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A história do problema das colisões na física do século XVII anterior a Newton

The history of the problem of collisions in the seventeenth century's physics before Newton

Resumo

Este trabalho traça um panorama histórico do tratamento do problema das colisões ao longo do século XVII, até que se chegasse à grande síntese mecânica de Newton. Apresentamos primeiramente as abordagens pioneiras de Thomas Harriot e Isaac Beeckman. Em seguida, passamos à tentativa de solução do problema por Descartes, apresentando resumidamente os seus fundamentos filosóficos e a construção sistemática por ele buscada, que, enfim, se mostrou errada. Passamos, então, à análise das formulações propostas por Christopher Wren, John Wallis e Christiaan Huygens, todas elas atingindo resultados corretos, ainda que de aplicação restrita. Procuramos ressaltar as particularidades de cada uma dessas elaborações, destacando a introdução pioneira na física do uso de número negativos na determinação do sentido do movimento, efetuada por Wren e Wallis, e o caráter extremamente sistêmico do pensamento mecânico de Huygens, construindo sua solução a partir da aplicação de princípios físicos fundamentais, alguns já conhecidos e outros por ele esboçados.

Palavras-chave:
História da Física; Mecânica; Colisões; Quantidade de Movimento

Abstract

This paper provides a historical overview of the treatment of the problem of collisions throughout the 17th century, up to the great mechanical synthesis of Newton. At first we present the pioneering approaches of Thomas Harriot and Isaac Beeckman. We then proceed to Descartes's attempt to solve the problem by briefly presenting his philosophical foundations and the systematic construction he sought, which ultimately turned out to be wrong. We then proceed to the analysis of the formulations proposed by Christopher Wren, John Wallis and Christiaan Huygens, all of them achieving correct results, albeit with restricted application. We seek to highlight the particularities of each of these elaborations, emphasizing the pioneering introduction in physics of the use of negative numbers in determining the direction of motion, carried out by Wren and Wallis, and the extremely systemic character of Huygens's mechanical thinking, building his solution from the application of fundamental physical principles, some already known and others outlined by him.

Keywords:
History of Physics; Mechanics; Collisions; Quantity of motion

1. Introdução

O problema da descrição física das colisões adquiriu proeminência na ciência do século XVII. Esse destaque pode ser explicado a partir de dois elementos centrais do pensamento científico da época: o primeiro, a irrupção de um neoatomismo, construído a partir do resgate renascentista da vertente atomista da filosofia grega e liderado, entre outros, por Pierre Gassendi, Thomas Hobbes e Robert Boyle [1][1] E.J. Dijksterhuis, The Mechanization of the World Picture (Oxford University Press, Oxford, 1961).; o segundo, sem dúvida relacionado ao primeiro, porém não redutível a ele, é a forte influência no século em questão de uma filosofia da natureza denominada mecanicismo. Comecemos falando brevemente sobre este último.

Entendemos por mecanicismo, seguindo nesse quesito Andrew Pyle [2][2] A. Pyle, Atomism and its Critics: From Democritus to Newton (Thoemmes Press, Bristol, 1997)., uma filosofia da natureza cuja tese essencial é a possibilidade de descrevermos os fenômenos naturais com base apenas nas ideias fundamentais de matéria e de seus movimentos, adicionando a esse princípio geral os seguintes outros: 1) todos os fenômenos naturais são inteligíveis estritamente em termos de agentes materiais, abolindo-se toda ideia de causas imateriais; 2) toda causação se reduz à causalidade eficiente (nomenclatura de Aristóteles para uma das modalidades de causa por ele identificadas, correspondente ao agente que produz a coisa), eliminando-se da Natureza a ideia de causas formais ou finais, ou seja, de que os processos naturais se desenvolvessem com vistas ao cumprimento de alguma finalidade ou por uma determinação intrínseca, decorrente das naturezas ou essências dos próprios seres; 3) a localidade das ações causais, ou seja, uma causalidade exercida estritamente pelo contato direto entre os agentes materiais.

O mecanicismo do século XVII se expressou através de duas correntes principais: o cartesianismo e a vertente, já mencionada, do neoatomismo. Para além de suas diferenças fundamentais, principalmente associadas à oposição entre corpuscularidade irredutível – representada pelo átomo – e continuidade essencial e divisibilidade ilimitada da matéria, essas duas correntes compartilhavam os princípios mecanicistas elencados.

