Open-access Uso da ressonância em cordas para ensino de física

Use of resonance strings for physical teaching

Resumos

Nesse trabalho, discutimos um experimento laboratorial de baixo custo para o estudo da teoria de ondas estacionárias em cordas vibrantes. Fazendo uso de um aparato eletrônico relativamente simples, baseado na realimentação eletromagnética, conseguimos verificar tanto a harmonicidade das ondas estacionárias quanto a relação numérica existente entre os harmônicos presentes em oscilações obtidas para um dado modo de excitação.

ondas estacionárias; ressonância; realimentação eletromagnética


In this paper, we discuss a low-cost teaching laboratory experiment to undertake a study of standing waves theory in metal strings. By using a straightforward electronical apparatus based on the electromagnetic feedback we were able to assess quantitatively the harmonic behaviour of standing waves as well as the numerical relationships available from excited oscillation modes.

standing waves; resonance; electromagnetic feedback


DESENVOLVIMENTO EM ENSINO DE FÍSICA

Uso da ressonância em cordas para ensino de física

Use of resonance strings for physical teaching

Cezar Augusto Gomes; Everton Lüdke1

Departamento de Física, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil

RESUMO

Nesse trabalho, discutimos um experimento laboratorial de baixo custo para o estudo da teoria de ondas estacionárias em cordas vibrantes. Fazendo uso de um aparato eletrônico relativamente simples, baseado na realimentação eletromagnética, conseguimos verificar tanto a harmonicidade das ondas estacionárias quanto a relação numérica existente entre os harmônicos presentes em oscilações obtidas para um dado modo de excitação.

Palavras-chave: ondas estacionárias, ressonância, realimentação eletromagnética.

ABSTRACT

In this paper, we discuss a low-cost teaching laboratory experiment to undertake a study of standing waves theory in metal strings. By using a straightforward electronical apparatus based on the electromagnetic feedback we were able to assess quantitatively the harmonic behaviour of standing waves as well as the numerical relationships available from excited oscillation modes.

Keywords: standing waves, resonance, electromagnetic feedback.

1. Introdução

Uma corda presa nas duas extremidades, sob uma força de tensão que a mantém esticada, tem associada uma oscilação ressonante, seguindo um padrão bem definido de onda estacionária[1, 2]. Esse padrão peculiar é regido por relações matemáticas bem estabelecidas, que devem ser provadas experimentalmente por meio de análise espectral de oscilações de cordas vibrantes [3-5].

As ondas estacionárias em cordas são as principais responsáveis pelo funcionamento de vários tipos de instrumentos musicais contemporâneos [6, 7]. Um leigo em música pode distinguir dois instrumentos diferentes a partir da sonoridade de cada um, reconhecer duas harmonias diferentes executadas pelo mesmo instrumento, ou até mesmo perceber um instrumento desafinado. O timbre de um instrumento musical é caracterizado pela combinação linear dos vários modos de oscilação intrínsecos da corda, também chamados de harmônicos (alguns autores chamam o primeiro harmônico como sendo o primeiro modo normal de oscilação ou fundamental, enquanto outros chamam de primeiro harmônico o segundo modo normal de oscilação. Neste artigo, está sendo adotada a primeira nomenclatura).

Com isso, propomos um aparato experimental adequado para a demonstração das propriedades de timbre característico submetido a modos diferentes de oscilação, para uso em laboratórios didáticos de física fundamental e acústica em cursos universitários como engenharia acústica, matemática, física e música instrumental.

2. Aparato experimental

Uma corda de contrabaixo elétrico foi esticada sob uma viga de madeira de modo a deixá-la tensionada o suficiente para que ela oscile em um padrão estacionário. Usando duas bobinas de relé (marca ZETTLER A Z 692-071-54M, 12 V, 8 A), dispostas lado a lado, soldando a perna direita de uma com a esquerda da outra, conforme a Fig. 1, e alinhando-as sob um imã permanente, conseguimos um sistema de captação balanceado, afim de minimizar os ruídos do aparato.


Sobre essa etapa observamos ter sido pertinente a opção pelas bobinas de relé, por apresentarem um enrolamento denso, devidamente semelhante aos captadores comerciais de guitarra e contrabaixo elétricos.

O sinal elétrico proveniente do captador posicionado sob a corda será uma cópia da oscilação transversal desta em relação ao ponto de equilíbrio. O mesmo captador que permite a aquisição do sinal proveniente da corda, atua como um freio magnético nesta, produzindo uma sutil alteração no seu padrão estacionário [8]. Essa alteração da onda estacionária vai depender da região da corda que está sendo captada, pois a forma dos harmônicos é diferente em sua extensão, com simetria em relação ao ponto médio da corda. Além de alterar o padrão estacionário desta, o principal efeito deste fenômeno é o de diminuir o tempo que a corda permanece oscilando sem que haja contato físico nela.

