda mais, o pesquisador pode aproveitar a possibilidade de se apropriar de seus meios de produção intelectual e de controlar a produção e a distribuição de seu produto científico. Nesta perspectiva, trabalhar com a informática significa inserir-se em uma relação de trabalho interativa, sugere, de modo expressivo, Pfaffenberger:

A interatividade faz com que trabalhar com computadores pareça mais um relacionamento social do que uma relação homem-máquina. Uma vez que as habilidades necessárias para operar com o computador tornam-se tácitas (...), a máquina mesma converte-se em uma extensão dos dedos e da mente, nem mente nem máquina (Pfaffenberger, p. 10 e 22).

Nem sempre essa relação com as metodologias informacionais tem sido interativa. A reação dos cientistas sociais brasileiros, no final do Século XX – período de diversificação dos centros de Pós-graduação e de pesquisa, com pluralidade teórico – metodológica (Liedke, 1990) – foi de desconhecimento, estranheza e relutância, diante das possibilidades das ferramentas computacionais, a exceção se limitando ao uso dos processadores de textos, das planilhas eletrônicas e, evidentemente, do programa de análise estatística SPSS. Deparamo-nos com um processo de contratransferência que obstaculiza a incorporação sistemática das atuais estratégias informacionais de investigação, pois as angústias suscitadas pela inovação tecnológica, pela desqualificação do saber anterior e pela emergência de uma nova geração de jovens pesquisadores já familiarizada com a informática, desencadeiam processos de bloqueio (Devereux, 1980). A evocação desses fatores ansiogênicos pode ajudar a superar as reações de defesa presentes na personalidade do investigador ao se deparar com tal inovação metodológica em seu cotidiano de pesquisa.

2. O desenvolvimento das metodologias informacionais na Sociologia

O desenvolvimento das metodologias informacionais expande as possibilidades das epistemologias pós-cartesianas na prática da pesquisa sociológica. Estes novos procedimentos da observação, seus instrumentos e técnicas, constituem-se em teorias materializadas em ato, em ferramentas metodológicas que incorporam posições epistemológicas, pois os instrumentos não são senão teorias materializadas. Deles, se constituem fenômenos que possuem, em todas as partes, a marca teórica (Bachelard, 1984, p. 16). Estamos diante de tecnologias intelectuais que:

amplificam, exteriorizam e modificam numerosas funções cognitivas humanas: memória (bancos de dados, hiperdocumentos, arquivos digitais de todos os tipos) imaginação (simulações), percepção (sensores digitais, telepresença, realidades virtuais), raciocínios (inteligência artificial, modelização de fenômenos complexos) (Levy, 1999, p. 157).

Várias são as atividades de investigação social que podem utilizar ferramentas informacionais, disponíveis, acessíveis e compartilhadas por pesquisadores nas instituições de ensino e de pesquisa, públicas, privadas e do terceiro setor. As ferramentas informacionais, tomadas na perspectiva cognitiva, impulsionam para novas e diferenciadas formas de organização, capazes de inventar-construir conhecimento. (AXT, apud Pellanda & Pellanda, 2.000, p. 69).

Devemos evocar os procedimentos de gestão de projetos – desde a elaboração do planejamento das atividades de pesquisa, do orçamento, do cronograma e do desenho da análise - utilizando a indução analítica e a comparação na disposição das tarefas, recursos e alvos intelectuais da pesquisa (mediante, por exemplo, o uso do "Microsoft Project"). Trata-se, precisamente, de: definir o objetivo do projeto; criar um plano de trabalho no qual são definidas tarefas, agendadas sua duração e compatibilidade; alocar recursos, humanos e materiais às tarefas; monitorar e gerenciar o projeto. O fascinante da ferramenta é sua não-linearidade, a possibilidade de combinações no tempo e no espaço e a reversibilidade das operações; enfim, a existência de dois fluxos, o fluxo planejado e o fluxo real, abre o trabalho de pesquisa para uma maleabilidade informacional inaudita.

O acesso a bases de dados através da Internet, permitindo a abertura de um horizonte de informação virtual, suscita a necessidade de se resolver o problema do acesso à informação. O uso da Internet como estratégia de ensino e de pesquisa em Ciências Sociais implica algumas distinções quanto aos meios e quanto aos conteúdos. Por um lado, podem perceber dois principais caminhos que tal ferramenta permite:

como um canal de comunicação adicional entre o professor e os estudantes e entre eles mesmos ; como fonte de conteúdos substantivos suplementando e talvez substituindo fontes, tais como os tradicionais livros de textos e os materiais (por exemplo, livros, revistas) encontrados na biblioteca tradicional (Kuechler, 1999, p. 144).

Por outro lado, enquanto fonte de conteúdos, o uso da Internet propicia múltiplos acessos:

materiais das bibliotecas tradicionais podem agora ser acessados via Internet; materiais tradicionais de arquivos, para todas as finalidades práticas, que não têm sido disponíveis para o estudante médio de graduação estão agora acessíveis na Internet; a larga série de dados e informações oferecida pelos milhões de sites na Internet em escala mundial (Kuechler, 1999, p. 144).

Para poder trabalhar, frutiferamente, com as bases de dados mundiais, disponíveis na Internet, o sociólogo precisa resolver o problema do acesso à informação, mediante a definição, clara e distinta, de categorias especificadas, hierarquizadas e compreensivas, expressas em um conjunto de palavras-chave, que permitirão, pelos sistemas de busca, uma identificação das fontes, uma localização viável e uma leitura efetiva. Talvez o mais crucial para a pesquisa seja precisamente a construção dessas palavras-chave que, derivadas dos objetivos do projeto, possam vir a transformar uma errática navegação na Internet em uma viagem orientada de longo curso sobre as bases de dados planetárias que se oferecem enquanto uma das possibilidades emancipatórias da sociedade da informação.