Dados os princípios essenciais do mecanicismo, não é de se estranhar que o problema das colisões tenha vindo ao proscênio da especulação científico-filosófica; afinal, trata-se do processo paradigmático pelo qual a causalidade material e local se exerce. Mais tarde, com Newton e sua ideia de uma atração gravitacional exercida por corpos sem contato1 1 Embora Newton tenha durante toda a sua vida mantido uma posição ambígua em relação à interpretação de sua concepção gravitacional como uma ideia de ação a distância entre corpos - para tanto, ver a carta que escreveu a Richard Bentley [3] - aparentemente seus seguidores assim o consideraram. , já em fins do século XVII, esse mecanicismo muito rígido foi abandonado, de tal modo que a ideia de causalidade mecânica passou a ser associada muito mais diretamente à ideia de força. No entanto, durante a vigência daquele século e do predomínio do mecanicismo estrito, as colisões – ou impactos – constituíram o ponto central da descrição física da ação causal. Alexandre Koyré chama a atenção para o fato de que, enquanto a física de Newton será a física das forças, da mesma forma que a de Galileu havia sido a física da gravidade, a de Descartes, quase contemporânea à do genial florentino, foi a física dos choques [4][4] A. Koyré, Études Galiléennes (Hermann, Paris, 1966)..

Por conseguinte, esse problema das colisões foi atacado por pensadores das duas vertentes: atomistas e cartesianos. Entre os primeiros, podemos destacar os precursores, como o holandês Isaac Beeckman [5][5] K. Van Berkel, Isaac Beeckman on Matter and Motion: Mechanical Philosophy in the Making (The John Hopkins University Press, Baltimore, 2013). e, possivelmente, o inglês Thomas Harriot [6][6] R. Kargon, Journal of the History of Ideas 27, 128 (1966).; entre os segundos, o próprio Descartes, que dedicou a esse tema um importante espaço na construção de sua imagem do mundo físico, e, em certa medida, o holandês Christiaan Huygens, que deu ao problema uma solução correta. Sem, contudo, uma filiação muito explícita a qualquer dessas vertentes, os ingleses Christopher Wren e John Wallis também contribuíram significativamente para a análise do problema, apresentando soluções corretas para determinados casos.

Esse trabalho segue, pois, a linha cronológica, apontando as principais contribuições desses estudiosos ao tema. Na seção 2 apresentamos os estudos iniciais de Thomas Harriot e Isaac Beeckman. Na seção 3 fazemos uma apresentação algo detalhada do tratamento dado por René Descartes, de caráter profundamente sistêmico. No caso, fazemos também um resumo dos pressupostos filosóficos que orientaram seu pensamento científico. Nas seções 4 e 5, analisamos as elaborações de John Wallis e Christopher Wren, que apresentaram soluções para o problema, ainda que para situações específicas. Por fim, na seção 6 apresentamos o tratamento dado por outro grande estudioso, Christiaan Huygens. Mostramos como nele o pensamento físico aparece de forma bem amadurecida, sendo ele responsável pelo esboço de importantes princípios, como o da conservação da energia mecânica, por novos conceitos, como o que seria futuramente chamado de energia cinética, e por uma inteligente aplicação do princípio de relatividade do movimento na solução de problemas de colisão.

2. Os precursores: Thomas Harriot e Isaac Beeckman

Uma das primeiras tentativas de análise do problema das colisões veio do inglês Thomas Harriot (1560-1621). Harriot foi um matemático, astrônomo e cientista. Discute-se se sua concepção da natureza e da matéria estaria ancorada na doutrina atômica [6][6] R. Kargon, Journal of the History of Ideas 27, 128 (1966)., mas esse não é um tema pacificado [7][7] J. Henry, History of Science 20, 267 (1982).. No entanto, seu interesse pelo problema das colisões parece estar relacionado a uma concepção corpuscular da luz. Provavelmente a partir dessa concepção Harriot teria feito estudos sobre a reflexão da luz, correspondendo-se a esse respeito com Kepler, que em 1604 havia escrito a obra Astronomia Pars Optica.

