Acessibilidade / Reportar erro

Efeitos da prostaglandina E1 (PGE1) na gênese de capilares sanguíneos em músculo esquelético isquêmico de ratos: estudo histológico

Resumos

CONTEXTO: A angiogênese terapêutica é uma modalidade de tratamento para pacientes com insuficiência arterial crônica que não têm indicação para revascularização direta ou angioplastia e que não tiveram uma resposta satisfatória ao tratamento clínico. Entre as drogas utilizadas para essa finalidade está a prostaglandina E1 (PGE1). OBJETIVO: Estudar os aspectos morfológicos na gênese de capilares sanguíneos em músculo esquelético do membro caudal de ratos submetidos à isquemia sob a ação da PGE1, administrada por via intramuscular (IM) ou endovenosa (EV). MÉTODOS: Foram utilizados 48 ratos, linhagem Wistar-UEM, distribuídos aleatoriamente em três grupos de 16, redistribuídos igualmente em dois subgrupos, observados no 7º e 14º dias, sendo um grupo controle onde apenas foi provocada a isquemia no membro, outro com a isquemia e a injeção da PGE1 via IM e outro com a isquemia e a injeção da PGE1 EV. Para análise dos resultados, foram realizadas a coloração com hematoxilina e eosina (HE) e coloração imuno-histoquímica. RESULTADOS: Constatou-se um aumento estatisticamente significativo no número de capilares nos subgrupos com o uso da PGE1 IM e EV, através da contagem nos cortes corados com HE. A imunomarcação não foi eficiente para a quantificação dos capilares. CONCLUSÕES: A PGE1, administrada por via IM ou EV, promoveu, após 14 dias de observação, um aumento no número de capilares no músculo esquelético de ratos submetido à isquemia, identificáveis histologicamente com a coloração em HE. A imunocoloração não permitiu estabelecer uma correlação com o aumento de vasos encontrados na coloração com HE.

Prostaglandina E1; angiogênese; isquemia


BACKGROUND: Therapeutic angiogenesis is a treatment modality for patients with chronic arterial insufficiency who do not have indication for direct reconstruction or angioplasty and who were not successfully submitted to clinical treatment. Prostaglandin E1 (PGE1) is one of the drugs used for this purpose. OBJECTIVE: To study morphologic aspects in the genesis of blood capillaries in the lower limb skeletal muscle of rats submitted to ischemia under the action of intramuscular (IM) or endovenous (EV) PGE1. METHODS: Forty-eight Wistar-UEM rats were randomly distributed into three groups of 16, equally redistributed into two subgroups, observed at the 7th and 14th days as follows: one control group, which had only limb ischemia; one group with ischemia and IM injection of PGE1; and one group with ischemia and EV injection of PGE1. To analyze the results, hematoxylin-eosin (HE) and immunohistochemical staining were used. RESULTS: There was a statistically significant increase in the number of capillaries in the subgroups using IM or EV PGE1, through counting in the samples containing HE staining. Immunostaining was not efficient for the quantification of capillaries. CONCLUSIONS: IM or EV PGE1 resulted in an increase in number of capillaries in the skeletal muscle of rats submitted to ischemia after 14 days of observation, which was histologically identifiable through HE staining. Immunostaining was not successful in establishing a correlation with the increase in vessels found in HE staining.

Prostaglandin E1; angiogenesis; ischemia


ARTIGO ORIGINAL

Efeitos da prostaglandina E1 (PGE1) na gênese de capilares sanguíneos em músculo esquelético isquêmico de ratos: estudo histológico

Dorival Moreschi Jr.I; Djalma José FagundesII; Luiz Eduardo Bersani AmadoI; Luzmarina HernandesIII; Hugo Karling MoreschiIV

IDepartamento de Medicina, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR

IIDepartamento de Cirurgia, Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM), São Paulo, SP

IIIDepartamento de Ciências Morfofisiológicas, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR

IVPontifícia Universidade Católica de Porto Alegre (PUCRS), Porto Alegre, RS

Correspondência Correspondência: Dorival Moreschi Junior Rua Felipe Camarão, 71 CEP 87010-330 - Maringá, PR Tel.: (44) 3225.3181 Email: dorival@moreschi.med.br

RESUMO

CONTEXTO: A angiogênese terapêutica é uma modalidade de tratamento para pacientes com insuficiência arterial crônica que não têm indicação para revascularização direta ou angioplastia e que não tiveram uma resposta satisfatória ao tratamento clínico. Entre as drogas utilizadas para essa finalidade está a prostaglandina E1 (PGE1).

OBJETIVO: Estudar os aspectos morfológicos na gênese de capilares sanguíneos em músculo esquelético do membro caudal de ratos submetidos à isquemia sob a ação da PGE1, administrada por via intramuscular (IM) ou endovenosa (EV).

