RESUMEN
La gangliosidosis GM1 es un trastorno lisosomal caracterizada por la acumulación de gangliósido GM1 (glucoesfingolípido) en el sistema nervioso central (SNC) y visceral, debido a la deficiencia de la enzima beta-galactosidase (hidrolasa lisosomal). Afecta principalmente al SNC y las vísceras y produce importantes anomalías esqueléticas, que a menudo ocurren con la presencia de linfocitos vacuolados en la muestra de la sangre periférica o médula ósea. Tiene tres formas de presentación, lo que dificulta aún más su identificación debido al amplio espectro clínico. El presente estudio tiene como objetivo describir un caso de gangliosidosis GM1 en un paciente masculino, nacido a las 38 semanas. Hasta el momento, no existe un tratamiento efectivo para la gangliosidosis GM1, es decir, el portador de la enfermedad solo recibe medidas sintomáticas y paliativas. Por tanto, el diagnóstico precoz de la enfermedad es de suma importancia, ya que su única forma de prevención, actualmente, es a través del consejo genético.
Palabras clave gangliosidosis GM1; trastorno por almacenamiento lisosómico; beta-galactosidasa
INTRODUÇÃO
A gangliosidose GM1 é uma doença lisossômica caracterizada pelo acúmulo de gangliosídeo GM1 (glicoesfingolipídeo), tanto no sistema nervoso visceral quanto no central (SNC), devido à deficiência da enzima betagalactosidade (hidrolase lisossomal). É uma desordem genética rara de caráter recessivo que acomete o gene GLB1 localizado no cromossomo 3. Estima-se que sua incidência seja de 1:100.000-200.000 nascidos vivos. Ela acomete principalmente o SNC e as vísceras, além de produzir anormalidades esqueléticas importantes. Ocorre frequentemente com a presença de linfócitos vacuolizados no sangue periférico ou na amostra de medula óssea. Possui três formas de apresentação, o que torna sua identificação ainda mais desafiadora por conta de seu amplo espectro clínico(1).
A doença é dividia em três tipos (tipo I, II e III), e a severidade do fenótipo está associada ao grau de deficiência da enzima. A forma infantil (tipo I) é a mais grave; estabelece-se nos primeiros 6 meses de vida com envolvimento generalizado do SNC, hipotonia, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, apatia, sucção débil, ganho de peso abaixo do normal, hepatoesplenomegalia, dismorfismo facial, mácula vermelho-cereja, displasia esquelética, infecções respiratórias de repetição e morte precoce (geralmente antes dos 2 anos de idade). O acometimento precoce e extenso do SNC leva a um retardo acentuado do desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM), que evolui gradualmente para hipotonia generalizada e crises convulsivas. Cardiomiopatia e hipertrofia cardíaca são achados menos frequentes(1,2).
A forma juvenil (tipo II) desenvolve-se entre 7 meses e 3 anos de idade, com curso mais lento. Apresenta envolvimento generalizado do SNC com deterioração psicomotora (regressão do DNPM), convulsões e envolvimento esquelético localizado. Com essa forma, a criança geralmente sobrevive somente até a infância, uma vez que quadros convulsivos e infecções recorrentes, principalmente pneumonias, costumam ser as causas de óbito(1).
A forma adulta (tipo III) manifesta-se dos 3 aos 30 anos de idade; o acometimento do SNC é mais localizado, apresentando-se com distonia, distúrbios da fala e da marcha. A progressão dos sintomas é lenta, mas o acometimento intelectual é acentuado(1).
Este estudo tem como objetivo descrever um caso de gangliosidose GM1 em um paciente do sexo masculino, nascido com 38 semanas.
RELATO DO CASO
Paciente do sexo masculino, natural e procedente de Joinville, Santa Catarina, Brasil, nascido com 38 semanas e pesando 2880 gramas, foi admitido pela primeira vez no Hospital Dr. Jeser Amarante Farias com quadro de pneumonia aos 11 meses de idade. A mãe relatou diagnóstico de restrição de crescimento intrauterino no último trimestre de gestação, sem alterações no período neonatal. Amamentação exclusiva até os seis meses. A criança apresentava atraso no desenvolvimento, acompanhado de hipotonia e não aceitação de alimentos sólidos, quadro de evolução progressiva notado pelos pais desde os 6 meses de idade.
O exame físico na admissão demonstrava hipotonia muscular severa, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, ausência de resistência a movimentos passivos e ausência de reflexo patelar bilateral. O paciente também apresentava fronte e fontanela amplas, edema em membros inferiores e face, baixo peso e estatura para a idade abaixo do percentil 3, além de perímetro cefálico entre os percentis 15 e 50.
Durante a internação, constatamos quadro neurológico em evolução com progressão da hipotonia, perda de contato visual, disfagia, crises convulsivas focais e apneia.