Os estudos de Harriot a respeito das colisões estão contidos no livro De reflexione corporum rotundorum. Nele há um tratamento geométrico do problema, a partir do qual se segue uma construção algébrica.

Em figuras contidas no texto (ver Figura 1), podemos ver diagramas geométricos indicando a colisão entre dois corpos, de tamanhos distintos. As linhas retas que formam esses diagramas estão associadas às velocidades dos objetos envolvidos e às diversas tendências de movimento, chamadas “nutus”, que compõem as etapas da construção que leva ao resultado final.

Figura 1
Esquema de colisão elaborado por Harriot - Extraído do Manuscrito HMC 241/VIa f.23, disponível em http://echo.mpiwg-berlin.mpg.de/content/scientific_revolution/harriot/harriot_manuscripts.

Segundo Harriot, a construção geométrica seria feita da seguinte forma (Figura 2): sejam os dois corpos a colidir, um partindo de a e outro de A. Eles entram em contato na posição b do primeiro e B do segundo. As medidas das linhas retas ab e AB representam as velocidades iniciais de um e de outro.

Figura 2
Esquema de colisão elaborado por Harriot, tal como no Manuscrito HMC 241/VIa f.23, disponível em http://echo.mpiwg-berlin.mpg.de/content/scientific_revolution/harriot/harriot_manuscripts.

A primeira parte da construção associa-se à pergunta formulada por Harriot: consideremos o choque de um corpo b com outro, B, de igual tamanho, porém em repouso. Como B reagiria se fosse atingido por b com uma “força” correspondente a seu movimento de d (de que falaremos logo adiante) para b? Harriot responde: B “lhe resistiria e o repeliria com uma resistência igual à força recebida, a saber, aquela de d para b[8][8] J.A. Lohne, Archives for History of Exact Sciences 20, 202 (1979)., p. 202.

Portanto, a construção se inicia dessa maneira. Constrói-se uma linha vertical passando pelos centros dos dois corpos, quando na posição de contato. A partir de a, traça-se então uma perpendicular a essa linha, cortando-a no ponto d. A linha db representa o “nutus” inicial do objeto menor, enquanto a linha ad representa sua “força” ou “poder ativo”. Da mesma forma, a partir de A traça-se uma perpendicular à linha vertical, cortando-a em D. A linha DB representará o “nutus” inicial de B. Em função da colisão, esses “nutus” serão modificados.

Conforme vimos, segundo Harriot, para a obtenção da velocidade final primeiramente se considera que o corpo b colide com um corpo B, igual a ele, estando esse último em repouso. Como resultado disso, ainda de acordo com Harriot, o “nutus” inicial de b se inverte, assumindo a linha bd.

Entretanto, o corpo B não está parado. Desse modo, deve-se acrescentar ao “nutus” final de b, produzido caso B estivesse realmente em repouso, a contribuição do movimento de B à reflexão de b. Segundo Harriot, essa contribuição corresponderia à medida do “nutus” inicial de B, ou seja, à medida da linha DB; essa medida deveria ser acrescida à linha bd, definindo o ponto e, tal que de=DB.

Contudo, também, B não é igual a b; portanto, deve-se adicionar às medidas geométricas uma contribuição devida à diferença de tamanho entre os dois corpos. Se B é maior do que b, essa diferença produz o aumento da medida be, que seria o resultado para o “nutus” final de b caso os dois corpos fossem iguais. Obtém-se, então, um novo ponto, f. A localização de f provém da seguinte condição2 2 Utilizamos aqui a notação original do autor, onde os dois pontos simples representam a expressão “está para”, representada hoje por um traço de divisão, enquanto os dois pontos duplos significam “assim como”, que nós hoje representamos por um sinal de igual.

(1) B : ( B b ) :: b e : e f ,

ou seja, o acréscimo está ligado a uma proporção entre os tamanhos dos dois corpos, mais precisamente, entre o tamanho do maior e a diferença entre eles. Assim, se B é 6 vezes maior do que b, então se obtém que ef=5be6. Têm-se, desta maneira, a medida final bf.

Harriot acrescenta ainda uma última construção gráfica, traçando a partir de f uma linha fc, exatamente congruente a ab. A linha bc representaria, finalmente, a velocidade final de b.

