Resumos
Está longe de ser fácil qualificar uma concepção ou um pensador de relativista. Como Kuhn rejeita ser tachado de relativista, discutiremos o que em sua obra dá ensejo a assim caracterizá-lo. Abordaremos três relativismos em Kuhn - o epistêmico, o ontológico e o linguístico - com o intuito de avaliar se o relativismo em Kuhn é fruto da aplicação de uma filosofia à compreensão da ciência ou se é derivado de uma fidedigna reconstrução histórica da ciência. Entendemos ser fundamental diferenciar o caso em que se emprega uma variante de relativismo filosófico na reconstrução da ciência do caso em que o relativismo é extraído de como a ciência vem sendo praticada. Tentaremos, operando com a distinção entre relativismo filosófico e relativismo metacientífico, demonstrar que as teses basilares de Kuhn são, quando muito, parcialmente apoiadas pela história da ciência. E também advogaremos que o relativismo kuhniano deve fundamentar-se em última análise em explicações psicológicas e sociológicas para ser solidamente defendido. Kuhn reconhece isso, mas questiona a capacidade explicativa das teorias até aqui forjadas pelas ciências sociais. E se Kuhn não é capaz de mostrar como e em que extensão os fatores sociais atuam sobre a racionalidade científica, então seu relativismo pode ser apropriadamente visto como fruto da aplicação de determinada epistemologia, ontologia e filosofia da linguagem à compreensão da ciência.
Relativismo; Relativismo epistêmico; Relativismo ontológico; Relativismo semântico; Incomensurabilidade; Kuhn
Although Kuhn rejects being labeled a relativist, I will discuss what in his works justifies so characterizing him. I will explore three kinds of relativism in Kuhn - epistemic, ontological and linguistic - in order to assess whether his relativism is the result of applying a philosophy to the understanding of science, or whether it is derived from an accurate historical reconstruction of science. It is essential to differentiate between a variant of philosophical relativism being employed in the reconstruction of science, and relativism simply deriving from the way science has been practiced. Operating with the distinction between philosophical and metascientific relativism, I will try to show that Kuhn's basic theses are at best partially supported by history of science, and contend that, in the final analysis, kuhnian relativism must be grounded on psychological and sociological explanations in order to be firmly sustained. Kuhn recognizes this, but he questions the explanatory capacity of the theories so far forged by social sciences. And if Kuhn is unable to show how and to what extent social factors act upon scientific rationality, then his relativism may properly be seen as the product of applying a certain epistemology, ontology and philosophy of language to the understanding of science.
Relativism; Epistemic relativism; Ontological relativism; Semantic relativism; Incommensurability; Kuhn
ARTIGOS
O relativismo de Kuhn é derivado da história da ciência ou é uma filosofia aplicada à ciência?
Alberto Oliva
Professor Doutor do Departamento de Filosofia, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico, Brasil. aloliva@uol.com.br
RESUMO
Está longe de ser fácil qualificar uma concepção ou um pensador de relativista. Como Kuhn rejeita ser tachado de relativista, discutiremos o que em sua obra dá ensejo a assim caracterizá-lo. Abordaremos três relativismos em Kuhn - o epistêmico, o ontológico e o linguístico - com o intuito de avaliar se o relativismo em Kuhn é fruto da aplicação de uma filosofia à compreensão da ciência ou se é derivado de uma fidedigna reconstrução histórica da ciência. Entendemos ser fundamental diferenciar o caso em que se emprega uma variante de relativismo filosófico na reconstrução da ciência do caso em que o relativismo é extraído de como a ciência vem sendo praticada. Tentaremos, operando com a distinção entre relativismo filosófico e relativismo metacientífico, demonstrar que as teses basilares de Kuhn são, quando muito, parcialmente apoiadas pela história da ciência. E também advogaremos que o relativismo kuhniano deve fundamentar-se em última análise em explicações psicológicas e sociológicas para ser solidamente defendido. Kuhn reconhece isso, mas questiona a capacidade explicativa das teorias até aqui forjadas pelas ciências sociais. E se Kuhn não é capaz de mostrar como e em que extensão os fatores sociais atuam sobre a racionalidade científica, então seu relativismo pode ser apropriadamente visto como fruto da aplicação de determinada epistemologia, ontologia e filosofia da linguagem à compreensão da ciência.
Palavras-chave: Relativismo. Relativismo epistêmico. Relativismo ontológico. Relativismo semântico. Incomensurabilidade. Kuhn.
ABSTRACT
Although Kuhn rejects being labeled a relativist, I will discuss what in his works justifies so characterizing him. I will explore three kinds of relativism in Kuhn - epistemic, ontological and linguistic - in order to assess whether his relativism is the result of applying a philosophy to the understanding of science, or whether it is derived from an accurate historical reconstruction of science. It is essential to differentiate between a variant of philosophical relativism being employed in the reconstruction of science, and relativism simply deriving from the way science has been practiced. Operating with the distinction between philosophical and metascientific relativism, I will try to show that Kuhn's basic theses are at best partially supported by history of science, and contend that, in the final analysis, kuhnian relativism must be grounded on psychological and sociological explanations in order to be firmly sustained. Kuhn recognizes this, but he questions the explanatory capacity of the theories so far forged by social sciences. And if Kuhn is unable to show how and to what extent social factors act upon scientific rationality, then his relativism may properly be seen as the product of applying a certain epistemology, ontology and philosophy of language to the understanding of science.
Keywords: Relativism. Epistemic relativism. Ontological relativism. Semantic relativism. Incommensurability. Kuhn.
"Pode-se dizer que A estrutura tem o senso sociológico do
filósofo, o senso filosófico do historiador e o senso histórico
do sociólogo" (Fuller, 2000, p. 32).
1 RELATIVISMO: DEFINIÇÃO E IDENTIFICAÇÃO
De saída, o relativismo envolve dois problemas, o da definição e o da identificação. Está longe de ser fácil justificar a caracterização de uma concepção ou de um pensador como relativista. Inexiste concordância tanto entre os defensores quanto entre os críticos sobre os traços distintivos do relativismo. A falta de consenso torna complicada até a tarefa de determinar se é relativista uma tese ou posição. Assim como na filosofia, o relativismo na metaciência apresenta-se em diferentes versões. Visto que Kuhn não se considera relativista, é imperioso saber o que em sua obra dá ensejo a que se chegue a nela identificar um relativismo extremo.
Nosso propósito é avaliar se as teses de Kuhn, que podem ser qualificadas de relativistas, resultam da aplicação de determinadas teorias filosóficas ao estudo da ciência ou se derivam de como a ciência vem sendo produzida. Estamos interessados em discutir se Kuhn se socorre de uma epistemologia, de uma filosofia da linguagem e de uma ontologia de cunho relativista para reconstruir a ciência ou se as extrai do acompanhamento (histórico) das práticas científicas. Faz toda diferença se o relativismo encontrável na obra de Kuhn é fruto de posições filosóficas ou se está escorado na observação (do evolver) da ciência.
Dado o papel capital que Kuhn atribui à história da ciência, sua metaciência é fragilizada caso se destaque por reconstruir a ciência à luz de uma filosofia relativista. Em contraposição, os ataques ao relativismo metacientífico se enfraquecem caso se logre demonstrar que a ciência, no essencial, é feita em consonância com os padrões que Kuhn nela identifica. No caso de ser uma filosofia aplicada à reconstrução da ciência, o relativismo está sujeito a críticas que não valem para um relativismo derivado de como a ciência vem sendo historicamente forjada.
Para que se possa melhor avaliar a justeza das críticas a Kuhn julgamos importante introduzir a distinção entre relativismo aplicado e relativismo derivado. Se o relativismo retrata como a ciência tem sido praticada, deixam de estar justificados os ataques mais comuns dirigidos a Kuhn. Os críticos tendem a dar como certo que os três relativismos - o epistêmico, o ontológico e o linguístico - detectáveis em Kuhn resultam da aplicação de uma filosofia à reconstrução da ciência. Pensam assim porque, se o relativismo kuhniano for uma metaciência respaldada na história da ciência, muitas das críticas que assacam contra ele são, em última análise, contra a própria ciência.
Não se tem dado a devida importância ao fato de que o crucial é identificar onde preferencialmente - em teorias epistemológicas, ontológicas e semânticas ou na história da ciência - Kuhn vai buscar apoio para suas teses caracterizáveis como relativistas. Megill (1997, p. 4) defende o ponto de vista de que "esses filósofos que acusaram Kuhn de relativismo e irracionalismo o estavam realmente acusando de abandonar a objetividade em seu sentido absoluto, filosófico". O desafio não é mostrar que Kuhn se coloca contra os pilares (objetivistas) da filosofia da ciência tradicional, mas provar que suas teses relativistas encontram sustentação nos modos pelos quais a ciência tem sido historicamente produzida.
Enquanto Kuhn rejeita ser qualificado de relativista, por entender que encontra na ciência o que propala sobre ela, seus críticos dão como demonstrado que Kuhn impõe uma visão relativista à ciência. Laudan (1990, p. VIII) sustenta que o relativismo, a despeito de nuançado, "pode ser definido, em uma primeira aproximação, como a tese de que o mundo natural e a evidência que temos dele pouco ou nada fazem para restringir nossas crenças". Malgrado o critério geral à luz do qual se justifica julgar Kuhn relativista, tal definição não permite determinar se o relativismo kuhniano é, em sua essência, metacientífico ou filosófico.
Advogam Collins e Yearly (1992, p. 303) que "a importância dos argumentos filosóficos sobre o relativismo nos anos 1970 não equivaleu, em retrospecto, a terem mostrado que o relativismo é verdadeiro e sim que é defensável e que pode ser usado como uma metodologia para estudar a ciência". Aplicado como metodologia, o relativismo fica vulnerável a questionamentos antes de tudo filosóficos, de tal modo que passa a ter uma importância secundária saber em que medida a ciência o apóia.
Investigaremos a presença de três modalidades de relativismo na obra de Kuhn com o objetivo de avaliar se são ou não derivadas da ciência.
(1) O relativismo epistêmico: os métodos de investigação da ciência são relativos a esquemas conceituais, molduras teóricas ou paradigmas; a evidência subdetermina a escolha de teoria na medida em que qualquer teoria pode ser racionalmente retida à luz da evidência disponível ou concebível;
(2) o relativismo ontológico: o que se toma por existente - objetos, fatos, entidades etc. - é identificado por um modelo teórico, um esquema conceitual, um paradigma etc;
(3) o relativismo linguístico: o significado dos mesmos termos, sejam teóricos ou observacionais, varia quando os termos são usados em diferentes teorias; o esquema conceitual não tem como tornar-se inteligível na linguagem de um esquema rival.
Para Laudan (1996, p. 5), quem defende essas posições pode ser considerado um "relativista completo".
2 O RELATIVISMO EPISTÊMICO EM KUHN
Deixar de fazer a distinção entre um relativismo filosoficamente aplicado à ciência e um relativismo metacientificamente derivado da ciência leva a avaliações gerais pouco elucidativas. É fácil condenar o relativismo, como faz Harris, se visto como sobreposição de uma filosofia à ciência: "o feio fantasma do relativismo é despertado, o ceticismo usa novas roupas de cordeiro e a ciência corre o risco de tornar-se, como sugeriram alguns, apenas mais uma ideologia" (1997, p. 73). O difícil é determinar se um relativismo sofisticado como o kuhniano encontra guarida na ciência.
Nola (1988, p. 2) defende a tese controvertida de que "o relativismo há muito tempo foi banido da filosofia". Em continuação, ressalta que, apesar disso, "encontrou na maior parte do século passado, um lar nas doutrinas da maioria (mas não de todos) dos sociólogos do conhecimento e, mais recentemente, nas doutrinas da maioria (mas não de todos) dos sociólogos da ciência, de vários historiadores da ciência e de um punhado de filósofos da ciência". Se essa avaliação é boa, o relativismo presente na metaciência é estranho à ciência. Da afirmação de Nola, de que "o relativismo se tornou, sob a influência de muitos desses teóricos, uma interpretação difundida da maioria dos aspectos do empreendimento científico", segue-se que o relativismo apresentado com vestimentas metacientíficas não passa de uma "leitura" filosófica da ciência.
Putnam (1984, p. 113) qualifica de "relativismo extremo" a visão kuhniana de que "inexiste justificação racional em ciência, existem apenas reversões gestálticas e conversões". A presença do relativismo na metaciência não se torna mais criticável, se o relativismo for extremo. Se o relativismo kuhniano é fruto do enquadramento da ciência em uma moldura filosófica, é importante caracterizá-lo como extremo, mas não no caso de estribar-se em uma fidedigna reconstrução histórica da ciência.
