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Correlação entre o estudo urodinâmico, a anamnese e os achados clínicos na abordagem de mulheres com incontinência urinária

RESUMO

Objetivo:

O objetivo do presente estudo foi avaliar o papel do estudo urodinâmico no diagnóstico da incontinência urinária, comparando-se os dados de anamnese e exame físico detalhados, somados a alguns testes clínicos de fácil aplicação.

Métodos:

Foi realizado estudo retrospectivo de corte transversal, por meio da revisão de prontuário de 55 pacientes com queixa de perda urinária atendidas no Serviço de Uroginecologia do Ambulatório da Saúde da Mulher do Hospital Universitário de Jundiaí, no período de outubro de 2006 a março de 2007. Essas pacientes, durante sua consulta, responderam a um questionário específico, que contempla as variáveis epidemiológicas e de exame físico consideradas no estudo, tendo sido submetidas a exame físico e ao estudo urodinâmico.

Resultados:

A queixa de perda de urina aos esforços, isolada ou associada a urge-incontinência, foi confirmada pelo estudo urodinâmico na grande maioria das mulheres, sendo que o exame mostrou-se negativo em apenas 4 de 49 mulheres com queixa. O sinal clínico estava presente em 35 pacientes (63,6%), sendo que 46 (83,6%) apresentavam o componente de esforço no estudo urodinâmico. Entre as 15 com o sinal ausente (30%), o componente de esforço foi observado em 10 (18%). Os valores preditivos positivo e negativo do sinal clínico para o diagnóstico de algum tipo de incontinência urinária nesse grupo estudado foram de 97,1 e 26,7%, respectivamente. Em relação à queixa clínica de perda de urina aos esforços, os valores preditivos positivo e negativo para algum tipo de incontinência urinária foram de 92 e 40%, respectivamente. Quanto á queixa clínica de urge-incontinência, observaram-se valores preditivos positivo e negativo de 92,5 e 23,1%, respectivamente.

Conclusões:

Concluiu-se que a avaliação urodinâmica representa importante instrumento para avaliar o grau da incontinência, porém não se mostrou necessária para o diagnóstico da perda urinária. O achado de perda durante o exame físico tem baixa sensibilidade e especificidade no diagnóstico do tipo de perda urinária. A urodinâmica teve melhor desempenho em demonstrar a incontinência urinária em pacientes com queixa de incontinência urinária aos esforços, porém sem perda de urina visualizada no exame físico, em relação á confirmaçào da urge-incontinência em pacientes com tais sintomas.

Descritores:
Incontinência urinária/diagnóstico; Urodinâmica; Anamnese; Estudos retrospectivos

ABSTRACT

Objective:

The aim of this study was to evaluate the role of urodynamic test in diagnosis of urinary incontinence, comparing detailed data of history and physical examination, and some easy- to-apply clinical tests.

Methods:

A cross-sectional retrospective study was carried out by reviewing the medical charts of 55 patients with complaint of loss of urine, seen at the Urogynecology Service of Women's Health Outpatient Clinic of Hospital Universitário de Jundiaí, between October 2006 and March 2007. The patients answered a specific questionnaire involving the epidemiological and physical examination variables considered in this study. They were submitted to physical examination and urodynamic tests.

Results:

The complaint of loss of urine upon exertion, either isolated or associated with urge incontinence, was confirmed by urodynamic tests in most women, and only 4 of 49 symptomatic women had negative results. The clinical sign was present in 35 patients (63.6%), and 46 patients (83.6%) had the exertion component in the urodynamic test. The exertion component was observed in 10 (18%) out of 15 patients without symptoms (30%). The positive and negative predictive values of the clinical sign for diagnosis of any type of urinary incontinence in this studied group were 97.1 and 26.7%, respectively. As for the clinical complaint of urinary loss upon exertion, the positive and negative predictive values for any type of urinary incontinence were 92 and 40%, respectively. For the clinical complaint of urge incontinence, the positive and negative predictive values of 92.5 and 23.1%, respectively.

Conclusions:

It was concluded that the urodynamic evaluation is an important instrument to evaluate the severity of incontinence, although it was not necessary to diagnose loss of urine. The finding of urinary loss during physical examination had low sensitivity and specificity in diagnosis of the type of loss of urine. Urodynamic tests had better performance in demonstrating urinary incontinence in patients with complaint of incontinence upon exertion and without loss of urine seen upon physical examination than in confirming urge incontinence in patients with those symptoms.

