Open-access AS MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS COM O VÍDEO NO CONTEXTO DO FESTIVAL VIDEOBRASIL (1983-2001)

ARTISTIC MANIFESTATIONS WITH VIDEO IN THE CONTEXT OF THE VIDEOBRASIL FESTIVAL (1983-2001)

MANIFESTACIONES ARTÍSTICAS CON EL VIDEO EN EL CONTEXTO DEL FESTIVAL VIDEOBRASIL (1983-2001)

RESUMO

Neste estudo, analisamos a trajetória do Festival Videobrasil, tendo como principal recorte a sua organização e o desenvolvimento da produção das artes eletrônicas a partir o vídeo, que, no decorrer dos anos, evoluiu de um segmento periférico para o foco central do festival na década de 1990. Nossa abordagem concentrou-se no período compreendido entre 1983, ano da primeira edição do evento, e 2001, quando ele já aparece consolidado em torno da produção artística. Para melhor compreensão desse processo de transformação, organizamos uma reflexão histórica do festival a partir de três etapas e períodos: primeira (1983-1985), segunda (1986-1990) e terceira (1992-2001). Cada uma delas corresponde a mudanças em vários aspectos do Videobrasil que pretendemos abordar.

Festival Videobrasil; videoarte; videoperformance; videoinstalação; arte contemporânea

ABSTRACT

In this study we analyze the trajectory of the Videobrasil Festival from a perspective that focalizes its organization and the development of the Electronic Arts, specially the video, that has evolved from a peripheral segment to the central focus of the festival in the 1990s. Our approach concentrates on the period between 1983, year of its first edition, and 2001, when it consolidates as an event around that kind of artistic production. Aiming to achieve a better understand of this transformation we have organized a historical reflection in three periods: First (1983-1985), Second (1986-1990), and Third Stage (1992-2001). Each one of them corresponds to changes in several aspects of Videobrasil that we intend to discuss.

Videobrasil Festival; Video Art; Performance; Installation; Contemporary Art

RESUMEN

En este artículo se analiza el trayecto del Festival Videobrasil con foco en su organización y en el desarrollo de la producción del arte electrónico a partir del vídeo, el que, en el correr de los años, cambió de un segmento periférico para punto central del festival en la década de 1990. Nuestro enfoque se concentró en el período entre 1983, año de su primera edición, y 2002, cuando el evento ja se afianzava en torno de la producción artística. Para mejor comprender ese proceso de transformación, organizamos una reflexión histórica del festival a partir de tres periodos: la primera (1983-1985), la segunda (1986-1990) y la tercera etapa (1992-2001). Cada una corresponde a cambios en distintas características que intentaremos tratar.

Festival Videobrasil; videoarte; videoperformance; videoinstalación; arte contemporáneo

A CRIAÇÃO DO FESTIVAL VIDEOBRASIL E SUAS ETAPAS

No contexto de abertura democrática, seja no acesso, na produção ou na veiculação da informação, surge uma dezena de festivais e mostras de vídeo no país. O Videobrasil, um dos primeiros festivais brasileiros de vídeo, foi criado em 1983 para organizar, expor e legitimar a produção em vídeo do país. Concebido por Solange Farkas1 juntamente com seu sogro Thomaz Farkas2, o festival foi criado após uma crise do Super-8, cuja produção foi interrompida pela Kodak em 1982, e o aparecimento efetivo das câmeras videográficas no mercado brasileiro. É estratégico na divulgação e na legitimação simbólica da rede de lojas Fotoptica – que vendia equipamentos eletrônicos –, ramo de negócios da família Farkas. Thomaz Farkas assumiu os negócios em 1960, e essa estratégia de promoção das lojas e suas transações mercadológicas era atividade comum para essa rede, pois, no período de 1974 a 1980, contando ainda com Marcos Gaiarsa, então diretor do departamento de propaganda e promoção da Fotoptica, ela já financiava o Festival Nacional do Filme Super-8, e, em 1983, criou e passou a financiar o Videobrasil.

De acordo com Solange Farkas (2007, p.219), diretora e curadora do Videobrasil até a atualidade, o festival tem, desde os primórdios, a capacidade de exibir, premiar, debater e intercambiar trabalhos de arte eletrônica nacional e internacional, tendo aparecido em um momento em que o vídeo ainda procurava um lugar de exibição para sua linguagem. A esse respeito, Solange Farkas relata:

Esse festival nasceu em 1983 para aglutinar esse campo intelectual em torno de um espaço de exibição, premiação e intercâmbio entre os setores da produção audiovisual que o vídeo questiona. Funcionou como espaço da articulação espontânea da produção local e promoveu sua conexão com a arte internacional, especialmente a partir de 1985. Mas, na dialética desse processo de internacionalização, o Videobrasil sempre esteve preocupado com a procura e a determinação da nossa identidade audiovisual como latino-americanos e, mais amplamente, como produtores do Hemisfério Sul. (Ibidem, pp.219-220)

O festival transformou-se muito ao longo de suas edições. Como já comentamos, ele foi pensado, em seus primórdios, para dar espaço à exibição de obras em vídeo no geral, com predomínio, na sua primeira edição, de experiências de uma geração de produtores independentes que, tendo crescido assistindo à televisão, propunham um embate com esse meio e a renovação da sua linguagem. O projeto dos produtores nessa primeira edição explorava várias possibilidades expressivas do vídeo para além do uso televisivo, incluindo performances e instalações, o que insinua a ligação do festival com o campo das artes (VIDEOBRASIL; SESC SP, 2015, p.13).

Optamos por dividir o Videobrasil em três etapas, partindo de 1983, primeira edição, até 2001, momento em que se firma o caráter artístico da mostra e se afina sua concepção curatorial. Em cada etapa, enfatizaremos suas características e seus pontos centrais e o lugar ocupado pela arte.

Na primeira etapa (1983-1985), o foco do festival é voltado para produtores interessados em fazer TV, e a arte se evidencia como uma pequena vitrine, com videoperformances na abertura do evento, realizadas por Otávio Donasci, e videoinstalações amadoras, em suma criadas pela produtora TVDO. A presença artística era reduzida, contando com poucos nomes, mas de uma vertente inovadora do campo artístico. O porte do evento é médio, e a organização, precária, com patrocínio de empresas e indústrias de equipamentos eletrônicos, sem apoio de leis de incentivo.

Na segunda etapa do festival (1986-1990), constatamos uma ampliação da vitrine das artes; embora o foco da mostra competitiva continuasse voltado para produtores interessados em trabalhar para a TV, evidenciando a ponte que procuravam fazer com canais brasileiros, as obras de caráter experimental e artístico cresciam nesse período. O festival adquiriu um porte maior, em função do aumento de obras internacionais e do crescimento das videoinstalações e videoperformances realizadas fora da mostra competitiva, que assumem novas dimensões e preocupações, saindo aos poucos do amadorismo. O patrocínio expandiu-se, mas ainda com predomínio de empresas e indústrias de equipamentos eletrônicos, e o festival passa a contar com o apoio de leis de incentivo em 1986, com o advento da Lei Sarney.

Já na terceira etapa (1992-2001), o festival optou por produções de caráter artístico e experimental e, em 1994, incorporou a nomenclatura “artes eletrônicas” ao nome do evento. A periodicidade passou a ser bienal e, nesse período, foi criada a Associação Cultural Videobrasil, que coloca o evento no centro de um programa de pesquisa e fomento da produção do Sul geopolítico. Foi firmada, ainda, parceria com o Serviço Social do Comércio de São Paulo (Sesc-SP), local em que o evento passa acontecer. Nessa etapa, as videoinstalações assumem outras dimensões, e o festival passa a comissionar obras. A arte vai de coadjuvante a protagonista do evento.

As manifestações artísticas em vídeo, na primeira e segunda etapas, eram secundárias, um chamariz, pois o principal objetivo era promover os produtores da indústria cultural, tanto os consagrados quanto os recém-chegados. A arte é agregada ao festival com finalidade de atribuir valor simbólico à produção que visavam promover. Por exemplo, o fato de convidarem artistas com grande visibilidade no campo artístico da vertente mais inovadora, a exemplo de José Roberto Aguilar e Otávio Donasci, é estratégico para a legitimação do festival como espaço cultural. E mais, uma vez que espaços de exposição para esse tipo de arte, não tradicional, eram escassos nesse período, os artistas o disputavam em uma espécie de vale-tudo, a fim de realizarem e exibirem suas obras. A liberdade que o festival oferecia, funcionando na contramão de circuitos artísticos tradicionais, foi primordial para o crescimento e a visibilidade dos experimentos com a arte do vídeo.