A filosofia da ciência tradicional dedicava-se a identificar critérios universais independentes de teorias específicas e de sua história aos quais atribuía a missão de promover não só a avaliação de cada sistema teórico, como também de aferir o tipo de avanço representado pela substituição de uma teoria por outra. Acreditava que mesmo quando muda radicalmente o conteúdo das teorias científicas, a lógica da pesquisa mantém-se a mesma. Isso significa que os procedimentos basilares de aferição metodológica sobrevivem às mudanças de teoria. O essencial é ter como determinar se os erros da teoria predecessora foram corrigidos, se as conquistas explicativas anteriormente alcançadas foram preservadas, se há avanço mensurável à luz de critérios capazes de estabelecerem quando a teoria que entra no lugar de outra é mais bem confirmada, possui mais alcance explicativo e maior poder preditivo. Desse modo, o acompanhamento da história da ciência não afeta a construção e a avaliação da lógica da pesquisa.
Quando a filosofia da ciência tradicional discorre sobre as regras do método, a confirmação versus a refutação, a explicação e a predição, o progresso e a verdade, a observação e a teoria, as leis e as hipóteses, faz isso de um modo que se pretende atemporal, universal e normativo, em suma, sem qualquer subserviência à ciência tal qual contingentemente praticada. Com isso, privilegia a reconstrução racional, a análise conceitual e a estrutura sintático-semântica da linguagem científica. Kuhn descrê que exista um método universal supraparadigmático que valha para diferentes modelos teóricos, que se mantenha o mesmo independentemente das mudanças de teoria. Discorda, além do mais, de que o conhecimento científico avança de modo cumulativo e que as descontinuidades entre teorias possam ser objetivamente comparadas. Se uma teoria não é substituída por outra por mostrar-se falsa ou, ao menos, por encerrar menor conteúdo de verdade, a revolução deixa de ser primacialmente produto da ação metodológica de refutar para tornar-se um processo psicossocial de conversão a um novo modo de ver, a uma nova forma de vida.
Assinala Frank (1957, p. 354) que "quando no século XVII a cadeia entre a ciência e a filosofia tinha-se quebrado, 'a verdade científica' parecia basear-se apenas no critério de concordância com os fatos." Enquanto predominou a visão de que a observação dos fatos era a fonte de criação e a base de justificação das teorias científicas, as discussões gravitaram principalmente em torno de como justificar o procedimento inferencial empregado para promover a transição de verdades sobre particulares para verdades de generalidade crescente.
Depois de observar que "o cientista deve comprometer-se, ainda que provisoriamente, com a aceitação de um grupo de teorias e tradições de pesquisa e com a rejeição de outras", Laudan (1978, p. 109) indaga como pode o cientista tomar uma decisão coerente. Enquanto os indutivistas propõem que se escolha a teoria com o mais elevado grau de confirmação e os refutacionistas recomendam que se opte pela teoria mais potencialmente conflitiva com a experiência, na visão de Laudan, há "aqueles que como Kuhn insistem que nenhuma escolha racional tem como ser feita".
A revisão crítica da concepção indutivista de ciência acabou por desaguar em posições e conclusões céticas ou relativistas. Assinalam Nola e Sankey (2000, p. xi) que Popper, Lakatos, Kuhn e Feyerabend compartilham, a despeito das muitas diferenças, da rejeição dos métodos indutivos na ciência. Kuhn (1970b, p. 12) endossa Popper quando este rechaça a indução: "não acreditamos que existam regras que nos permitam induzir teorias corretas a partir dos fatos" - sem deixar de repelir a alternativa refutacionista. Estando na origem de teses metacientíficas céticas ou relativistas, a rejeição da concepção indutivista de ciência cria uma bifurcação. De um lado, a proposta do refutacionismo popperiano, passível de ser visto como abrigando componentes céticos e, de outro, a concepção híbrida de Kuhn que associa o plano epistêmico à dimensão histórico-social de um modo que permite enquadrar algumas de suas principais teses em uma moldura relativista.
O pós-positivismo em geral e o relativismo metacientífico em particular destacam-se por rechaçar, como aponta Laudan (1996, p. 4-5), as seguintes teses:
(1) as teorias podem ser objetivamente comparadas;
(2) podem ser decisivamente refutadas;
(3) há regras epistemicamente robustas de seleção de teorias que guiam as escolhas científicas e;
(4) cientistas que defendem diferentes teorias são plenamente capazes de comunicar-se entre si.
Para recusar essas teses, Kuhn elabora argumentos que se pretendem estribados na história da ciência. Há, no entanto, passagens em Kuhn que sugerem adesão ao relativismo filosófico descendente de Protágoras: "a interpretação é um processo humano, de modo algum o mesmo para todas as pessoas, de tal forma que se pode esperar que diferentes indivíduos interpretem os fatos de modos diferentes, inventem caracteristicamente diferentes leis e teorias" (Kuhn, 2000, p. 107).
Quando proposto na versão genérica, o relativismo sobre uma propriedade P pode ser definido, como faz Mcallister (2001, p. 405), "como a tese de que qualquer enunciado da forma "a entidade E tem P" é mal formado, enquanto enunciados da forma "E tem P relativamente a S" são bem formados e verdadeiros sobre E e S". Sendo assim, o relativismo sobre P acarreta a alegação de que P é uma relação mais do que um predicado monádico. No caso de Kuhn, o essencial é determinar se na ciência os procedimentos, principalmente os de avaliação, e os processos, sobretudo os de mudança de teoria, são enquadráveis no esquema relativista geral "E tem P relativamente a S".
Os primeiros críticos de Kuhn sublinharam que a mudança de paradigma não se estriba em (boas) razões. Kuhn não endossa uma separação entre razões epistêmicas, que justificam a aceitação ou rejeição de conteúdos, e fatores psicossociais, que explicam sua gênese. Indo contra a concepção objetivista de conhecimento, Kuhn (1977, p. 325) propala que "toda escolha individual entre teorias competidoras depende de uma mistura de fatores objetivos e subjetivos" e que os segundos não se costumam fazer presentes na filosofia da ciência. Para os críticos, o destaque dado por Kuhn aos fatores psicossociais leva à conclusão de que as decisões dos cientistas deixam de poder ser epistemicamente justificadas para ficar à mercê de cambiantes funcionalidades sociais. Difícil escapar desse diagnóstico quando se tira da evidência o poder maior de determinar o endosso ou o rechaço de uma teoria, quando os fatores histórico-contextuais são considerados tão ou mais importantes que as razões epistêmicas, e quando, nos casos de revolução científica, os cânones que definem as bases nas quais se deve dar a aceitação de teorias científicas, e até mesmo o que conta como uma explicação científica, passam por mudanças abruptas que se assemelham a conversões.
Kuhn advoga que, "ao aprender um paradigma, o cientista adquire conjuntamente teoria, métodos e padrões, formando usualmente uma mistura inextrincável" (1970a, p. 171) e que, quando há mudança de paradigma, "há normalmente alterações significativas nos critérios que definem a legitimidade tanto dos problemas quanto das soluções propostas" (p. 171). Sendo o conteúdo explicativo e os procedimentos metodológicos inseparáveis, o paradigma não tem como ser submetido a avaliações independentes. Laudan (1984, p. 15) observa que "os defensores de diferentes paradigmas com frequência subscrevem diferentes padrões metodológicos e possuem conjuntos dessemelhantes de valores cognitivos". Se toda postulação de verdade ou probabilidade só pode ser feita no interior de um paradigma específico, se não há critérios epistêmicos universais, então aquilo que julga um sistema teórico faz parte dele.
Para a visão tradicional, os critérios de julgamento de teorias precisam ser independentes de teorias particulares, para que a ciência possa ser um empreendimento passível de avaliação objetiva e racional. Kuhn apresenta os critérios fundamentais de avaliação e seleção de teorias como caudatários do paradigma. Como cada paradigma satisfaz os critérios que dita para si mesmo sem lograr satisfazer os estatuídos pelo competidor, logo, o que dá sustentação ao paradigma é definido por ele mesmo. Forma-se assim uma circularidade avaliativa. Deixam de existir padrões racionais supraparadigmáticos de comparação. Se "cada paradigma contém seus próprios padrões", como sublinha Lakatos (1970, p. 178), então "a crise varre não apenas as velhas teorias e regras, mas também os padrões que nos faziam respeitá-las". Inexistindo padrões supraparadigmáticos, arremata Lakatos (1970, p. 178) "o novo paradigma introduz uma racionalidade totalmente nova".
Mesmo sendo uma reação crítica ao racionalismo (crítico) e ao empirismo (lógico), Kuhn não propõe uma alternativa puramente epistemológica a eles, e sim uma metaciência cujas teses tenham na história da ciência a principal fonte de criação e o crivo decisivo de avaliação. O problema é que acaba sobressaindo o importe epistemológico da tese de que inexiste medida comum de avaliação, de que as formas de aferir as "postulações de verdade" são definidas por critérios internos ao paradigma, quando não se chega a sua ampla comprovação histórica. Os estudos de caso (históricos) não têm força para demonstrar que os métodos de certificação da qualidade explicativa mudam de um paradigma para outro a ponto de prevalecer a incomensurabilidade avaliativa. E sem o respaldo da história ficam sujeitas a duras críticas epistemológicas as teses de que inexiste um modo neutro de ajuizar teorias científicas, de que cada teoria porta seus próprios critérios de mensuração do sucesso e de que as razões, desvinculadamente de fatores psicossociais, não definem o endosso ou o rechaço de teorias.
Kuhn (1970b, p. 7) chega a declarar que nas escolhas dos cientistas o teste das teorias não desempenha papel decisivo. Se a mudança científica não é regida por (boas) razões fica à mercê de contingências históricas e de fatores contextuais cambiantes. Ao defender que a concordância entre os cientistas é o determinante último para a escolha de teoria, Kuhn substitui a problemática da justificação epistêmica pela do consenso comunitário. Se a aceitação de um paradigma não é determinada por sua consistência lógica, sua crescente confirmação e sua capacidade objetivamente estabelecida de explicar e predizer fatos, então ela é fruto - também ou principalmente - da incidência de fatores extracognitivos. A dificuldade consiste em encontrar sólido apoio na história das práticas científicas para a concepção de que os fatores são tão ou mais decisivos que as razões no procedimento de escolha de teorias.
Não sendo derivada da história da ciência, a tese relativista de que não há como estabelecer que a teoria posterior é superior à anterior, já que a avaliação é sempre feita à luz de critérios atrelados a uma delas, acaba sendo defendida por meio de argumentos predominantemente epistemológicos. A concepção de que as mudanças de paradigma envolvem não apenas a substituição de teorias como também a de critérios de aferição exige escoramento metacientífico. Argumentos estritamente epistemológicos são insuficientes para demonstrar que inexistem metacritérios em condições de arbitrar as diferenças entre teorias científicas ou para provar que a natureza da metodologia mostra-se imbricada ao que o paradigma intenta explicar e aos problemas que se propõe a solucionar. Apenas o acompanhamento da história da ciência não permite concluir que os critérios de avaliação são caudatários dos paradigmas e que há tantos critérios quantos forem os paradigmas instaurados.
Para Shapere, "leva prontamente ao relativismo com relação ao desenvolvimento da ciência sustentar, sem cuidadosa qualificação, que o mundo é visto e interpretado 'por meio de' um paradigma, que as teorias são 'incomensuráveis', que há 'variação de significado' entre teorias e que todos os enunciados factuais são 'impregnados de teoria'" (1980, p. 37). Ao asseverar que Kuhn defende essas teses "sem cuidadosa qualificação", Shapere deixa claro que as considera filosoficamente frágeis e incapazes de encontrar o requerido apoio na ciência. Por falta de ampla comprovação histórica, também tem recebido duras críticas filosóficas a tese fundamental de Kuhn de que os cientistas pesquisando sob a batuta de diferentes paradigmas trabalham em mundos diferentes ou veem mundos diferentes. Teses como a da subdeterminação da teoria pelos fatos podem ser defendidas de forma predominantemente filosófica. Além disso, teses como a de que os partidários de teorias rivais veem coisas diferentes e enfrentam barreiras de comunicação não dispensam a investigação psicológica e sociológica.
Kuhn pode estar certo em tirar o poder de decisão das razões lógicas e das evidências empíricas: "a competição entre segmentos da comunidade científica é o único processo histórico que realmente desemboca na rejeição de uma teoria antes aceita ou na adoção de outra" (1970a, p.70). No entanto, para justificar essa posição precisa do apoio não só da história da ciência como das ciências sociais. No caso de serem defendidas de modo essencialmente filosófico, podem ser mais facilmente contestadas as seguintes teses: a transição de um paradigma para outro não é determinada por razões epistêmicas, os padrões de avaliação são imanentes a cada paradigma e não há como o cientista colocar-se acima das "idiossincrasias" metodológicas de cada modelo teórico. Como um ou outro exemplo pinçado da história da ciência não prova que a reprodução e a substituição do paradigma estão submetidas a uma funcionalidade impactada tanto por razões quanto por fatores, Kuhn pressupõe que as explicações sociológicas também escoram sua metaciência.