Keywords:
Urinary incontinence/diagnosis; Urodynamics; Medical history taking; Retrospective studies

INTRODUÇÃO

Incontinência urinária (IU) é qualquer perda involuntária de urina, clinicamente demonstrável, que cause problema social ou higiênico(11. Abrams P, Artibani W, Cardozo L, Dmochowski R, van Kerrebroeck P, Sand P; International Continence Society. Reviewing the ICS 2002 terminology report: the ongoing debate. Neurourol Urodyn. 2009;28(4):287.). Constitui sintoma com implicações sociais, causando desconforto, perda de autoconfiança, interferindo negativamente na qualidade de vida de muitas mulheres.

Representa alteração que afeta aproximadamente um terço das mulheres de todas as idades. É provavelmente afecção subnotificada, e uma das razões para que isso ocorra é que muitas das pacientes com IU não se queixam espontaneamente se não forem objetivamente interrogadas pelo médico(22. Guarisi T, Pinto-Neto AM, Osis MJ, Pedro AO, Costa-Paiva LHS, Faúndes A. Procura de serviço médico por mulheres com incontinência urinária. Rev Bras Ginecol Obstet. 2001;23(7):439-43.).

A causa mais frequente de IU é a incontinência urinária de esforço (IUE)(33. Long RM, Giri SK, Flood HD. Current concepts in female stress urinary incontinence. Surgeon. 2008;6(6):366-72.), que se traduz como um sintoma, um sinal e uma condição. O sintoma constitui a manifestação de perda involuntária de urina durante esforço físico; o sinal é representado pela observação da perda de urina através da uretra mediante aumento da pressão intra-abdominal e a condição diz respeito à perda de urina quando a pressão intravesical excede a pressão uretral máxima, na ausência de atividade contrátil do músculo detrusor(33. Long RM, Giri SK, Flood HD. Current concepts in female stress urinary incontinence. Surgeon. 2008;6(6):366-72.). Daí o conceito de IUE basear-se em dados clínicos e urodinâmicos. A segunda causa mais comum de IU entre mulheres é a decorrente da hiperatividade do músculo detrusor (bexiga hiperativa).

A prevalência de IU nos diferentes estudos é bastante variada, com relatos que vão de 17 a 45% das mulheres adultas(44. Wallner LP Porten S, Meenan RT, O'Keefe Rosetti MC, Calhoun EA, Sarma AV, et al. Prevalence and severity of undiagnosed urinary incontinence in women. Am J Med. 2009;122(11):1037-42.,55. Zhu L, Lang J, Liu C, Han S, Huang J, Li X. The epidemiological study of women with urinary incontinence and risk factors for stress urinary incontinence in China. Menopause. 2009;16(4):831-6.). Uma das hipóteses para explicar a grande variação nesses estudos seria o tipo de população estudada, a definição de IU utilizada e o critério de seleção das pacientes.

Outro ponto de discussão diz respeito ao diagnóstico das várias formas de IU, mais especificamente à necessidade de realização de estudo urodinâmico na avaliação inicial da paciente com queixa de IU. Muitos especialistas utilizam inicialmente as características dos sintomas para presumir o diagnóstico e, algumas vezes, até iniciar o tratamento da IUE e urge-incontinência. Outros recomendam a realização rotineira da avaliação urodinâmica. Estudos clínicos têm considerado ambas as práticas, alguns evidenciando que os sintomas referidos na história clínica são sensíveis e específicos no diagnóstico das várias formas de IU, enquanto outros apontam que os dados clínicos não são sensíveis nem específicos(66. Fantl JA, Newman DK, Colling J, DeLancey JO, Keeys C, Loughery R, et al. Urinary incontinence in adults guideline panel. In: The Agency for Health Care Policy and Research.Urinary incontinence in adults: acute and chronic management. Rockville (MD): AHCPR; 1996. [Clinical Practice Guideline, 2; AHCPR Publication, 96-0682].).