MÉTODOS: Foram utilizados 48 ratos, linhagem Wistar-UEM, distribuídos aleatoriamente em três grupos de 16, redistribuídos igualmente em dois subgrupos, observados no 7º e 14º dias, sendo um grupo controle onde apenas foi provocada a isquemia no membro, outro com a isquemia e a injeção da PGE1 via IM e outro com a isquemia e a injeção da PGE1 EV. Para análise dos resultados, foram realizadas a coloração com hematoxilina e eosina (HE) e coloração imuno-histoquímica.

RESULTADOS: Constatou-se um aumento estatisticamente significativo no número de capilares nos subgrupos com o uso da PGE1 IM e EV, através da contagem nos cortes corados com HE. A imunomarcação não foi eficiente para a quantificação dos capilares.

CONCLUSÕES: A PGE1, administrada por via IM ou EV, promoveu, após 14 dias de observação, um aumento no número de capilares no músculo esquelético de ratos submetido à isquemia, identificáveis histologicamente com a coloração em HE. A imunocoloração não permitiu estabelecer uma correlação com o aumento de vasos encontrados na coloração com HE.

Palavras-chave: Prostaglandina E1, angiogênese, isquemia.

Introdução

Muitos pacientes com doença arterial periférica crônica com comprometimento do leito arterial primitivo não apresentam resposta satisfatória ao tratamento clínico medicamentoso e comumente não apresentam condições clínico-cirúrgicas para alternativa operatória de revascularização direta ou angioplastia1,2. O tratamento nessas condições é normalmente paliativo e com resultados limitados, podendo resultar em gangrena do membro3-5. Nesses casos, uma opção terapêutica seria a estimulação artificial da neoformação vascular pelo próprio organismo, a angiogênese, para compensar o território vascular comprometido3,6-8.

Angiogênese é um termo que designa as etapas pelas quais novos vasos sanguíneos se desenvolvem a partir de uma estrutura endotelial pré-existente, como é o caso da formação de vasos no adulto, em resposta às demandas teciduais3,6,9,10. Trata-se de um processo complexo, com várias fases e com a participação de vários fatores de crescimento1,7,10. A mesma diferencia-se da vasculogênese, que é formação dos vasos a partir de células progenitoras, e da arteriogênese, que é o desenvolvimento de circulação colateral a partir das arteríolas.

A angiogênese terapêutica tem como objetivo primário favorecer a indução de formação de novos vasos em tecidos isquêmicos8,11. Substâncias como o fator de crescimento endotelial vascular (VEGF), o fator de crescimento dos fibroblastos e o fator de crescimento dos hepatócitos têm sido usadas na indução e/ou manutenção da angiogênese8,12-15. A limitação ao uso de tais drogas está relacionada com a resposta ao estímulo angiogênico artificial pois, a menos que ocorra uma remodelação para maturação e estabilidade nos novos vasos, há uma tendência natural à regressão do processo7,16.

A prostaglandina E1 (PGE1) é uma das substâncias utilizadas para promover a angiogênese terapêutica. É uma substância com alta atividade biológica, já em uso para o tratamento da doença arterial oclusiva crônica como vasodilatador e inibidor da agregação plaquetária7,17-19. Apresenta ainda atividade na ativação da fibrinólise, na modulação da proliferação celular, fibrinogênese, na atividade hemorreológica sobre o eritrócito, na inibição e a na ativação de neutrófilos e ainda melhora a utilização do oxigênio e da glicose pelos tecidos19,20-22.

Além desses efeitos, há evidências de que a PGE1 estimula a angiogênese em situações de isquemia miocárdica19,23,24. Em situações de isquemia periférica, seja aguda ou crônica, ainda não há relatos de estudos experimentais ou clínicos utilizando a PGE1 como estimulador de angiogênese.

O objetivo desse trabalho foi estudar a ação da PGE1, administrada por via intramuscular (IM) ou endovenosa (EV), sobre a gênese de capilares sanguíneos no músculo esquelético em membro caudal isquêmico de ratos.

Métodos

Animais

Todos os procedimentos envolvendo o uso de animais foram submetidos e aprovados pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal da Universidade Estadual de Maringá (UEM).

Foram utilizados 48 ratos machos adultos (Rattus norvegicus albinus) da linhagem Wistar-UEM, pesando entre 280 e 300 gramas, procedentes do biotério da UEM.

Os animais foram mantidos em biotério setorial do Departamento de Farmácia e Farmacologia da UEM sob ciclo claro-escuro de 12 horas, temperatura de 20 ºC e ração NUVITAL® e água à vontade.