Barnes destaca que "na ciência normal, um paradigma não é julgado ou testado: ele é a base do julgamento (...) a ciência normal baseia-se no consenso, e não na compulsão lógica" (1991, p. 88). Ainda que favorável, a evidência histórica é insuficiente para sustentar que o consenso psicossocial mostra-se mais decisivo que a compulsão epistêmica. É significativo o apoio que Kuhn obtém na história da ciência para sua visão de que, na ciência normal, os pesquisadores não se dedicam à descoberta de fatos, ao estabelecimento de verdades, à comprovação de hipóteses, e sim à resolução de quebra-cabeças sob a batuta de um paradigma. O destaque aos fatores psicossociais torna a metaciência kuhniana mais dependente da sociologia que da história da ciência. Na visão de Bunge, "para Fleck, assim como para Kuhn, Feyerabend e seus acólitos, a verdade e o erro são conceitos sociológicos, não gnosiológicos ou semânticos" (1985, p. 101). Nesse caso, torna-se dispensável estudar a dimensão epistêmica e a reconstrução histórica fica a reboque da explicação sociológica da ciência.
O que está em questão é determinar se a história da ciência respalda a conclusão de que tudo na ciência - das teorias substantivas aos objetivos visados, passando pelos métodos de avaliação - varia em conjunto e se a sociologia comprova que isso se dá sob o influxo mais de fatores (psicossociais) que de razões (epistêmicas). Sem esse duplo apoio, a tese do entrincheiramento epistêmico - o que afere um sistema explicativo não se presta a aferir o outro, já que recorrem a diferentes princípios e critérios de avaliação - pode ser vista como descendente do longínquo relativismo protagoreano. No lugar de "o homem é a medida de todas as coisas" coloca-se "o paradigma é a medida de todas as coisas". A diferença é que os modos variáveis de avaliação pessoal são substituídos pelos providos por diferentes paradigmas.
Mais que da história da ciência, a sustentabilidade da tese da incomensurabilidade observacional depende da psicologia da percepção, da constatação de que a evidência empírica não tem como prover uma base comum para a comparação de teorias, por que a experiência perceptiva mostra-se dependente da teoria. Não há como provar epistemologicamente ou comprovar historicamente que inexiste uma linguagem observacional neutra em virtude de o domínio dos fatos considerados relevantes ser definido pelo paradigma. No entendimento de Nola, "na ausência de qualquer fundamento firme para nossas alegações de conhecimento sobre registros perceptivos, uma visão relativista da observação em ciência é proposta [por Kuhn] como a posição adequada a adotar" (1988, p. 17). Sendo assim, a argumentação kuhniana é epistemológica, sem âncora na história da ciência. É uma resposta ao problema da falta de fundamento seguro para as alegações de conhecimento.
Os cientistas fazem duras críticas a Kuhn por verem em suas teses mais filosofia que história da ciência. Weinberg repele o ataque de Kuhn "à visão de que a ciência progride através de verdades objetivas" (1992, p. 184-5). Considera, ademais, que Kuhn "deu um passo à frente [do relativismo] ao argumentar que nas revoluções científicas os padrões (ou "paradigmas") com os quais os cientistas julgam as teorias são modificados de tal forma que uma nova teoria nunca pode ser julgada pelos métodos pré-revolucionários". Arbib e Hesse dão força à avaliação de que o relativismo de Kuhn é, antes de tudo, aplicação de posições filosóficas à ciência:
"a revolução kuhniana na filosofia da ciência adotou a noção wittgensteiniana de 'jogos de linguagem'. As teorias científicas passam a ser vistas como paradigmas ou visões de mundo internamente consistentes de tal forma que o significado, a interpretação da evidência e os critérios de aceitabilidade são internos com relações apenas indiretas com os dados brutos" (Arbib & Hesse, 1986, p. 20).
Radnitzky propusera anteriormente uma avaliação na mesma linha: "seu [de Kuhn] conceito central, paradigma, tem muitos significados, mas certamente é capital o significado correspondente ao conceito wittgensteiniano de jogo de linguagem como forma de vida" (1979, p. 109). E arremata: "o conceito complementar ao de ciência normal, o conceito de revolução científica, corresponde ao do uso wittgensteiniano de reversão gestáltica". O segundo Wittgenstein, o da Philosophische Untersuchungen, deu grande destaque à noção - antropologicamente impregnada - de Lebensform (forma de vida). Ainda que sem fazer uso explícito de tal noção, Kuhn a pressupõe na medida em que explica a descontinuidade entre paradigmas por analogia com as revoluções político-sociais e com uma mudança de forma de vida.
Se a metaciência kuhniana vai buscar seu embasamento na filosofia, então o relativismo que abriga não é legitimável como derivado da ciência. E, nesse caso, a história da ciência não tem como ser invocada enquanto fonte primária capaz de dar sustentação ao relativismo kuhniano. Passa a justificar-se a priorização da problematização filosófica, da avaliação dos fundamentos epistemológicos, das teses de Kuhn. A argumentação kuhniana se enfraquece quando se mostra dependente de uma filosofia cujos pilares epistemológicos, ontológicos e semânticos relativistas não encontram lugar no solo da ciência. Carecendo de embasamento na história da ciência, a tese de que (boas) razões não decidem a preferência por uma teoria em detrimento de outra(s) continuará a metaciência polarizada entre as reconstruções empiristas e racionalistas.
Mais que filosoficamente defendida, precisa ser historicamente estabelecida a tese de que as substituições de paradigma, por assemelharem-se a conversões, em nada se parecem com a situação em que certos dados precipitam a derrubada de uma teoria e a entronização de outra (mais) concordante com os fatos. Assinala Laudan que "onde Kuhn rompe, e rompe radicalmente, com a tradição é em sua insistência de que a racionalidade deve ser relativizada a escolhas intraparadigmáticas e não interparadigmáticas" (1984, p. 69) e "o debate interparadigmático é necessariamente inconclusivo e nunca chega a ter desfecho racional" (p. 73). Dessa forma, ele rompe propondo uma metaciência cuja originalidade não é de todo historicamente avalizada.
O enclausuramento metodológico - a visão de que todo paradigma certifica a si mesmo - inviabiliza o intercâmbio crítico. A tese de que o paradigma é substituído por seu funcionamento defeituoso, internamente percebido, mas não por ter sido reprovado por testes independentes do "marco regulatório" do paradigma, suscita algumas das mais candentes críticas. Putnam entende que Kuhn "tende a ser radicalmente subjetivista" (1974, p. 230) com relação ao processo por meio do qual um novo paradigma suplanta o velho. "Os dados, no sentido usual, não têm como estabelecer a superioridade de um paradigma sobre outro, porque os dados são percebidos por meio dos óculos de um ou outro paradigma" (p. 230). E subjetivista também por descrer que "existam cânones históricos e metodológicos 'neutros' aos quais se possa recorrer" (p. 230).
Deixando de encarar a mudança de paradigma como determinada por imperativos lógicos e evidências empíricas neutras, Kuhn sustenta a tese forte de que "a transferência de adesão de um paradigma para outro é uma experiência de conversão" (1970a, p. 213). Tal tese leva Scheffler a referir-se "ao modo surpreendente com o qual a abordagem de Kuhn aplica categorias psicológicas, políticas e religiosas na descrição da mudança científica" (1967, p. 78). Por mais que a conversão não tenha para Kuhn teor "religioso", como defende Huene (1993, p. 258), não há como defendê-la de modo puramente epistemológico. Sua comprovação requer estudos, principalmente psicossociais, multidisciplinares.
Laudan salienta que "caso aceitemos o ponto kuhniano de que os cientistas de diferentes escolas perseguem persistentemente metas cognitivas diferentes, somos forçados a dizer que as mudanças nos objetivos predominantes da ciência são apenas parte da história do gosto e da moda e não parte da história do pensamento humano raciocinado e racional" (1984, p. 50). E completa: "o relativismo radical sobre a ciência parece ser um corolário inevitável da aceitação (a) de que os diferentes cientistas têm diferentes metas, (b) de que não há deliberação racional possível sobre a adequabilidade dos diferentes objetivos e (c) de que 'metas, métodos e alegações factuais' invariavelmente associam-se como membros de conjuntos covariantes" (p. 50).
Por essa avaliação, a relativização das metas cognitivas não é extraída da história da ciência, mas da história do gosto. Sendo esse o caso, o relativismo kuhniano não pode pretender ser nem uma reconstrução histórica nem uma filosofia da ciência. Pode, quando muito, ser caracterizada como uma filosofia para a ciência. Manifestamente caudatárias de matrizes filosóficas relativistas, as passagens abaixo, emblemáticas, não encontram na história da ciência o requerido apoio.
Os proponentes de paradigmas competidores praticam suas atividades em mundos diferentes (...) por praticarem em mundos diferentes, os dois grupos de cientistas veem coisas diferentes quando olham do mesmo ponto na mesma direção. Isso não quer dizer que podem ver o que lhes apraz. Ambos estão olhando o mundo e o que olham não mudou. Mas em algumas áreas veem coisas diferentes e as veem em diferentes relações umas com as outras (...) um dos grupos deve experienciar a conversão que temos chamado de mudança de paradigma (...) por tratar-se de uma transição entre incomensuráveis, a transição entre paradigmas competidores não pode ser feita passo a passo, imposta pela lógica e pela experiência neutra (Kuhn, 1970a, p. 212).
Incomodado com as críticas filosóficas, Kuhn no Postscript (1970a, p. 248) diz ser "ocasionalmente acusado de glorificar a subjetividade e mesmo a irracionalidade por insistir que o que os cientistas compartilham não é suficiente para impor um assentimento uniforme a respeito de questões como a da escolha entre teorias competidoras ou a respeito da distinção entre uma anomalia comum e uma que precipita crise". Apesar das respostas que procura assim dar às críticas, abrandando teses fortes anteriores, Kuhn continua esposando posições relativistas, pois o apoio, quando muito parcial, da história da ciência não elimina sua dependência a argumentos filosóficos.
3 O RELATIVISMO ONTOLÓGICO EM KUHN
Nas tantas vezes em que emprega o termo revolução, Kuhn vincula-o a alterações bruscas e radicais:
(1) "quando mudam os paradigmas, muda com eles o próprio mundo";
(2) "as mudanças de paradigma levam os cientistas a ver o mundo de maneira diferente";
(3) "durante as revoluções, os cientistas veem coisas novas e diferentes quando, utilizando instrumentos familiares, olham para os mesmos pontos já examinados";
(4) "membros de diferentes comunidades científicas vivem em mundos diferentes e as revoluções mudam o mundo em que o cientista trabalha";
(5) "membros de diferentes comunidades identificam diferentes dados a partir dos mesmos estímulos";
(6) "a percepção que o cientista tem de seu meio-ambiente deve ser reeducada";
(7) "depois de Copérnico, os astrônomos passaram a viver em um mundo diferente";
(8) "vendas que caem dos olhos ou iluminação repentina que inunda um quebra-cabeça antes obscuro";
(9) "como se a comunidade profissional tivesse sido subitamente levada para outro planeta onde objetos familiares são vistos sob uma luz diferente e a eles juntam-se objetos diferentes".
Possuindo inequívoco teor filosófico, essas teses relativistas precisam, por estarem sendo propostas como metacientíficas, da sustentação decisiva da ciência real. O problema é que não se dispõe, sendo a revolução ocorrência rara na história da ciência, de evidência suficiente para dar solidez à tese de que entre a teoria pré e a pós-revolucionária ocorre uma descontinuidade geradora das situações supramencionadas. A pretensa falta de "continuidade ontológica" resulta de supor-se impossível definir objetivamente se houve avanço traduzível em maior conteúdo de verdade, em maior capacidade explicativa e em maior poder preditivo. O conceito de 'conversão' evidencia que o endosso a um novo paradigma não é determinado por sua maior correspondência com a realidade. Longe de descartar um paradigma para acolher outro com base em (boas) razões, o cientista se vê levado, como epílogo de um processo revolucionário, a trocar de "sistema de pensamento".