O estudo urodinâmico tem sido bastante utilizado para avaliação diagnóstica e prognóstica da IU, porém não há consenso sobre sua real necessidade. Alguns autores consideram-no dispensável na avaliação inicial da paciente com IU, em virtude do alto custo e de tolerabilidade variável entre as pacientes, que muitas vezes relatam desejo de não voltar a realizá-lo(77. Pushkar DIu, Loran OB, Gumin LM, D'iakin VV. [The diagnostic value of combined urodynamic study in different forms of urinary incontinence in women]. Urol Nefrol (Mosk). 1996;(4):21-5. Russian.,88. Teba del Pino F, Vírseda Chamorro M, Salinas Casado J, Arredondo Martínez F, Fernández Lao A, Fernández Lucas C. Female urinary incontinence: clinical- urodynamic correlation. Arch Esp Urol. 1999;52(3):237-42.). Outros consideram o exame útil para mulheres com sintomas do trato urinário inferior, além de colaborar para melhor conhecimento e diagnóstico mais acurado levando a tratamento efetivo, sendo, portanto, realmente necessário, apesar de seu alto custo financeiro(99. van Leijsen SA, Kluivers KB, Mol BW, Broekhuis SR, Milani FL, van der Vaart CH, et al. Protocol for the value of urodynamics prior to stress incontinence surgery (VUSIS) study: a multicenter randomized controlled trial to assess the cost effectiveness of urodynamics in women with symptoms of stress urinary incontinence in whom surgical treatment is considered. BMC Womens Health. 2009;9:22.,1010. Digesu GA, Athanasiou S, Chaliha C, Michalas S, Salvatore S, Selvaggi L, et al. Urethral retro-resistance pressure and urodynamic diagnoses in women with lower urinary tract symptoms. BJOG. 2006;113(1):34-8.).

Número variável de pacientes incontinentes pode apresentar estudo urodinâmico normal, apesar da alta sensibilidade do exame, principalmente para o diagnóstico da IUE(1111. Colli E, Artibani W, Goka J, Parazzini F, Wein AJ. Are urodynamic tests useful t00ls for the initial conservative management of non-neurogenic urinary incontinence? A review of the literature. Eur Urol. 2003;43(1):63-9.). Algumas vezes, não há correlação entre os sintomas urinários e os achados do estudo urodinâmico, sendo as queixas subjetivas insuficientes para a diferenciação da etiologia da IU(1212. Lin HH, Torng PL, Sheu BC, Shau WY, Huang SC. Urodynamically age-specific prevalence of urinary incontinence in women with urinary symptoms. Neurourol Urodyn. 2003;22(1):29-32.).

A IUE deve ser confirmada por uma anamnese positiva, exame clínico ginecológico no qual a hipermobilidade da uretra pode ser observada e quando o teste da tosse é positivo, reservando-se a avaliação urodinâmica para as mulheres com incontinência urinária mista (IUM)(1313. Laurikainen E, Kiilholma P The tension-free vaginal tape procedure for female urinary incontinence without preoperative urodynamic evaluation. J Am Coll Surg. 2003;i96(4):S79-83.). Existem evidências de que em mulheres com IUM há maior incidência de instabilidade detrusora do que naquelas com sintomas de IUE pura(1414. Bump RC, Norton PA, Zinner NR, Yalcin I; Duloxetine Urinary Incontinence Study Group. Mixed urinary incontinence symptoms: urodynamic findings, incontinence severity, and treatment response. Obstet Gynecol. 2003;102(1):76-83.).

Duggan et al. avaliaram a atitude de especialistas e generalistas com relação à indicação do estudo urodinâmico na avaliação pré-operatória de mulheres com IUE, tendo observado que a maioria o utiliza(1515. Duggan PM, Wilson PD, Norton P Brown AD, Drutz HP Herbison P Utilization of preoperative urodynamic investigations by gynecologists who frequently operate for female urinary incontinence. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct. 2003;14(4):282-7.). Nos casos de IUE não complicada, a maioria dos especialistas e alguns dos generalistas utilizam a cistometria, sendo a urofluxometria reservada para os casos mais graves. Observa-se que, entre os generalistas, a não solicitação do exame deve-se à dificuldade na interpretação do mesmo e à não disponibilidade do exame perto do local de trabalho. Já entre os especialistas, deve-se mais à falta de confiança no exame em relação a uma história clínica detalhada e dados do exame físico bem feito. Assim, nem todos o solicitam, mesmo em casos mais complexos.

Em nosso meio, Kawano et al. sugerem, após observações preliminares, que a propedêutica uroginecológica associada à cistometria simplificada é uma opção a ser considerada na avaliação clínica e pré-operatória de pacientes com IUE, em substituição à urodinâmica convencional, particularmente onde esta não se encontra disponível(1616. Kawano PR, Amaro JL, Silva FS, Agostinho AD, Yamamoto HA, Trindade JCS. Urodinâmica convencional versus cistometria simplificada para caracterização da incontinência urinária feminina. Rev Bras Ginecol Obstet. 2004;26(4):311-6.). Concluem ainda que a cistometria simplificada é um exame acessível, capaz de detectar contrações involuntárias do detrusor, assim como identificar perdas urinárias com relativa sensibilidade, proporcionando ao examinador noções fidedignas do comportamento vesical.