Os animais foram divididos aleatoriamente em três grupos de 16 ratos e redistribuídos em dois subgrupos:

Grupo I - Ratos submetidos à isquemia (I):

-I-7 - Observados até o 7º dia de pós-operatório (PO);

-I-14 - Observados até o 14º dia de PO.

Grupo II - Ratos submetidos à isquemia e injeção intramuscular (IM) de PGE1:

-IM-7 - Observados até o 7º dia de PO;

-IM-14 - Observados até o 14º dia de PO.

Grupo III - Ratos submetidos à isquemia e injeção endovenosa (EV) de PGE1:

-EV-7 - Observados até o 7º dia de PO;

-EV-14 - Observados até o 14º dia de PO.

Procedimento experimental

Os animais foram anestesiados, via IM, com cloridrato de 2-(2,6-xilidino)-5,6-dihidro-4H-1,3-tiazina (Rompun® ) e cloridrato de quetamina (Ketalar® ) na relação 1:1, empregando-se desta associação 1 mL.kg-1 peso corporal, aplicada no membro caudal esquerdo.

A isquemia no membro caudal direito do rato foi realizada com base em modelo da literatura20,25-30. Foi feita uma incisão longitudinal com bisturi lâmina 15 interessando pele e tela subcutânea, estendendo-se distalmente do ligamento inguinal até um ponto próximo à patela. Com auxílio de lupa cirúrgica com aumento de 3x, após a identificação do feixe vásculo-nervoso, a artéria femoral foi dissecada em toda sua extensão, desde a região inguinal até a artéria poplítea. A artéria ilíaca externa foi dissecada e ligada com fio de algodão 4-0. A artéria femoral foi completamente excisada, desde sua origem proximal na artéria ilíaca externa até a sua porção distal onde ocorre a bifurcação em artérias safena e poplítea. Os planos anatômicos foram aproximados e a pele suturada com fio de poliamida 5-0. O fluxo sanguíneo para o membro isquêmico tornou-se dependente de vasos colaterais a partir da artéria ilíaca interna.

Imediatamente após o procedimento de isquemia e antes da sutura da pele, a PGE1, na dose de 5 μg.kg-1, foi cuidadosamente injetada nos animais utilizando-se seringas de 1 mL e agulhas 30G12; no Grupo II, via IM, em pontos eqüidistantes, diretamente nos músculos grácil e vasto medial do membro caudal; no Grupo III, via EV, pela veia dorsal do pênis.

Durante o período de observação de 7 e 14 dias, os animais foram examinados diariamente quanto aos seguintes aspectos: a) na ferida operatória - presença de hematoma, deiscência, infecção ou isquemia da borda; b) no membro caudal - presença de necrose da pele, necrose de dedo(s) ou gangrena; c) no aspecto funcional do membro - presença de claudicação (arrasto) ou paralisia.

Aos 7 e 14 dias, sob anestesia, foi coletada a amostra contendo os tecidos musculares e o feixe vásculo-nervoso na área onde foi retirada a artéria femoral. Após a coleta dos tecidos os animais foram submetidos à inalação de uma dose letal de éter etílico.

As amostras foram fixadas em paraformaldeído 10% tamponado, processadas para inclusão em parafina. Foram feitos cortes semi-seriados de 5 µm, que foram corados com hematoxilina e eosina (HE) para avaliação morfológica do tecido e para a determinação do número de capilares sanguíneos ou processados para técnica imuno-histoquímica de avidina biotina peroxidase utilizando anticorpo anti-VEGF, e anti-CD34 para o estudo da neovascularização.

Contagem de capilares em cortes corados com HE

A contagem dos capilares foi executada por dois observadores pelo método duplo cego. Foi utilizado um retículo de 10x10 pontos, acoplado à ocular, em microscópio óptico (Olympus® BX41) com a objetiva de 40x. Os vasos foram quantificados em vários cortes histológicos, totalizando 60 campos microscópicos de 0,24 mm2/animal, sendo os resultados expressos como a média das duas contagens.

Imunohistoquímica

As lâminas selecionadas para procedimento imunohistoquímico foram desparafinizadas e os cortes reidratados. A identificação das células endoteliais foi feita por coloração imunohistoquímica pelo método avidina biotina peroxidase para detectar a expressão de VEGF e CD34 por células endoteliais, utilizando os anticorpos policlonal, anti-VEGF (Santa Cruz Biothecnology), extraído de coelho na concentração de 1:200, e a glicoproteína CD34 utilizando um anticorpo policlonal anti-CD34 (Santa Cruz Biothecnology), extraído de coelho, na concentração de 1:50. As lâminas foram analisadas em microscópio óptico (Olympus® BX41), e foi determinada a positividade da reação.