Pode o relativismo ser visto como consequência da rejeição do realismo entendido como defensor das seguintes teses: (1) as sentenças de uma teoria são verdadeiras ou falsas; (2) o que as torna verdadeiras ou falsas é algo externo, ou seja, não é a estrutura de nossas mentes ou de nossa linguagem nem nossos dados sensoriais. Para Van Fraassen, "o realismo é a posição de que a construção de teorias científicas almeja dar-nos uma estória literalmente verdadeira de como o mundo parece ser, e a de que a aceitação de uma teoria científica envolve a crença de que ela é verdadeira" (1980, p. 9). Kitcher (cf. 2001, p. 204) registra que começou com Kuhn o apelo à história da ciência para minar as concepções realistas. Como Kuhn (cf. 1993, p. 539) se diz tão realista quanto Boyd, a detecção do relativismo ontológico em sua obra contraria o que o próprio Kuhn pensa defender. É inegável que Kuhn repele a concepção realista tradicional. Na história da ciência, ele vai buscar evidências contrárias à tese de que as teorias científicas são tentativas de descrever um mundo que existe independentemente de como a teoria o reconstrói.
Que Kuhn se insurge contra o modo tradicional de encarar a ontologia fica claro quando ele afirma que "nenhum sentido se pode dar à noção de realidade como tem sido comumente utilizada na filosofia da ciência" (2000, p. 115). Kuhn negligencia que essa noção de realidade, predominantemente realista, é ainda mais aceita entre os cientistas. E visto que deseja atrelar-se à ciência como ela é realmente feita, a metaciência kuhniana não pode deixar de encarar com preocupação o fato de entrar em dissonância cognitiva com o que costumam pensar os cientistas sobre suas atividades.
Kuhn propõe inequivocamente uma forma de relativismo ontológico quando assevera que o paradigma "diz ao cientista quais entidades a natureza contém e não contém e quais os modos de essas entidades se comportarem" (1970a, p. 171). Mas também com relação ao relativismo ontológico kuhniano é difícil separar o que nele é posição filosófica aplicada na reconstrução da ciência e o que nele resulta do acompanhamento da história da ciência ou das práticas científicas. Por mais que Kuhn pretenda gravitar em torno da ciência real, seu modo de entender como são assumidos os compromissos ontológicos envolve-se com questões filosóficas que o fazem assumir claros posicionamentos filosóficos. Isso é compreensível porque é inevitável recorrer a argumentos filosóficos para lidar com a questão relativa a se são as coisas (in)dependentes dos sistemas teóricos à luz dos quais ganham identidade definida.
O relativismo conceitual tem exercido nas últimas décadas considerável influência sobre vários filósofos vinculados à tradição analítica. Baghramian (2010, p. 32) é de opinião que o relativismo conceitual molda a obra de filósofos da ciência como Kuhn e Feyerabend. À luz desse tipo de relativismo, o que define o que há é a rede conceitual com que são "pescados" fatos e ocorrências no mundo. No caso de Kuhn, a dimensão ontológica é relativizada principalmente aos esquemas linguístico-conceituais providos pelos paradigmas. O pressuposto abraçado é o de que o mundo não é a "realidade única" à qual se devem reportar as diferentes teorias para que suas discrepâncias sejam objetivamente julgadas e superadas. Como inexistem fatos com identidade ontológica definida fora das teorias, é inevitável forjar modos diferentes, e até incompatíveis, de categorizá-los e conceituá-los.
Kuhn se pergunta "se realmente ajuda imaginar que há uma descrição completa, objetiva e verdadeira da natureza e que a forma apropriada de medir o êxito científico é determinar em que medida nos aproxima cada vez mais desse objetivo último" (1970a, p. 233). Professando uma concepção objetivista de conhecimento, o cientista, até mais que o filósofo, pensa que as práticas científicas são executadas mirando esse tipo de meta. Para que seu relativismo ontológico não seja julgado como resultante apenas da escolha de uma filosofia, Kuhn necessita do apoio da ciência real para contrariar justificadamente o que o cientista costuma pensar sobre a ciência. Não se pode contrariar a visão difundida entre os cientistas de que se pode alcançar uma apreensão cada vez mais fidedigna dos fenômenos, capaz de servir de base para explicações que se aproximam cada vez mais da verdade, sem que a história da ciência esteja a seu lado. Como não pode erigir a história da ciência em instância suprema de julgamento do que se pensa sobre a ciência aplicando uma filosofia à história, Kuhn precisa mostrar que do acompanhamento da história emergem padrões, e que apreendê-los é condição sine qua non para entender a ciência.
Sendo filosoficamente construída, e não historicamente respaldada, a visão ontológica de que cada paradigma estrutura o campo dos fatos significativos, de tal maneira que ele mesmo estabelece se há uma (maior) adequação entre a teoria e a natureza, pode ser combatida conceitualmente propondo alternativas. A verdade é que a história não tem como suprir ampla sustentação à tese de que os paradigmas competidores assumem compromissos ontológicos distintos a ponto de construírem mundos diferentes, abordarem diferentes problemas e valerem-se de diferentes critérios de avaliação. Se suprisse tal sustentação, a avaliação filosófico-conceitual ficaria a reboque da reconstrução histórica.
Kuhn afirma não se sentir um relativista. Não se vê como defensor do relativismo ontológico por entender que sua posição apenas se contrapõe aos "muitos filósofos da ciência que desejam (...) comparar teorias entendidas como representações da natureza, como enunciados sobre 'o que está realmente ali fora'" (Kuhn, 1970c, p. 264-5). Também aqui Kuhn desconsidera que mais até que os filósofos, os cientistas acreditam que se pode e deve buscar a adequação das teorias à realidade. O rechaço da concepção de verdade como correspondência e a negação da "congruência ontológica" - entendida como a crença de que a teoria posterior é uma melhor aproximação à verdade - geram reiteradas críticas dos cientistas a Kuhn.
Na metaciência comumente defendida pelo cientista é tão forte o endosso do realismo, do pressuposto de uma crescente aproximação à verdade e da crença de que a ciência faz progressos, que Weinberg exagera ao caracterizar como falaciosa a tese de Kuhn de que "na ciência não estamos nos movendo em direção à verdade objetiva" (2003, p. 85-6). A pressuposição ontológica primária que os cientistas costumam fazer é bem expressa por Weinberg, "o que nos impele ao trabalho na ciência é precisamente o sentido de que há verdades ali fora para serem descobertas, verdades que, uma vez descobertas, constituirão uma parte permanente do conhecimento humano" (1992, p. 126). O também físico Baringer vocaliza o tipo de metafísica realista e de epistemologia objetivista que os cientistas tendem a perfilhar: "a ciência não confia apenas na noção de que há efetivamente uma realidade objetiva, mas também na aplicação do argumento racional para descobrir o conhecimento dessa realidade" (2001, p. 10).
Para os realistas tradicionais, o enorme sucesso explicativo das melhores teorias supre forte evidência de que são verdadeiras. Se não fossem, o sucesso explicativo, e principalmente preditivo, dessas teorias seria um milagre. Kuhn não rejeita o realismo de forma tão aberta e assumida quanto rechaça a concepção de verdade como correspondência e a visão tradicional de que as teorias científicas em sua sucessão cronológica convergem ou mostram-se crescentemente verossimilhantes. Posicionando-se contra o relativismo kuhniano, o biólogo Wolpert sustenta que "embora os processos sociais tenham seu papel na ciência, os cientistas substituem teorias porque as novas proporcionam uma melhor correspondência com a realidade" (1993, p. 103).
Não há como discordar de Sankey quando sustenta que Kuhn (cf. 1970c, p. 268-9) adota uma forma de relativismo ontológico por defender teses como a de que "não há modo teoricamente independente de reconstruir frases do tipo 'realmente ali'" e a de que "a noção de uma conformidade entre a ontologia de uma teoria e sua contra-parte 'real' na natureza parece-me em princípio ilusória" (Sankey, 2000, p. 59-75). É importante, no entanto, ter presente que Kuhn invoca a condição de historiador para dizer-se "impressionado com a implausibilidade dessa visão" (1970c, p. 268) que postula conformidade entre a teoria e a realidade. E apresenta como historicamente embasadas análises como a seguinte: "não duvido, por exemplo, que a mecânica de Newton aperfeiçoe a de Aristóteles e que a de Einstein aprimore a de Newton como instrumentos para a solução de quebra-cabeças, mas não consigo ver na sucessão qualquer direção coerente de desenvolvimento ontológico".
Em continuação, Kuhn pondera que "embora seja compreensível a tentação de descrever essa posição como relativista, a descrição parece-me errada" (1970c, p. 268). Kuhn não é convincente na explicação de por que a considera errada. Em termos de taxonomia filosófica, nada há de errado com essa caracterização. Na passagem seguinte, Kuhn parece dar-se conta de que ela não é errada quando, pretendendo que sua tese esteja escorada na ciência, proclama que "se a posição é relativista, não percebo que o relativista perca alguma coisa necessária para explicar a natureza e o desenvolvimento das ciências" (1970c, p. 269). Nesse caso, está tacitamente postulando o respaldo da historia da ciência para o que possa haver de relativismo ali e alhures, e ressaltando a impertinência dos julgamentos filosóficos.
Transformada em tribunal com legitimidade para julgar e condenar teorias sobre a ciência, a história é continuamente invocada por Kuhn. Quando ataca o racionalismo crítico, Kuhn deixa claro que confere à história da ciência a missão decisiva de desmascarar as imagens logicamente idealizadas da ciência: "nenhum processo descoberto até agora pelo estudo histórico do desenvolvimento científico assemelha-se ao estereótipo da falsificação por meio da comparação direta com a natureza" (1970a, p. 139). Quando se coloca contra o empirismo (lógico) também invoca a história:
Para o historiador, pelo menos, faz pouco sentido sugerir que a verificação estabelece a concordância do fato com a teoria. Todas as teorias historicamente significantes concordaram com os fatos, mas apenas de modo parcial. Não há resposta mais precisa para a questão referente a se, ou quão bem, uma teoria individual ajusta-se aos fatos (Kuhn, 1970a, p. 209).
Kuhn nunca faz a defesa sistemática de posições ontológicas. Se em alguns momentos sustenta que se limita a questionar os modos com que os filósofos da ciência vinham caracterizando os vínculos das teorias científicas com a "realidade", em outros, procura contrabalançar o relativismo ontológico de algumas de suas teses mais importantes com declarações um tanto genéricas, nas quais afirma que não nega que exista um mundo real "fora" das teorias. Há passagens em que Kuhn assume posições vagas do tipo: "o ato de julgamento que leva os cientistas a rejeitarem uma teoria previamente aceita baseia-se sempre em algo mais do que uma comparação da teoria com o mundo" (1970a, p. 139). São vagas porque deixam de especificar, de modo claro e objetivo, o que é esse "algo mais".
Kuhn já esteve mais próximo da posição realista: "cada nova teoria científica preserva um hard core do conhecimento fornecido por sua predecessora e acrescenta-se a ele; a ciência progride substituindo velhas teorias por novas" (1957, p. 3). Nessa fase, Kuhn encara as revoluções como precipuamente determinadas por razões, pelo que chama de lógica e experiência: "é assim que a ciência avança: cada novo esquema conceitual dá conta dos fenômenos explicados por seus predecessores e acrescenta outros" (1957, p. 64). Se o processo revolucionário assim se desenrola - sem envolver descontinuidades epistêmicas, ontológicas e semânticas que inviabilizam as comparações básicas entre a velha e a nova teoria , não referenda posições relativistas.
Em contraposição, se a escolha entre teorias competidoras, e até entre teorias que assumem compromissos ontológicos discrepantes, é subdeterminada pela evidência empírica, não há como evitar que fatores extracognitivos interfiram no processo que leva uma teoria a mostrar-se mais consonante com a "realidade". Se não é o mundo, tal como ele é, que torna racionalmente obrigatórios determinados mapeamentos ontológicos, disso se segue que os compromissos ontológicos assumidos por uma teoria não decorrem de determinantes mundanos. E se a observação se mostra sempre teoricamente impregnada, então deixa de ser possível postular um universo de evidências autossubsistente. Não há um mundo independente das teorias que o reconstroem. Por isso, observadores munidos de diferentes teorias não veem as mesmas coisas, não se reportam ao mesmo "mundo", mesmo quando olham para as mesmas coisas.
Havendo a subdeterminação da teoria pelos fatos e a impregnação teórica da observação, os fatos deixam de ser os formadores decisivos dos quadros ontológicos. Inexistindo campos ontológicos delimitáveis sem óculos teóricos, a especificação "do que existe" passa a depender do tipo de teoria com o qual se opera. Visto não ser possível ir além dos "mundos" identificados e problematizados pelos paradigmas, não se tem como chegar ao mundo como ele é nele mesmo; tudo que há são diferentes "mundos" construídos pelas várias teorias. Daí Kuhn afirmar que "embora o mundo não mude com a mudança de paradigma, o cientista depois da substituição trabalha em um mundo diferente" (1970a, p. 183). Inexistindo uma realidade comum à qual se devem reportar as diferentes teorias, o que é identificado por uma não o é por outra.