Os parâmetros urodinâmicos não parecem adequados para avaliar o impacto do tratamento na qualidade de vida das pacientes. Após o tratamento, métodos clínicos tais como questionamento sobre a gravidade do incômodo que a IU traz e a quantidade de perda urinária no teste do absorvente em 48 horas mostram-se mais fidedignos(1717. Stach-Lempinen B, Kirkinen P Laippala P Metsänoja R, Kujansuu E. Do objective urodynamic or clinical findings determine impact of urinary incontinence or its treatment on quality of life? Urology. 2004;63(1):67-71.). Desse modo, observamos que existem divergências quanto à indicação e real necessidade da avaliação urodinâmica rotineira na investigação da IU feminina, o que, em nosso meio, assume papel de relevância, considerando-se o alto custo e os poucos serviços que dispõem de tal exame para uma queixa tão frequente como é a IU nas mulheres.

OBJETIVO

Avaliar o papel do estudo urodinâmico no diagnóstico da IU, comparando-se os dados de anamnese e exame físico detalhados, somados a alguns testes clínicos de fácil aplicação.

MÉTODOS

Após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, foi realizado estudo retrospectivo de corte transversal, por meio da revisão de prontuário de 55 pacientes com queixa de perda urinária atendidas no serviço de Uroginecologia do Ambulatório da Saúde da Mulher do Hospital Universitário de Jundiaí, no período de Outubro de 2006 a Março de 2007. Essas pacientes, durante sua consulta, responderam a um questionário específico, que contempla as variáveis epidemiológicas e de exame físico consideradas no estudo, e as questões referentes às queixas urinárias incluem as do Norwegian EPINCONT Study(1818. Hannestad YS, Rortveit G, Sandvik H, Hunskaar S; Norwegian EPINCONT study. Epidemiology of Incontinence in the County of Nord-Trøndelag. A community-based epidemiological survey of female urinary incontinence: the Norwegian EPINCONT study. Epidemiology of Incontinence in the County of Nord-Tr0ndelag. J Clin Epidemiol. 2000;53(11):1150-7.).

As variáveis da população contemplada pelo estudo foram: idade em anos completos; raça (branca, negra, parda, indígena ou oriental); estado marital (casada, solteira, divorciada, separada, viúva ou amasiada); paridade (número de partos); tipo de parto (normal, fórceps, cesárea sem trabalho de parto prévio ou cesárea com trabalho de parto prévio); nível educacional (analfabetismo, nível primário, nível secundário, nível universitário).

As questões referentes às queixas urinárias incluem aquelas do Norwegian EPINCONT Study(1818. Hannestad YS, Rortveit G, Sandvik H, Hunskaar S; Norwegian EPINCONT study. Epidemiology of Incontinence in the County of Nord-Trøndelag. A community-based epidemiological survey of female urinary incontinence: the Norwegian EPINCONT study. Epidemiology of Incontinence in the County of Nord-Tr0ndelag. J Clin Epidemiol. 2000;53(11):1150-7.), expostas na Tabela 1. Os dados do exame físico foram considerados a partir da inspeção dos órgãos genitais externos, para caracterização e classificação do grau de distopia genital, classificada em:

  1. procidência de parede vaginal anterior, subdividida em: ausente; primeiro grau, quando não atingir o intróito vaginal ao esforço; segundo grau, quando atingir o intróito vaginal ao esforço; terceiro grau, quando ultrapassar o intróito vaginal ao esforço e quarto grau, quando ultrapassar o intróito vaginal no repouso;

  2. procidência da parede vaginal posterior subdividida em: grau 1, quando não atingir o intróito vaginal ao esforço (discreta); grau 2, quando atingir o intróito vaginal ao esforço (moderada) e grau 3, quando ultrapassar o intróito vaginal ao esforço (acentuada).

Tabela 1
Caracterização das queixas urinárias das pacientes do estudo

Ainda durante o exame físico, foi realizado teste clínico chamado prova de esforço, no qual a perda de urina pode ser objetivamente demonstrável ou não, simultânea ao esforço físico, com a paciente em repleção vesical em posição de litotomia e ortostática. Além disso, a quantidade de urina eliminada no esforço é classificada em pequena, média e grande.

