Resumos
O teste de carga viral foi concebido para acompanhar a evolução e o tratamento do paciente com diagnóstico confirmado de HIV-1. Contudo, sua especificidade diagnóstica não foi ainda avaliada em pessoas que apresentam um teste sorológico negativo. Mesmo assim, ele tem sido erroneamente utilizado para o diagnóstico da infecção primária pelo HIV-1. Este trabalho relata quatro pacientes em que a carga viral plasmática NucliSens (Organon Teknika) foi repetidamente positiva na ausência de anticorpos para HIV e chama atenção para o fato de que a carga viral abaixo de 10 mil cópias/ml é de difícil interpretação, como tem sido assinalado em numerosos artigos, em que foram utilizadas outras metodologias.
Carga viral; PCR; HIV-1; Aids
The plasma viral load test for HIV-1,a exquisitely high sensitive assay, were neither developed nor evaluated for the diagnosis of primary HIV infection; therefore, their diagnostic specificity is not well delineated when applied to persons who are negative for HIV antibody. This article reported four cases of false positive results obtained by using NucliSens viral load assay (Organon Teknika) and emphasize the importance that low positive plasma viral load (< 10 000 copies/ml) may be difficult to interpret how has been assinalated in numerous articles in the medical literature, using other methodologies.
Viral load; PCR; HIV-1; Aids
a05v38n1
RELATO DE CASO
CASE REPORT
Recebido em 26/04/01
Aceito para publicação em 29/06/01
Avaliação de ensaio molecular para determinação de carga viral em indivíduos sorologicamente negativos para o HIV-1
Evaluation of a molecular assay for determining viral load on HIV-1 antibody negative patients
José Moreira Pereira1 1 . Médico; consultor científico do Laboratório Helion Póvoa.
Cirley Santos da Silva2 2 . Bióloga; gerente técnica do Laboratório Helion Póvoa.
Luís Fernando Bruzzi Porto3 3 . Médico; diretor técnico do Laboratório Helion Póvoa.
Luiz Gallotti Póvoa4 4 . Médico; diretor geral do Laboratório Helion Póvoa.
Aline Santos Moreira5 5 . Biólogo Biologia molecular do Laboratório Helion Póvoa.
Jorge Roberto Alves5 5 . Biólogo Biologia molecular do Laboratório Helion Póvoa.
unitermos
Carga viral
PCR
HIV-1
Aids
O teste de carga viral foi concebido para acompanhar a evolução e o tratamento do paciente com diagnóstico confirmado de HIV-1. Contudo, sua especificidade diagnóstica não foi ainda avaliada em pessoas que apresentam um teste sorológico negativo. Mesmo assim, ele tem sido erroneamente utilizado para o diagnóstico da infecção primária pelo HIV-1. Este trabalho relata quatro pacientes em que a carga viral plasmática NucliSens (Organon Teknika) foi repetidamente positiva na ausência de anticorpos para HIV e chama atenção para o fato de que a carga viral abaixo de 10 mil cópias/ml é de difícil interpretação, como tem sido assinalado em numerosos artigos, em que foram utilizadas outras metodologias.
abstract
key words
The plasma viral load test for HIV-1,a exquisitely high sensitive assay, were neither developed nor evaluated for the diagnosis of primary HIV infection; therefore, their diagnostic specificity is not well delineated when applied to persons who are negative for HIV antibody. This article reported four cases of false positive results obtained by using NucliSens viral load assay (Organon Teknika) and emphasize the importance that low positive plasma viral load (< 10 000 copies/ml) may be difficult to interpret how has been assinalated in numerous articles in the medical literature, using other methodologies.
Viral load
PCR
HIV-1
Aids
Introdução
Os termos "sensibilidade" e "especificidade" têm sido usados em diferentes contextos. O termo "ultra-sensível" foi introduzido em diagnóstico molecular para descrever um ensaio que oferecia "maior sensibilidade" em relação ao seu antecessor (2). Alguns clínicos têm, ao menos, uma noção intuitiva desses conceitos, mas apresentam limitações para interpretá-los corretamente. Considerável confusão ocorre quando um ensaio "altamente sensível" freqüentemente passa como negativo (6), ou quando um teste "altamente específico" fornece um resultado falso-positivo (11, 12,16). Como exemplo tem sido relatado que 2% a 15% dos pacientes soropositivos para HIV-1 apresentam resultados negativos na "altamente sensível" reação em cadeia da polimerase (PCR) (1, 4, 6).
O problema é que qualquer teste de laboratório tem não somente um, mas dois tipos de sensibilidade e especificidade: analítico e diagnóstico. A despeito de importantes diferenças entre a sensibilidade analítica e a sensibilidade diagnóstica, esses termos são usados, no meio clínico, como sinônimos, sem distinção de seus respectivos adjetivos. A compreensão dos diferentes significados desses termos é a chave para a correta requisição e interpretação dos resultados de um teste diagnóstico (11).