Dado que não há uma realidade teoricamente independente à qual devem procurar adequar-se as construções explicativas, o que há são os vários mapeamentos ontológicos teoricamente elaborados. A "realidade", tal qual reconstruída, tem a identidade resultante da aplicação dos procedimentos que a enquadram na moldura do paradigma. Também com relação à questão ontológica, Kuhn privilegia o que se pode aprender com a história da ciência: "o historiador pode ser tentado a exclamar que quando mudam os paradigmas, o próprio mundo muda com eles" (1970a, p. 173). O que não fica comprovado é que, para além dos argumentos filosóficos, a história da ciência fornece evidência suficiente para justificar o relativismo ontológico metacientífico.
4 O RELATIVISMO LINGUÍSTICO EM KUHN
À questão central da mudança revolucionária Kuhn dispensa um tratamento baseado na suposta constatação de incomensurabilidade linguístico-semântica entre a teoria anterior e aquela que a substitui. Também com relação ao relativismo linguístico-semântico cabe indagar se resulta da aplicação de uma filosofia da linguagem à ciência ou se é fruto do acompanhamento da história da ciência. A tese de que ocorre uma variação radical de significado quando da mudança de paradigma transfere o eixo da reflexão sobre a ciência da filosofia da ciência para a filosofia da linguagem. De todas as incomensurabilidades, a semântica merece ser considerada crucial porque não pode haver objetivos ou critérios compartilhados, se não há linguagem comum na qual possam ser formulados e comparados.
Kuhn se coloca contra a tese de que o significado dos mesmos termos - independentemente de serem observacionais ou teóricos - mantém-se o mesmo quando presentes em teorias separadas por uma revolução. Recorrendo a casos historicamente identificáveis procura demonstrar que os conceitos-chave carecem de significados fixos ou estáveis. Deixam de conservar seu significado quando há mudança de teoria. Quando os sentidos ou os referentes das mesmas palavras-chave alteram-se em teorias descontínuas, as discrepâncias semânticas não têm como ser superadas. Deixa de ser possível o diálogo entre os paradigmas se, mesmo compartilhando o vocabulário, eles têm modos próprios de dar significado aos vocábulos.
Os significados dos termos e conceitos científicos - "força" e "massa" por exemplo, ou "elemento" e "composto" - frequentemente mudam com a teoria em que são empregados. E quando tais mudanças ocorrem torna-se impossível definir todos os termos de uma teoria no vocabulário da outra (Kuhn, 1982, p. 669).
Putnam destaca que "Kuhn escreve (pelo menos em A Estrutura) como se o mesmo termo não pudesse ter o mesmo referente em diferentes paradigmas (teorias pertencentes ou dando origem a diferentes paradigmas correspondem a diferentes 'mundos', ele diz)" (Putnam, 1978, p. 22). Se o vocabulário essencial é partilhado, mas não os significados, deixam de existir as condições básicas que propiciam o efetivo intercâmbio crítico entre teorias científicas rivais. As divergências semânticas não têm como ser superadas, se não há como vertê-las para um conjunto de termos linguísticos compartilhados. Assim como não há critério de avaliação supraparadigmático, não há linguagem supraparadigmática. Kuhn fala como se cada teoria se referisse a seu próprio "universo" de entidades, o que para Putnam "não é verdadeiro com relação a qualquer teoria (científica)" (1978, p. 23).
Diferentemente de seus críticos, Kuhn entende que são constatações históricas e não construções filosóficas que respaldam teses como a de que subsistem intransponíveis "dissonâncias linguísticas" entre os paradigmas. Ao declarar que "na transição de uma teoria para outra as palavras mudam seus significados ou as condições de aplicabilidade de modos sutis" (1970c, p 266), Kuhn está convencido de que é assim que a ciência funciona. Não sendo probatório o apoio que encontra na história para seu veredicto de que não há linguagem teoricamente independente capaz de comparar uma teoria e sua sucessora - ou para a tese de que termos e definições, assim como fatos, são relativos a diferentes paradigmas - Kuhn se vê obrigado a recorrer a argumentos filosóficos quando se defende das críticas.
A visão prevalecente entre os filósofos da ciência e os cientistas é assim expressa por Putnam: "os termos nas teorias científicas maduras são tipicamente referenciais (...); as teorias aceitas em uma ciência madura são aproximadamente verdadeiras; o mesmo termo pode referir-se à mesma coisa mesmo quando ocorre em teorias diferentes" (1975, p. 73). Por ser, na melhor das hipóteses, parcialmente comprovada pela história da ciência, tem recebido críticas predominantemente filosóficas a tese de que os significados dos termos, por variarem em conformidade com as especificidades de cada paradigma, são essencialmente dependentes das teorias nos quais ocorrem. A discussão concentra-se no campo da filosofia da linguagem, caso inexista evidência histórica capaz de dar sustentação à tese de que os significados, determinados por usos contextualizados, carecem de independência conotativa ou denotativa.
Uma das dificuldades para reconstruir o pensamento de Kuhn é sua tendência a mitigar, fazendo concessões às críticas, uma tese forte sem abandonar seu núcleo duro. Depois de propor a tese radical de que "os proponentes de diferentes teorias são como os membros de diferentes comunidades lingüístico-culturais", Kuhn se defende das críticas fazendo diferenciação parcamente elucidativa: "aplicada à cultura e a seu desenvolvimento essa posição é relativista, mas aplicada à ciência pode não ser e está de qualquer modo muito distante do mero relativismo de um modo que seus críticos não têm conseguido ver" (1970a, p. 267).
Não é que o ônus da prova recaia sobre Kuhn, mas sem a comprovação histórica de que a revolução científica provoca uma radical variação de significado entre os termos-chave dos diferentes paradigmas, um filósofo da ciência pode defender a tese oposta com base apenas em argumentos linguístico-epistemológicos, sem merecer a crítica de optar por abordagem apriorista. Quando não conte com a imprescindível sustentação da evidência histórica, Kuhn pode ser questionado por aplicar à ciência uma filosofia da linguagem para a qual existem alternativas não-relativistas tão ou mais elucidativas das alterações semânticas que acompanham as mudanças de teoria. Para uma tese como a da variação radical de significado não há sustentação histórica taxativa, porque, entre outras razões, são raros os episódios revolucionários. E nada garante que outras revoluções, se vierem a ocorrer, seguirão o figurino kuhniano.
A tese da variação radical de significado é crucial, porque se o paradigma possui uma linguagem única e intraduzível, tem-se uma modalidade de incomensurabilidade que leva a todas as outras: de dados, de problemas, de critérios epistêmicos e de molduras ontológicas. Se for constatável que as revoluções científicas fazem com que mude o significado dos termos-chave de um paradigma para outro a ponto de nenhuma tradução mostrar-se possível entre as linguagens utilizadas por teorias rivais, então a comunicação entre diferentes tradições de pesquisa é, na melhor das hipóteses, precária e parcial. Kuhn sustenta que "dois homens que percebem a mesma situação de modo diferente, empregando o mesmo vocabulário em suas discussões, devem estar usando as palavras de forma diferente: falam a partir de pontos de vista que tenho chamado de incomensuráveis" (1970a, p. 262).
As avaliações comparativas e retrospectivas de sistemas teóricos fundadas em critérios como os propostos pela filosofia da ciência tradicional - grau de confirmação, alcance explicativo, poder preditivo etc. - não podem ser feitas se não há linguagem neutra que permita cotejar seus respectivos conteúdos de verdade e de falsidade. Sem a possibilidade de uma linguagem em comum, os paradigmas rivais não têm como compartilhar desde dados observacionais até compromissos ontológicos, passando por critérios epistêmicos.
Inexistindo evidência histórica suficiente para respaldar esse tipo de visão, pode-se defendê-la de forma filosófica alegando que cada paradigma organiza-se e funciona com base nas pressuposições absolutas, como as caracteriza Collingwood (cf. 2007, p. 32), que lhe conferem identidade. A questão é que, em uma metaciência como a kuhniana, depende da evidência provida pela reconstrução histórica, e não da argumentação filosófica, a sustentação da tese de que, não sendo intertraduzíveis as linguagens dos diferentes paradigmas, as teorias, as metodologias e as visões de mundo, que os paradigmas abrigam, são variáveis e incomparáveis.
A tese de Kuhn de que teorias de diferentes paradigmas são incomensuráveis gera "enclausuramento linguístico", porque inexiste "linguagem observacional neutra" para a qual as diferentes teorias possam ser completamente traduzidas. Base do relativismo kuhniano, o "enclausuramento linguístico" transparece em argumentos como o de que por mais que as partes envolvidas em uma divergência científica possam ter as mesmas experiências perceptivas, os esquemas teórico-conceituais de seus respectivos paradigmas influenciam os significados dos termos descritivos cruciais em uma tal extensão que cada parte mostra-se incapaz de aceitar os registros observacionais da outra.
Se diferentes tradições de pesquisa expressam-se e justificam-se de modo próprio é porque suas linguagens operam como "dialetos". As barreiras de comunicação impedem que se decrete a superioridade de uma delas, e se uma for realmente melhor, não se terá como saber em virtude dos modos de significação e dos critérios de avaliação serem idiossincráticos. O "enclausuramento linguístico" impacta a dimensão epistêmica. Aquilo que para um sistema teórico surge como evidência confirmadora ou refutadora pode despontar para outro como irrelevante. Além do mais, fica inviabilizado o progresso cumulativo na ciência, se cada teoria apresenta um universo semântico-discursivo próprio. Não há como prosperar o diálogo quando se esbarra nas peculiaridades dos "dialetos" dos paradigmas.
A favor da tese do "enclausuramento linguístico", Kuhn alega que "no novo paradigma, velhos termos, conceitos e experimentos contraem novas relações entre si" (1970a, p. 211). Na mecânica newtoniana, "massa" é usado para denotar uma propriedade, e na teoria da relatividade, para fazer referência a uma relação. E espaço e tempo - entidades separadas e independentes na física de Newton - são substituídas na teoria de Einstein pelo conceito único de espaço-tempo.
As partes envolvidas nos debates inevitavelmente veem de modo diferente algumas das situações experimentais ou observacionais às quais podem recorrer. Visto que os vocabulários por meio dos quais discutem essas situações consistem predominantemente dos mesmos termos, devem estar vinculando de modo diferente alguns desses termos à natureza - o que torna sua comunicação inevitavelmente parcial. Como resultado, a superioridade de uma teoria sobre outra é algo que não tem como ser provado no debate (Kuhn, 1970a, p. 260).
Para Devitt, é a variação ontológica, teoricamente provocada, que acarreta a linguística: "se os mundos realmente mudam quando mudam as teorias, não é surpreendente que os significados, os referentes e os compromissos ontológicos das teorias difiram" (1979, p. 29). Para Musgrave, a incomensurabilidade semântica é a mãe de todas as outras, já que "sucessivas teorias, paradigmas ou visões de mundo são incomensuráveis porque os significados dos termos que nelas ocorrem são diferentes" (1979, p. 336). English complementa: "como os significados dos termos mudam, teorias competidoras são formuladas em linguagens diferentes, e não prontamente intertraduzíveis" (1978, p. 58).
A dependência do significado ao contexto de uso das palavras faz com que mudem de significado as mesmas palavras simplesmente por serem empregadas por teorias diferentes. Como os significados dos termos ficam atrelados aos compromissos ontológicos, aos regulamentos metodológicos e aos critérios de avaliação específicos a cada paradigma, deixa de haver invariância de significado. A tese de que inexiste uma linguagem teoricamente neutra que enseje fazer comparações entre teorias diferentes fica enfraquecida em virtude de Kuhn não lograr demonstrar que é fruto mais de reconstrução histórica que de posição filosófica. Quando Kuhn afirma que "homens que adotam pontos de vista incomensuráveis podem ser encarados como membros de diferentes comunidades linguísticas e seus problemas de comunicação devem ser analisados como problemas de tradução" (1970a, p. 237) mostra claro débito com a filosofia da linguagem de Quine.
Kuhn se diz "persuadido, em grande parte pelo trabalho de Quine, de que o problema da incomensurabilidade e da parcial comunicação deve ser tratado de outro modo: proponentes de diferentes teorias (...) falam diferentes línguas - linguagens expressando diferentes compromissos cognitivos, adequadas para diferentes mundos" (1977, p. XXII-III). Em entrevista a Cedarbaum, Kuhn declara: "toda minha perspectiva filosófica tinha um matiz distintivamente 'quineano'" (1983, p. 203). Sendo esse o caso, as posições fundamentais de Kuhn sobre o que ocorre no plano da linguagem quando da mudança de teoria dependem, por mais que as apresente arrimadas na história da ciência, de determinadas teorias filosóficas.