Análise estatística

O estudo estatístico foi realizado pela PGS Medical Statistics utilizando o software SPSS10, sendo aplicados os testes não-paramétricos devido à natureza dos dados. Foram utilizados a prova de Mann-Whitney para comparar os subgrupos de tempo de eutanásia dentro de cada grupo de estudo e a prova de Kruskal-Wallis para comparar os grupos de estudo dentro de cada tempo de eutanásia.

Adotou-se o nível de significância de 0,05 (α ≤ 5%), e níveis descritivos (p) inferiores a esse valor foram considerados significantes e representados por asterisco.

Resultados

Observação macroscópica

Na avaliação macroscópica dos membros caudais operados não houve nenhuma necrose da extremidade. Não foi observada claudicação (arrasto) e não houve nenhum óbito entre os animais estudados.

Análise microscópica

A microscopia óptica mostrou a maioria das células musculares com morfologia normal, com o núcleo periférico e ausência de alterações degenerativas típicas de necrose, como edema ou infiltrado inflamatório. Apenas em alguns animais observou-se a ocorrência de células musculares com núcleos centralmente localizados, característico de células em isquemia (Figura 1).

Constatou-se o aumento (p < 0,05) no número de capilares nos subgrupos IM-14 (43,7±6,1) e EV-14 (43,7±5,6), quando comparados aos subgrupos IM-7 (24,9±3,9) e EV-7 (21,0±3,3) respectivamente (Tabela 1).

Imunohistoquímica

A coloração pelo método imunohistoquímico não apresentou uniformidade entre os animais do mesmo grupo, inviabilizando a quantificação. Nos subgrupos IM14 e EV14 foi observada a marcação nos capilares com CD34 (Figura 2A) e nos vasos de maior calibre com VEGF (Figura 2B).

Discussão

A angiogênese terapêutica é uma nova abordagem para o tratamento de doenças vasculares isquêmicas crônicas, que pode ser usada para um número crescente de pacientes que não têm indicação para revascularização.

A isquemia isoladamente é um evento que estimula a neoformação vascular em músculo esquelético7,15,31-33 e cardíaco19,23,24. Este processo é regulado por fatores de crescimento que se localizam nas células endoteliais e na matriz extracelular8,34,35. Dentre os diversos fatores envolvidos destacam-se o VEGF que inicia o processo de angiogênese e o óxido nítrico (NO) que tem a função de regulação e modulação do VEGF20,33.

O agente ideal para aplicação na angiogênese terapêutica deve apresentar algumas características como: estimular e potencializar a angiogênese, manter uma ação duradoura e ter como alvo específico os tecidos isquêmicos; não causar efeitos colaterais; não provocar angiogênese patológica; alcançar alta concentração local; ter um tempo de exposição adequado; ser de fácil reaplicação; poder ser administrado por via oral ou parenteral; ser de baixo custo14,36,37.

A PGE1 é uma droga vasodilatadora usada no tratamento de doenças arteriais isquêmicas de membros inferiores37,38, e testada experimentalmente para indução da angiogênese em doenças cardíacas isquêmicas19,23,24. Também estimula a angiogênese na córnea de coelhos39 e na membrana corioalantóica de embriões de galinha40. Sua ação sobre a angiogênese se dá indiretamente pela indução da expressão do VEGF19,23.

Partindo deste embasamento teórico, surgiu a idéia de utilizar a droga injetando-a diretamente na área isquêmica ou por via EV, dentro da modalidade de terapia protéica, que tem um enfoque mais convencional e menor risco que a terapia gênica41. Também pareceu ser uma estratégia mais viável para eventual utilização na prática médica diária42,43.

O modelo utilizado mostrou-se ser confiável e reprodutível. Estudos anteriores comprovaram a redução imediata do fluxo arterial através de arteriografia20,26,32.

As vias sistêmica, IM, EV ou intra-arterial, embora sofram restrições no oferecimento da droga no local da isquemia - justamente por essa área estar sem circulação sanguínea adequada -, são as mais comumente utilizadas, tanto experimentalmente como em ensaios clínicos. Ambas apresentam vantagens e efeitos adversos29,41.

No modelo proposto, a administração IM, em dose única, foi realizada diretamente no músculo isquêmico. Essa via proporciona, teoricamente, uma maior concentração da droga na área isquêmica, atingindo locais onde a via sistêmica pode não alcançar13,14,41,44. Em relação à via intra-arterial, essa tem a vantagem de poder ser utilizada quando as artérias apresentarem algum comprometimento tão grave que não permitam o posicionamento do cateter próximo à lesão aterosclerótica8.