O pré-amplificador diferencial e o amplificador de potência estão apresentados na Fig. 2, juntamente com a fonte do circuito.


Este pré-amplificador apresenta duas saídas, uma imediata ao circuito integrado para ser ligada à entrada de microfone da placa de som de um computador, e outra após um potenciômetro de 50 kΩ linear, que serve como ajuste do sinal de entrada da etapa de potência do circuito. Esta etapa de potência tem como única finalidade fornecer energia para a corda, afim de realimentá-la para manter sua oscilação a um nível constante, por quanto tempo for necessário. Porém, a saída de linha para o computador não sofre interferência alguma deste controle.

3. Descrição do experimento

A Fig. 3 mostra um esquema de montagem do aparato experimental. O leitor deve ter cuidado em acondicionar o circuito em uma caixa isolante de boa circulação de ar. Um bom dissipador de alumínio deve ser empregado devido ao aquecimento do circuito integrado de potência. Deve-se ter cuidado de empregar fios de espessura superior a 1 mm para o contato elétrico com a corda, para evitar derretimento dos isolamentos. Como última consideração de segurança, o resistor de chuveiro deve ser imerso em uma lata com óleo de cárter devido ao seu aquecimento se o experimento ficar ligado durante toda uma aula prática de laboratório de física.


A vibração da corda excita o captador eletromagnético, que alimenta o sistema de amplificação. O sinal proveniente da saída de linha do circuito, cuja variação da intensidade depende apenas do controle de ganho do circuito, é ligada em um computador para posterior análise espectral.

A saída do estágio de potência é ligada a uma resistência de chuveiro em série com a corda. Nessa etapa observamos ter sido pertinente o uso de uma resistência de chuveiro pelo fato dela suportar uma corrente relativamente alta e porque apresenta 7 Ω de resistência, o que caracteriza a impedância apresentada pela maioria dos alto-falantes comerciais. é necessário a ligação desta resistência em série com a corda para limitar a corrente de saída, a fim de evitar curto-circuito no amplificador, pois valores de pico de corrente elétrica são bastante elevados (entre 3 e 6 A) e dependem do sinal de entrada obtido pelo captador.

A corda é atravessada por uma corrente elétrica oscilante, que tem associada um campo magnético com direção dada pela regra da mão direita [9]. A corrente elétrica oscilante é uma cópia da oscilação transversal da corda na região acima do captador. O campo magnético devido a esta corrente interage com o campo magnético constante do imã permanente, fazendo com que apareça uma força magnética descrita por

A equação que descreve o padrão estacionário de uma corda em função do tempo te da posição x, tendo esta um comprimento L, sob a ação de uma força de tensão T, e com a posição de equilíbrio em y= 0, é da forma

onde né o número do harmônico que está sendo excitado e, Ane Bnvem da relação

onde são as condições iniciais da equação. Com isso,

Logo, a corda oscila transversalmente em relação ao ponto de equilíbrio (y = 0), de acordo com

com ωn = n ω1 onde ω1 é a frequência de ressonância da fundamental [10]. Essa combinação varia com a posição ao longo da corda. Quanto mais próximo da extremidade da corda for este elemento de corda, menor será a diferença de amplitude entre os harmônicos mais superiores e os inferiores. O contrário disso ocorre quando o elemento de corda em questão encontra-se na região mais central desta. A forma dos harmônicos esperados para a corda é ilustrada na Fig. 4.


4. Aquisição e análise dos dados

Com o aparato montado, ao ligar o amplificador, ajustar o ganho pela metade do curso do potenciômetro, e com a saída para o amplificador de potência ao máximo, a corda deverá começar a vibrar em um padrão estacionário bem específico. Ela começa a vibrar porque o sistema é sensível o suficiente para captar e amplificar as oscilações da corda devido a turbulência da atmosfera ao seu redor, que não permitem que ela fique em total estado de repouso.

Desse modo, o aparato eletrônico mantém a oscilação da corda pelo efeito de ressonância acústica, permitindo obter amplitudes de oscilação que podem ser muito bem visualizadas pelos alunos, além de possibilitar a medida de posições de ventres e nós.