Suppe é de opinião que Kuhn levou tão a sério as críticas que sofreu que tudo fez para respondê-las a ponto de "desistir de muito que havia de distintivo, original e excitante em suas posições" (1977, p. 637). No afã de fazer frente às objeções, Kuhn teria chegado a rever suas posições, distanciando-se da reconstrução histórica, de um modo que o teria levado a guinar em direção ao positivismo lógico. É o que sustentam Suppe (cf. 1977, p. 637) e Pinch (cf. 1979, p. 429-40). O que parece confirmar essa avaliação é a atitude receptiva que Kuhn (cf. 1970c, p. 179- 99) adota sobre o formalismo de Sneed-Stegmüller.
Mais até que os outros tipos de relativismo, a incomensurabilidade semântica favorece a defesa da tese de que mais que derivar uma metaciência da história da ciência, Kuhn aplica uma filosofia (da linguagem) à ciência. Kuhn não comprova que a filosofia da linguagem subjacente a sua metaciência resulta dos modos com que a ciência é realmente feita. Ainda que encontre algum apoio na história da ciência, a tese de que, na transição de um paradigma para outro, registra-se uma variação radical de significado entre termos-chave é fruto principalmente de uma filosofia da linguagem.
5 O RELATIVISMO KUHNIANO E SUA DEPENDÊNCIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
A importância crucial que atribui à história ajuda a entender por que Kuhn se apresenta como "membro da American Historical Association e não da American Philosophical Association" (1977, p. 3). Kuhn transfere o eixo da reflexão sobre a ciência da filosofia para a história da ciência. Para Bird (2008, p. 68), A Estrutura pode ser chamado de "história teórica" por conter (i) um elemento descritivo por meio do qual se procura identificar um padrão geral no desenvolvimento da ciência. A ciência, um empreendimento voltado para a solução de quebra-cabeças, ostenta um padrão cíclico: ciência normal, crise, revolução, ciência normal; (ii) um elemento explanatório. Propõe uma explicação do padrão identificado em (i): a solução de quebra-cabeças é conduzida pela adesão a um paradigma.
A metaciência kuhniana vai além do apontado por Bird. Ela promove a historicização e a socialização da razão tradicionalmente concebida como autossubsistente e autojustificada. Entende Kuhn que "ao basear-se em observações do registro histórico, a filosofia da ciência histórica minou os pilares, sem substituí-los por outros, em que se acreditava estar assentada a autoridade do conhecimento científico" (2000, p. 118). Para Kuhn esses pilares são:
(1) os fatos são anteriores às crenças, independentes delas, e prestam-se a prover evidências para elas;
(2) o que emerge das práticas científicas são verdades, verdades prováveis, ou aproximações à verdade, sobre um mundo externo independente da mente e da cultura.
Kuhn advoga que as teorias rivais são incomensuráveis porque
(1) não compartilham a mesma linguagem ou o mesmo esquema conceitual, a linguagem de uma não é traduzível para a linguagem da outra ou para uma linguagem observacional neutra;
(2) não identificam ou reconhecem os mesmos dados observacionais;
(3) não se dirigem aos mesmos problemas;
(4) não acolhem os mesmos padrões de avaliação de teorias;
(5) não se reportam ao mesmo mundo.
Se a ciência de "carne e osso" exibe padrões próximos aos identificados por Kuhn, a maioria das críticas filosóficas a sua metaciência, incluídas as dos cientistas, mostra-se improcedente. Atacá-lo por ser relativista seria, nesse caso, parecido com tachar um estudioso que constata a barbárie e a anomia - como faz Dahrendorf (1985, p. 22-6) quando relata o que ocorre em Berlim em abril de 1945 - de ser simpático a elas.
Ser o relativismo rechaçado pelos cientistas não é suficiente para que seja meta-cientificamente condenado. Perde, entretanto, sua sustentabilidade metacientífica essencial caso fique demonstrado que não passa de um ismo filosófico aplicado à reconstrução da ciência. Se, como apregoa Laudan (cf. 1990, p. 93), Kuhn aplica à ciência as teses capitais da epistemologia relativista contemporânea, então a importância decisiva que atribui ao registro histórico é apenas nominal. Baghramian defende que "muito da inspiração filosófica subjacente ao relativismo com relação à ciência provém não do pós-modernismo francês, mas da tese de Duhem-Quine da subdeterminação da teoria pelos dados e da tese da incomensurabilidade tal qual formulada por Kuhn-Feyerabend" (2008, p. 240). Cartwright salienta que o problema da "subdeterminação", antes formulado por Duhem e Quine, abre caminho para o relativismo: "se as hipóteses científicas devem informar algo novo, haverá sempre diversas hipóteses incompatíveis, porém compatíveis com todos os fatos já aceitos" (2010, p. 88). Laudan vai além ao reputar a tese da subdeterminação da teoria pelos fatos "absolutamente central ao relativismo epistêmico" (1990, p. 48). Tendo Kuhn essa dívida para com Duhem e Quine, é fundamental que a tese deles seja arrimada pela história da ciência para que a metaciência de Kuhn também o seja.
Não se sustenta a defesa apenas filosófica da tese de que a mudança teórica em ciência é uma experiência de conversão propelida por fatores psicossociais. É crucial comprová-la histórica e sociologicamente. O problema é que Kuhn propõe um modelo híbrido - epistêmico e psicossocial - que se revela incapaz de especificar qual é o peso que as razões e os fatores têm no processo de produção da ciência. Barnes, um dos propositores do programa forte, faz uma avaliação que, no essencial, coincide com a dos filósofos. "Kuhn insiste que as mudanças de paradigma só se tornam inteligíveis em termos da psicologia social do grupo científico e não em termos de considerações puramente lógicas" (1991, p. 91).
As metaciências que associam o epistêmico e o psicossocial dependem primariamente de explicações elaboradas pelas ciências sociais e secundariamente da atividade conceitual da filosofia. Quando Kuhn reconstrói as grandes mudanças científicas estabelecendo paralelos com as grandes transformações político-sociais - "assim como nas revoluções políticas, na escolha de paradigma não há padrão que se coloque acima do assentimento da comunidade relevante" (1970a, p. 156) - , atrela a reconstrução metacientífica à explicação psicossocial. Sem o apoio de teorias sociais com efetivo poder explicativo é precária a defesa de teses kuhnianas como a seguinte: "para descobrir como as revoluções científicas ocorrem, temos de examinar não apenas o impacto da natureza e da lógica, mas também as técnicas de argumentação persuasiva que se mostram efetivas no âmbito dos grupos muito especiais que constituem a comunidade dos cientistas" (p. 156).
Subordinando a racionalidade científica à vida comunitária, Kuhn advoga que "tal como a escolha entre instituições políticas competidoras, a que se dá entre paradigmas competidores prova ser uma escolha entre modos incompatíveis de vida comunitária" (1970a, p. 156). E arremata: "quando os paradigmas entram, como devem, em um debate sobre a escolha de paradigma, seu papel é necessariamente circular, cada grupo usa seu próprio paradigma para argumentar em defesa desse paradigma" (p. 156). Para Shapere, esse tipo de posição leva à conclusão de que "a decisão de um grupo científico de adotar um novo paradigma não tem como basear-se em boas razões de qualquer tipo, factuais ou outras" (1966, p. 67). McMullin acrescenta que se "as razões favoráveis a um paradigma não podem compelir ao assentimento, deixa de existir um ponto preciso no qual a resistência à mudança de paradigma torna-se ilógica" (1993, p. 56). Lakatos eleva o tom crítico sustentando que "na visão de Kuhn, a revolução científica é irracional, uma questão de psicologia de massas" (1970, p. 178). São críticas procedentes, se a sociologia, a politologia e a história da ciência não convergirem em socorro a Kuhn.
Contrapondo-se aos críticos de Kuhn, Brante e associados observam que "a publicação de A Estrutura apontou o caminho para o estudo integrado da história, filosofia e sociologia da ciência (...) alertou para os modos confusos com que os filósofos falavam da ciência e que faziam a produção do conhecimento parecer qualitativamente diferente de outras práticas sociais" (1993, p. IX). O problema é que Kuhn não comprova ter sua metaciência a capacidade multidisciplinar de elucidar como - e obedecendo a qual hierarquia (variável) - o componente epistêmico e o psicossocial atuam associadamente.
Kuhn parte da constatação de que "em virtude de diferirem a respeito da matriz institucional com base na qual a mudança política ocorre e é avaliada, em virtude de não reconhecerem nenhum quadro suprainstitucional para a adjudicação das dife-renças revolucionárias, as partes de um conflito revolucionário devem finalmente recorrer às técnicas de persuasão de massas, inclusive à força" (1970a, p. 155-6). Em continuação defende que "o estudo histórico da mudança de paradigma revela características muito similares na evolução das ciências" (grifo meu). Kuhn busca estabelecer paralelos entre as revoluções político-sociais e as científicas sem contar com uma teoria capaz de explicar o que as torna funcionalmente semelhantes. Rorty, um de seus maiores admiradores, sublinha que "a única questão real que separa Kuhn de seus críticos é a de saber se o tipo de 'processo deliberativo' que ocorre quando das mudanças de paradigma nas ciências (...) difere em espécie do processo deliberativo que ocorre, por exemplo, quando da passagem do ancien régime para a democracia burguesa" (1979, p. 327).
Ao declarar que "tanto no desenvolvimento político quanto no científico, o sentimento de funcionamento defeituoso que pode levar à crise é pré-requisito para a revolução" (1970a, p. 154), Kuhn está defendendo que, ao menos em termos funcionais, o científico e o político não se distinguem. Se "o sentimento de funcionamento defeituoso" manifesta-se essencialmente do mesmo modo na ciência e na sociedade, deixa de ser necessário diferenciar a justificação epistêmica da legitimação política. Caracterizando sua "posição como intrinsecamente sociológica", Kuhn destaca que "seja o que for o progresso científico, temos de explicá-lo examinando a natureza do grupo científico, descobrindo suas valorações, o que tolera, o que desdenha" (1970c, p. 238). Kuhn é ainda mais enfático quando declara que "já devia ter ficado claro que a explicação, na fase final, precisa ser psicológica ou sociológica, isto é, precisa ser uma descrição de um sistema de valores, de uma ideologia, juntamente com uma análise das instituições através das quais o sistema é transmitido e inculcado" (1970b, p. 21). O problema é que se, por um lado, Kuhn defende a importância metacientífica da sociologia, psicologia e história, por outro, encara com desconfiança a capacidade explicativa das teorias que elas elaboram.
Se ele [Popper] quer dizer que as generalizações que constituem as teorias aceitas em sociologia e psicologia (e em história?) são linhas muito fracas com as quais se possa tecer uma filosofia da ciência, eu não poderia deixar de estar em total acordo com ele. Tanto o meu trabalho quanto o dele não se estribam nelas. Se, por outro lado, está pondo em dúvida a relevância que os tipos de observações coletadas por historiadores e sociólogos têm para a filosofia da ciência, aí já não sei como seu próprio trabalho poderia ser compreendido (Kuhn, 1970c, p. 235).
A tese de que as observações históricas, psicológicas e sociológicas são fundamentais para entender a constituição e a reprodução da racionalidade científica vem acompanhada da ressalva de que as teorias existentes não se prestam a originar e embasar uma filosofia da ciência. Por ter de escorar-se na história da ciência e nas ciências sociais, o relativismo kuhniano precisa contar, para mostrar-se metacientificamente defensável, com teorias psicológicas e sociológicas específicas sem poder colocar em dúvida a confiabilidade epistêmica delas. Sem o apoio delas, Kuhn não tem como especificar os respectivos pesos das razões epistêmicas e dos fatores sociais na decisão do cientista de aceitar (1) um novo esquema conceitual, (2) um novo campo de dados observacionais, (3) uma agenda diferente de problemas, (4) diferentes padrões de avaliação de teorias, e (5) uma nova forma de encarar a "realidade".
Observa Lakatos que "não há causa racional particular para o aparecimento de uma 'crise' kuhniana: 'crise' é um conceito psicológico, é um pânico contagioso" (1970, p. 178). Para rebater críticas desse tipo, Kuhn passou a maior parte de sua vida acadêmica alterando o conteúdo filosófico de suas teses centrais. Nos escritos posteriores a A estrutura, incluindo o 'Posfácio' à segunda edição do livro até o artigo "Objetividade, juízo de valor e escolha de teoria", publicado em A tensão essencial, as teses mais marcadamente relativistas foram modificadas. Mas sem que tal revisão tenha levado ao abandono de conceitos como o de incomensurabilidade. Contra a visão de que os três relativismos presentes em Kuhn são derivados de como a ciência tem sido historicamente praticada, pode-se mostrar que várias teses de A estrutura tiveram seu teor relativista mitigado em textos posteriores, não pela invocação de outras ou novas evidências históricas, e sim porque receberam críticas filosóficas procedentes.