A emergência do CAQDAS – Computer Assisted Qualitative Data Analysis Software – configurou um campo intelectual na investigação social, cujas possibilidades recém se vislumbram. Estritamente falando, escreve Wilma Mangabeira em pioneiro estudo:

CAQDAS refere-se a programas de computador construídos especialmente para a análise de dados qualitativos. (...) Esta nova geração de programas somente emergiu nos anos 80 e, com algumas exceções, foi desenvolvida tanto por ativos cientistas sociais quanto pelo resultado da colaboração entre eles e especialistas em computação (Mangabeira, 1996, p. 192).

Tais programas de análise qualitativa informacional apresentam quatro aspectos principais: a) origem do design por colaboração entre os usuários e os especialistas em computação; b) usos específicos; c) acessibilidade restrita; d) expertise entre os usuários: Em outras palavras, o caráter específico desta comunidade de usuários leva-nos a esperar um exercício de algum nível de reflexividade em suas estimações e usos do programa (Mangabeira, 1996, p. 196). Desde este balanço do uso do CAQDAS feito em 1996, sobre as coletividades de cientistas sociais no Canadá, na França, na Alemanha e na Inglaterra, houve um expressivo desenvolvimento em outras coletividades, como nos Estados Unidos, em Portugal, no Uruguai e em algumas Universidades do Brasil (especialmente, na UFBA, Univamp, UFRJ e UFRGS (Mangabeira, 1992 e 1996; Social Science Computer Review).

Também a busca e a análise de materiais, tanto numéricos quanto alfanuméricos – na análise de discurso, em particular (Bardin, 1979 ) - enfatizam a necessidade do processo de codificação, que, geralmente, comporta diversas fases (Moreira, 1994, p. 183): 1) desenvolvimento de uma base de codificação para perguntas pré-codificadas ou abertas e para qualquer material que sirva de documento para a pesquisa; 2) elaboração de um livro de código e das instruções de codificação; 3) codificação de questionários ou de outros materiais; 4) transferência dos valores codificados para o computador, mediante os mais diversos programas aplicativos. Poderíamos incluir, ainda, uma quinta fase na qual se estruturaria o desenho da análise dos materiais da pesquisa, orientado pelo projeto da investigação, e que deveria resultar na montagem das inferências interpretativas a serem explanadas sociologicamente, condensadas em um sumário do texto final.

Cabe reiterar que tais possibilidades suscitam a obrigatoriedade de se resolver o problema do acesso à informação: o pesquisador precisa definir palavras-chave especificadas, categorias hierarquizadas e compreensivas que permitirão a identificação das fontes de informação, sua localização viável e sua transformação em comunicação. Trata-se de trabalhar em um espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores (Levy, 1999 p. 92), para o que a especificação pertinente da codificação assume uma exigência imprescindível.

Os investigadores sociais estão, cada vez mais, explorando as possibilidades de uso das ferramentas informacionais, redefinindo ou potenciando as variadas estratégias de investigação, quantitativas e qualitativas 2 2 LYMAN, Peter."The future of Sociological Literature in an Age of Computerized Texts". In: BLANK, Grant et alii (ed.) New Technology in Sociology. London, Transaction, 1989 ; MANGABEIRA, Vilma. "O uso de computadores na análise qualitativa: uma nova tendência na pesquisa sociológica". In: BIB- Boletim informativo e bibliográfico de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, ANPOCS, n.34, 1992, p. 83-95. . Relembremos alguns exemplos de aplicativos disponíveis para os cientistas sociais:

  • na montagem das bases de dados, os programas de arquivo, gerenciamento e de busca qualificada de informações (por exemplo, Fox-pro, Acess);

  • na análise e explanação de variáveis (questionários, surveys e sondagens de opinião), mediante a análise estatística de dados, seja a análise multivariada, seja a análise de correspondência, os programas de planilhas eletrônicas e de análise estatística (por exemplo, Excell, SPSS, Sphinx) ;

  • no estudo de caso – estratégia de pesquisa que considera uma unidade social como um todo, apreendendo a multiplicidade de suas dimensões numa perspectiva histórico – genética, supondo a observação direta e sistemática - ao registrar os materiais de campo, transcrever entrevistas semidiretivas, diários de pesquisa ou colher referências de fontes secundárias, têm sido úteis os programas de arquivo e gerenciamento de informações (por exemplo, Fox-pro, Acess) ou de processamento de textos (por exemplo, Word Perfect, Word);

  • nas transcrições de entrevistas semi-estruturadas ou em profundidade, de histórias de vida e nas gravações de grupos focais, os programas de processamento de textos (por exemplo, Word Perfect, Word);

  • no método da reconstrução histórica - a interpretação espaço-temporal dos processos sociais e históricos – para o arquivamento, classificação e recuperação, por sistemas de busca, das informações, assim como para o estabelecimento de banco de dados, verifica-se tanto o uso dos sistemas de digitalização de documentos (uso do Scan e do OCR) quanto dos programas de gerenciamento de bases de dados;

  • na análise de informações qualitativas não-estruturadas, tais como entrevistas semi-estruturadas ou em profundidade, histórias de vida (cf. o trabalho pioneiro de Prandi, 1972), história oral e gravações de grupos focais, pelo uso de programas que permitem potencializar a análise da mensagem (análise de conteúdo, análise de discurso) mediante a codificação, a categorização, a indexação e a organização de materiais qualitativos (por exemplo, NUD*IST 4.0, NVIVO);

  • nas pesquisas de intervenção (envolvendo pesquisa participante, pesquisa – ação e intervenção sociológica), tanto pela organização da informação produzida por tais processos de pesquisa como pelas possibilidades de comunicação, direta ou virtual, que os programas de apresentação possibilitam - tais como o CorelDraw ou o PowerPoint – assim como pela construção de portais para acesso pela Internet.