PRIMEIRA ETAPA (1983-1985)

O festival inaugurou-se com uma programação extensa, distribuída em sete dias de evento, com mesa de debates, exibição de tapes em concurso e fora de concurso, premiações, feiras, mostras paralelas, videoinstalações e performances ao vivo.

Uma das performances realizadas, Cavaleiro do Apocalipse, criada por Otávio Donasci, ocorreu na noite de abertura do evento. O artista já havia trabalhado com Super-8 no final da década de 1970 e, em 1981, aprofundou sua pesquisa advinda da década anterior, explorando os entrecruzamentos do teatro com os espetáculos multimídia. Nesse ano, ele concebe suas primeiras videocriaturas, e não só essas obras como toda sua poética é desenvolvida em torno do conceito teatral de máscaras, por meio de videoperformances interativas. Videocriatura é um termo cunhado pelo próprio Donasci que designa um ser híbrido, composto de monitores de vídeo acoplados ao corpo de performers por intermédio de próteses ortopédicas (MELLO, 2008, pp.92-93). A performance realizada no festival era constituía por uma videocriatura que interpretava o cavaleiro do apocalipse. O estranho personagem, com cabeça de televisão, vestia preto e cunhava uma espada fosforescente. Montado em um cavalo branco, o cavaleiro desceu a Rua Europa até o Museu da Imagem e do Som (MIS) - local onde aconteceu as edições de 1983 a 1990 do Festival Videobrasil -, proferindo situações do momento cultural da época como prenúncio dos últimos tempos3. Nessa performance, o artista elabora seu ensaio transgressor, apropriando-se tanto do vídeo, marginalizado perante as outras linguagens, quanto do contexto sociopolítico pelo qual o Brasil passava.

As videoinstalações presentes nessa primeira mostra foram realizadas pela produtora Videoverso em parceria com a TVDO, sendo que esta última, inicialmente, tinha o objetivo de criar vídeos institucionais para empresas e emissoras comerciais de TV. A Videoverso, criada em 1982 em São Paulo pelo economista Eduardo Abramovay, com a ajuda de Gil Ribeiro e do quarteto da TVDO, criou no primeiro Videobrasil seis videosets, que compunham uma videoinstalação (JUNGLE, 2007, p.205). Os videosets foram intitulados Video Fish, Video Chicken, Video Lareira, Ratão VT, Fone Video e Freezer Vídeo (VIDEOBRASIL, 1983, p.26). Essas videoinstalações paródicas podem ser vistas como uma espécie de zombaria, com a denotação bem simples de retirar a televisão do seu ambiente comum, a sala de estar, criando outras funções para ela, em que, no lugar de programas habituais de TV, eram transmitidas outras imagens. O Video Chicken, por exemplo, era composto por uma gaiola com galinhas dentro e, acima dela, uma televisão transmitindo um frango sendo assado, que, vez ou outra, emitia o som de um galo cacarejando. O Video Lareira, por sua vez, era nada mais que uma TV colocada sobre carvão com lenha ao redor que transmitia a imagem de uma chama ardente. Por fim, o Fone Video constituía-se por uma TV sobre uma escrivaninha com a imagem de um telefone, que vez ou outra tocava.

Ainda como fruto da primeira edição, a TV Gazeta, por meio do jornalista Goulart de Andrade, ofereceu espaço na programação do 23ª Hora a vídeos de destaque. O objetivo era proporcionar visibilidade àqueles realizadores que não encontravam um meio de difusão para seus trabalhos. Com presença marcante no festival, a produtora Olhar Eletrônico, que garantiu três dos dez prêmios oferecidos pelo evento, chegou a conquistar também espaço na emissora.

Ernesto Varela, o inconveniente repórter criado e encenado por Marcelo Tas, surgiu dentro daquele programa e se tornou uma das figuras centrais da programação, que divertia pela forma não tradicional de entrevistar as pessoas. A menor das emissoras paulistas e única ainda não vinculada a uma rede nacional foi a primeira a abrir as portas de seus estúdios, dando oportunidade de trabalho a esses jovens videomakers4. Nessa nova onda do vídeo independente, que muitos consideravam propriamente um “movimento”, uma “onda criativa”, artistas de todo o país viriam agregar suas perspectivas plásticas, performáticas, político/sociais ou desconstrutivas ao uso do vídeo como suporte, desenvolvendo essa linguagem como meio artístico (PRIOLLI, 2015, pp.44-49).

Na segunda edição do Festival Videobrasil, em 1984, foi criado o Vídeo Mercado, devido à necessidade dos realizadores independentes, no ano anterior, de comercializar os seus tapes. O Vídeo Mercado foi a primeira tentativa organizada que visou a estabelecer uma ponte entre os produtores de videotapes e os interessados em comprar o produto. Os gêneros de ficção e documentário predominaram nessa mostra, principalmente no que se diz respeito às denúncias de realidades políticas e sociais, que os grandes veículos de comunicação ocultavam.

Portanto, o grande intuito dessa edição parece ser colocar esses novos produtores em contato com os principais nomes da televisão brasileira da época5. Mesmo assim, o experimentalismo se evidenciava em alguns videoclipes e videoperformances. A abertura contou novamente com uma encenação de Otávio Donasci, intitulada Vídeo-teatro: a máscara eletrônica. Sobre essas expressões pré-gravadas e exibidas em formato de máscaras eletrônicas, Otávio Donasci, encenador e criador, comenta:

Talvez as máscaras sejam seres que fomos ou que gostaríamos de ser. Ao estudar a máscara, mais precisamente, a expressão e a linguagem do teatro, eu senti a falta das possibilidades que o vídeo dá, coisa que já havia notado em trabalhos anteriores. Descobri que o ator (unidade fundamental do teatro) compunha-se da expressão facial e corporal na mesma proporção. Então, substitui metade de um ator (seu rosto) por um monitor de vídeo, onde trabalharia sua expressão facial. Esta costura eletrônica gerou um ser na boa tradição dos Frankenstein: que assusta porque é diferente. E que é engraçado, porque é diferente. Para mim, é mais do que um trabalho isolado: é uma proposta de linguagem híbrida, com as vantagens do hibridismo. Os pontos de cruzamento entre o teatro e o vídeo são únicos. Daí, as possibilidades que só o Videoteatro pode explorar: como numa cena de morte, onde o rosto do cadáver se desfoca ou um ser raivoso em que a boca entra em close ocupando toda a cabeça do ser. (DONASCI, 1984, p.29)

Outras videoperformances fizeram sucesso na mostra competitiva, duas delas ganharam premiação. Uma foi o registro realizado por Tadeu Jungle e a TVDO de uma performance executada pelo artista Ivald Granato em que ele criticava a intelectualidade paulistana e o mundo das artes contemporâneas. A obra, Ivald Granato in performance, levou o prêmio em quarto lugar com a sua sátira ácida e o deboche de certas figuras; o próprio artista se fantasiava de várias delas, como o “Gaiato”, o “Arthur Milionário”, a “Safada di Copacabana”, o “Andy Warhol”, entre outros. Sobre a dificuldade de tentar unir vídeo e arte e acerca das referências absorvidas pelo grupo, Tadeu Jungle esclarece:

Durante esses anos todos, a informação sobre videoarte que recebíamos do exterior era mínima. Por meio das Bienais de São Paulo e de uma ou duas pequenas mostras. Talvez essa desinformação tenha contribuído para a nossa autonomia de linguagem. Tínhamos na cabeça o programa Abertura, com as entrevistas de Glauber Rocha misturadas com o deboche do Chacrinha e os filmes de autor europeus. Nam June Paik também pintou por aí. Adoramos o Good Night, Mr. Orwell. Nos unimos ao artista plástico Ivald Granato para fazer um vídeo-in-performance. Achávamos que poderíamos nos institucionalizar por meio das artes plásticas. Não dessa vez. O vídeo foi premiado no Videobrasil, mas não exibido na TV...