Dado o tipo de reflexão que desenvolve sobre a ciência, Kuhn deveria ter priorizado não a reelaboração do conteúdo epistêmico-semântico-ontológico de seus argumentos basilares, e sim a busca de mais, ou de outras, evidências que a história da ciência pudesse oferecer a favor de sua metaciência. Em apoio à tese de que as mudanças de opinião em Kuhn não são historicamente motivadas, pode-se recorrer à análise de Siegel: "[Kuhn] continuamente tenta retratar-se das posições mais radicais de seus escritos anteriores sem deixar de, sob diferentes aspectos, mantê-las" (1980, p. 365). O julgamento final de Siegel é duro: "além de confundir, sua posição permanece confusa" (p. 373).
Se a metaciência kuhniana pretende refletir a ciência real, a atenuação da "radicalidade" das teses originais precisa resultar em uma sintonia ainda mais fina com a história da ciência. Adotar a versão filosófica "menos relativista" com o objetivo de torná-la menos vulnerável a questionamentos epistêmico-semânticos não torna sua metaciência mais respaldada pela história da ciência. Não há razão para atenuar o caráter relativista de uma metaciência quando (se pretende que seja) derivada da (história da) ciência. A reformulação epistemológica dos argumentos anteriores pode ser importante para Kuhn defender suas reconstruções metacientíficas das críticas dos filósofos, mas não para melhor embasá-las historicamente.
Longe de ser sustentado pela história da ciência, o relativismo para os cientistas é fruto de visões que a filosofia e a sociologia aplicam à ciência. O físico Ashman vocaliza a posição comum entre os cientistas: "qualquer forma de relativismo é anátema para os cientistas; acreditamos que podemos descobrir verdades, ou verdades aproximadas, sobre o universo" (2001, p. 114). Lakatos é de opinião que Kuhn tem dupla posição com relação ao progresso científico: "como devotado estudioso e cientista, detesta pessoalmente o relativismo, mas sua teoria pode ser interpretada como negando o progresso científico e reconhecendo apenas a mudança científica ou como reconhecendo o progresso científico só que o entendendo como 'progresso' marcado apenas pela marcha da história real" (1981, p. 133).
Para Doppelt (cf. 2006, p. 694), a noção kuhniana de revolução científica fica atrelada ao relativismo histórico. Mas o que entender por "relativismo histórico"? Trata-se de uma visão extraída da história (da ciência) ou uma concepção (filosófica) a ela aplicada? O fato de a metaciência kuhniana ser historicamente orientada não implica que seja historicamente respaldada. Para Kuhn, "o produto final da maioria das pesquisas históricas é uma narrativa, uma estória, sobre particulares do passado" (1977, p. 5). Nesse caso, a história não tem poder para justificar o relativismo metacientífico. E continua sem ter quando Kuhn confia à narrativa histórica a missão de "tornar plausível e compreensível os eventos que descreve". Mas quando Kuhn, em continuação, apresenta "a história como um empreendimento explicativo, por mais que suas funções explanatórias sejam alcançadas sem que quase se recorra a generalizações explícitas", indica que pode ser reconstruída para apoiar teses metacientíficas (relativistas). O difícil é entender como pode a história prover explicações sem lançar mão de algum tipo tácito ou explícito de generalização.
Whitehead defende a tese de que "a filosofia, mais que qualquer ciência, é dominada por sua literatura passada" (1954, p. 294). De fato, a história da filosofia tem sido considerada fundamental para fazer filosofia. Nenhuma outra disciplina confere tanta importância a sua história, nenhuma vê a história como vital para o que faz no presente. Há estudiosos que chegam a sustentar que fazer filosofia é, no essencial, reconstruir racionalmente sua história. Isso é em parte explicado por subsistir incomensurabilidade entre as teorias filosóficas. Kuhn elabora uma versão metacientífica da tendência dos filósofos a considerarem a história da filosofia vital para o entendimento e a prática da filosofia. Sustentamos que Kuhn passa a destacar a história da ciência como os filósofos fazem com a história da filosofia, mas sem lograr demonstrar que sua metaciência (relativista) é amplamente sustentada pela história da ciência.
O fato de espelhar a história da ciência melhor que a visão recebida não significa que a metaciência kuhniana apreenda os traços distintivos da ciência real. Na melhor das hipóteses, Kuhn alcança comprovação parcial de que extrai da ciência o relativismo que se faz presente em sua obra. Mesmo porque inúmeras pegadas argumentativas apontam para a aplicação de uma filosofia (relativista) à ciência. Parcialmente concordante com o tipo de racionalidade que historicamente emerge das práticas de pesquisa, o relativismo kuhniano não tem como dispensar o apoio de argumentos filosóficos. Como os críticos não logram provar que a metaciência kuhniana é fruto apenas da aplicação de uma filosofia à ciência nem Kuhn demonstrar que seu relativismo é derivado da (história da) ciência, o debate em torno do relativismo kuhniano mantém-se aceso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARBIB, M. & HESSE, M. The construction of reality. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.
ASHMAN, K. Measuring the Hubble constant. In: ASHMAN, K. M. & BARINGER, P. S. (Org.). After the science wars. London: Routledge, 2001. p. 98-119.
ASHMAN, K. M. & BARINGER, P. S. (Org.). After the science wars. London: Routledge, 2001.
ASQUITH, P. & NICKLES, T. (Ed.). Proceedings of the biennial meeting of the philosophy of science association. East Lansing. Philosophy of Science Association, 1982. v. 2.
BAGHRAMIAN, M. Relativism about science. In: PSILLOS, S. & CURD, M. (Ed.). The Routledge companion to philosophy of science. New York: Routledge, 2008. p. 236-47.
_____. A brief history of relativism. In: KRAUS, M. (Org.). Relativism: a contemporary anthology. New York: Columbia University Press, 2010. p. 31-49
BARINGER, P. Introduction: the "science wars". In: ASHMAN, K. M. & BARINGER, P. S. (Org.). After the science wars. London: Routledge, 2001. p. 1-13.
BARNES, B. Thomas Kuhn. In: SKINNER, Q. (Org.). The return of grand theory in the human sciences. Cambridge: Cambridge University Press, 1991. p. 83-100.
BIRD, A. The historical turn in the philosophy of science. In: PSILLOS, S. & CURD, M. (Ed.). The Routledge companion to philosophy of science. New York: Routledge, 2008. p. 67-77.
BORCHERT, D. (Ed.). Encyclopedia of philosophy. Detroit: Thomson Gale, 2006. v. 8.
BRANTE, T. et al. Controversial science. From content to contention. Albany: State University of New York Press, 1993.
BUNGE, M. Seudociencia y ideologia. Madrid: Alianza Editorial, 1985.
CEDARBAUM, D. Paradigms. Studies in History and Philosophy of Science, 14, 3, p. 173-213, 1983.
COLLINGWOOD, R. An essay on metaphysics. Oxford: Clarendon Press, 2007.
COLODNY, R. (Ed.). Mind and cosmos. Essays in contemporary science and philosophy. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 1966.
CARTWRIGHT, N. Relativism in philosophy of science. In: KRAUS, M. (Org.). Relativism. A contemporary anthology. New York: Columbia University Press, 2010. p. 86-99.
COLLINS, H. & YEARLY, S. Epistemological chicken. In: PICKERING, A. (Org.). Science as practice and culture. Chicago: Chicago University Press, 1992. p. 301-26.
DAHRENDORF, R. Law and order. London: Sweet and Maxwell, 1985.
DEVITT, M. Against incommensurability. Australian Journal of Philosophy, 57, p. 29-50, 1979.
DOPPELT, G. Scientific revolutions. In: BORCHERT, D. (Ed.). Encyclopedia of philosophy. Detroit: Thomson Gale, 2006. v. 8, p. 694-703.
ENGLISH, J. Partial interpretation and meaning change. The Journal of Philosophy, 75, 2, p. 57-76, 1978.
FRANK, P. Philosophy of science. New Jersey: Prentice-Hall, 1957.
FULLER, S. Thomas Kuhn: a philosophical history for our times. Chicago: Chicago University Press, 2000.
GUTTING, G. (Org.). Paradigms and revolutions. Appraisals and applications of Thomas Kuhn's philosophy of science. Notre Dame: Notre Dame University Press, 1980.
HACKING, I. (Org.). Scientific revolutions. London: Oxford University Press, 1981.
HARRIS, J. Against relativism. A philosophical defense of method. Chicago: Open Court, 1997.
HORWICH, P. (Ed.). World changes. Thomas Kuhn and the nature of science. Cambridge: The MIT Press, 1993.
HUENE, P. Reconstructing scientific revolutions. Thomas S. Kuhn's philosophy of science. Chicago: The University of Chicago Press, 1993.
KITCHER, P. Science, truth and democracy. Oxford: Oxford University Press, 2001.
KRAUS, M. (Org.). Relativism: a contemporary anthology. New York: Columbia University Press, 2010.
KUHN, T. The copernican revolution. Harvard: Harvard University Press, 1957.
_____. The structure of scientific revolutions. Chicago: The University of Chicago Press, 1970a.
_____. Logic of discovery or psychology of research? In: LAKATOS, I. & MUSGRAVE, A. (Org.). Criticism and the growth of knowledge. London: Cambridge University Press, 1970b. p. 1-24.
_____. Reflections on my critics. In: LAKATOS, I. & MUSGRAVE, A. (Org.). Criticism and the growth of knowledge. London: Cambridge University Press, 1970c. p. 231-77.
_____. The essential tension. Chicago: University of Chicago Press, 1977.
_____. Commensurability, comparability, communicability. In: ASQUITH, P. & NICKLES, T. (Ed.). Proceedings of the biennial meeting of the philosophy of science association. East Lansing. Philosophy of Science Association, 1982. v. 2, p. 669-88.
_____. Metaphor in science. In: ORTONY, A. (E.). Metaphor and thought. Cambridge: Cambridge University Press, 1993. p. 533-42.
The road since structure. Chicago: University of Chicago Press, 2000.
LAKATOS, I. Falsification and the methodology of scientific research programmers. In: LAKATOS, I. & MUSGRAVE, A. (Org.). Criticism and the growth of knowledge. Cambridge: Cambridge University Press, 1970. p. 91-198.
_____. History of science and its rational reconstructions. In: HACKING, I. (Org.). Scientific revolutions. London: Oxford University Press, 1981. p. 107-27.
LAKATOS, I. & MUSGRAVE, A. (Org.). Criticism and the growth of knowledge. Cambridge: Cambridge University Press, 1970.
LAUDAN, L. Progress and its problems. Towards a theory of scientific growth. Berkeley: University of California Press, 1978.
_____. Science and values. Berkeley: University of California Press, 1984.
_____. Science and relativism. Some key controversies in the philosophy of science. Chicago: The University of Chicago Press, 1990.
_____. Beyond positivism and relativism. Theory, method and evidence. Oxford: Westview Press, 1996.
MCALLISTER, J. W. Relativism. In: NEWTON-SMITH, W. H. (Ed.). A companion to the philosophy of science. Malden: Blackwell Publishers, 2001. p. 405-7.
MCMULLIN, E. Rationality and paradigm change in science. In: HORWICH, P. (Ed.). World changes. Thomas Kuhn and the nature of science. Cambridge: The MIT Press, 1993. p. 55-78.
MEGILL, A. Introduction: four senses of objectivity. In: _____. (Ed.). Rethinking objectivity. Durham: Duke University Press, 1997. p. 1-20.
_____. (Ed.). Rethinking objectivity. Durham: Duke University Press, 1997.
MUSGRAVE, A. How to avoid incommensurability. The logic and epistemology of scientific change. Acta Philosophica Fennica, 30, 2, p. 336-46, 1979.
NEWTON-SMITH, W. H. (Ed.). A companion to the philosophy of science. Malden: Blackwell Publishers, 2001.
NOLA, R. Introduction: some issues concerning relativism and realism in science. In: _____. (Org.). Relativism and realism in science. Dordrecht: Kluver Academic Publishers, 1988. p. 1-35.
_____. (Org.). Relativism and realism in science. Dordrecht: Kluver Academic Publishers, 1988.
NOLA, R. & SANKEY, H. Introduction. In: _____. & _____. (Ed.). After Popper, Kuhn and Feyerabend. Recent issues in theories of scientific method. Dordrecht: Kluver, 2000. p. XI-XIX.
_____. (Ed.). After Popper, Kuhn and Feyerabend. Recent issues in theories of scientific method. Dordrecht: Kluver, 2000.
ORTONY, A. (E.). Metaphor and thought. Cambridge: Cambridge University Press, 1993.
PICKERING, A. (Org.). Science as practice and culture. Chicago: Chicago University Press, 1992.
PINCH, T. Paradigm lost? A review symposium. Isis, 70, p. 430-4, 1979.
PSILLOS, S. & CURD, M. (Ed.). The Routledge companion to philosophy of science. New York: Routledge, 2008.