A infecção primária pelo HIV-1 é caracterizada por numerosos sintomas clínicos (12, 14). Um diagnóstico rápido pode dificultar a transmissão (7) e permitir a instituição de um tratamento precoce (9, 13). Como o paciente com infecção primária está justamente sintetizando anticorpos, um teste sorológico e um ensaio virológico devem ser prontamente realizados (3, 15). Os testes de laboratório para diagnóstico de infecção primária por HIV-1 podem ser complexos, e os resultados, difíceis de interpretar (3, 5). Até a presente data, o reconhecimento de qual paciente deve ser triado e do melhor algoritmo para o uso de testes diagnósticos ainda não foi determinado (3).
O teste de carga viral plasmática para HIV-1 baseado na tecnologia de reação em cadeia da polimerase é certamente recente. Ele foi concebido para acompanhar pacientes com infecção pelo HIV-1 diagnosticada e, particularmente, para seguir a efetividade do tratamento (5). O ensaio não foi desenvolvido nem avaliado como teste diagnóstico de infecção primária, e vários artigos usando diferentes metodologias (Amplicor Monitor, Roche e Quantiplex bDNA, Chiron) têm relatado casos de falsa positividade (3, 9).
Este trabalho relata quatro pacientes em que a carga viral plasmática (NucliSens, Organon) foi repetidamente positiva na ausência de anticorpos para HIV-1, como determinado pelos testes de Elisa, Axsym HIV-1/HIV-2 (Abbott), Vironostica HIV Uni-form II plus O (Organon Teknika) e Western-blot, New lav blot (Sanofi Pasteur), enfatizando o fato de que carga viral abaixo de 10 mil cópias/ml é de difícil interpretação quando se usa o teste como diagnóstico primário da infecção pelo HIV-1.
Pacientes e métodos
Caso 1
Paciente com 35 anos de idade, do sexo masculino, após relação sexual não-protegida procurou o clínico preocupado com a possibilidade de ter sofrido contaminação pelo HIV. Após muita insistência, o clínico solicitou um teste de carga viral. O ensaio apresentou um resultado de 6.400 cópias/ml. Por ser a primeira vez que o paciente comparecia ao laboratório, foi realizado um teste de Elisa, que foi negativo. O ensaio de Western-blot não detectou a presença de anticorpos. Nova amostra mostrou-se repetidamente positiva, com carga viral abaixo de 10 mil cópias/ml. Uma terceira amostra analisada, após se explicar ao paciente e ao clínico as dificuldades na interpretação do teste, foi negativa.
Caso 2
Paciente do sexo feminino, com 1 ano de idade e história de mãe soropositiva para HIV falecida por sépsis. Entrou em regime profilático com AZT logo após o nascimento. O resultado do exame de carga viral, pedido pelo pediatra, foi de 1.600 cópias/ml. Nova amostra examinada revelou 940 cópias/ml. O teste de Elisa não detectou a presença de anticorpos anti-HIV. Foi realizado um PCR qualitativo com resultado negativo. Uma terceira amostra, após consentimento do pediatra e da família, revelou a ausência de carga viral.
Caso 3
Criança do sexo masculino, com 11 meses de idade e história de pai com teste sorológico para HIV positivo. O pediatra solicitou um teste de carga viral com fins diagnósticos. O ensaio realizado demonstrou a presença de 2.800 cópias/ml. Nova amostra pedida, após contato com o pediatra e a família, foi negativa para a presença de anticorpos pelo teste de Elisa, e a carga viral, repetida, foi negativa.
Caso 4
Paciente do sexo masculino, com 41 anos de idade e história de hepatite C em acompanhamento clínico. O médico solicitou um teste de carga viral que demonstrou a presença de 3.500 cópias/ml. A pesquisa de anticorpos por Elisa foi negativa. Nova amostra pedida, após consentimento do médico e do paciente, foi negativa para o teste de carga viral.
Discussão
Esses quatro casos, que foram observados em um mesmo laboratório durante um curto período de tempo, provavelmente representam exemplo de resultados falso-positivos no teste de carga viral para HIV-1. Poucos casos de resultados falso-positivos têm sido documentados, e um deles foi observado após a administração de uma vacina contra HIV-1 (3, 5, 8, 13). Todos os pacientes descritos apresentavam baixa carga viral (< 10 mil cópias/ml) e resultado negativo para a pesquisa de anticorpos. De nosso conhecimento, a mais baixa carga viral durante soroconversão é quase 20 vezes mais alta que a mais alta carga viral detectada em nossos quatro pacientes (12).
O protocolo para diagnóstico de infecção pelo HIV é baseado na detecção de anticorpos específicos para HIV-1. A combinação de triagem por dois testes para Elisa com um ensaio por Western-blot tem sido mais que 99% sensível e específica na detecção da infecção por HIV-1 (15). Esse protocolo tem uma taxa relativamente baixa de resultados falso-positivos, em torno de 0,0006%, porém pode ter resultados falso-negativos ou indeterminados durante três a quatro semanas antes da soroconversão (8). Embora a resposta de anticorpos possa ser indetectável durante esse período de infecção aguda, a carga viral plasmática é geralmente muito alta e a viremia usualmente ocorre em quatro a 11 dias (12). A ocorrência de altos níveis de viremia durante a infecção primária pelo HIV tem levado alguns clínicos a usar a carga viral plasmática como um teste diagnóstico para detectar a infecção precoce pelo HIV-1. Contudo é bom ter em mente que o teste de carga viral plasmática foi desenvolvido para monitorar a efetividade da terapêutica antiviral e quantificar a presença do vírus em pacientes com infecção confirmada pelo HIV, e não para o diagnóstico de infecção pelo HIV-1. A performance do método em pacientes que não estão infectados pelo HIV-1 ainda não foi estabelecida (7).