Fizemos então uma série de projetos unindo documentários, arte e vídeo. Todos foram negados. Um verdadeiro “show de nãos”, como dizíamos. Fomos acostumando a fazer tudo como os poetas: “no muque” [...]. O país, que já não se interessava pela memória e pela arte, parecia desconhecer o suporte vídeo. (JUNGLE, 2007, p.206)

A outra performance premiada pelo evento, em quinto lugar, foi criada por Marina Abs, que marcava sua presença pela primeira vez no festival. No vídeo, a autora grava a ação do ator e Dj Theo Werneck empunhando uma espada de luz neon verde no escuro. O ator realiza efeitos ópticos com a luz da espada por meio de movimentos corporais ao som da banda alemã Kraftwerk, sem desvendar o rosto. Grafiti efêmero trabalha a captação do efeito da luz de acordo com os movimentos do ator e os padrões e desenhos criados, que ficam impressos no vídeo, revelando sua plasticidade própria e a capacidade do meio de registrar essa ação momentânea (VIDEOBRASIL; SESC SP, 2015, p.29).

Ainda no espaço expositivo do MIS, o festival exibiu também videoinstalações, sendo uma delas Nossa Senhora!, de Tadeu Jungle e Walter Silveira. A obra representa um oratório composto por monitores, reprodutores VHS, velas e dois genuflexórios, dispostos em um espaço de nove metros quadrados em várias alturas. No monitor disposto na parte mais alta, deitado de lado, era exibida a imagem da parte superior de Nossa Senhora Aparecida e, abaixo dele, havia outro que exibia a parte inferior da santa. Os outros seis monitores dispostos ao redor exibiam velas brancas acesas. Do áudio provinha o som de músicas sacra e profana e outros discursos religiosos. Além da imagem das velas acesas apresentada nos monitores, o público era convidado a participar e acender mais velas em torno da instalação. De acordo com a crítica de arte da Folha de S. Paulo daquela época, Marion Strecker Gomes, “a obra parece representar um oratório, mas, para seus autores, a instalação é um símbolo crítico do ‘maior oráculo contemporâneo’, a TV” (GOMES, 1984, p.43). Na mesma crítica, publicada em 24 de agosto, Strecker ainda aponta certas questões sobre a videoarte, argumentando, a partir da descrição dessa obra, principalmente, que o meio – quando utilizado por artistas do Brasil, “deslumbrados com a máquina”, segundo ela – não se constituiria como mensagem, e sim como crítica da sempre mal falada televisão (Ibidem, p. 43). Os comentários de Gomes apontam que tais ambientes não constituem nada mais do que produções alegóricas, que, vez ou outra, criticam seu próprio meio, mas que muitos poucos se preocupam em trabalhar a sua linguagem.

De acordo com Rubens Ewald Filho, então crítico de cinema que escrevia para o jornal O Estado de S. Paulo e que foi também um dos jurados do evento, devido ao amadorismo de muitos concorrentes e à falta de novas ideias e propostas nessa mostra, chegou-se à conclusão de que a forma havia mudado, mas a pobreza de conteúdo continuava a mesma (EWALD FILHO, 1984, p.18). Ainda segundo o crítico, a própria organização do festival estava ciente de que no ano seguinte teria que fazer transformações, para não perder a qualidade do evento.

No entanto, na terceira edição, em 1985, o festival amadureceu partindo para outro caminho e dando início à criação de uma Videoteca no MIS. Além de guardar e preservar trabalhos atuais, o festival buscou restaurar e mapear tapes dos pioneiros, a fim de preservar suas experiências. Com a ajuda da Sony do Brasil e patrocínio da Secretaria de Estado da Cultura e do MIS, foi realizado um rigoroso trabalho de levantamento de acervo, garimpo e arqueologia eletrônica dessas obras, dispersas entre São Paulo e Rio de Janeiro.

Segundo os responsáveis pela ação6, boa parte das obras encontradas estava guardada em péssimas condições de conservação, sendo que a maioria estava deteriorada. No entanto, muitos dos tapes foram restaurados e transcritos para fitas de ¾ de polegada. No catálogo, os organizadores listam os artistas que tiveram seus trabalhos recuperados: Andrea Tonacci, Angelo de Aquino, Anna Bella Geiger, Artur Matuck, Bill Martinez, Carmela Gross, Donato Ferrari, Flávio Pons, Fernando Cocchiarale, Gabriel Borba, Gastão de Magalhães, Geraldo Anhaia Mello, Ivens Machado, Helena Bueno/Adelino S. Abreu, José Roberto Aguilar, Julio Plaza, Liliane Sofler, Letícia Parente, Luís Gleiser, Marcello Nitsche, Marco do Vale, Mário Espinosa, Miriam Danowski, Milon Lana, Norma Bahia, Otávio Donasci, Paulo Bruscky, Paulo Herkenhoff, Regina Silveira, Rita Moreira, Regina Vater, Roberto Sandoval, Sonia Andrade, Sonia Fontanezi, Sonia Miranda, Tadeu Jungle, Walter Silveira, Wesley Duke Lee (VÍDEOBRASIL, 1985, p.31). Grande parte desses vídeos resgatados foi exibida na mostra “Os Pioneiros”, parte da programação do festival daquele ano, sob a curadoria de Lucilla Meirelles. A retrospectiva apresentou 35 trabalhos recuperados, realizados em vídeo entre 1974 e 1980. De acordo com o festival, a mostra trazia “obras que abriram caminho para a compreensão do vídeo como linguagem própria, de vocação experimental” (VIDEOBRASIL; SESC SP, 2015, p.41).

Segundo a própria Associação Cultural Videobrasil, a terceira edição do festival aconteceu em

[...] meio a um anticlímax político: findo o mandato do último presidente militar, o general João Batista Figueiredo, o Colégio Eleitoral elege o representante da oposição, Tancredo Neves, que morre antes de assumir e é substituído por José Sarney, do partido que apoia o regime militar. O Festival encampa a militância do vídeo independente contra a monopólio estatal dos canais de TV, premiando trabalhos produzidos por emissoras piratas e canais comunitários experimentais. (VIDEOBRASIL; SESC SP, 2015, p.35)

Ainda nessa edição, o festival passou a excluir da mostra competitiva obras que já haviam sido exibidas pela televisão e, com intenção de atender a uma produção diversificada, optou por criar novas categorias, como clipe, documentário, ficção e experimental. No mais, ainda temos a importante presença da Secretaria de Estado da Cultura no evento, que anuncia, junto com o MIS, pela primeira vez, a criação de prêmios em dinheiro, num total de Cr$ 54 milhões, para fomentar a produção de vídeo. Por parte dos organizadores e adjuntos, surgiu o “Projeto Antena Livre”, que tinha por intuito destinar um canal UHF para a exibição de tapes que participariam do festival, com o propósito de que o público pudesse assistir a eles de casa e o trabalho dos produtores tivesse maior repercussão. No entanto, a Secretaria de Cultura não conseguiu que o Ministério das Comunicações concedesse um canal. De qualquer maneira, essa ideia viraria tema de debates dentro da mostra (FOLHA DE S. PAULO, 1985, p.23).

Novamente, quem inaugura a abertura da terceira edição do festival – que teve como sede o teatro Sérgio Cardoso7 – com uma performance pelas ruas de São Paulo é Otávio Donasci. Videotauro ia além de contar apenas com atores com cabeça de monitores de 20 polegadas. Dessa vez, o artista, além de se fantasiar de videocriatura, apropriou-se de uma charrete, e o cavalo que a puxava também estava a caráter, com uma máscara eletrônica acima da cabeça, para espanto dos transeuntes que passavam naquele momento nas ruas do Bexiga. Nessa edição, Donasci ganhou lugar de destaque no catálogo do evento por sua participação e pelo mérito de ter criado o Videoteatro, um projeto que, segundo ele, é tipicamente brasileiro. No espaço do catálogo dedicado ao seu projeto, o performer disserta sobre a máscara eletrônica, explicando a importância das máscaras para a história da cultura, referindo-se às festas, ao teatro, ao carnaval, entre outros. Discorre também acerca do advento das tecnoimagens (fotografia, cinema, vídeo) e de como elas propiciaram uma vivência diferente ao ser humano, em que todo o nosso universo cultural passa a ser ditado por elas, inclusive a arte. Além disso, explica o estilo Frankenstein e o processo da costura eletrônica. Donasci iria comentar esses temas durante todo o funcionamento daquela edição, em horários prévios marcados (VIDEOBRASIL, 1985, pp.19-20).