PUTNAM, H. The corroboration of theories. In: SCHILPP, P. A. (Ed.). The philosophy of Karl Popper. Illinois: The Open Court Publishing, 1974. p. 221-40
_____. What is mathematical truth. In: _____. Mathematics, matter and method. Cambridge: Cambridge University Press, 1975. p. 60-78.
_____. Meaning and the moral sciences. Boston: Routledge & Kegan Paul, 1978.
_____. Reason, truth and history. London: Cambridge University Press, 1984.
RADNITZKY, G. Contemporary philosophical discussion as debates between early Wittgensteinians, Popper and later Wittgensteinians. Manuscrito, Campinas, 2, 2, p. 67-117, 1979.
RORTY, R. Philosophy and the mirror of nature. New Jersey: Princeton University Press, 1979.
SANKEY, H. Kuhn's ontological relativism. Science & Education, 9, 1-2, p. 59-75, 2000.
SCHILPP, P. A. (Ed.). The philosophy of Karl Popper. Illinois: The Open Court Publishing, 1974.
SHAPERE, D. Meaning and scientific change. In: COLODNY, R. (Ed.). Mind and cosmos. Essays in contemporary science and philosophy. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 1966. p. 41-85.
_____. The structure of scientific revolutions. In: GUTTING, G. (Org.). Paradigms and revolutions. Appraisals and applications of Thomas Kuhn's philosophy of science. Notre Dame: Notre Dame University Press, 1980. p.27-38.
SCHEFFLER, I. Science and subjectivity. New York: Bobbs-Merril Company, 1967.
SIEGEL, H. Objectivity, rationality, incommensurability and more. British Journal for the Philosophy of Science, 31, 4, p. 359-75, 1980.
SKINNER, Q. (Org.). The return of grand theory in the human sciences. Cambridge: Cambridge University Press, 1991.
SUPPE, P. (Org.). Structure of scientific theories. Urbana: University of Illinois Press, 1977.
VAN FRAASSEN, B. The scientific image. Oxford: Clarendon Press, 1980.
WEINBERG, S. Dreams of a final theory. New York: Vintage, 1992.
_____. Facing up. Science and its cultural adversaries. Cambridge: Harvard University Press, 2003.
WHITEHEAD, A. Adventures of ideas. New York: The Macmillan Company, 1954.
WOLPERT, L. The unnatural nature of science. Cambridge: Harvard University Press, 1993.
- ARBIB, M. & HESSE, M. The construction of reality Cambridge: Cambridge University Press, 1986.
- ASHMAN, K. Measuring the Hubble constant. In: ASHMAN, K. M. & BARINGER, P. S. (Org.). After the science wars London: Routledge, 2001. p. 98-119.
- ASHMAN, K. M. & BARINGER, P. S. (Org.). After the science wars London: Routledge, 2001.
- ASQUITH, P. & NICKLES, T. (Ed.). Proceedings of the biennial meeting of the philosophy of science association East Lansing. Philosophy of Science Association, 1982. v. 2.
- BAGHRAMIAN, M. Relativism about science. In: PSILLOS, S. & CURD, M. (Ed.). The Routledge companion to philosophy of science New York: Routledge, 2008. p. 236-47.
- _____. A brief history of relativism. In: KRAUS, M. (Org.). Relativism: a contemporary anthology New York: Columbia University Press, 2010. p. 31-49
- BARINGER, P. Introduction: the "science wars". In: ASHMAN, K. M. & BARINGER, P. S. (Org.). After the science wars London: Routledge, 2001. p. 1-13.
- BARNES, B. Thomas Kuhn. In: SKINNER, Q. (Org.). The return of grand theory in the human sciences Cambridge: Cambridge University Press, 1991. p. 83-100.
- BIRD, A. The historical turn in the philosophy of science. In: PSILLOS, S. & CURD, M. (Ed.). The Routledge companion to philosophy of science New York: Routledge, 2008. p. 67-77.
- BORCHERT, D. (Ed.). Encyclopedia of philosophy Detroit: Thomson Gale, 2006. v. 8.
- BRANTE, T. et al. Controversial science. From content to contention Albany: State University of New York Press, 1993.
- BUNGE, M. Seudociencia y ideologia Madrid: Alianza Editorial, 1985.
- CEDARBAUM, D. Paradigms. Studies in History and Philosophy of Science, 14, 3, p. 173-213, 1983.
- COLLINGWOOD, R. An essay on metaphysics Oxford: Clarendon Press, 2007.
- COLODNY, R. (Ed.). Mind and cosmos Essays in contemporary science and philosophy Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 1966.
- CARTWRIGHT, N. Relativism in philosophy of science. In: KRAUS, M. (Org.). Relativism. A contemporary anthology New York: Columbia University Press, 2010. p. 86-99.
- COLLINS, H. & YEARLY, S. Epistemological chicken. In: PICKERING, A. (Org.). Science as practice and culture Chicago: Chicago University Press, 1992. p. 301-26.
- DAHRENDORF, R. Law and order London: Sweet and Maxwell, 1985.
- DEVITT, M. Against incommensurability. Australian Journal of Philosophy, 57, p. 29-50, 1979.
- DOPPELT, G. Scientific revolutions. In: BORCHERT, D. (Ed.). Encyclopedia of philosophy Detroit: Thomson Gale, 2006. v. 8, p. 694-703.
- ENGLISH, J. Partial interpretation and meaning change. The Journal of Philosophy, 75, 2, p. 57-76, 1978.
- FRANK, P. Philosophy of science New Jersey: Prentice-Hall, 1957.
- FULLER, S. Thomas Kuhn: a philosophical history for our times Chicago: Chicago University Press, 2000.
- GUTTING, G. (Org.). Paradigms and revolutions. Appraisals and applications of Thomas Kuhn's philosophy of science Notre Dame: Notre Dame University Press, 1980.
- HACKING, I. (Org.). Scientific revolutions London: Oxford University Press, 1981.
- HARRIS, J. Against relativism. A philosophical defense of method Chicago: Open Court, 1997.
- HORWICH, P. (Ed.). World changes. Thomas Kuhn and the nature of science Cambridge: The MIT Press, 1993.
- HUENE, P. Reconstructing scientific revolutions. Thomas S. Kuhn's philosophy of science Chicago: The University of Chicago Press, 1993.
- KITCHER, P. Science, truth and democracy Oxford: Oxford University Press, 2001.
- KRAUS, M. (Org.). Relativism: a contemporary anthology New York: Columbia University Press, 2010.
- KUHN, T. The copernican revolution Harvard: Harvard University Press, 1957.
- _____. The structure of scientific revolutions Chicago: The University of Chicago Press, 1970a.
- _____. Logic of discovery or psychology of research? In: LAKATOS, I. & MUSGRAVE, A. (Org.). Criticism and the growth of knowledge London: Cambridge University Press, 1970b. p. 1-24.
- _____. Reflections on my critics. In: LAKATOS, I. & MUSGRAVE, A. (Org.). Criticism and the growth of knowledge London: Cambridge University Press, 1970c. p. 231-77.
- _____. The essential tension Chicago: University of Chicago Press, 1977.
- _____. Commensurability, comparability, communicability. In: ASQUITH, P. & NICKLES, T. (Ed.). Proceedings of the biennial meeting of the philosophy of science association East Lansing. Philosophy of Science Association, 1982. v. 2, p. 669-88.
- _____. Metaphor in science. In: ORTONY, A. (E.). Metaphor and thought Cambridge: Cambridge University Press, 1993. p. 533-42.
- The road since structure Chicago: University of Chicago Press, 2000.
- LAKATOS, I. Falsification and the methodology of scientific research programmers. In: LAKATOS, I. & MUSGRAVE, A. (Org.). Criticism and the growth of knowledge Cambridge: Cambridge University Press, 1970. p. 91-198.
- _____. History of science and its rational reconstructions. In: HACKING, I. (Org.). Scientific revolutions London: Oxford University Press, 1981. p. 107-27.
- LAKATOS, I. & MUSGRAVE, A. (Org.). Criticism and the growth of knowledge Cambridge: Cambridge University Press, 1970.
- LAUDAN, L. Progress and its problems. Towards a theory of scientific growth Berkeley: University of California Press, 1978.
- _____. Science and values Berkeley: University of California Press, 1984.
- _____. Science and relativism. Some key controversies in the philosophy of science Chicago: The University of Chicago Press, 1990.
- _____. Beyond positivism and relativism. Theory, method and evidence Oxford: Westview Press, 1996.
- MCALLISTER, J. W. Relativism. In: NEWTON-SMITH, W. H. (Ed.). A companion to the philosophy of science Malden: Blackwell Publishers, 2001. p. 405-7.
- MCMULLIN, E. Rationality and paradigm change in science. In: HORWICH, P. (Ed.). World changes. Thomas Kuhn and the nature of science Cambridge: The MIT Press, 1993. p. 55-78.
- MEGILL, A. Introduction: four senses of objectivity. In: _____. (Ed.). Rethinking objectivity Durham: Duke University Press, 1997. p. 1-20.
- _____. (Ed.). Rethinking objectivity Durham: Duke University Press, 1997.
- MUSGRAVE, A. How to avoid incommensurability. The logic and epistemology of scientific change. Acta Philosophica Fennica, 30, 2, p. 336-46, 1979.
- NEWTON-SMITH, W. H. (Ed.). A companion to the philosophy of science Malden: Blackwell Publishers, 2001.
- NOLA, R. Introduction: some issues concerning relativism and realism in science. In: _____. (Org.). Relativism and realism in science Dordrecht: Kluver Academic Publishers, 1988. p. 1-35.
- _____. (Org.). Relativism and realism in science Dordrecht: Kluver Academic Publishers, 1988.
- NOLA, R. & SANKEY, H. Introduction. In: _____. & _____. (Ed.). After Popper, Kuhn and Feyerabend Recent issues in theories of scientific method Dordrecht: Kluver, 2000. p. XI-XIX.
- _____. (Ed.). After Popper, Kuhn and Feyerabend Recent issues in theories of scientific method Dordrecht: Kluver, 2000.
- ORTONY, A. (E.). Metaphor and thought Cambridge: Cambridge University Press, 1993.
- PICKERING, A. (Org.). Science as practice and culture Chicago: Chicago University Press, 1992.
- PINCH, T. Paradigm lost? A review symposium. Isis, 70, p. 430-4, 1979.
- PSILLOS, S. & CURD, M. (Ed.). The Routledge companion to philosophy of science New York: Routledge, 2008.
- PUTNAM, H. The corroboration of theories. In: SCHILPP, P. A. (Ed.). The philosophy of Karl Popper Illinois: The Open Court Publishing, 1974. p. 221-40
- _____. What is mathematical truth. In: _____. Mathematics, matter and method Cambridge: Cambridge University Press, 1975. p. 60-78.
- _____. Meaning and the moral sciences Boston: Routledge & Kegan Paul, 1978.
- _____. Reason, truth and history London: Cambridge University Press, 1984.
- RADNITZKY, G. Contemporary philosophical discussion as debates between early Wittgensteinians, Popper and later Wittgensteinians. Manuscrito, Campinas, 2, 2, p. 67-117, 1979.
- RORTY, R. Philosophy and the mirror of nature New Jersey: Princeton University Press, 1979.
- SANKEY, H. Kuhn's ontological relativism. Science & Education, 9, 1-2, p. 59-75, 2000.
- SCHILPP, P. A. (Ed.). The philosophy of Karl Popper Illinois: The Open Court Publishing, 1974.
- SHAPERE, D. Meaning and scientific change. In: COLODNY, R. (Ed.). Mind and cosmos Essays in contemporary science and philosophy Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 1966. p. 41-85.
- _____. The structure of scientific revolutions. In: GUTTING, G. (Org.). Paradigms and revolutions. Appraisals and applications of Thomas Kuhn's philosophy of science Notre Dame: Notre Dame University Press, 1980. p.27-38.
- SCHEFFLER, I. Science and subjectivity New York: Bobbs-Merril Company, 1967.
- SIEGEL, H. Objectivity, rationality, incommensurability and more. British Journal for the Philosophy of Science, 31, 4, p. 359-75, 1980.
- SKINNER, Q. (Org.). The return of grand theory in the human sciences Cambridge: Cambridge University Press, 1991.
- SUPPE, P. (Org.). Structure of scientific theories Urbana: University of Illinois Press, 1977.
- VAN FRAASSEN, B. The scientific image Oxford: Clarendon Press, 1980.
- WEINBERG, S. Dreams of a final theory New York: Vintage, 1992.
- _____. Facing up. Science and its cultural adversaries Cambridge: Harvard University Press, 2003.
- WHITEHEAD, A. Adventures of ideas New York: The Macmillan Company, 1954.
- WOLPERT, L. The unnatural nature of science. Cambridge: Harvard University Press, 1993.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
29 Nov 2012 -
Data do Fascículo
2012