Para diminuir a ocorrência de resultados falso-positivos, protocolos para o diagnóstico de infecção pelo HIV devem incluir testes que são complementares. O teste de Elisa para HIV-1 possui grande sensibilidade diagnóstica e constitui uma ferramenta de triagem barata e de excelente performance, e, devido à sua enorme especificidade, o ensaio de Western-blot é um teste confirmatório altamente confiável. Somente pacientes que foram submetidos anteriormente a esses testes deveriam ser avaliados pelo ensaio de carga viral plasmática. Um paciente que está soroconvertendo tem geralmente uma alta carga viral; embora seja teoricamente possível que um paciente sorologicamente negativo apresente uma carga viral baixa, essa possibilidade é mínima. Assim, é aconselhável que não se usem metodologias moleculares para o diagnóstico de infecção primária pelo HIV-1, e, se usada antes de um teste positivo para anticorpos, baixos níveis de carga viral plasmática (< 10 mil cópias/ml) devem ser interpretados com cautela, e o verdadeiro estado do paciente deve ser confirmado com repetidos testes sorológicos e cargas virais plasmáticas.
Endereço para correspondência
José Moreira Pereira
Rua Martins Ferreira 80 Botafogo
CEP 222271-010
Rio de Janeiro-RJ
- 1. Bournique, B. et al. Detection of HIV-1 infection by PCR: evaluation in a seropositive subject population. Mol. Cell Probes, 6: 443-50, 1992.
- 2. Cao, Y. et al. Virologic and immunologic characterization of long term survivor of human immunodeficiency virus type 1 infection. N. Engl. J. Med., 332: 201-8, 1995.
- 3. Daar, E.S. et al. Diagnosis of primary HIV infection. Ann. Intern. Med., 134: 25-9, 2001.
- 4. De Rossi et al. Antigen detection, virus culture, polymerase chain reaction and in vitro antibody production in the diagnosis of vertically transmitted HIV-1 infection. Aids, 5: 15-20, 1991.
- 5. Flanigan, T. & Tashima, K.T. Diagnosis of acute HIV infection: it's time to get moving! Ann. Intern. Med., 134: 75-7, 2001.
- 6. Garcia-Ferrer, F.J. et al. Screening corneas for human immunodeficiency virus type 1 proviral DNA by polimerase chain reaction. Am. J. Ophthalmol., 119: 7-13, 1995.
- 7. Harrigan, R. Measuring viral load in clinical setting. J. Acquir. Immune Defic. Syndr. Hum. Retrovirol., 10(suppl. 1): 534-40, 1995.
- 8. Jacquez, J.A. et al. Role of the primary infection in epidemics of HIV infection in gay cohorts. J. Acquir. Immune Defic. Syndr., 7: 1169-84, 1994.
- 9. Rich, J.D. et al. Misdiagnosis of HIV infection by HIV-1 plasma viral load testing: a case series. Ann. Intern. Med., 130: 37-9, 1999.
- 10. Rosenberg, E.S. et al. Vigorous HIV-1 specific CD4+ T cell responses associated with control of viremia. Science, 278: 1447-50, 1997.
- 11. Saah, A.J. & Hoover, D.R. "Sensitivity" and "specifity" reconsidered: the meaning of these terms in analytical and diagnostic settings. Ann. Intern. Med., 126: 91-4, 1997.
- 12. Schacker, T.W. et al. Clinical and epidemiologic features of primary HIV infection. Ann. Intern. Med., 125: 257-64, 1966.
- 13. Schacker, T.W. et al. Biological and virologic characteristics of primary HIV infection. Ann. Intern. Med., 128: 613-20, 1998.
- 14. Schwartz, D.H. et al. Extensive evaluation of a seronegative participant in a HIV-1 vacine trial as a result of false-positive PCR. Lancet, 350: 256-59, 1997.
- 15. Update: Trends in Aids incidence. United States, 1966. MMWR Morb. Mortal. Wkly Rep., 46: 861-67, 1997.
- 16. Update: Serological testing for HIV antibody. United States, 1988/1989. MMWR Morb. Mortal. Wkly Rep., 39: 380-3, 1990.
- 17. Vento, S. et al. Pneumocystis carinii pneumonia during primary HIV-1 infection. Lancet, 342: 24-5, 1993.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
02 Dez 2003 -
Data do Fascículo
Jan 2002
Histórico
-
Aceito
29 Jun 2001 -
Recebido
26 Abr 2001