O grupo Olhar Eletrônico também foi homenageado no Videobrasil de 1985 e teve de ficar de fora da mostra competitiva, em função da política adotada pelo festival de não exibir tapes nessa categoria que já haviam sido apresentados na TV. Nessa seção do festival, o júri pendeu para obras de caráter experimental, premiando três trabalhos. Um deles é o vídeo Interferência, de Eder Santos, que participava pela primeira vez do festival. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, Solange Farkas afirmou que a grande revelação do festival estava na área experimental, categoria que até então vinha recebendo o menor número de inscritos. Para ela, o que mais a impressionou “foi a linguagem usada pelos concorrentes”, pois não parecia mais como nos outros anos, “gente que queria fazer cinema e acabou fazendo vídeo” (FOLHA DE S. PAULO, 1985, p.23).

SEGUNDA ETAPA (1986-1990)

Farkas constata que o festival se consolidou como um espaço fundamental de exibição de vídeo em 1986, na sua quarta edição. Devido ao grande número de inscritos, essa edição realizou uma seleção mais cuidadosa que a anterior e optou por produções artísticas que envolviam o vídeo. Naquele ano, foi realizado, em parceria com o Video Data Bank de Chicago8, sob curadoria de Tadeu Jungle, a “Mostra Norte-Americana de Vídeo Contemporâneo”. A exposição reuniu 80 obras de 57 pioneiros da videoarte internacional, distribuídas pelos dias do evento em várias temáticas, tais como: “Science of Fiction”, “Inventing the Everyday”, “New Narrative Strategies”, “Body Politic”, “Modern Life”, “Performing the Eighties”, “Video Noir” e “Whats Does She Want” (série que trata da questão feminina).

Outras mostras da videoarte internacional foram realizadas durante o festival em parceria com instituições culturais, com o intuito de traçar um panorama atualizado da videoarte. Da França, vídeos produzidos entre 1982 e 1984 foram divididos entre os blocos “Vidéo de Creation”, “Art Vidéo Français” e “La est Mirros Honiplement qui Grirce”; com a produção do Canadá foi desenvolvida a mostra intitulada “Recent Canadian Video”, reunida pelo acervo do Consulado Canadense; da Alemanha, foram organizadas obras de caráter político e social pelo Instituto Goethe de Munique e, da Inglaterra, foram apresentados, em parceria com o British Council e com obras selecionadas pela distribuidora independente London Video Art9, vídeos referentes ao movimento scratch video10, que emergiu em clubes ingleses (VIDEOBRASIL; SESC SP, 2015, p.56).

Muitos artistas puderam presenciar, nesse ano, a euforia de ver finalmente sancionada a lei de incentivo à cultura pelo presidente José Sarney, o que acabou sendo importante foco de debates entre os produtores do festival. A lei concedia autorização para deduzir do imposto de renda despesas destinadas a atividades culturais, dentro de certos limites. Ela abria portas para que muitas empresas passassem a aplicar verbas significativas em arte e cultura, uma vez que tal iniciativa era vantajosa para elas. Ao mesmo tempo, com isso, a cultura e a arte voltariam a receber um apoio de que há tanto tempo não dispunham.

Dessa vez, o artista José Roberto Aguilar foi o homenageado da edição e, ao mesmo tempo que foi exibida uma retrospectiva de suas obras em vídeo intitulada “O olho do diabo”, ele comandou uma suntuosa performance de abertura em que embrulhou e desembrulhou o recém-reformado MIS com centenas de metros de plástico preto, em uma citação ao artista búlgaro Christo, que é conhecido pela ação de embrulhar monumentos, pontes, objetos, entre outros. Em 1985, Christo e sua mulher, Jeanne Claude, embrulharam a Pont Neuf, em Paris, com tecido. A performance de Aguilar, chamada Anti-Christo, parou o trânsito da avenida Europa, que ficou interditada por uma hora. Aguilar contou com a ajuda do Corpo de Bombeiros para “embrulhar” o museu, que foi “desembrulhado” na abertura do evento (VIDEOBRASIL; SESC SP, 2015, p. 56). Na sua concepção, “o desembrulhar significa apenas uma metáfora para o desvendamento do olhar, de levar o seu próprio olhar a ver as coisas como se fosse a primeira vez” (VIDEOBRASIL, 2013c).

Acerca da seleção do júri para a mostra competitiva, até a quarta edição do festival vemos a repetição de alguns nomes na banca examinadora. A política de não repetição, estabelecida a partir do ano seguinte, foi criada com o intuito de conter as críticas que haviam sido feitas à terceira edição da mostra, em 1985. Com júri composto por Candido José Mendes de Almeida, Décio Pignatari, Marcos Gaiarsa, Sylvio Back, Tetê Vasconcelos e Walter George Durst, a mostra competitiva desse ano contou com regulamento novamente alterado, em que se optou por criar um grande prêmio e quatro menores para cada bitola. Numa ação que foi chamada pelo público de “vergonhosa”, o júri transferiu para o U-Matic o grande prêmio do VHS, alegando baixa qualidade nos trabalhos selecionados neste último modelo. O festival foi tachado de incoerente por essa mudança da matriz, considerada hedionda. Após esse episódio, optou-se por não mais repetir membros na banca julgadora, que passou a ser renovada a cada edição (VIDEOBRASIL; SESC SP, 2015, p.57).

Dentre os festivais Videobrasil que se seguem, surge uma ampla gama de acontecimentos e mudanças que irão nortear as produções de videoartistas, e o evento passou a estabelecer maior contato internacional com outros circuitos e agentes. Na sua quinta edição, em 1987, o festival apostou fortemente na internacionalização, convidando um dos pioneiros da videoarte, o nova-iorquino Ira Schneider. O artista começou a produzir em 1969 ao ter contato com equipamentos de vídeo portáteis. O Consulado Geral dos Estados Unidos cedeu cinco trabalhos do artista para o festival: Wipe Cycle, de 1969 (documentário sobre sua primeira videoinstalação, apresentada naquele mesmo ano na Howard Wise Gallery, de Nova York), Time Zones (A Reality Simulation), de 1974, (documentário sobre a instalação de mesmo nome), Echo, vídeo experimental de 1975, Who Killed Heinrich Hertz, de 1987 (documentário sobre a descoberta do eletromagnetismo), e Night Life TV, sem data (trechos do programa apresentado pelo artista todas as quintas-feiras, às 00:30, no canal C, em Manhattan). Com a apresentação dos vídeos cedidos e a presença de Schneider no festival, que pôde discutir seus trabalhos e falar sobre eles, enriqueceu-se o conhecimento acerca dessa vertente do vídeo, a videoarte, que até então era pouco conhecida no Brasil.

Tornando-se uma tradição, o Festival Fotoptica Videobrasil trouxe, nessa edição, outra importante mostra internacional, com representantes da videoarte da França, da Alemanha, da Inglaterra e dos Estados Unidos. No entanto, seus destaques foram os trabalhos em vídeo do artista Nam June Paik, cedidos pelo Instituto Goethe, da Alemanha, e pelo Consulado Geral dos Estados Unidos, sendo um deles Mein Kölner Dom, de 1980. Da Alemanha, somar-se-iam mais cinco vídeos a serem apresentados, e da Inglaterra, dezoito, além dos vídeos franceses, que foram cedidos pelo Cendotec (Centro Franco-Brasileiro de Documentação Técnica e Científica) e pelo The British Council.