Procedimento exatamente análogo se faz para B, com a diferença de que, dado que B seja maior do que b, em lugar de o último (segundo) termo de correção de seu “nutus” ser um fator de aumento, será de diminuição, levando à linha final FC, mostrada na figura.

Se tentarmos traduzir as construções geométricas de Harriot em termos de equações algébricas em linguagem da física atual, veremos que os resultados previstos por ele não estão de acordo com o que temos hoje [8][8] J.A. Lohne, Archives for History of Exact Sciences 20, 202 (1979).. No entanto, sua abordagem tem o mérito de um pioneirismo no tema.

O holandês Isaak Beeckman foi um dos primeiros grandes adeptos da nova filosofia mecanicista de base atomista, embora Stephen Gaukroger prefira a caracterização de corpuscular, em lugar de atomista [9][9] S. Gaukroger, Descartes: an intelectual biography (Clarendon Press, Oxford, 1995).. Nesse cenário, também interessou-lhe bastante o problema das colisões.

Beeckman aplicou essa filosofia natural corpuscular em diversas áreas, incluindo hidrostática, óptica, gravitação e acústica. Em cada caso, o objetivo era reduzir o fenômeno a um modelo microcorpuscular, no qual o impacto era a única forma de ação e a transferência de momento o único resultado dessa ação.(T.A.) [9][9] S. Gaukroger, Descartes: an intelectual biography (Clarendon Press, Oxford, 1995)., p. 71-72.

Especificamente, preocupava a Beeckman a questão: se nas colisões há dissipação de movimento, então o Universo deveria estar estático, o que não ocorre!

É um argumento contra aqueles que admitem átomos, e dessa forma contra mim mesmo, essa objeção, que pelo meu julgamento é tão grande que eu não posso solucioná-la.(T.A.) [10][10] I. Beeckman, Journal tenu par Isaac Beeckman de 1604 à 1634, Tome 2: 1619-1627, editado por C. de Waard (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1942)., p. 100.

Para Beeckman, a incompressibilidade dos átomos impedia que a colisão produzisse um ricocheteio. Dessa maneira, o único resultado possível seria o movimento conjunto dos dois corpos que colidissem.

Ele tratou então o problema a partir do princípio de que, tanto maior um corpo, menor será a velocidade que certa força conseguirá lhe imprimir. No caso da colisão entre um corpo se movendo e outro, em repouso, Beeckman parece ter pensado em termos de uma “força (de movimento)”, do qual o corpo incidente está dotado; com a colisão, essa “força” tem a incumbência de mover os dois corpos, conjuntamente. Desse raciocínio, Beeckman inferiu que existirá uma relação entre a velocidade do corpo incidente e a velocidade dos corpos a se moverem em conjunto. Dado que é a mesma “força” a atuar nos dois casos, antes e depois da colisão, essa relação entre as velocidades será inversa à relação entre a massa do primeiro corpo, individualmente, e a (o que chamamos hoje de) massa do conjunto formado pelos dois, movendo-se solidariamente.

Chamando c1 e c2, respectivamente, a massa do corpo incidente e a massa somada de ambos, bem como v1 e v2 as velocidades do corpo incidente e do conjunto após a colisão, Beeckman escreveu

(2) c 1 : c 2 :: v 2 : v 1 ,

que quer dizer: c1 está para c2 assim como v2 está para v1.

Em linguagem e escrita modernas, isso nos fornece

(3) m 1 m 1 + m 2 = V f u 1 i ,

onde m1 e m2 são as massas dos dois corpos, u1i a velocidade do corpo incidente e Vf a velocidade do conjunto após o choque, o que é essencialmente correto. Na verdade, essa “força” a que se refere Beeckman parece, de algum modo, uma antecipação intuída, porém não conscientemente formulada, da “quantidade de movimento” proposta por Descartes. Por outro lado, a conclusão que Beeckman tira desse resultado é que, como a velocidade final do agregado será menor do que a do corpo incidente, a colisão tem por efeito a extinção de parte do movimento.