  • nos diversos métodos audiovisuais (no horizonte da multimídia), mediante a análise de imagens de vídeo e televisiva, digitalizadas, arquivadas e processadas pelos programas de análise de materiais qualitativos (por exemplo, o NVIVO);

  • na análise sociológica de cartografias sociais, pelo uso de sistemas de georeferenciamento e de geoprocessamento, também acoplados a técnicas de sensoriamento remoto e de fotografias áreas, pelo uso de programas GIS (sistemas de informações geográficas), tais como Mapinfo e Arcview) que possibilitam um olhar espacializado dos processos sociais:

  • Visualização é a oferta de um método para ver o não-visto!. (...) Em relação às ciências sociais, quatro tecnologias distintas de visualização evoluíram: gráficos computacionais, multimídia, a Internet e a realidade virtual (Orford

    et alii, 1999, p. 290);

  • na exposição das observações e das interpretações sociológicas, reside o momento privilegiado de exercício de um prazer do texto sociológico, cujas possibilidades de aperfeiçoamento sintático e semântico passam a ser infinitas pelo uso das metodologias computacionais. A redação dos textos, a revisão, a editoração textual, a edição gráfica permitem sucessivos relatórios de pesquisa, em níveis crescentes de clareza e acuidade, como também possibilitam uma linguagem de elevada correção, elegância e comunicabilidade, pelo uso dos programas de processamento de texto, de tradução e de revisão ortográfica, sintática e semântica (por exemplo, os programas Word Perfect, Word e os variados dicionários eletrônicos, como Aurélio).

Nossa orientação metodológica tenta apreender as possibilidades das metodologias informacionais no movimento da descoberta em Sociologia, cuja dinâmica cognitiva veio a ser alterada na sociedade da informação e do ciberespaço.

3. A lógica da descoberta sociológica na sociedade da informação

As metodologias informacionais somente poderão ser úteis às práticas sociológicas, para além da tentação positivista pelo acúmulo de dados, se forem incorporadas a uma operação sociológica computante para resolver problemas, na qual o conhecimento é uma aventura que não somente comporta riscos, mas se nutre dos riscos (Morin, 1991, p. 244).

Neste processo de construção do conhecimento, o imediato cede lugar ao construído, cuja base está na formulação do problema da investigação e na elaboração de questões sociológicas pertinentes para o desenvolvimento do processo de investigação. Esta operação, agora na linguagem operacional, supõe o exercício da vigilância epistemológica em seus três graus: a atenção sobre os fatos e acontecimentos relevantes para o objeto científico, potenciada pelo acesso a bases de dados virtuais; o cuidado com a aplicação rigorosa dos métodos de investigação e de interpretação é assegurado pela exigência de rigor e de ordenamento dos comandos de cada programa aplicativo; enfim, a vigilância reaparece quando ela julga os métodos em si mesmos, como um momento de seu próprio procedimento de apreensão do real, algo certamente ainda incipiente nas metodologias informacionais, cuja realização não é impossível, tampouco longínqua. Há portanto, um privilegiamento da lógica da descoberta em relação à lógica da prova, por que se trata de uma atitude científica que se orienta pelo desconhecido e que ousa afirmar o "por que não" das alternativas explicativas (Foucault, 1984, p. 13).

Nesse processo de construção do conhecimento sociológico, o passo fundamental é a distinção epistemológica entre o objeto real e o objeto científico, ou seja, a passagem de uma questão social a uma questão sociológica. O objeto científico ou o problema sociológico são o resultado de um processo de trabalho que envolve elementos teóricos e práticos: o objeto sociológico necessita ser conquistado, construído e constatado (Bourdieu , Chamboredon e Passeron, 1973).

Trata-se, aqui, de partir e, ao mesmo tempo, de ultrapassar o problema social ou a questão social, sem nunca esquecê-la, condição necessária para, mais tarde, poder reencontrá-la, explicada, por seu tratamento como questão sociológica. A questão social não é um produto natural das contradições da sociedade, mas envolve, necessariamente, um trabalho de construção coletiva da realidade, no qual se condensa a elaboração das representações sociais conflitivas que dão visibilidade ao problema social (Champagne et alii, 1989).

Em seguida, encontramos as operações intelectuais envolvidas na elaboração da problemática especificada pelo objeto sociológico a conhecer. Isso implica a definição provisória do objeto, constituindo um sistema de relações mediante a interação recíproca entre estrutura e ação, na qual dimensões do objeto real são organizadas pelo conhecimento teórico, de modo a atingirmos o objeto científico, ou, em outras palavras, a construir o problema sociológico.

A partir desta ruptura epistemológica, a linguagem informacional, assumimos a descontinuidade teórica dos objetos, métodos e técnicas sociológicas (Tavares dos Santos, 1997). Redefine-se a linguagem sociológica, assume relevância a elaboração dos conceitos, inclusive a reconceitualização e a reformulação de protocolos de observação a partir das plataformas computacionais.

Começam a ser percebidos os efeitos das metodologias informacionais sobre os modos de construir e desenvolver as inferências sociológicas, pois o cientista social passa a trabalhar no modo de informação. Aceleram-se os ritmos, as passagens e as reconversões no processo de interpretação sociológica – um saber-fluxo em aceleração constante (Levy, apud Pellanda & Pellanda, 2000, p. 25), mediante um novo padrão de trabalho científico que revoluciona, porque altera, inverte e supera as modalidades vigentes de explicação sociológica.

Por um lado, os métodos computacionais propiciam novas relações entre os procedimentos de indução – A indução requer que se observe o mundo. É o processo mediante o qual os cientistas generalizam por uma lei universal determinadas observações de exemplos individuais (Gadner, 1992, p. 94) – e os procedimentos de dedução – A dedução é o processo pelo qual os juízos de um sistema formal se obtêm por inferência lógica de outros juízos do sistema. Se trata de uma mera questão de manipulação da informação ou dos símbolos de acordo com regras prescritas (Gadner, 1992, p. 94).