Embora tenha havido grandes elogios à mostra anterior pelas produções experimentais, sobre as quais, de acordo com os organizadores, incidiam maior qualidade e originalidade, a quinta edição foi inaugurada em clima de alvoroço. Muitos realizadores da vertente experimental, com obras barradas da pré-seleção, culpam a organização por privilegiar produções que aspiravam à inserção na TV comercial. Nesse sentido, a maior polêmica girou em torno da obra Caipira In, de Tadeu Jungle, produzida pela TVDO e protagonizada por Roberto Sandoval, que foi recusada pelo júri por falta de narrativa. Jungle, que teve outra obra aceita, Heróis da decadên(s)ia, acusou o festival de privilegiar obras feitas para a televisão, declarou que “Caipira In é arte” e, como forma de protesto, na noite de abertura, instalou um mata-burro na entrada do evento. A obra rejeitada acabou sendo incluída na mostra, mas o artista anunciou sua retirada, mantendo apenas Heróis, como uma resposta ao que estava acontecendo. Em entrevista à revista Vide Verso, de Ribeirão Preto, Tadeu Jungle explica o porquê da insatisfação com a rejeição de Caipira In e a sua integração à programação do evento a posteriori:

Pois o vídeo ANA C., que tem uma hora de duração havia sido desclassificado no ano passado, ou melhor, sua data de edição era anterior a 1º de setembro de 1986. Assim, com um “buraco”, fomos inclusos [sic]. Isto gerou um certo desconforto. Junto aos produtores pareceu que nós havíamos feito “pressão” junto à comissão para a entrada do vídeo. Não fizemos. Nada. Só ficamos ainda mais putos. E, portanto tomamos uma atitude. Não vamos exibir CAIPIRA-IN no festival. É uma pena pois seria o primeiro vídeo “estéreo” já veiculado num festival brasileiro de vídeo. Mas vamos deixar as coisas bem claras: CAIPIRA-IN é algo além que não será submetido a este tipo de tratamento e não será submetido a um júri de televisão. CAIPIRA-IN É ARTE. Para aqueles que se interessam neste tipo de trabalho, fiquem atentos, pois até o final do ano iremos exibi-lo em uma galeria de arte ou num museu. Pérola no focinho de porco. (VIDEOVIDEO, 1987, p.20)

Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, Jungle ainda insiste em atacar o júri e a organização do festival: “O júri oficial é uma balela, não conhece o produto e é incompetente para julgar vídeo; o festival é feito por amadores e não me interessa participar disso” (FOLHA DE S. PAULO, 1987b, p.29). Durante a mostra, os produtores da TVDO, Walter Silveira e Tadeu Jungle, “de saco cheio de serem tratados como videomakers, que produzem e enchem as tripas da programação do festival” (VIDEOVIDEO, op. cit., p.19), distribuíram o manifesto “Barco sem rumo”, que iniciava com o seguinte trecho: “este festival se apresenta como uma velha caravela que levantou suas velas poucos meses atrás, encheu-as de marketing e merchandising e agora, inflada pelo muito vento-vídeo, vaga por aí, perdida, sem rumo nem destino” (VIDEOVIDEO, 1987, p. 19). O manifesto circulou e arrecadou assinaturas durante os quatro dias do evento, gerando muitas polêmicas.

Ao final dessa edição, o vídeo Heróis da decadên(s)ia foi premiado com o grande prêmio em U-Matic. Tadeu Jungle recusou-se a receber o prêmio, e seu sócio, Walter Silveira, tomou o seu lugar, não deixando de fazer um longo discurso entre o patético e o melancólico. O jornalista Cláudio Odri, da Gazeta de Pinheiros, diz que “foi um final ridículo e infantil”, em que o videomaker soltou farpas em várias direções, reclamando, principalmente, da ausência de critérios na seleção prévia dos vídeos (ODRI, 1987, não paginado). Mais tarde, em virtude dos 30 anos do festival, em um dos compilados do VB na TV, Solange Farkas rememora esse acontecimento-marco do Videobrasil, explicando o ocorrido e a incompreensão, naquela época, daquele tipo de arte:

Era um trabalho incrível, mas era um trabalho típico de videoarte, um trabalho que antecipava as questões da videoarte no momento onde isso, a gente ainda não conhecia muito bem, e algumas pessoas da comissão que eu tinha que lidar e driblar, rejeitaram aquilo de um jeito radical. “Isso é uma loucura” “Isso não é nada” “Cadê a narrativa” [referindo-se a falas de outras pessoas]. A discussão mais insana. (VIDEOBRASIL, 2013a)

O júri dessa mostra foi composto por Antonio Calmon (cineasta e roteirista do programa Armação Ilimitada), Guilherme Lisboa (diretor do MIS), João Paulo de Carvalho (editor de TV e do Armação Ilimitada), Lauro César Muniz (autor teatral e de novelas) e Walter Clark (produtor de TV, eleito pelo voto direto dos videomakers no ato da inscrição). Com exceção de Guilherme Lisboa, então diretor do MIS, os outros componentes do júri eram todos advindos da televisão, o que evidencia a preferência por obras destinadas a esse meio. Dois deles, Antonio Calmon e João Paulo de Carvalho, eram integrantes do programa Armação Ilimitada, da Globo, que, segundo Dagoberto Bordin (BORDIN, 1987, não paginado), repórter da Folha da Tarde, revolucionou “a linguagem televisiva imprimindo nela muito da experiência acumulada de diversos anos de produção videográfica independente”. A novidade dessa mostra foi a criação do júri popular, que abria votação todos os dias após as exibições dos vídeos e, no final do festival, concederia um grande prêmio, independente da bitola utilizada (VÍDEO JORNAL, 1987, não paginado).

A partir de então, a cisão dentro do festival se tornaria evidente. Ela foi encabeçada pelas duas produtoras mais frequentes: a Olhar Eletrônico, que defendia o privilégio das produções voltadas para a televisão comercial, e a TVDO, que intercedia em favor das produções experimentais. A respeito da crise de identidade pela qual o festival passava, Solange Farkas comentou, em entrevista ao Folha de S. Paulo:

Quando a organização pensa em critérios voltados mais para a videoarte e para vídeos experimentais, as produtoras criticam dizendo que o festival se fechou ao amadorismo. Quando os critérios de seleção se aproximam das produções cujo objetivo é a comercialização, os produtores de vídeo experimental reclamam dizendo que o festival quer reproduzir o estabelecido. Um equilíbrio ofende as duas vertentes. (FOLHA DE S. PAULO, 1987a, p.27)

Em relação às exposições realizadas no festival de 1987, foram exibidas quatro videoinstalações, duas do artista Artur Matuck, Teleshowby Dr. Sharp e Megaan observa um humano, uma de José Roberto Aguilar, intitulada de Anavedave, e uma de Mauro Cícero, The Uirapuru. Megaan observa um humano, de Matuck, acabou sendo reduzida a uma exposição fotográfica e, em Teleshow by Dr. Sharp, o artista utilizou recursos do slow cam e fez experimentos misturando sinais de áudio e vídeo. A obra mostra o pioneiro da telecultura Willoughby Sharp, discorrendo a respeito da cultura tecnológica (VIDEOBRASIL, 1987, p.36).

Na videoinstalação de Aguilar, o artista construiu um túnel de 11 x 3 metros com lona preta que nomeou de “Convite ao Vôo, Túnel dos ventos, Túnel do Encontro, Túnel do Convite”. Dentro dele era transmitido continuamente um vídeo de 35 minutos que teve como inspiração o livro místico do século XII A linguagem dos pássaros, do poeta iraniano Farid Ud-Din Attar, que contém a essência do pensamento sufi (corrente mística e contemplativa do Islão) (VIDEOBRASIL, 1987, p. 36).

Devido à rixa entre vertentes na quinta edição, com produtores indecisos entre fazer TV ou arte, o festival teria que optar entre dar espaço ao jovem produtor ou estimular a profissionalização. Optou-se, na edição seguinte, em 1988, pela segunda alternativa, escolhendo-se partir para uma fase mais criteriosa e deixando o amadorismo de lado. Até então, a edição daquele ano foi a mais recheada de convidados internacionais, o que fez com que os realizadores brasileiros entrassem em contato direto com a produção de fora. Dessa política, que ofereceu aos artistas brasileiros do vídeo oportunidades de aprendizado e troca fora do país, o Festival Videobrasil valer-se-ia cada vez mais.

Desde a primeira edição, o número de inscritos na mostra competitiva crescia significativamente. Esse aumento pode ser visto como resultado da facilidade de acesso ao suporte pelas microprodutoras, pela grande influência dessa nova geração que revolucionava a TV da época e, também, pelo florescimento dos videoclubes, entre outros motivos, o que justifica a organização optar pela profissionalização dos produtores, para atestar a qualidade das obras e o pleno funcionamento do festival. Numa crítica escrita para o Jornal da Tarde, Gabriel Priolli, que participou como júri dessa edição, relatava o seguinte:

A comissão organizadora do festival considera que o mercado da produção independente de vídeo está consolidado no País, criou laços com a televisão e a publicidade, e tem o respeito de todo o setor audiovisual. Portanto, já não cabe mais nenhuma indulgência ou paternalismo com as boas ideias mal resolvidas nem com as superproduções que não ousam ir além do convencional. Competência é o mínimo que se exige, mas o que se premia é a criatividade. (PRIOLLI, 1988, não paginado)

Sendo assim, o Videobrasil aproxima-se cada vez mais de se transformar em um festival típico de artes, o que se consolidaria em 1994, ao incorporar a expressão “arte eletrônica” ao seu nome.