Entre os exames laboratoriais solicitados inicialmente, notamos presença de linfócitos vacuolizados no sangue periférico (Figura 1). O exame de fundo de olho constatou presença de mácula vermelho-cereja. A tomografia computadorizada (TC) de crânio evidenciou proeminência de sulcos entre os giros e as fissuras e proeminência do espaço frontoparietal bilateral preenchido por material com densidade liquórica, sugerindo hidrocefalia externa benigna da infância. A ressonância magnética nuclear (RMN) de crânio apresentou hipomielinização e alteração de sinal nos núcleos da base e nos tálamos (Figura 2). O ecocardiograma evidenciou ventrículo esquerdo no limite superior da normalidade (dilatação), sinais de aumento da resistência pulmonar, anatomia e função preservadas. A ultrassonografia abdominal e a radiografia de ossos longos não mostraram alterações.
A e B (axial T2) apresentando hipomielinização difusa e alteração de sinal nos núcleos da base, hipersinal em T2; C (axial T1) demonstrando aumento de sinal nos tálamos
Seguindo-se a investigação, estudos citogenéticos indicaram cariótipo masculino típico. Os ensaios enzimáticos de hexosaminidase mostraram-se normais, excluindo gangliosidose GM2. Valores normais de alfagalactosidase e betagalactosidade foram encontrados. Os resultados de testes qualitativos em exame urinário de cromatografia de oligossacarídeos (Figura 3) e cromatografia de sialiloligossacarídeos (Figura 4) tiveram como resultado o padrão de gangliosidose GM1. Esta foi diagnosticada por meio da deficiência de atividade da betagalactosidose 1,5 mmol/h/ml [valor de referência (VR) 35-126] em uma amostra de sangue impregnado em papel-filtro.
DISCUSSÃO
A presença de linfócitos vacuolizados em amostra de sangue periférico, ou medula óssea, quando positiva, é sugestiva de doença lisossomal(3). A falta da enzima betagalactosidase leva ao acúmulo de glicoesfingolipídeos nos linfócitos, o que acarreta presença de inclusões citoplasmáticas semelhantes a grandes vacúolos. A vacuolização é precoce e pode estar presente em até 80% do total dos linfócitos; os neutrófilos e os linfócitos podem conter granulações citoplásmicas basófilas. Na medula óssea, encontram-se células espumosas, conhecidas como foam-cells, e linfócitos vacuolizados(1). Alguns autores utilizam a pesquisa desse achado no sangue periférico como rastreio de gangliosidose GM1, do tipo I(4).
Em um estudo realizado em Lisboa, Portugal, a pesquisa de linfócitos vacuolizados, efetuada em seis pacientes diagnosticados com GM1, foi positiva em quatro deles: três no sangue periférico (55%, 45%, 35%) e um na medula óssea (13%); nesse caso, a vacuolização foi negativa nos linfócitos em amostra de sangue periférico(5). Em outro estudo realizado em Malta, no período de 1970 a 1993, com 40 pacientes confirmados para gangliosidose GM1, foi evidenciada a presença de linfócitos vacuolizados em todos os pacientes(4).
Na gangliosidose GM1, apenas metade dos pacientes apresenta presença de mácula vermelho-cereja. Essa mácula surge na fovéola – região central da fóvea, onde não existem células ganglionares – e contrasta com a palidez do restante da mácula, na qual, nesses casos, ocorre acúmulo de gangliosídios(6–8). Entretanto, durante a progressão da doença, pode ocorrer regressão da lesão. Portanto, quando o diagnóstico é tardio, muitas vezes esse achado pode não ser encontrado devido à morte das células retinianas pelo acúmulo de lipídios no local. No nosso caso, a presença desse achado teve grande contribuição para a definição do diagnóstico no paciente descrito, já que essa anormalidade é característica de poucas doenças, as quais, em sua maioria, podem ser confirmadas por meio de exames bioquímicos.
A TC de crânio do paciente não sugeriu alterações compatíveis com a gangliosidose GM1. São raros os casos que apresentam achados específicos da doença nesse exame, sendo a principal característica relatada a hiperdensidade talâmica difusa e simétrica. A RMN do paciente apresentou alterações compatíveis com as descritas na literatura. Algumas revisões de GM1 e outras doenças lisossomais relatam achados como hiperintensidade do tálamo e hipointensidade da substância branca em T1, bem como redução da intensidade do sinal do tálamo em T2(9,10).
Até o momento, não existe nenhum tratamento efetivo para a gangliosidose GM1, ou seja, o portador da doença recebe medidas sintomáticas e paliativas. Algumas novas estratégias terapêuticas têm sido exploradas, principalmente em animais, como transplante de medula óssea, terapias gênicas e terapias de redução do substrato. Entretanto, essas abordagens ainda estão longe de alcançar uma aplicação clínica viável. Assim, o diagnóstico precoce da doença é de extrema importância, pois sua única forma de prevenção, no momento, é mediante o aconselhamento genético(1).
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
29 Nov 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
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Recebido
27 Abr 2020 -
Revisado
29 Abr 2020 -
Aceito
29 Abr 2020