Na avaliação urodinâmica, foram consideradas: a presença ou não de contrações não-inibidas do detrusor; presença ou não de perda urinária e a pressão de perda de esforço (PPE) segundo sua medida em cmH2O. O diagnóstico final do estudo urodinâmico é subdividido em: IUE (subdividida em tipo I: PPE > 110 cmH2O; tipo II: PPE entre 60 e 110 cmH2O e tipo III: PPE < 60 cmH2O); hiperatividade detrusora (HD): quando o exame demonstrava a presença de contrações não-inibidas do detrusor; e IUM quando há os diagnósticos de IUE e HD concomitantemente.

Análise dos dados

Inicialmente, analisou-se a distribuição das variáveis, utilizando-se tabelas descritivas. Para se verificar a significância estatística, utilizaram-se os testes do χ2, teste exato de Fisher, sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo.

RESULTADOS

A média etária foi de 55,4 ± 11,6 anos; a maioria era da raça branca (76%) e pouco mais da metade apresentava o primeiro grau incompleto (65%). Entre as mulheres estudadas, 53% encontravam-se no período de pós-menopausa, com média de 4,4 gestações e predomínio do parto vaginal (3,7 partos vaginais/mulher).

Das 55 mulheres, a maioria (47,3%) apresentava sintomas de urge-incontinência e de incontinência aos esforços associadas. Onze pacientes (20%) queixavam-se apenas de perda urinária aos esforços e 4 (7,3%) relatavam apenas urge-incontinência. Enurese noturna e noctúria também foram queixas referidas (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição das pacientes de acordo com o tipo de queixa urinária, com o achádo de exame físico e do com o resultado do estudo urodinâmico (n = 55)

Para aproximadamente 60% das mulheres, a IU apresentou-se como um grave problema e, em torno de 25%, referiram sentir-se muito aborrecidas, independentemente do tipo da IU. Entretanto, apenas 60,4% delas haviam realizado alguma consulta previamente devido a essa queixa. Em relação ao exame físico, observou-se que a maioria das pacientes apresentava cistocele de primeiro ou segundo grau e retocele discreta a moderada.

Ao analisarmos os resultados da avaliação urodinâmica, observamos que aproximadamente 11% das pacientes apresentaram exame normal. HD isolada foi confirmada pelo estudo urodinâmico em somente três pacientes. A maioria das pacientes (69%) apresentou achado urodinâmico compatível com IUE. Entre essas, 9 tiveram perda com PPE > 110 cmH2O, 13 com PPE entre 60 e 110 cmH2O e 16 apresentaram perda com pressões inferiores a 60 cmH2O (Tabela 2).

Do total das mulheres estudadas, mais da metade (n = 30) apresentava queixa clínica de perda de urina aos mínimos esforços; entretanto, ao estudo urodinâmico, apenas 18 (32,7%) apresentaram PPE inferior a 60 cmH2O.

A prevalência das queixas clínicas uroginecológicas e sua correlação com o diagnóstico urodinâmico final podem ser visualizadas na Tabela 3. A perda aos esforços como única queixa foi observada em 12 mulheres (21,8%), sendo que 2 apresentavam bexiga instável. Apenas três pacientes apresentavam queixa de urgência/urge-incontinência isolada e nenhuma delas apresentou bexiga instável ao estudo urodinâmico. Observamos que 37 (67,2%) pacientes tinham sintomas mistos, constituindo a maioria da população estudada. Entretanto, a presença de contrações não-inibidas, caracterizando HD, foi observada em apenas nove pacientes.

Tabela 3
Prevalência das queixas uroginecológicas e sua correlação com os achados urodinâmicos

A queixa de perda de urina aos esforços, isolada ou associada à urge-incontinência, foi confirmada pelo estudo urodinâmico na grande maioria das mulheres, sendo que o exame mostrou-se negativo em apenas 4 em 49 mulheres com queixa (Tabela 4).

Tabela 4
Correlação entre a queixa clínica de perda urinária aos esforços, de urge-incontinência e o achado clínico de perda urinária e o diagnóstico urodinâmicos

A correlação entre o sinal clínico de perda de urina e o estudo urodinâmico está resumida na Tabela 4. O sinal clínico estava presente em 35 pacientes (63,6%), e 46 (83,6%) apresentavam o componente de esforço no estudo urodinâmico. Entre as 15 com o sinal ausente (30%), o componente de esforço foi observado em 10 (18%). Os valores preditivos positivo e negativo do sinal clínico para o diagnóstico de algum tipo de IU nesse grupo estudado foram de 97,1 e 26,7%, respectivamente.