Fazendo uso das caixas de som do computador, pode-se ouvir o sinal gerado pela corda. Após um tempo, verifica-se a necessidade de um novo ajuste no nível de saída do pré-amplificador, afim de não saturar a etapa de potência comprometendo os dados colhidos. Porém, este ajuste não interfere, ao menos em um curto prazo, no sinal de linha que alimenta o computador.

Para realizar a análise do sinal adquirido pelo computador, fizemos uso do software gratuito Spectrogram 16 [11] dentre uma lista de aplicativos de análise acústica [12], em plataforma Windows 7 para fazer a análise espectral do sinal. Este software tem como opção gravar um arquivo em formato .wav do sinal analisado, para posterior reprodução deste.

Usamos também o software livre Minituner [13], que é um afinador de guitarra e contrabaixo elétrico para ser usado em computador. Este programa permite afinar a corda em uma frequência específica, como se procede com um instrumento. Ao abrir a palheta "View", na parte posterior do programa, e após na opção "Details", aparece na parte inferior deste a frequência que a corda está vibrando. Após isto, deve-se percurtir a corda com o dedo, a fim de excitar a sua fundamental, e medida a frequência, anotá-la. Com isto, sabe-se de antemão quais são as frequências dos harmônicos superiores da corda.

Observa-se que, depois de um curto intervalo de tempo, a corda oscila com uma combinação harmônica que não varia no tempo, a não ser que seja mudada a posição do imã permanente sob a corda. Após ser verificado, ouvindo o sinal da corda, que esta combina ção harmônica não varia, procede-se a aquisição e análise do espectro do sinal. Após um tempo de análise, pode-se desligar o aparato, e usar para a análise o trecho gravado pelo próprio programa que analisa o sinal. Este dá um gráfico da intensidade pela frequência na tela do computador, onde arbitra-se um zero de intensidade e encontra-se a intensidade relativa de cada frequência em dB. é essa intensidade relativa que determina a intensidade de cada harmônico, de acordo com a Eq. (7), determinando assim o timbre característico do sinal. Fica clara também a relação entre a frequência dos harmônicos analisados e a fundamental dá um número inteiro (ou muito próximo de um, devido a aproximações experimentais), no qual este número define qual harmônico que está sendo analisado.

Após encontrar todas as intensidades relativas entre os harmônicos do sinal, e convertê-las de dB, usando a relação

onde Ié a proporção real entre a intensidade do sinal analisado e B é a proporção em dB da diferença entre o ponto em questão da curva e o zero arbitrário.

Encontradas as intensidades relativas de cada harmônico, usando o software Mathcad [14] ou planilhas eletrônicas equivalentes Scilab [15] ou SMath [16], é possível montar a Eq. (7), definindo a frequência fundamental como ω= 2π - f, onde fé a frequência medida da fundamental no programa Minituner. Nos outros termos do somatório apenas coloca-se o número do harmônico multiplicando f, juntamente com a intensidade relativa. Em Mathcad pode-se gerar um gráfico, para visualizar a forma da onda no tempo. Usando o comando "WRITEWAV" pode-se gerar um arquivo .wav da equação montada, que depois pode ser executada com um programa qualquer de reprodução de áudio do computador e comparada com a faixa analisada, caso experimentos mais detalhados com excitação de cordas de instrumentos musicais por timbres pré-definidos por computador sejam necessários [17,18], em aplicações da técnica a ensino de física para laboratórios didáticos em currículos de cursos de música e engenharia acústica.

A Fig. 5 traz a rotina completa e detalhada usada no Mathcad para gerar a equação, o gráfico e o arquivo .wav que pode ser ouvido pelos alunos, possibilitando entender o significado de timbre de uma corda em termos de componentes de Fourier do sinal.


5. Conclusões

Neste artigo propomos um aparato que permite aos alunos de física, verificar a veracidade das equações quedescrevem as ondas estacionárias em cordas vibrantes, assim como se familiarizar com aspectos relevantes desta teoria.

Este experimento possibilita um controle maior sobre os aspectos físicos envolvidos no fenômeno estudado. Fazendo uso do imã permanente para promover a realimentação da corda, consegue-se modificar o timbre da corda ao mudar o imã de posiçâo, pois daí o ponto onde a corda é realimentada tende a favorecer os harmônicos que apresentam um ponto de máximo na mesma região. E, como sabemos, o timbre caracter ístico deste sinal é definido pela relação de intensidade entre os harmônicos do sinal.

Recebido em 21/5/2010; Aceito em 18/4/2011; Publicado em 5/10/2011

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  • 1
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Aceito
      05 Out 2011
    • Revisado
      18 Abr 2011
    • Recebido
      21 Maio 2010
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