A utilização da via EV não causou alterações sistêmicas que pusessem em risco a vida do animal, o que pôde ser comprovado pela observação dos dados vitais que apresentaram discreta variação durante o experimento. A aplicação EV tem a vantagem de ser menos invasiva, podendo ser repetida se necessário. Porém, uma desvantagem dessa via é que grande parte da PGE1 (70-95%) é inativada em sua primeira passagem pelos pulmões, com conseqüente diminuição de sua biodisponibilidade na área isquêmica21.

O efeito esperado do uso da PGE1 na área isquêmica é exatamente sobre a quantidade ou qualidade de vasos neoformados. Desse modo, foram estabelecidos parâmetros histológicos e imunohistoquímicos para tentar estabelecer a relação entre a droga e sua via de administração na angiogênese.

Após a isquemia, o processo de angiogênese se inicia em um período de 1 a 3 dias, atingindo o pico da proliferação por volta de 7 dias e havendo, a partir de então, uma regressão rápida e progressiva no número de vasos neoformados até 28 dias26,32,35,44,45.

Na avaliação morfológica das lâminas coradas com HE observou-se células musculares com núcleos descolados da periferia para a região central, característica típica de célula muscular em processo de isquemia. Essa alteração foi notada em todos os tempos de observação, demonstrando que tal regularidade das amostras está relacionada à adequação do modelo proposto em produzir a isquemia muscular46.

Aos 7 dias de observação não foi constatada nenhuma diferença significativa no número de capilares. No entanto, aos 14 dias ocorreu um aumento de aproximadamente 40% dos capilares na área isquêmica, independente da via de administração, em relação aos animais que não receberam a PGE1, e em relação aos animais observados aos 7 dias (IM-7 e EV-7). Pode-se inferir que o efeito estimulante da PGE1 sobre a angiogênese somente foi detectado neste experimento após 14 dias de sua administração.

O método empregado não conseguiu diferenciar eventuais vantagens nesse aumento no número de capilares que pudessem ser atribuíveis à via de administração, embora existam relatos na literatura biomédica de um resultado mais favorável com o uso local da PGE126,47.

A angiogênese é modulada por fatores de crescimento que se localizam nas células endoteliais e na matriz extracelular34,35. O VEGF está associado ao início de processo de neoformação vascular e é considerado um monitor confiável do processo. Em tecidos cardíacos isquêmicos, a administração exógena da PGE1 pode estimular a angiogênese medida pela expressão do VEGF19,23. A PGE1 não estimula diretamente o crescimento endotelial. Seu efeito angiogênico parece ser mediado pela ação parácrina de fatores angiogênicos liberados por outras células48, como, por exemplo, estimulando os macrófagos a secretarem fatores de crescimento, como o fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF) e a adenosina, entre outros27,49.

Com o resultado da imunohistoquímica pôde-se observar que houve a imunomarcação de poucos vasos, sendo a maioria arteríolas e vênulas localizadas no tecido conjuntivo envolvendo os feixes de fibras musculares. De acordo com os resultados da microscopia óptica os subgrupos IM-14 e EV-14 mostraram um maior número de capilares quando comparados aos subgrupos IM-7 e EV-7; portanto era de se esperar uma marcação em um maior número de capilares sanguíneos nesses animais. No entanto, não houve esta correspondência e a maioria dos vasos marcados com VEGF era os de maior calibre, com poucos capilares marcados. As reações com CD34 coraram um número maior de capilares sanguíneos, contudo não houve reprodutibilidade em todos os cortes histológicos, inviabilizando a contagem. A falta de homogeneidade dos resultados e a sua incoerência com outros achados microscópicos, assim como as variações apresentadas nos grupos usados como testemunha, colocaram as eventuais conclusões sob suspeita, embora a imuno-coloração dos vasos maiores possa sugerir um mecanismo de formação de novos vasos por arteriogênese.

A angiogênese terapêutica, em doenças arteriais periféricas, tem sido estudada há aproximadamente uma década e oferece grandes perspectivas para um futuro próximo. Os estudos experimentais mostraram uma melhora no fluxo sanguíneo; porém, os primeiros estudos clínicos em seres humanos, apesar de alguma efetividade, ainda estão longe de uma conclusão definitiva41,11,50,51. São atribuídos como fatores limitantes a dose do fator de crescimento, a duração de sua ação, a via de administração, os vários locais de atuação dos agentes, a seleção dos pacientes, a heterogeneidade dos pacientes, os inibidores endógenos da angiogênese, e um potente efeito placebo14,36,37. O uso contínuo de determinados medicamentos (aspirina, isosorbida, nitratos, espirolactona, furosemide, captopril, bumetamida, lovostatina, inibidores da ciclooxigenase e claritromicina), assim como a idade avançada, a dislipidemia, o tabagismo e o diabetes, também podem prejudicar o resultado dos estudos clínicos, pois atuariam como inibidores da angiogênese13.