Já em relação à queixa clínica de perda de urina aos esforços, os valores preditivos positivo e negativo para algum tipo de IU foram de 92 e 40%, respectivamente (Tabela 5). Quanto à queixa clínica de urge-incontinência, observamos valores preditivos positivo e negativo de 92,5 e 23,1%, respectivamente (Tabela 5).

Tabela 5
Desempenho do diagnóstico urodinâmico em relação à queixa urinária de perda urinária aos esforços, à queixa de urge-incontinência e ao achado clínico de perda urinária

DISCUSSÃO

A avaliação inadequada e o diagnóstico incorreto da etiologia da IU têm múltiplas consequências, sendo a mais grave a indicação de cirurgias inapropriadas ou mesmo desnecessárias. Procedimentos cirúrgicos sucessivos têm menores índices de sucesso progressivamente, além de maior risco cirúrgico e maiores taxas de complicações pós-operatórias. É largamente aceito que o melhor procedimento anti-incontinência, em termos de sucesso, é a avaliação correta(1919. Jensen JK, Nielsen FR Jr, Ostergard DR. The role of patient history in the diagnosis of urinary incontinence. Obstet Gynecol. 1994;83(5 Pt 2): 904-10.).

Os dados do presente estudo devem ser interpretados cuidadosamente por se tratar de uma análise retrospectiva de um grupo seleto de mulheres com IU de um serviço hospitalar especializado. Apesar disso, os achados têm implicações para a avaliação diagnóstica de mulheres com queixas de IU, devendo ser seguido de futuras pesquisas nessa área.

Nossos achados, semelhantemente àqueles encontrados na literatura(2020. Ouslander J, Staskin D, Raz S, Su HL, Hepps K. Clinical versus urodynamic diagnosis in an incontinent geriatric female population. J Urol. 1987;137(1):68-71.), indicam que a presença de sintomas de incontinência entre mulheres é altamente preditiva de anormalidades no estudo urodinâmico. Entretanto, permitem também considerarmos de extrema importância a abordagem clínica detalhada que pode nos levar ao diagnóstico em grande parte das pacientes.

Entre os sintomas urinários, o mais frequente foi a IUM, relatado pela maioria das mulheres, enquanto um número menor apresentou apenas perda urinária aos esforços e somente um número mínimo referiu urge-incontinência isolada. Esses resultados são quase idênticos aos encontrados por Ouslander et al.(2020. Ouslander J, Staskin D, Raz S, Su HL, Hepps K. Clinical versus urodynamic diagnosis in an incontinent geriatric female population. J Urol. 1987;137(1):68-71.). De forma geral, a literatura aponta como primeira causa de IU entre mulheres a IUE, seguida da urge-incontinência; entretanto, quando se avaliam mulheres no período do climatério, urge-incontinência decorrente de hiperatividade do detrusor passa ser a primeira causa e como segunda está a IUE. Esses fatos corroboram mais uma vez os nossos achados, já que, no presente estudo, a média etária das mulheres evidenciou o período correspondente à transição da vida reprodutiva para a pós-menopausa.

Na população deste estudo, a proporção de mulheres com incontinência que consultaram médico foi idêntica à descrita por Stemberg(2121. Stenberg A, Heimer G, Holmberg L, Ulmsten U. Prevalence of postmenopausal symptoms in two age groups of elderly women in relation to oestrogen replacement therapy. Maturitas. 1999;33(3):229-37) entre mulheres menopausadas e por Guarisi(2222. Guarisi T, Pinto-Neto AM, Costa-Paiva LH, Pedro AO, Faúndes A. Fatores associados à prevalência de sintomas urinários em mulheres climatéricas. Rev Bras Ginecol Obstet. 1997;19:589-96.) entre mulheres climatéricas. Em relação à procura de atendimento médico pela queixa de IU, menos da metade das mulheres que participaram do estudo não havia passado por nenhuma consulta anterior por esse motivo. Esses dados são coincidentes com outros relatos da literatura, em que apenas 21,3 a 27% das mulheres consultaram médico por apresentarem IU(55. Zhu L, Lang J, Liu C, Han S, Huang J, Li X. The epidemiological study of women with urinary incontinence and risk factors for stress urinary incontinence in China. Menopause. 2009;16(4):831-6.,2323. Ushiroyama T, Ikeda A, Ueki M. Prevalence, incidence, and awareness in the treatment of menopausal urinary incontinence. Maturitas. 1999;33(2):127-32.,2424. Jensen JK. Urodynamic evaluation. In: Ostergard DR, Bent AE, editors. Urogynecology and urodynamics: theory and practice. 3rd ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1996. p. 115-49.). Considerando-se o impacto na qualidade de vida que esse problema pode causar, a maioria das mulheres do presente estudo considerou a perda urinária um grave problema ou sentiam-se muito aborrecidas pelo fato, diferentemente dos resultados encontrados por Hannestad et al., em que a maior parte das mulheres com incontinência relatava isso como um pequeno problema(1818. Hannestad YS, Rortveit G, Sandvik H, Hunskaar S; Norwegian EPINCONT study. Epidemiology of Incontinence in the County of Nord-Trøndelag. A community-based epidemiological survey of female urinary incontinence: the Norwegian EPINCONT study. Epidemiology of Incontinence in the County of Nord-Tr0ndelag. J Clin Epidemiol. 2000;53(11):1150-7.).