Tais relações adquirem uma complexidade, ritmo e potenciação exponenciais, contribuindo a um outro padrão na elaboração da explanação sociológica, como salientam Babbie & Halley (1998, p. 9):

Freqüentemente, a fase que envolve o movimento dos enunciados teóricos e da derivação de hipóteses específicas para a coleta e análise dos dados é denominada dedução, e o processo que provém dos dados no sentido da teoria é chamado de indução (Babbie & Halley, 1998, p. 9).

Ou seja, o investigador social pode, ao trabalhar com as metodologias operacionais, mover-se dos conceitos aos dados e informações simultaneamente, sucessiva e reversamente, afirmando uma dialogicidade computacional inaudita no caminho da viagem inversa (Tavares Dos Santos, 1988), pois a:

metodologia transforma-se, então, de programa a ser seguido passo a passo em plano de navegação com as mais diferentes estratégias para enfrentar os embates da pesquisa e da vida que, no fundo, são a mesma coisa (Pellanda & Pellanda, 2.000, p. 8).

Por outro lado, as possibilidades da formulação de hipóteses aumentam sua ousadia de imaginação sociológica, visto que os meios de operacionalização contam, doravante, com procedimentos relacionais de validação de indicadores e com a potenciação da capacidade de medir as variações dos atributos e propriedades dos agentes sociais, computando os diversos níveis de medida – variáveis nominais, ordinais, proporcionais e intervalares – pela operação das análises multivariadas e de correspondência (Babbie & Halley, 1998, p. 15; Escofier & Pagés, 1990).

Finalmente, pode-se ousadamente afirmar que a lógica da interpretação sociológica foi revolucionada pelos movimentos fractais da inferência informacional: multidimensional, operando mediante combinações de espaço-tempo interativas, misturando formas expressivas – a multimídia – e visualizando seus objetos de investigação a partir de distintas perspectivas em alternados níveis de aproximação – o hipertexto. Estamos diante de tecnologias da inteligência que:

interagem com o sistema cognitivo principalmente sob duas formas: a) transformam a configuração da rede social de significação, cimentando novos agenciamentos e possibilitando novas pautas interativas de representação e de leitura do mundo; b) permitem construções novas, constituindo-se em fontes de metáforas e analogias (Maraschin, apud Pellanda & Pellanda, 2.000, p. 112).

Este horizonte infinito de possibilidades realiza uma inconclusa atualização do novo espírito científico, que é uma retificação do saber, um alargamento dos quadros do conhecimento. Ele julga, condenando, seu passado histórico. Sua estrutura é a consciência de seus erros históricos (Bachelard, 1984, p. 177). Estamos face a procedimentos de incessantes transformações, pois o espírito científico somente pode progredir criando métodos novos, motivo pelo qual a Sociologia do Século XXI, para realizar descobertas de processos e de sonhos coletivos (Tavares dos Santos & Gugliano, 1999, Introdução) deverá praticar a novidade epistemológica e metodológica das estratégias de investigação informacionais.

4. A análise de mensagens qualitativas não-estruturadas

O programa QSR NUD*IST significa sistema de indexação e de teorização sobre informações qualitativas não-estruturadas, um sistema inteligente de última geração, que possibilita realizar uma pesquisa qualitativa de mensagens e de discursos, mas também de materiais visuais, mediante um conjunto de meios para descobrir e explorar os sentidos das informações alfanuméricas não-estruturadas. Esse programa contém ferramentas informacionais para gerenciar documentos; criar idéias sobre os mesmos; gerenciar categorias do entendimento; formular questões sobre as informações e construir e testar teorias sobre o corpus das informações. Utilizamos este software para analisar entrevistas, bem como ele será útil para analisar outros documentos, digitalizados ou obtidos na Internet.

O programa QSR NUD*IST, assim como sua versão mais atual, o NVIVO, produzem um ambiente informacional no qual se pode criar, gerenciar e explorar idéias e categorias, minimizando as rotinas de trabalho e maximizando a flexibilidade da análise, para descobrir novas idéias e desenvolvê-las. Tal desenvolvimento pode ser feito de vários modos: investigando documentos, criando categorias e codificando textos; gerenciando e explorando idéias sobre as informações e importando e exportando dados para ligar com programas estatísticos e planilhas.

Acima de tudo, o software QSR NUD*IST foi desenhando para colocar questões e construir e testar teorias. Suas ferramentas ligam documentos com idéias, de modo que permite: clarificar idéias, descobrir temas e armazenar anotações sobre as informações; construir e testar teorias sobre as informações; gerar relatórios, incluindo o texto, códigos de categorias e sumários estatísticos; expor matrizes e construir modelos, ligando com softwares de exposição gráfica.

O projeto deste software é organizado em dois subsistemas interconectados, ligados por procedimentos de busca: I - Sistema de Documentos (The Document System) contém informações sobre todo documento, seja on-line ou off-line e, opcionalmente, uma anotação de memória; II - codificando e explorando os documentos, é possível ligá-los às categorias elaboradas no Sistema de Indexação.

O Sistema de Indexação (The Index System) é construído por "Nós", que são recipientes para idéias e pensamentos sobre o material pesquisado, isto é, "Categorias". Os "Nós" armazenam o código de "Categorias" construído pelo usuário, registrando também uma memória. Com a "Categoria", são armazenadas as seguintes informações: título, definição da "Categoria", anotações sobre elas e as referências às partes do documento codificadas pelo "Nó". Desenvolvendo os "Nós", e com eles codificando, ligam-se os "Nós" com os documentos. Os procedimentos de busca possibilitam pesquisar tanto os documentos textuais quanto codificá-los para descobrir e explorar padrões e temas, testar ou construir teorias.