Ainda não há um consenso sobre o fator angiogênico ideal ou se seria necessário o uso de uma combinação de fatores de crescimento para promover e manter a angiogênese52. O conhecimento das bases celular e molecular da maturação dos vasos sanguíneos pode ser o ponto mais importante do ciclo de vida desses vasos, podendo ser a chave do desenvolvimento das terapias de estímulo ou inibição da angiogênese16,53. O rápido avanço nesses campos e nos sistemas de liberação de medicamentos poderá tornar a angiogênese terapêutica a opção de tratamento padrão nas doenças isquêmicas13,54.

A avaliação histológica convencional e clássica pela coloração com HE pesquisada permitiu mostrar que nos animais em que se utilizou a PGE1, houve uma maior presença de vasos no tecido muscular esquelético isquêmico, associados há tempos mais longos de observação, mais precisamente aos 14 dias, ainda que a técnica não tenha permitido identificar se esses vasos se formaram por angiogênese ou vasculogênese. No entanto, não permitiu diferenciar vantagens sobre a via de administração IM ou EV.

Observou-se ainda que a coloração do material pela técnica de imunohistoquímica proporcionou a marcação de capilares e vasos de maior calibre; porém nos tempos estudados não possibilitou que se determinasse se esse aumento de vasos, encontrados na coloração com HE aos 14 dias, ocorreu por angiogênese ou por vasculogênese, provavelmente porque nesse tempo de observação os capilares sanguíneos não estivessem expressando os marcadores utilizados.

Outra possível falha na marcação por essa técnica diz respeito à complexidade da reação, uma vez que o anticorpo primário deverá se ligar aos epítopos que se fecharam durante a fase de fixação e processamento do material e necessitam se abrir durante a fase de recuperação antigênica, o que pode ser feito de várias formas. Foram feitos vários testes com variações técnicas como: vários tipos de recuperação antigênica, tempos diversos de incubação, mudanças nas dosagens das alíquotas de anticorpos primários e secundários, variações de lotes com troca do anticorpo primário anti-VEGF por um lote diferente e depois por um outro anticorpo primário, o anti-CD34, onde a marcação não foi suficiente para quantificação da angiogênese.

Artigo submetido em 25.07.07, aceito em 21.11.07.

Trabalho apresentado no 36º Congresso Brasileiro de Angiologia e Cirurgia Vascular, em Porto Alegre, RS, realizado em setembro de 2005.

A prostaglandina E1 (Alprostatil&reg; ) utilizada no estudo foi fornecida pelo Laboratório Biossintética.