O objetivo da avaliação urodinâmica é identificar as causas específicas dos sintomas das pacientes, seja a IU, a disfunção miccional ou sintomas irritativos do trato urinário(2525. Wall LL, Norton PA. Practical urodynamics. In: Wall LL, Norton PA, editors. Practical urogynecology. Baltimore: Willians & Wilkins; 1993. p. 83-124.), além de fornecer dados para orientar o correto tratamento, cirúrgico ou não. O diagnóstico final é o resultado de uma contínua interação entre as pacientes e o examinador, sendo de fundamental importância a interpretação dos dados e a separação de informações relativas a artefatos(2626. Haylen BT, Sutherst JR, Frazer MI. Is the investigation of most stress incontinence really necessary? Br J Urol. 1989;64(2):147-9.).

Apesar de a queixa clínica mais frequente entre as mulheres deste estudo ter sido a IUM, o achado urodinâmico mais frequente foi a IUE, distribuída de forma crescente entre os tipos I, II e III. Apenas metade das mulheres com queixa clínica de perda urinária aos mínimos esforços apresentou valores de pressão de perda inferiores a 60 cmH2O, evidenciando que, para esse tipo de queixa, o estudo urodinâmico é importante para que não se superestime o grau de incontinência, o que poderia levar a tratamento menos conservador. Se levarmos em consideração apenas a queixa de perda urinária aos esforços, independentemente do tipo de esforço, notamos uma correlação positiva entre a clínica e a avaliação urodinâmica.

Estudos já mostraram que uma em nove mulheres pode ser operada desnecessariamente quando o diagnóstico baseia-se apenas em dados de anamnese e nos resultados do Q-tip-test, alertando que, desse modo, o tratamento será empírico e o êxito cirúrgico será baixo.

Há que se lembrar também que a quantificação clínica da perda urinária é subjetiva quando se baseia em informações prestadas pela paciente. Estudos da década de 1980 já haviam concluído que a demonstração clínica da perda urinária ao esforço estava presente em apenas 41% dos casos com diagnóstico final de IUE, pura ou mista. Além disso, 32% das pacientes com esse sinal tinham outro diagnóstico que não a IUE somente(2626. Haylen BT, Sutherst JR, Frazer MI. Is the investigation of most stress incontinence really necessary? Br J Urol. 1989;64(2):147-9.).

Tais observações foram confirmadas ao se avaliar a eficácia do sinal clínico de perda aos esforços comparado ao estudo urodinâmico de 863 pacientes. Concluiu-se que o sinal está presente em apenas 54,2% das 574 mulheres com diagnóstico final de IUE(2727. Carey MP Dwyer PL, Glenning PP The sign of stress incontinence--should we believe what we see? Aust N Z J Obstet Gynaecol. 1997;37(4): 436-9.). Além disso, 38% tinham outro diagnóstico adicional, como instabilidade vesical. Observou-se que o sinal clínico tem valor preditivo positivo de 91% e valor preditivo negativo de 50%. Em nosso meio, Feldner et al. observaram valores preditivos positivo e negativo de 82 e 53,1%, respectivamente, do sinal clínico no diagnóstico de IUE(2828. Feldner Junior PC, Sartori MGF, Lima GR, Baracat EC, Girão MJBC. diagnóstico clínico e subsidiário da incontinência urinária. Rev Bras Ginecol Obstet. 2006; 28(1):54-62.).