Ele faz então uma aplicação desse raciocínio para diversos exemplos de colisões, nos quais variam as proporções materiais dos corpos envolvidos. Por exemplo, nas anotações de seu diário correspondentes ao final de 1618, ele considera o caso de dois corpos iguais:

E o mesmo agora se o corpo em repouso for atingido por um corpo posto em movimento, em qualquer direção. Agora o corpo em repouso será movido pelo corpo em movimento com a seguinte prescrição: se são de mesma dimensão3 3 A tradução para o inglês usa a expressão same body. , ambos serão movidos de forma duas vezes mais lenta do que o primeiro era movido.(T.A.) [11][11] I. Beeckman, Journal tenu par Isaac Beeckman de 1604 à 1634, Tome 1: 1604-1619, editado por C. de Waard (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1942)., p. 265-266.

Beeckman considera, também, tanto situações em que os corpos incidentes são menores do que os atingidos, como o inverso. No primeiro caso, a “dissipação” do movimento é maior do que no segundo.

Ele trata ainda dos casos em que ambos estão em movimento. Por exemplo, novamente em 1618 ele anota em seus diários que, quando “corpos iguais se chocam com iguais velocidades, eles permanecerão exatamente em repouso, cada qual com um movimento anulado.[11][11] I. Beeckman, Journal tenu par Isaac Beeckman de 1604 à 1634, Tome 1: 1604-1619, editado por C. de Waard (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1942)., p.266. Em 1620 ele retorna ao problema. Nessa época, ele especifica explicitamente que esses resultados se devem ao fato de que ele considera átomos absolutamente duros [10][10] I. Beeckman, Journal tenu par Isaac Beeckman de 1604 à 1634, Tome 2: 1619-1627, editado por C. de Waard (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1942).. Se, no entanto, estivéssemos lidando com corpos compostos ou porosos, teríamos outro cenário, em que seria possível o ricocheteio.

Se os dois corpos iguais colidem, ambos em movimento, porém com velocidades diferentes, Beeckman afirma que eles se moverão juntos com metade da diferença entre a velocidade do mais rápido e a do mais lento (ver Figura 3).

Figura 3
Esquema de uma colisão entre dois corpos iguais segundo Beeckman, em 1620.

Se, portanto, corpos iguais se chocam em uma linha reta com velocidades diferentes, a velocidade menor entre as duas será retirada da maior e o corpo [composto] é então considerado em repouso e será movido em conjunto com o restante da maior velocidade, da qual a menor velocidade foi retirada por subtração. Por exemplo: se um corpo é movido em um tempo por quatro partes, enquanto o outro [é movido] por duas partes, na colisão desses corpos eles devem retirar duas partes das quatro, e, as duas retantes serão divididas por dois; esses corpos agregados são movidos, por conseguinte, no mesmo tempo, por uma única parte.(T.A.) [10][10] I. Beeckman, Journal tenu par Isaac Beeckman de 1604 à 1634, Tome 2: 1619-1627, editado por C. de Waard (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1942)., p. 46.

Ainda que Beeckman não fundamente claramente a obtenção desse resultado, no caso de dois corpos iguais ele está correto.

De fato, consideremos nossa análise atual de uma colisão completamente inelástica. Se as massas forem m1 e m2 e as velocidades iniciais, respectivamente, u1 e u2, pela conservação de momento linear escrevemos:

(4) m 1 u 1 + m 2 u 2 = ( m 1 + m 2 ) V f .

Se os dois corpos têm a mesma massa, então (4) se reduz a

(5) V f = | u 1 | | u 2 | 2 ,

que corresponde exatamente ao resultado de Beeckman.

No entanto, quando passa a tratar de colisões entre corpos diferentes, Beeckman faz previsões erradas. Por exemplo, quando considera uma colisão entre dois corpos com velocidades iguais (em módulo) e opostas, um duas vezes o tamanho do outro, ele diz que o conjunto resultante se moverá com um quarto da velocidade inicial de ambos, quando, na verdade, seria um terço.

O corpo duas vezes maior, ao chocar-se com outro com igual velocidade, destrói metade da velocidade, e de fato o faz por seus próprios meios; a velocidade restante é dividida em dois e cada qual é movido quatro vezes mais lentamente do que o corpo maior era movido antes.(T.A.) [11][11] I. Beeckman, Journal tenu par Isaac Beeckman de 1604 à 1634, Tome 1: 1604-1619, editado por C. de Waard (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1942)., p. 266.