  • 1. Becker C, Lacchini S, Muotri AR, et al. Skeletal muscle cells expressing VEGF induce capillary formation and reduce cardiac injury in rats. Int J Cardiol. 2006;113:348-54.
  • 2. Donnelly R, Yeung JM. Therapeutic angiogenesis: a step forward in intermittent claudication. Lancet. 2002;359:2048-50.
  • 3. Gama AD. Etiopatogenia e evolução da doença aterosclerótica. In: Brito, CJ. Cirurgia vascular. Rio de Janeiro: Revinter; 2001. p. 129-38.
  • 4. Hiatt WR. Drug therapy:medical treatment of peripheral arterial disease and claudication. N Engl J Med. 2001;344:1608-21.
  • 5. Shyu KG, Chang H, Wang BW, Kuan P. Intramuscular vascular endothelial growth factor gene therapy in patients with chronic critical leg ischemia. Am J Med. 2003;114:85-92.
  • 6. Couffinhal T, Dufourcq P, Daret D, Duplaà C. [Les mécanismes de l'angiogenèse. Applications médicales et thérapeutiques]. Rev Med Interne. 2001;22:1064-82.
  • 7. Clover AJ, McCarthy MJ. Developing strategies for therapeutic angiogenesis: vascular endothelial growth factor alone may not be the answer. Br J Plast Surg. 2003;56:314.
  • 8. Isner JM, Asahara T. Angiogenesis and vasculogenesis as therapeutic strategies for postnatal neovascularization. J Clin Invest. 1999;103:1231-6.
  • 9. Kenpinas WD. O desenvolvimento do sistema vascular. In: Maffei FAH, Lastória S, Yoshida WB, Rollo HA. Doenças vasculares periféricas. 2Ş ed. Rio de Janeiro: MEDSI; 2002. p. 3-17.
  • 10. Folkman J. Tumor angiogenesis: therapeutic implications. N Engl J Med. 1971;285:1182-6.
  • 11. Di Stefano R, Limbruno U, Barone D, Balbarini A. [Angiogenesi terapeutica nell"ischemia critica degli arti inferiori. Revisione della litteratura e prospettive della ricerca sulle cellule staminali]. Ital Heart J Suppl. 2004;5:1-13.
  • 12. Speck NM, Focchi J, Alves AC, Osório CAB, Baracat, EC. Relação entre angiogênese e estádio no carcinoma do endométrio. Rev Bras Ginecol Obstet. 2003;25:396-401.
  • 13. Abo-Auda W, Benza RL. Therapeutic angiogenesis: review of current concepts and future directions. J Heart Lung Transplant. 2003;22:370-82.
  • 14. Henry T. Therapeutic angiogenesis. BMJ. 1999;318:1536-9.
  • 15. Emanueli C, Madeddu P. Angiogenesis gene therapy to rescue ischaemic tissues: achievements and future directions. Br J Pharmacol. 2001;133:951-8.
  • 16. Darland DC, D"Amore PA. Blood vessel maturation: vascular development comes of age. J Clin Invest. 1999;103:157-8.
  • 17. Chae JK, Kim I, Lim ST, et al. Coadministration of Angiopoietin-1 and vascular endothelial growth factor enhances collateral vascularization. Arterioscl Thromb Vasc Biol. 2000;20:2573-8.
  • 18. Folkman J, Shing Y. Angiogenesis. J Biol Chem. 1992;267:10931-4.
  • 19. Mehrabi MR, Ekmekcioglu C, Stanek B, et al. Angiogenesis stimulation in explanted hearts from patients pré-treated with intravenous prostaglandin E (1). J Heart Lung Transplant. 2001;20:465-73.
  • 20. Murohara T, Asahara T, Silver M, et al. Nitric oxide synthase modulates angiogenesis in response to tissue ischemia. J Clin Invest. 1998;101:2567-78.
  • 21. Awas JA, Soteriou MC, Drougas JG, Stokes KA, Roberts LJ 2nd, Pinson CW. Plasma prostaglandin E1 concentrations and hemodynamics during intravenous infusions of prostaglandin E1 in humans and swine. Transplantation. 1996;61:1624-9.
  • 22. Pacher R, Stanek B, Hülsmann M, Sinzinger H. Effect of prostaglandin E1 infusion in severe chronic heart failure. Prostaglandins. 1997;53:221-35.
  • 23. Mehrabi MR, Serbecic N, Tamaddon F, et al. Clinical benefit of prostaglandin E1-treatment of patients with ischemic heart disease:stimulation of therapeutic angiogenesis in vital and infarcted myocardium. Biomed Pharmacot. 2003;57:173-8.
  • 24. Mehrabi MR, Serbecic N, Tamaddon F, et al. Clinical and experimental evidence of prostaglandin E1-induced angiogenesis in the myocardium of patients with ischemic heart disease. Cardiovasc Res. 2002;56:214-24.
  • 25. Hayashi S, Morishita R, Nakamura S, et al. Potential role of hepatocyte growth factor, a novel angiogenic growth factor, in peripheral disease. Circulation. 1999;100:II-301-8.
  • 26. Rakue H, Nakajima H, Katoh T, et al. Low-dose basic fibroblast growth factor and vascular endothelial growth factor for angiogenesis in canine acute hindlimb insufficiency. Jpn Circ J. 1998;62:933-9.
  • 27. Carmeliet P, Moons L, Collen D. Mouse models of angiogenesis, arterial stenosis, atherosclerosis and hemostasis. Cardiovasc Res. 1998;39:8-33.
  • 28. Suzuki M, Iso-o N, Takeshita S, et al. Facilitated angiogenesis induced by heme oxygenase-1 gene transfer in a rat model of hindlimb ischemia. Biochem Biophys Res Commun. 2003;302:138-43.
  • 29. Al-Khaldi A, Al-Sabti H, Galipeau J, Lachapelle K. Therapeutic angiogenesis using autologous bone marrow stromal cells: improved blood flow in a chronic limb ischemia model. Ann Thorac Surg. 2003;75:204-9.