Naquela sexta edição, em 1988, as instituições parceiras do festival, Instituto Goethe, da Alemanha, Video Data Bank, de Chicago, Estados Unidos, e The British Council, da Inglaterra, cederam novamente obras de artistas exemplares da produção contemporânea de vídeo. A representação da mostra norte-americana ficou a cargo da então diretora do Video Data Bank, a artista Mindy Faber, que curou a exposição, trazendo obras de sete artistas do vídeo, dois deles com uma representação maior e com presença no festival. A representação alemã ficou por conta de Wenzel Jacob com a documentação, em videocatálogo, da 8ª Documenta de Kassel, que aconteceu em 1987 e reuniu mais de trezentos artistas, incluindo o brasileiro Antonio Dias. A mostra inglesa foi representada pelos artistas Atalia Shawa, Catherine Elwes, Graham Young, John Goff, Liz Power e Sven Harding e combinou trabalhos que utilizam experiências com tecnologia avançada. O responsável pela curadoria das mostras alemã e inglesa foi Geraldo Anhaia Mello, que ainda curou as exposições dos dois artistas convidados que marcaram presença no evento, Aysha Quinn e Daniel Minahan.

Minahan, formado pela School of Video Arts de Nova York e então diretor de programação de vídeo e artes do centro de mídia e galeria de arte The Kitchen, fundado em 1971 pelo casal de videoartistas Woody e Steina Vasulka, no Soho, bairro nova-iorquino de efervescência vanguardista na época, trouxe ao Brasil, na sexta edição do festival, duas de suas recentes obras, Hart Island Chronology (1988) e Aesthetics and/or Transportation (1987), que definia como “ficções históricas ou realidades ficcionais” (NERY, 1988, p.8). Enquanto estava no Brasil, Minahan reuniu material para realizar uma mostra de vídeos brasileiros no The Kitchen. No ano seguinte, 1989, sob curadoria de Solange Farkas e Marcelo Machado, a ideia se concretizaria com a exposição de vídeo brasileiro “Videobrasil Social and Experimental Tapes”, que Minahan organizaria naquele espaço. Tadeu Jungle, Olhar Eletrônico, TV Viva e outros participaram da mostra.

Ademais, a estrela do Festival Videobrasil, segundo os jornais, foi a artista e atriz norte-americana Aysha Quinn, que teve uma retrospectiva dos seus trabalhos, com produções que datavam a partir de 1977. A artista começou a trabalhar com vídeo em 1972, como alicerce para suas performances, e sempre procurou explorar o entrecruzamento entre teatro, dança e música em suas obras de vídeo. Durante o festival foram exibidas sete de suas obras: 5th Chamber (1980), The Meeting (1982), The Mutant (1983), The Prom (1987), Why Would I Throw Eggs at You, Liz? (1977), Excerpts (1983) e Nomads (1986). As duas últimas foram feitas em parceria com seu então parceiro, o poeta e músico John Sturgeon, com quem estava junto desde 1976. Além dos vídeos, o MIS exibiu uma exposição com fotografias dos seus trabalhos em arte, vídeo e computador.

A presença desses artistas norte-americanos no VI Festival Fotoptica Videobrasil foi muito importante para estabelecer debates sobre a produção de videoarte e suas dificuldades de inserção em um mercado de arte. Muitos artistas puderam entrar em contato com uma produção diversificada de obras em vídeo, com diferentes temáticas e fontes de inspiração. Daniel Minahan afirmava que o vídeo, para crescer, precisava “seguir em direção a uma dimensão política” (NERY, 1988, p.8), algo que muitos brasileiros já haviam incorporado em suas produções desde os primórdios da videoarte aqui no Brasil.

Com o retorno da democracia ao país pela nova constituição aprovada em 1988, que restabelecia as eleições diretas e o fim da censura, a sexta edição recebeu uma grande quantidade de documentários que, de acordo com a Associação Cultural Videobrasil, denunciavam “a homofobia, o avanço das emissoras evangélicas e a fragilidade da herança indígena no Brasil” (VIDEOBRASIL; SESC SP, 2015, p.77). A videoarte marcou presença com o vídeo Mentiras e Humilhações, de Eder Santos, que levou o prêmio de melhor direção.

Dessa vez, quem apresentou uma videoinstalação foi a carioca Sandra Kogut, que havia estreado no festival na edição anterior. A obra Cabine de vídeo #2 era uma segunda versão de uma série de experiências que a artista chamou de videocabines. Ela construiu um espaço de uso individual que por dentro era equipado com uma poltrona, na qual o visitante poderia sentar-se, e um monitor, que exibia um vídeo de duas horas de duração (VIDEOBRASIL; SESC SP, 2015, p.82). Esse trabalho é o embrião do que se transformaria em seu projeto Videocabines, espaços de interação com o público, e se desenvolveria, mais tarde, em sua obra Parabolic People (1991).

Ademais, o professor de comunicações da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) Arlindo Machado viria a somar nessa edição com o lançamento de seu livro A Arte do Vídeo, da editora Brasiliense, o primeiro da série de ensaios que publicaria sobre o tema. Machado foi um dos pioneiros a teorizar de forma madura a arte do vídeo no Brasil. Na publicação, Machado não procura distinguir vídeo e televisão, ao contrário, busca verificar parte dos fenômenos de linguagem que têm como origem o vídeo (MACHADO, 1990). Com isso, este começa a se configurar como um espaço de reflexão e legitimação estética no Brasil.

A sétima edição do Videobrasil, em 1989, foi pensada de forma a aglutinar os produtores brasileiros e colocá-los em contato com grandes representantes de centros de mídia europeus. Nessa edição houve pela primeira vez a participação de Pierre Bongiovanni, crítico e curador francês, que conseguiu parceria com um centro cultural em seu país que concedeu uma bolsa de residência artística ao festival. Dentre os competidores da mostra, o prêmio foi dado à videoartista Sandra Kogut, pelo videoclipe “Manuel” (1989) – criado para a música de Ed Motta –, e realizaria no ano seguinte a primeira experiência como artista residente no CICV (Centre Internacional de Création Vidéo Pierre Schaeffer13, Montbéliard, França). A respeito da experiência concedida, relata:

O convite inesperado, abriu todo um horizonte de possibilidades. A ideia de passar meses num lugar, tendo acesso a uma tecnologia até ali completamente inacessível, para desenvolver minhas ideias, criar, fazer o que eu quisesse, parecia um sonho. (...). Foi uma época muito rica, de muita liberdade. Fazíamos os projetos quase num gesto de loucura, sem muita ideia de como viabilizá-los. Eles eram fruto de muita teimosia. (VIDEOBRASIL, 2013, p.37)

O programa de residências artísticas passou a ser uma prática recorrente a partir desse ano e se tornou estratégico para o festival, de forma a proporcionar novas experiências para os artistas participantes ou contemplados. Como podemos perceber, o Festival Fotoptica Videobrasil, a cada nova edição, abraçava novas causas e adquiria grandes dimensões, sempre pensando nos seus participantes e em suas formas de crescimento como artistas/produtores. Nessa sétima edição, que recebeu um público recorde de 10 mil pessoas, o Videojornal14, criado no ano anterior, ganhou espaço, com edições de vinte minutos.

Um dos convidados internacionais, o britânico John Wyver, escritor, produtor e fundador da produtora independente Illuminations, ministrou uma oficina intitulada A Workshop about Television and Videoart, em que apresentou os intercâmbios entre televisão e videoarte, mostrando seus benefícios e problemas. Ao Videojornal, Wyver disse: “Estou interessado no potencial da videoarte para mudar o modo como vemos e pensamos a televisão” (VIDEOBRASIL; SESC SP, 2015, p.91).