Em suma, esses programas realizam uma análise de conteúdo qualitativa de discursos: a noção básica são os "Nós", ou "Categorias", que são recipientes para idéias sobre nossos dados. Um "Nó" deve ter um título, um endereço, uma definição, uma codificação e uma memória. Os "Nós" são os recipientes para codificações e para idéias. A codificação dos "Nós", ou as "Categorias", se organizam hierarquicamente por classes, subclasses, etc. , permitindo leituras desde o pólo teorético, mais geral, ao pólo particular e singular, no nível do senso comum ou das denominações.

5. A Genealogia do saber e a construção de bases de dados

Parece ser interessante, na prática sociológica contemporânea, fazer uso recorrente da construção de bases de dado, utilizando, por exemplo, o programa Acess. Vislumbramos, pelas experiências anteriores de pesquisa, que esta técnica permite registrar as formas dos dispositivos enquanto uma articulação do poder e do saber, incluindo tanto as formações discursivas como as formações não-discursivas, sendo assim heterogêneo e polimorfo. Estamos diante da possibilidade informacional de registrar um conjunto flexível de práticas coerentes, de relações de força e estratégias que organizam a realidade social entrelaçando experiências, poderes e saberes, com visibilidade, enunciação e fissuras.

A construção da genealogia do poder, por Michel Foucault, de modo sucessivo e inovador, deriva da orientação epistemológica pela qual interessa fazer não a história do passado para ver como se configura o presente, mas a história do passado a partir do presente, dos clamores dos fundos das prisões, a partir dos embates atuais.

O autor define seu objeto como a genealogia dos procedimentos policiais determinados pelas tecnologias sociais que se configuram enquanto tecnologias de poder (Foucault, 1988). A obra "Vigiar e Punir" é a passagem dos mecanismos de punição, de maceramento do corpo, até os mecanismos finais da vigilância pelo olhar panóptico, vigilância tão estruturada e interiorizada que dispensa a presença física do vigia. Essa interiorização dos mecanismos disciplinares vai sendo objeto de um tratamento histórico descontínuo, analisando materiais assistemáticos, manipulando a evidência histórica disponível até chegar a uma reconstrução da racionalidade específica das formas de dominação sobre o corpo e a alma.

Há toda uma análise multifacética de uma pluralidade de discursos, referidos às condições de possibilidade de uma época na qual historicamente eles se formaram. Se, por um lado, a arqueologia é uma relação de um discurso com outro discurso, o que vai chamar de formações discursivas, nas suas diferentes possibilidades, é também, desde o início, o relacionamento desses diferentes discursos com as práticas sociais e com as instituições. Ou seja, a arqueologia do saber consistia na descrição e na análise conceitual da construção e formação dos diferentes saberes, nessa multiplicidade de tipos. Trabalha com a análise das práticas sociais, as formações não discursivas: quanto elas envolviam uma relação com figuras da sociedade - o louco, o sádico, Dom Juan, Dom Quixote e outros - e a relação dessas figuras com as instituições, sejam as casas de trabalho inglesas, os asilos, os hospitais (Tavares dos Santos, 1997).

Michel Foucault veio a indicar as formas do dispositivo poder-saber que estiveram na gênese das ciências humanas: a medida, como função da ordem, um saber matemático-físico; a enquête, como meio de recenseamento e centralização, um saber estatístico e o exame, exercendo funções de seleção e de exclusão, a fim de restaurar e fixar a norma.

O conceito de disciplina, gerado pela operação intelectual desse livro, significa um processo que não pode mais ser separado do saber e do poder, das formações discursivas e das formações não-discursivas. As disciplinas são métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que asseguram a sujeição constante de suas forças, que impõem uma relação de docilidade e utilidade. A disciplina fabrica corpos dóceis que vão multiplicar a força produtiva do corpo humano, aumentar sua utilidade e diminuir sua dispersão.

Estamos diante de um conjunto flexível de práticas coerentes, de relações de força e estratégias, que organizam a realidade social entrelaçando experiências, poderes e saberes, com visibilidade, enunciação e fissuras. O dispositivo poder-saber configura-se em três momentos, seguindo uma genealogia que contém uma gênese dos diversos elementos que terminam por configurá-lo (Foucault, 1976). Na construção das bases de dados pelas metodologias informacionais – definição da estrutura dos registros e delineamento dos campos – os três momentos do dispositivo poder-saber podem ser assim configurados:

  • A disposição de um discurso, a produção de um fato discursivo global, constituído por determinadas experiências: os fatos; por emissores com um determinado ponto de vista, a partir de seu lugar na sociedade; por instituições que, ao incitar, arquivar e difundir mensagens representam um locus privilegiado de emissão do discurso, e por saberes vários, afirmando princípios de exclusão e de escolha.

  • O dispositivo poder-saber implica tecnologias de poder polimorfas, técnicas de poder que apresentam efeitos plenos de positividade.

  • O dispositivo poder-saber comporta uma vontade de saber, uma expressividade manifesta e visível por mecanismos positivos: dos produtores de saber e multiplicadores do discurso; pelo surgimento e funcionamento de estratégias de poder que terão como efeitos últimos uma interdição, mas também uma cultura (Foucault, 1991).

Umas das formas fundamentais do poder - saber consiste no dispositivo enquanto uma articulação do poder e do saber, abarcando as formações discursivas e as formações não-discursivas, sendo assim heterogêneo e polimorfo e, sobretudo, exigindo uma estratégia de investigação capaz de organizar múltiplas dimensões, com variadas e instáveis combinações, o que precisamente se torna possível pelo desempenho das linguagens informacionais.