Em 1620, Beeckman volta a esse caso em outros termos.

Contudo, se os corpos são distintos, mas com velocidades realmente iguais, o corpo menor é retirado do maior e então o menor é considerado em repouso. Se, portanto, o restante do corpo maior é igual ao corpo menor, cada qual será movido com metade da velocidade anterior,(…)(T.A.) [10][10] I. Beeckman, Journal tenu par Isaac Beeckman de 1604 à 1634, Tome 2: 1619-1627, editado por C. de Waard (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1942)., p. 46.

O significado desse enunciado é: se um corpo é o dobro do outro, descontamos de sua dimensão material a do outro, de tal modo que o que resta é igual à do segundo. Isto posto, consideramos a colisão de dois corpos iguais, com o segundo em repouso, de modo que a velocidade final do agregado será metade da velocidade incidente. Essa conclusão é diferente da anterior (que era um quarto da velocidade inicial), mas também não é correta, pois sabemos que será igual a um terço.

Durante todo o tratamento do problema, Beeckman esteve tomado pela ideia de que as colisões extinguem o movimento (tal como retratado pelas velocidades), de tal modo que o destino de um Universo atomístico em que os átomos colidissem permanentemente seria o repouso total, o que não ocorre. Para ele isso era um enigma, ainda a ser solucionado.

3. A tentativa de formulação sistemática: René Descartes

René Descartes promoveu uma verdadeira ruptura na história da filosofia. Muitos o consideram o pai da filosofia moderna.

O projeto filosófico de Descartes consistia em nada menos do que a refundação de toda a filosofia ocidental, contaminada, segundo ele, por uma série de equívocos e convicções duvidosas, cuja expressão maior eram as diversas controvérsias filosóficas que se sucediam ao longo da história do pensamento do Ocidente, opondo correntes de pensamento que se julgavam, todas elas, detentoras da verdade [12][12] R. Descartes, Discours de la Méthode, in Oeuvres Complètes de Descartes, Tome VI, editado por C. Adam e P. Tannery (Leopold Cerf, Paris, 1902).. A base desse projeto refundacional de Descartes seria o método, conhecido como o da “dúvida metódica”, de duvidar de toda afirmação, ainda que aparentemente certa, submetendo-a ao escrutínio da razão antes de aceitá-la e adotá-la como correta.

Fiel a essa linha metodológica, Descartes construiu uma filosofia de clara natureza racionalista, em que a verdade das proposições se apoiaria na correta aplicação do raciocínio à extração das consequências lógicas de certas ideias inatas, por si já claras e evidentes, ou seja, inquestionáveis. O conhecimento deveria se construir, portanto, não a partir de percepções empíricas extraídas de sentidos enganosos, mas somente das faculdades da razão humana, única fonte confiável para nosso entendimento da realidade.

Como primeira dessas verdades, Descartes identifou o sujeito pensante: ainda que se duvide de tudo mais, é impossível duvidar de que haja alguém ou algo duvidando sem que se incorra em uma contradição lógica. Estava identificado o “cogito” cartesiano.

A segunda verdade concluída por Descartes é a existência de Deus, como ser sumamente perfeito. De fato, raciocina ele, temos em nossa mente a idéia de perfeição. No entanto, como não somos perfeitos, essa idéia tem de ser gerada a partir de fora, por um ser perfeito por excelência, cuja existência se torna logicamente necessária [13][13] R. Descartes, Méditations touchant la Prémière Philosophie, in Oeuvres Complètes de Descartes, Tome IX, editado por C. Adam e P. Tannery (Leopold Cerf, Paris, 1904)..

Por outro lado, Descartes concordava com Aristóteles em relação à impossibilidade do vácuo. Para ele, a existência do nada seria uma contradição lógica; afinal, como conferir ao nada um atributo positivo como a existência. Em outras palavras, a proposição “o nada existe” seria equivalente a afirmar um predicado desprovido de sujeito.

Por conseguinte, assim como Aristóteles, para Descartes o Universo era pleno, isto é, completamente preenchido por matéria.