Apesar dos elevados valores preditivos positivos nesses estudos, não se caracterizaram elementos que indiquem a possibilidade de diferenciação da IUE por defeito esfincteriano, o que seria importante na escolha do tratamento cirúrgico. No estudo atual, o sinal clínico de perda urinária ao esforço estava presente em 63,6% das pacientes, sendo que 83,6% apresentavam o componente de esforço no estudo urodinâmico. Entre as 15 pacientes com o sinal ausente, o componente de esforço foi observado em 10. Os valores preditivos positivo e negativo do sinal clínico para o diagnóstico de algum tipo de IU, nesse grupo estudado, foram de 97,1 e 26,7%, respectivamente.

A partir dos resultados deste estudo, observamos que, se as pacientes tivessem sido tratadas sem a realização do estudo urodinâmico, poderíamos ter deixado de tratar clinicamente pelo menos 16% delas, as quais apresentavam IUE tipo I; por outro lado, quase um terço das pacientes, as quais apresentavam IUE tipo III, poderiam ter recebido tratamento cirúrgico inadequado, uma vez que esse tipo de incontinência necessita de tratamento cirúrgico específico – as cirurgias tipo sling.

A HD associada à IUE é importante fator de risco na predição do sucesso terapêutico e deve-se propor tratamento clínico antes da cirurgia para esse grupo de pacientes. Alterações na micção também são achados relevantes, uma vez que essas mulheres têm risco aumentado para retenção urinária no pós-operatório(2727. Carey MP Dwyer PL, Glenning PP The sign of stress incontinence--should we believe what we see? Aust N Z J Obstet Gynaecol. 1997;37(4): 436-9.). Para a queixa clínica de urge-incontinência, ao contrário, o estudo urodinâmico não mostrou um papel significativo, pois a maior parte das pacientes com esse sintoma não apresentou contrações involuntárias do detrusor durante o exame, o que se acha respaldado pela mudança na nomenclatura e nos critérios diagnósticos da síndrome da bexiga hiperativa a partir do consenso da ICS(11. Abrams P, Artibani W, Cardozo L, Dmochowski R, van Kerrebroeck P, Sand P; International Continence Society. Reviewing the ICS 2002 terminology report: the ongoing debate. Neurourol Urodyn. 2009;28(4):287.), que considera o diagnóstico de bexiga hiperativa como a presença de sintomas de urgência e aumento da frequência urinária sem a necessidade do achado de contrações involuntárias do detrusor durante a avaliação urodinâmica.

Esses dados apontam para a importância da avaliação clínica e não para a substituição ou maior importância atribuída muitas vezes ao estudo urodinâmico. Sem dúvida, os achados urodinâmicos contribuem para o diagnóstico de certeza do tipo de perda, mas não podem representar o método ouro, a despeito de deixarmos de tratar uma grande parcela de pacientes com o problema, principalmente de urge-incontinência.

Uma anamnese detalhada, valorizando o tipo de queixa e respaldada por alguns achados clínicos, já pode nortear o tratamento inicial e poupar algumas mulheres da realização do estudo urodinâmico. Isso porque os testes urodinâmicos são invasivos quando comparados à avaliação clínica, podem ter resultados diferentes de acordo com as suas diferentes modalidades e não é possível correlacionar os resultados dos testes urodinâmicos com os efeitos dos tratamentos não-invasivos. Assim, não se recomenda a realização de tais testes na avaliação inicial para começar a terapia conservadora(2828. Feldner Junior PC, Sartori MGF, Lima GR, Baracat EC, Girão MJBC. diagnóstico clínico e subsidiário da incontinência urinária. Rev Bras Ginecol Obstet. 2006; 28(1):54-62.).

CONCLUSÕES

Com esses achados, concluímos que a avaliação urodinâmica representa importante instrumento para avaliar o grau da incontinência, porém não se mostrou necessária para o diagnóstico da perda urinária. O achado de perda durante o exame físico tem baixa sensibilidade e especificidade no diagnóstico do tipo de perda urinária. A urodinâmica teve melhor desempenho em demonstrar a IU em pacientes com queixa de IUE (porém sem perda urinária visualizada no exame físico) do que na confirmação da urge-incontinência em pacientes com tais sintomas.

Futuros estudos se fazem necessários para confirmar os resultados obtidos neste estudo, bem como para buscar dados ainda mais detalhados, principalmente no exame físico e outros testes clínicos, para que continuemos melhorando e valorizando ainda mais a abordagem clínica de mulheres portadoras de IU.

  • Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Jundiaí – FMJ, Jundiaí (SP), Brasil.
  • Este trabalho recebeu bolsa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PIBIC-CNPq).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2010

Histórico

  • Recebido
    24 Jan 2010
  • Aceito
    09 Jun 2010
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