6. A análise reflexiva de informações: as novas possibilidades da análise quantitativa

A necessidade de realizar a análise de dados estatísticos e de séries temporais tem sido, desde os clássicos, uma das metodologias básicas para se efetivar o processo de objetivação da realidade social. Na sociologia contemporânea, a metodologia de Pierre Bourdieu, na qual a idéia de uma sociologia reflexiva é central, encontra na análise avançada de dados e informações um modo de investigação e de explicação sistemático e relacional do mundo social, embora, evidentemente, Bourdieu não se restrinja ao uso dessa metodologia de investigação. Pois explicação sistemática na sociologia reflexiva significa que a análise sociológica vai estar sempre preocupada em discutir os seus instrumentos de conhecimento (Bourdieu, 1989).

O autor se refere a Gaston Bachelard, pois a idéia da reflexibilidade significa um pensamento que está sempre se debruçando sobre si próprio, analisando suas condições sociais de produção e de objetivação e, ao mesmo tempo, é um pensamento que é relacional: o modo de pensamento que é relacional e analógico que é favorecido pelo conceito de campo permite apreender a particularidade no interior da generalidade, e vice-versa. Um caso particular bem construído deixa de ser um caso particular (Bourdieu, 1984).

As possibilidades da análise estatística – realizada, por exemplo, mediante o uso do programa SPSS (versão 8.0), ou, até certa medida, do programa Excel - permitem trabalhar com dados provenientes de planilhas eletrônicas ou de base de dados, contendo tanto variáveis numéricas quanto alfanuméricas. A análise de dados estatísticos não pode fazer economia do trabalho de desvelamento do processo de construção estatística , pois o dado nunca é imediato. Os dados são o resultado de um trabalho social e científico, desde os procedimentos de definição do universo da população, da seleção da amostra, da elaboração do instrumento e de suas categorias, até a aplicação do questionário e o controle dos erros existentes; mais ainda, a discussão sobre a pertinência dos métodos interpretativos das variáveis traz efeitos incontornáveis à construção do dado estatístico e à análise de dados. (Merli, Dominique. La construction statistique. In: Champagne, op. cit. , p.101-162).

Tais procedimentos permitem um uso potencializado de grandes massas de dados, tanto de medidas quanto de testes estatísticos. Estamos no plano da análise fatorial, com duplo escopo analítico-sintético, que ... coloca em ação índices de ligação estatística entre variáveis. Avalia as ligações entre todas as variáveis para hierarquizá-las e/ou propor uma representação da configuração do conjunto das ligações (Combessie, 1996, p. 103). Porém, as novas possibilidades residem na análise multivariada, a qual:

... tem por objeto distinguir e avaliar a contribuição de múltiplas variáveis a uma mesma variável dependente: uma das maneiras de avaliar a força da ligação entre duas variáveis de uma tabela consiste em introduzir uma terceira, uma quarta, uma quinta (Combessie, 1996, p. 97).

Enfim, com este programa, podemos efetuar a sofisticada análise fatorial de correspondência,

para estudar quadros chamados, correntemente, de quadros de contingência (ou tabelas cruzadas). Trata-se de quadros de dados obtidos pelo cruzamento de modalidades de duas variáveis qualitativas definidas sobre uma mesma população de n indivíduos. (...) Um quadro de contingência exprime a relação entre duas variáveis qualitativas – ligação ou independência (Escofier & Pagès, 1990, p. 25-26).

Se o mundo é multivariado, cada efeito tem não uma, mas várias causas, de modo que o recurso aos programas computacionais nos traz não só uma economia de tempo e de erros, como também potencializa as inferências estatísticas que compõem a análise sociológica (Moreira, 1994, P.191-192).

7. A Sociologia do Século XXI e as Metodologias Informacionais

As metodologias informacionais constituem a novidade no atual momento teórico, ainda pouco utilizadas na sociologia contemporânea. A linguagem comunicacional da atualidade consiste no desafio da pós-modernidade, esta forma cultural do capitalismo tardio que alinhava, ao mesmo tempo, a transição paradigmática para os desafios de uma sociologia para o Século XXI ( Tavares dos Santos & Gugliano, 1999; Sousa Santos, 2.000; Jameson, 1996). Em particular, esse desafio expressa os dilemas de uma sociedade capitalista e informacional, na qual esta revolução tecnológica, se exercida pelo poder econômico e político hegemônico do processo de globalização, pode vir a agravar a desigualdade e criar mesmo novas formas de exclusão e de fragmentação social (Ianni, 2000, esp. Cap. VI, pp.139-166; Levy, 1999, p. 238; Hedley, 1999 ; Wilke et alii, 1997, p. 26 e 46-48; Breton, 1991, p. 250)

Nos procedimentos da sociologia atual, residiria a disseminação de um padrão de trabalho científico, definido pelos seguintes elementos: dúvida metódica e questionamento dos objetos, métodos e hipóteses do trabalho científico; utilização da informática nos vários momentos do processo de trabalho sociológico; disciplina do cotidiano da pesquisa; organização flexível do trabalho; responsabilidade social inelutável, e lugar para o questionamento e a criatividade. A utilização de uma série de metodologias informacionais, quantitativas ou qualitativas, exige, como condição do rigor, que se proceda à crítica reflexiva das técnicas e dos procedimentos, orientada pelos princípios da incerteza multiramificada e da interrogação permanente (Morin, 1991, p.243).

Vislumbra-se uma vantagem adicional ao aplicar programas de microinformática ao exercício da vigilância epistemológica, que supõe:

utilizar plenamente as capacidades exploratórias de cada método; associar uma pluralidade de métodos; comparar os resultados por semelhança e diferença: tipologias; colocar-se questões sobre as questões dos outros;criticar as fontes em sociologia: verificar as condições sociais de sua elaboração (Combessie, 1996, Introdução).