  • 30. Taniyama Y, Morishita R, Aoki M, et al. Therapeutic angiogenesis induced by human hepatocyte growth factor gene in rat and rabbit hindlimb ischemia models: preclinical study for treatment of peripheral arterial disease. Gene Ther. 2001;8:181-9.
  • 31. Thompson WD, Li WW, Maragoudakis M. The clinical manipulation of angiogenesis: pathology, side-effects, surprises, and opportunities with novel human therapies. J Pathol. 2000;190:330-7.
  • 32. Herzog S, Sager H, Khmelevski E, Deylig A, Ito WD. Collateral arteries grow from preexisting anastomoses in the rat hindlimb. Am J Physiol Heart Circ Physiol. 2002;283:H2012-20.
  • 33. Namba T, Koike H, Murakami K, et al. Angiogenesis induced by endothelial nitric oxide synthase gene through vascular endothelial growth factor expression in a rat hindlimb ischemia model. Circulation. 2003;108:2250-7.
  • 34. Rosengart TK, Budenbender KT, Duenas M, Mack CA, Zhang QX, Isom OW. Therapeutic angiogenesis: A comparative study of the angiogenic potential of acidic fibroblast growth factor and heparin. J Vasc Surg. 1977;26:302-12.
  • 35. Ito WD, Arras M, Scholz D, Winkler B, Htun P, Schaper W. Angiogenesis but not collateral growth is associated with ischemia after femoral artery occlusion. Am J Physiol. 1997;273:H1255-65.
  • 36. Williams RS, Annex BH. Plasticity of myocytes and capillaries. Circ Res. 2004;95:7-8.
  • 37. Simons M. Angiogenesis: where do we stand now? Circulation. 2005; 111:1556-66.
  • 38. Karetova D, Bultas J, Vondracek V, Aschermann M. Alprostadil: modes of action in peripheral arterial occlusive disease. Am J Ther. 1997;4:359-63.
  • 39. Ziche M, Morbidelli L, Parenti A. Nitric oxide modulates angiogenesis elicited by prostaglandin E1 in rabbit cornea. Adv Prostaglandin Thromboxane Leukot Res. 1995;23:495-7.
  • 40. Form DM, Auerbach R. PGE2 and angiogenesis. Proc Soc Exp Biol Med. 1983;172:214-8.
  • 41. Barandon L, Leroux L, Dufourcq P, et al. Gene therapy for chronic peripheral arterial disease: what role for the vascular surgeon ? Ann Vasc Surg. 2004;18:758-65.
  • 42. Ng YS, D"Amore PA. Therapeutic angiogenesis for cardiovascular disease. Curr Control Trials Cardiovasc Med. 2001;2:278-85.
  • 43. Vale PR, Losordo DW, Symes JF, Isner JM. [Factores de crecimiento para la angiogénesis terapéutica em las enfermedades cardiovasculares]. Rev Esp Cardiol. 2001;54:1210-24.
  • 44. Madrid JF, Diaz-Flores L, Gutiérrez R, et al. Participation of angiogenesis from rat femoral veins in the neovascularization of adjacent occluded arteries. Histol Histopathol. 1998;13:1-11.
  • 45. Díaz-Flores L, Madrid JF, Gutiérrez R, et al. Arterial wall neovascularization induced by glycerol. Histol Histopathol. 2001;16:1175-81.
  • 46. Scholz D, Ziegelhoeffer T, Helisch A, et al. Contribution of arteriogenesis and angiogenesis to postocclusive hindlimb perfusion in mice. J Mol Cell Cardiol. 2002;34:775-87.
  • 47. Diaz-Flores L, Gutierrez R, Valladares F, Varela H, Perez M. Intense vascular sprouting from rat femoral vein induced by Prostaglandins E1 and E2. Anat Rec. 1994;238:68-76.
  • 48. Harada S, Nagy JA, Sullivan KA, et al. Induction of vascular endothelial growth factor expression by prostaglandin E2 and E1 in osteoblasts. J Clin Invest. 1994;93:2490-6.
  • 49. Folkman J, Klagsbrun M. Angiogenic factors. . Science 1987;235:442-7.
  • 50. Kofidis T, Nolte D, Simon AR, et al. Restoration of blood flow and evaluation of corresponding angiogenic events by scanning electron microscopy after a single dose of VEGF in a model of peripheral vascular disease. Angiogenesis. 2002;5:87-92.
  • 51. Downs KM. Florence Sabin and the mechanism of blood vesel lumenization during vasculogenesis. Microcirculation. 2003;10:5-25.
  • 52. Egginton S, Gerritsen M. Lumen formation: in vivo versus in vitro observation. Microcirculation. 2003;10:45-61.
  • 53. Zhou AL, Egginton S, Hudlická O. Capillary growth in overloaded hypertrophic adult rat skeletal muscle: An ultrastructural study. Anat Rec. 1998;252:49-63.
  • 54. Baratella L, Arana-Chavez VE, Katchburian E. Macrophages and apoptosis in the stellate reticulum of the rat enamel organ. J Anat. 2000;197:303-6.
  • Correspondência:

    Dorival Moreschi Junior
    Rua Felipe Camarão, 71
    CEP 87010-330 - Maringá, PR
    Tel.: (44) 3225.3181
    Email:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Recebido
      25 Jul 2007
    • Aceito
      21 Nov 2007
    Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV) Rua Estela, 515, bloco E, conj. 21, Vila Mariana, CEP04011-002 - São Paulo, SP, Tel.: (11) 5084.3482 / 5084.2853 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: secretaria@sbacv.org.br