Além dos convidados internacionais citados – John Wyver e Pierre Bongiovanni–, outros compareceram ao festival e dele participaram ativamente, sendo eles o holandês Tom van Vliet (diretor do Kijkhuis e do World Wide Video Festival15), o inglês Rod Stoneman (responsável pela área de videoarte do Channel 416), os belgas Jean-Paul Tréfois (produtor do Videographie e co-produtor do programa Carré Noir, da RTBF17) e Christianne Philipe (que trabalhava junto com seu conterrâneo no programa Carré Noir), os franceses Dominique Thauvin (representante do Canal Plus francês) e Jean Paul Sarger (produtor e crítico de vários veículos de comunicação em toda a França). A presença desses estrangeiros foi foco de grande parte das notícias acerca do festival, que anunciavam, em tom caloroso, a sua iminente internacionalização, que se firmaria de forma efetiva na edição seguinte.

Naquela sétima edição, em 1989, a mostra internacional contou com experiências de videoarte de artistas ingleses e franceses que incluíam pesquisas em áreas como a moda e a dança. Os curadores da mostra inglesa, Paula Dip e Gill Henderson, celebravam a diversidade da produção de videoarte britânica dos anos 1980. A seleção trazida ilustrou a variedade e profundidade dos trabalhos realizados na metade dessa década no país, apresentando 45 obras de 36 artistas. Já a mostra francesa, sob curadoria de Jean-Marie Duhard, do centro de produção de vídeo Ex-Nihilo, foi mais modesta, com sete produções de 11 artistas. Ainda dentro da perspectiva da mostra internacional, foram exibidos, na mostra “Vídeo Hors-Concours”, quatro documentários produzidos fora do Brasil por cinco importantes realizadores brasileiros: Flávia Moraes, Roberto Berliner, Wagner Garcia e a dupla Marcello Dantas e Maria Lucia Mattos.

A exposição foi composta por três videoinstalações: Adote um satélite, de Marcelo Masagão, O caminho das vertigens, de Sandra Kogut, e Oremos, de Eder Santos. Masagão montou sua videoinstalação com carcaças de televisores, nas quais forjava-se a exibição de imagens televisivas, utilizando brinquedos e objetos de consumo de massa.

Em O caminho das vertigens, de Kogut, cinco monitores que são encaixados dentro de uma plataforma em que o espectador pode subir, na qual pode caminhar e visualizar os vídeos de cima para baixo. Os vídeos exibem imagens de vistas de cima da cidade, proporcionando uma intensa experiência sensorial sob um novo ângulo de visualização da arquitetura urbana. De acordo com Ricardo Basbaum, que escreveu o ensaio sobre a obra de Kogut que consta no catálogo do evento, o grande obstáculo da imagem eletrônica seria acender o corpo coletivo por meio de processos individuais, o que a artista consegue realizar ao redimensionar esses múltiplos espaços: físico/eletrônico, real/mental, perceptivo/vivencial (BASBAUM, 1989, p.25). Dentre as videoinstalações, a de Eder Santos, Oremos, foi considerada um marco, por utilizar projetores e integrar todo o espaço do redondo no MIS.

Já na edição anterior, as obras da mostra competitiva eram nomeadas com a terminologia “videoarte” no catálogo do evento, não sendo mais intituladas “experimentais”. No entanto, é nessa sétima edição que são criados prêmios específicos para esse tipo de produção. De nove obras de videoarte aceitas para a mostra competitiva, três ganharam prêmios. O vídeo As senhoritas de Avignon, de Carlos Porto, ganhou o prêmio de melhor videoarte e sonorização; Ficção ou Fricção, de Guto Jordão, levou o de melhor videoarte e O jardim dos animais, de Sérgio Luz, ganhou o prêmio do júri popular.

As sete edições do evento da década de 1980 foram muito importantes para a discussão acerca da videoarte, que amadureceu e ganhou uma visão crítica ao longo desse período. Constatamos a grande variedade de práticas artísticas com o vídeo dentro do festival e tentamos abarcar ao máximo sua presença nesse contexto, que, de início, aparecia em menor quantidade na mostra competitiva – e, muitas vezes, sob a alcunha do experimental – e, nas mostras à parte da competitiva, evidenciava-se como uma vitrine, um chamariz para atrair público. Quando o festival optou pela profissionalização, em 1988, ano da sua sexta edição, a produção de videoarte aumentou e substituiu a terminologia experimental, que antes classificava tais obras, sendo criados, na edição posterior, prêmios específicos para esse tipo de produção, como visto anteriormente.

Com isso, e por meio dessa vertente, o festival pautou-se cada vez mais nos usos artísticos com o vídeo, produzido por uma parcela ínfima de artistas, se colocado em comparação às outras artes. Mais tarde, o evento ampliou seus horizontes, abarcando as artes eletrônicas no geral, com as quais o vídeo passa a se unir de forma cada vez mais intensa.

Na sua oitava edição, em 1990, o festival adquiriu caráter internacional, incorporado ao nome do evento. Com a sua política cultural de implementar produções fora do eixo, o evento abriu espaço de sua mostra competitiva para realizadores da América do Sul, Austrália, África e sudeste asiático. Segundo a Associação Cultural Videobrasil, “o recorte de vocação geopolítica busca criar um lugar para a produção que acontecia fora do circuito principal da arte e do vídeo, ao mesmo tempo em que a protege de concorrência de artistas que usavam o vídeo havia vinte anos” (VIDEOBRASIL; SESC SP, 2015, p.97). Contudo, pela primeira vez, convidados internacionais fizeram parte do júri de seleção da mostra competitiva. Acerca dessa mudança de período e paradigmas, Solange Farkas relata:

Existiu essa depressão entre 80 e 90 de falta de perspectiva para essa produção que foi/era profícua, que as pessoas produziam desesperadamente, porque o vídeo é fácil disso acontecer, muito mais fácil experimentar com vídeo do que com cinema. Aí que o festival percebeu a importância de buscar outras referências para os artistas. (VIDEOBRASIL, 2013b)

Contudo, o festival fez uma pausa em 1991 devido à crise política causada pelo governo Collor, marcada pelo sucateamento, inclusive da cultura, e se reformula, criando a Associação Cultural Videobrasil e firmando novas parcerias, como veremos a seguir.

TERCEIRA ETAPA (1992-2001)

Após a oitava edição, o festival voltaria apenas em 1992, com significativas mudanças. Nesse ínterim de dois anos, foi criada a Associação Cultural Videobrasil, que inseriu o evento no centro de um programa de fomento e pesquisa da produção do Sul geopolítico. O festival mudou a periodicidade de anual para bienal, com foco em vídeos de caráter artístico e experimental, além de ter passado a ser realizado no Sesc Pompeia e firmado parceria com o Serviço Social do Comércio de São Paulo. Nessa edição, o festival comissionou sua primeira obra, The Desert in My Mind, de Eder Santos. Em 1994, houve novamente uma mudança na nomenclatura do festival, que incorpora a expressão “arte eletrônica”, passando a ser chamado, a partir daquela décima edição, de Videobrasil Festival Internacional de Arte Eletrônica (VIDEOBRASIL; SESC SP, 2015, p.120).

Na edição de 1996, o festival aprimorou a ocupação do espaço e recebeu um público de trinta mil pessoas, fruto do árduo trabalho curatorial dos anos anteriores, concretizado nessa mostra. Levou a São Paulo 83 convidados de 15 países, expandindo o Sul geopolítico para acomodar o Oriente Médio. O número de inscritos cresceu de forma significativa, assim como a quantidade de obras selecionadas.

A edição seguinte, em 1998, conforme anunciado em catálogo, marca um momento de expansão do projeto, a partir do qual ele estende sua presença geográfica e amplifica sua programação para um público ainda mais diversificado e numericamente maior. O evento dividiu-se entre três sedes do Sesc de São Paulo – Sesc Pompeia, Sesc Ipiranga e Sesc Vila Mariana –, estendendo para três semanas de apresentação em cada uma delas (VIDEOBRASIL; SESC SP, 2015, p. 120).

Passados três anos após a última edição, em 1998, foi realizado, em 2001, o 13º Videobrasil Festival Internacional de Arte Eletrônica. Durante esse hiato, a Associação Cultural realizou a “Mostra Africana de Arte Contemporânea”, no ano 2000, em parceria com o Sesc São Paulo. Com a disseminação de novas tecnologias, a décima terceira mostra revelou-se cheia de possibilidades, dividindo-se em duas categorias: vídeos e novas mídias. Houve um aumento significativo de 61% de inscritos na mostra competitiva em relação à anterior, sendo a categoria de competição de vídeos aberta apenas aos países em desenvolvimento e aos de língua portuguesa. Totalmente repaginado e com duração, pela primeira vez, de um mês, é nessa edição que vemos encerrar a terceira etapa apontada, em que a concepção curatorial se afina, criando projetos arquitetônicos de forma a integrar as áreas expositivas e de convívio (VIDEOBRASIL; SESC SP, 2015, p.167).