Trata-se de desenvolver o pensamento complexo e relacional, o tecido de relações que produz o fenômeno, relembrando que longe de o ser iluminar a relação, é a relação que ilumina o ser (Bachelard, 1984, p. 152 e p. 148). Em outras palavras: Reconstruir as relações sociais que determinam a relação enquanto "relações sociais" e enquanto "posições" em um espaço estruturado (Combessie, p. 107/108). Do ponto de vista da epistemologia complexa, estamos trabalhando em um movimento por um realismo relacional, relativo e múltiplo, insiste Morin:

O relacional provém da indissociável relação sujeito/objeto e espírito/mundo. A relatividade advém da relatividade dos meios de conhecimento e da relatividade da realidade cognoscível. A multiplicidade diz respeito à multiplicidade dos níveis de realidade e, talvez, à multiplicidade das realidades (Morin, 1986, p.221).

Neste estilo de pensamento residiria a disseminação de um habitus da pesquisa informacional, marcado pelos seguintes elementos: dúvida metódica e questionamento dos objetos, métodos e hipóteses do trabalho científico; utilização da informática no processo de trabalho sociológico; disciplina do cotidiano da pesquisa; organização flexível do trabalho; responsabilidade social inelutável; e lugar para o questionamento e a criatividade.

A linguagem informacional poderá possibilitar a superação de antigas antinomias, pelo uso combinado e aplicado de diversos métodos quantitativos e qualitativos de pesquisa, vindo a configurar um padrão de trabalho científico que poderíamos denominar de sociologia informacional, cujos delineamentos precisos estão em curso de fabricação pelos praticantes deste ofício.

A sociologia, neste jovem Século XXI, tensionada pelo uso virtual das metodologias informacionais, quiçá estimule a paixão de fazer ciência, o exercício da crítica e o belo prazer da escrita e processamento do texto sociológico.

Vivemos, ao que tentamos indicar, um momento de transformações no trabalho sociológico, no qual a lógica da crítica, a perspectiva da descoberta científica e o espírito criativo, vêm sendo alterados pelos efeitos das metodologias informacionais.

A prática sociológica expressa, no modo de informação, uma vontade de saber que desvela, para contribuir a transformar, as relações de sociabilidade, de poder e de conhecimento na sociedade da informação, exigindo novos programas para as utopias.

Obs. - Registro de propriedade intelectual:

ARCVIEW® é marca registrada de ESRI , USA.

AURÉLIO® é marca registrada de Lexicon Informática, Brasil.

MAPINFO® é marca registrada de MAPINFO Corporation, USA.

QSR NUD*IST® e QSR NUD*IST VIVO (Nvivo)® são marcas registradas de Qualitative Solutions and Research Pty Ltd. , Australia.

SphinxSurvey Plus2® e Lexicaâ são marcas registradas de Le Sphinx Développement, France.

SPPS® é uma marca registrada de SPSS Inc. Chicago, Illinois, USA.

WORD PERFECT® e CORELDRAW® são marcas registradas de LINUX ®, USA.

WORD®, EXCEL®, ACESS®, POWERPOINT®, PROJECT®, FOX- PRO® são marcas registradas de MICROSOFT CORPORATION, USA.