As mudanças ocorridas em cada edição do festival foram na direção de realizar um de seus principais objetivos, que é dar espaço e voz aos produtores do Sul global. Cumprindo o projeto de intercambiar trabalhos de artistas fora do eixo, dando-lhes a oportunidade de expor e entrar em contato com nomes renomados, o festival oferece subsídio e fomenta a produção em artes eletrônicas. Os debates promovidos são igualmente importantes, não só para aprimorar a prática artística, mas também para enriquecer a pesquisa crítica sobre o tema.

Podemos entender a escolha por este festival como uma espécie de projeto de “mapeamento” descentralizado da produção de arte contemporânea. Acreditamos que seja tarefa do pesquisador agir na contramão dos discursos ditos oficiais, contribuindo com novas histórias, que, muitas vezes, não são mencionadas nos estudos acadêmicos. A escolha não é casual, mas situada dentro de uma cartografia de um momento histórico de revisão e revisitação, a nós cabendo apontar sua importância para o Brasil e para o sistema das artes.

Após mais de trinta anos, o Videobrasil possui, hoje, um dos mais ricos acervos de vídeo e performance do Sul geopolítico, que ultrapassa mais de três mil títulos, e que se constitui de vídeos que passaram pela mostra competitiva de todas as regiões representadas; doações de artistas, que concederam seus trabalhos com o intuito de resguardá-los em um local capacitado; trabalhos históricos da videoarte internacional, que, em muitas edições, estiveram presentes na mostra; importantes registros e documentários produzidos pela própria instituição, documentos e publicações, todos facilmente disponíveis online ao público no site da associação. Como percebemos, o Videobrasil foi não só parceiro da difusão, mas sem dúvida da criação e do aperfeiçoamento das artes eletrônicas por meio da constante troca de ideias proporcionada e da abertura a diferenciados tipos de categorias artísticas. O Videobrasil se adaptou às mudanças, transformando-se numa instituição de valor nos dias de hoje, sem perder o caráter transgressor e radical das temáticas artísticas, que procuram sempre questionar e entender a complexidade da cultura contemporânea em que estamos situados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • VIDEOBRASIL, Associação Cultural. VB NA TV | 30 ANOS | PGM3, 2013b. 29 nov. 2013. Disponível em: https://vimeo.com/80612655 Acesso em: 31 out. 2020.
    » https://vimeo.com/80612655
  • VIDEOBRASIL, Associação Cultural. VB NA TV | 30 ANOS | PGM4, 2013c. 6 dez. 2013. Disponível em: https://vimeo.com/81202383 Acesso em: 31 out. 2020.
    » https://vimeo.com/81202383
  • VIDEOBRASIL, Associação Cultural VIDEOBRASIL, Associação Cultural; SESC SP, Serviço Social do Comércio. Videobrasil: três décadas de vídeo, arte, encontros e transformações. São Paulo: Sesc SP: Videobrasil, 2015. 352p.
  • VIDEOVIDEO. Videobrasil. VideoVideo, Ribeirão Preto, set. 1987, pp.19-20.

NOTAS

  • 1
    . Solange Oliveira Farkas é natural de Feira de Santana (BA). Formada em jornalismo pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), de 1976 a 1979 trabalhou nos jornais Tribuna da Bahia, A Tarde, Jornal da Bahia e Em Tempo. Foi editora da revista Fotoptica de 1976 a 1983 e curadora da Galeria Fotoptica de 1982 a 1989, ambas iniciativas do fotógrafo Thomaz Farkas. É diretora e curadora do Festival Videobrasil desde 1992 e presidente da Associação Cultural Videobrasil, fundada por ela em 1991.
  • 2
    . Nasceu em 1924 em Budapeste, na Hungria. Com seis anos, mudou-se com a família para São Paulo, onde cresceu imerso no ambiente da fotografia, ramo de negócios da família. Seu pai, Desidério, foi sócio fundador da Fotoptica, uma das primeiras lojas de equipamentos fotográficos do Brasil e, após sua morte, em 1960, Thomaz Farkas assumiu a direção dos negócios. É considerado um dos grandes nomes da fotografia moderna no Brasil. Lançou a revista Fotoptica, em 1970, e inaugurou a Galeria Fotoptica, em 1979, especializada em fotografia. Junto com Marcos Gaiarsa, então diretor do departamento de propaganda e promoção da Fotoptica nos anos 1980, deu início à criação do Festival Videobrasil, em 1983. Na década anterior, ambos eram grandes apoiadores do Festival Nacional do Filme Super-8 (1974-1980). Gaiarsa morreria precocemente, em um acidente, em 1988, e Thomaz Farkas faleceu em 2011, com 86 anos.
  • 3
    . Tadeu Jungle cobriu a performance de Otávio Donasci no momento em que ela chega à sede do MIS, e o registro pode ser visualizado no site do Videobrasil. Disponível em: http://site.videobrasil.org.br/canalvb/video/1689119/Cobertura_da_performance_de_Donasci_no_MIS_SP_1o_Festival . Acesso em: 31 out. 2020.
  • 4
    . Tadeu Jungle, da TVDO, conta, em depoimento, que Goulart de Andrade havia chamado os convidados primeiro para realizar um programa ao seu lado na TV Gazeta, mas eles não toparam porque queriam ser pagos pelo serviço. Na recusa da TVDO, a Olhar Eletrônico foi convidada e aceitou o trabalho.
  • 5
    . Walter George Durst, importante dramaturgo da Rede Globo, foi um dos convidados para integrar o júri da mostra competitiva.
  • 6
    . Todo o trabalho listado de levantamento, garimpo e arqueologia foi realizado por João Clodomiro do Carmo, Lucilla Junqueira Meirelles, Tadeu Jungle, Tatiana Calvo Barbosa e Walter Silveira.
  • 7
    . O Museu da Imagem e do Som passava então por reformas. Na edição seguinte o festival já voltaria a acontecer em seu espaço, recém-reformado, que foi pensado para receber um grande público, e onde o vídeo ganha uma sala para exibição permanente.
  • 8
    . Fundado por alunos da Escola do Instituto de Arte de Chicago em 1976, abriga hoje cinco mil obras, sendo uma das mais completas coleções de vídeo do mundo.
  • 9
    . A London VideoArt, uma das primeiras distribuidoras de vídeo, mudaria seu nome e se incorporaria mais tarde à distribuidora LUX.
  • 10
    . Os artistas ligados ao movimento, a exemplo de Kim Flitcroft, Sandra Goldbacher, os Duvet Brothers e Mark Wilcox, tinham por costume se apropriar de imagens do cinema e da TV comercial, fazendo edições de cortes rápidos e ritmos misturados, atacando o comercialismo da televisão e do cinema e até mesmo a videoarte “de galeria” (VIDEOBRASIL; SESC SP, 2015, não paginado).
  • 11
    . Primeiro centro de arte digital da Europa, fechou as portas em 2004.
  • 12
    . A equipe do Videojornal ganhou um miniestúdio no MIS com equipamento super VHS e rodava o festival produzindo entrevistas com artistas e o público e documentando diariamente os acontecimentos. (Ibidem)
  • 13
    . O Kijkhuis foi uma organização de arte que contava com um programa semanal na televisão holandesa chamado Videoline, criado em 1987, e o World WideVideo era um importante festival anual iniciado em 1982, na cidade de Haia, na Holanda (VIDEOBRASIL, 1989). O Festival perdurou até 2004, quando Van Vliet assumiu a direção do departamento de novas mídias da WBK Vrije Academie, também com sede em Haia. (Ibidem)
  • 14
    . O Channel 4 é uma das principais emissoras de televisão inglesa (Ibidem)
  • 15
    . Videographie foi o primeiro programa da televisão europeia a apresentar trabalhos de videoarte, e RTBF é a sigla para Rádio e Televisão Belga da Comunidade Francesa. (VIDEOBRASIL; SESC SP, 2015, não paginado)
  • 16
    . Cf. http://site.videobrasil.org.br/. Acesso em: 31 out. 2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    4 Jan 2018
  • Aceito
    27 Out 2020
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