  • BABBIE, Earl & HALLEY, Fred. Adventures in Social Research Data analysis using
  • SPSS for Windows 95. Londo, Pine Forge Press, 1998.
  • BACHELARD, Gaston. Le matérialisme rationnel Paris, PUF, 1990.
  • BACHELARD, Gaston. Le nouvel sprit scientifique Paris, PUF, 1984.
  • BARDIN, Lawrence. Análise de conteúdo Lisboa: Edições 70, 1979.
  • BLANK, Grant et alii (ed.) New Technology in Sociology London, Transaction, 1989.
  • BORDIEU, Pierre. Homo Academicus Paris, Minuit, 1984.
  • BOURDIEU, P. & CHAMBOREDON, J.C & PASSERON, J. Le métier de Sociologue Paris, Mouton, 1973.
  • BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico Rio de Janeiro: Bertrand , Brasil, 1989.
  • BRETON, Philippe. História da Informática São Paulo, UNESP, 1991.
  • CASTELLS, Manuel. La Era de la información: economía, sociedad y cultura V. I : La Sociedad Red. Madrid, Alianza Ed., 1996.
  • CHAMPAGNE, Patrick et alii. Initiation à la pratique sociologique Paris, Dunod, 1989.
  • Combessie, Jean-Claude. La Méthode en Sociologie Paris, La Découverte, 1996.
  • DEVEREUX, Georges. De l'angoisse à la méthode dans les sciences du comportement Paris, Flammarion, 1980, p.75.
  • ESCOFIER, Brigitte & PAGÈS, Jérôme. Analyses factorielles simples et multiples Paris, DUNOD, 1990.
  • FERNANDES, Florestan. Fundamentos empíricos da explicação sociológica. 2.ed. São Paulo, Nacional, 1967, p.XX.
  • FOUCAULT, Michel. La volonté de savoir - histoire de la sexualité Paris: Gallimard, 1976.
  • FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir Petrópolis: Vozes, 1988.
  • FOUCAULT, Michel. Tecnologías del Yo Barcelona, Paidós Ibérica, 2.ed. 1991.
  • FOUCAULT, Michel. L´usage des plaisirs Paris , Gallimard, 1984.
  • GADNER, Martin. El ordenador como científico y otros ensayos sobre fantasía y ciencia Barcelona, Paidós, 1992.
  • HEDLEY, R. Alan. "The Information Age : apartheid, cultural imperialism, or Global Village ?". In: Social Science Computer Review Thousand Oaks, California, v. 17, nº 1, Spring, 1999, p. 78-87.
  • IANNI, Octavio. Enigmas da Modernidade-Mundo Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2.000.
  • KUECHLER, Manfred. "Using the Web in the Classroom". In: Social Science Computer Review. Thousand Oaks, California, v. 17, nº 2, Summer 1999, p. 144-161.
  • JAMESON, Fredric. Pós-modernismo : a lógica cultural do capitalismo tardio São Paulo, Ática, 1996.
  • LÉVY, Pierre. Cibercultura São Paulo, Editora 34, 1999.
  • LIEDKE, Enno. " Sociologia e Sociedade Brasil e Argentina (1954-1984)". In: Cadernos de Sociologia, Porto Alegre, PPG-Sociologia do IFCH-UFRGS, V. II, n. 2, maio de 1990, p. 5-50.
  • MANGABEIRA, Wilma. "O uso de computadores na análise qualitativa: uma nova tendência na pesquisa sociológica". In: BIB - Boletim informativo e bibliográfico de Ciências Sociais Rio de Janeiro, ANPOCS, n.34, 1992, p. 83-95.
  • MANGABEIRA, Wilma (Ed.) Qualitative Sociology and Computer Programs: advents and diffusion of computer-assisted qualitative data analysis software (CAQDAS)". In: Current Sociology London, ISA, SAGE, V. 44, N. 3, winter 1996, p. 187-307, cit. da pág. 192.
  • MORIN, Edgar. La Méthode III: La connaissance de la connaissance Paris, Seuil, 1986.
  • MORIN, Edgar. La Méthode IV : Les Idées Paris, Seuil, 1991.
  • MOREIRA, Carlos Diogo. Planejamento e estratégias da investigação social Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade Técnica de Lisboa, 1994.
  • ORFORD, Scott ; HARRIS, Richard ; DORLING, Daniel. "Geography : information visualization in the Social Sciences". In: Social Science Computer Review Thousand Oaks, California, v. 17, nº 3, Fall 1999, p. 289-304.
  • PELLANDA, Nize & PELLANDA, Eduardo (org.). Ciberespaço: um hypertexto com Pierre Levy, Porto Alegre, Artes e Ofícios, 2.000 (Em especial, os textos de Pierre LEVY, Margarete AXT e Cleci Maraschin)
  • PESSIS-PASTERNAK, Guitta. Do Caos à Inteligência Artificial : quando os cientistas se interrogam São Paulo, Editora UNESP,1993.
  • PFAFFENBERGER, Bryan. Microcomputer applications in qualitative research London, SAGE, 1990, p.10 e 22.
  • POSTER, Mark. The mode of information : poststructuralism and social context Cambridge, Polity Press, 1990.
  • PRANDI, José Reginaldo. História de Vida Computacional São Paulo, CEBRAP, 1972
  • SCHAFF, Adam. A Sociedade Informática São Paulo, Editora da UNESP / Brasiliense, 1990.
  • SOUSA SANTOS, Boaventura. A crítica da razão indolente : contra o desperdício da experiência São Paulo, Cortez, 2.000,
  • TAVARES DOS SANTOS, José Vicente & GUGLIANO, Alfredo (orgs.). A Sociologia para o Século XXI Pelotas, EDUCAT / SBS, 1999.
  • TAVARES DOS SANTOS, J. V. "A Aventura Sociológica na Contemporaneidade". In: ADORNO, Sérgio (org.). A Sociologia entre a Modernidade e a Contemporaneidade Porto Alegre, Editora da UFRGS/Sociedade Brasileira de Sociologia, 1995, p. 73-84 (Número especial do Cadernos de Sociologia, PPG-Sociologia - UFRGS).
  • TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. "A construção da viagem inversa: ensaio sobre a investigação nas Ciências Sociais". In: Cadernos de Sociologia Porto Alegre, Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFRGS, v.3, n.3, p. 55-1988 (Número temático: Metodologias de Pesquisa).
  • TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. "Michel Foucault, um pensador das redes de poder e das lutas sociais". In: Revista Educação, Subjetividade e Poder. Porto Alegre, NESPE/ PPG-Educação da UFRGS, Ed. UNIJUI, janeiro-junho de 1996, n. 3, p.7-16.
  • TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. "Subjetividade e História na construção de um Sociólogo". In: Revista Educação, Subjetividade e Poder. Porto Alegre, NESPE/ PPG - Educação da UFRGS, Ed. UNIJUI, janeiro - junho de 1997, n. 4, p. 103-114.
  • THIOLLENT, Michel. Crítica metodológica, investigação social e enquête operária São Paulo: Polis, 1982.
  • WILKE, Jurgen et alii. Perspectivas Globais da Sociedade da Informação São Paulo, Fundação Konrad-Adenauer Stiftunh, 1997.
  • 1
    Neste item, partimos de Tavares dos Santos, J. V.
    A Aventura Sociológica na Contemporaneidade. In: ADORNO, Sérgio (org.). A Sociologia entre a Modernidade e a Contemporaneidade. Porto Alegre, Editora da UFRGS/Sociedade Brasileira de Sociologia, 1995, p. 73-84 (Número especial do Cadernos de Sociologia, PPG-Sociologia - UFRGS).
  • 2
    LYMAN, Peter."The future of Sociological Literature in an Age of Computerized Texts". In: BLANK, Grant et alii (ed.) New Technology in Sociology. London, Transaction, 1989 ; MANGABEIRA, Vilma. "O uso de computadores na análise qualitativa: uma nova tendência na pesquisa sociológica". In: BIB- Boletim informativo e bibliográfico de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, ANPOCS, n.34, 1992, p. 83-95.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Dez 2004
    • Data do Fascículo
      Jun 2001
    Programa de Pós-Graduação em Sociologia - UFRGS Av. Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43111 sala 103 , 91509-900 Porto Alegre RS Brasil , Tel.: +55 51 3316-6635 / 3308-7008, Fax.: +55 51 3316-6637 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: revsoc@ufrgs.br