Para Descartes, o ser perfeito, a que chamamos Deus, criou o mundo, dando à matéria ubíqua um movimento inicial e produzindo o movimento que observamos hoje. No entanto, segundo Descartes, se a criação do mundo reflete a perfeição do seu criador, não faz sentido imaginar que a quantidade de movimento inicialmente atribuída ao mundo não fosse a ideal e que, portanto, sofresse modificações posteriores. Pelo contrário, a perfeição de Deus se traduz na perfeição de suas ações, e a conservação da quantidade de movimento total do Universo é uma manifestação disso.

Depois de ter examinada a natureza do movimento, é necessário considerar a sua causa. E porque ela pode ser tomada de duas maneiras, começaremos pela primeira e mais universal, a que produz geralmente todos os movimentos do mundo; a seguir consideraremos a outra, aquilo que faz com que cada parte da matéria adquira o que antes não tinha. Quanto à primeira, parece evidente que não há qualquer outra a não ser Deus, cuja onipotência deu origem à matéria com seu movimento e o repouso de suas partes, conservando agora no universo, pelo seu concurso ordinário, tanto movimento e repouso como quando o criou. Pois, embora o movimento não seja mais do que um modo da matéria que se move, ele possui, no entanto, uma certa quantidade que nunca aumenta nem diminui, ainda que em algumas de suas partes haja mais e em outras haja menos.(…) Também sabemos que Deus é a perfeição, não só por ser de natureza imutável, mas sobretudo porque age de uma maneira que nunca muda: e isso é tão verdade que, excetuando as mutações e os movimentos que vemos no mundo(…), não devemos imaginar outros em Suas obras, sob a pena de Lhe atribuirmos inconstância. Donde se segue que Deus, tendo posto as partes da matéria em movimento de diversas maneiras, manteve-as sempre a todas da mesma maneira e com as mesmas leis que lhes atribuiu ao criá-las e conserva incessantemente nessa matéria uma quantidade igual de movimento(T.A.) [14][14] R. Descartes, Principes de Philosophie, in Oeuvres Complètes de Descartes, Tome IX, editado por C. Adam e P. Tannery (Leopold Cerf, Paris, 1904)., p. 84.

Essa formulação já havia sido apresentada anteriormente aos Princípios de Filosofia, no livro O Mundo, de 1632-33.

A filosofia científica de Descartes é mecanicista. Para ele, as ações materiais entre os corpos se dão por contato direto. Nesse sentido, o problema das colisões despertou enormemente seu interesse.

Na verdade, o problema das colisões absorveu grande parte da atividade científica de Descartes. Ele deu ao longo da vida diferentes tratamentos a essa questão. Aparentemente, em todas eles havia um elemento em comum: o princípio da conservação da quantidade de movimento. É interessante analisarmos algumas etapas dessa evolução cronológica.

Conforme dissemos, em 1632-33 Descartes escreveu O Mundo. Seria a descrição da organização física e cosmológica de um mundo supostamente hipotético4 4 Especula-se que a condenação de Galileu pela Inquisição, em 1632, tenha sugerido a Descartes a prudência de dar a seu “mundo” um caráter convenientemente hipotético. . Em seu capítulo sobre as leis da Natureza, Descartes apresenta três regras fundamentais.

A primeira delas diz respeito à tendência de persistência do estado dos objetos:

A primeira é que cada parte da matéria, tomada individualmente, continua sempre no mesmo estado enquanto não encontrar outra parte que lhe force a mudar;(T.A.) [15][15] R. Descartes, Le Monde, in Oeuvres Complètes de Descartes, Tome XI, editado por C. Adam and P. Tannery (Leopold Cerf, Paris, 1909)., p. 38.

Já a terceira regra, apresentada no capítulo sete, contém, na verdade, o princípio que ficou conhecido como Lei da Inércia:

A minha terceira regra consiste no seguinte: que quando um corpo se move, ainda que seu movimento, na grande maioria das vezes, se faça em linha curva e que esse corpo não possa jamais fazer qualquer movimento que não seja de algum modo circular, como já dissemos acima, cada uma das suas partes em particular tende sempre a continuar o seu movimento em linha reta.(T.A.) [15][15] R. Descartes, Le Monde, in Oeuvres Complètes de Descartes, Tome XI, editado por C. Adam and P. Tannery (Leopold Cerf, Paris, 1909)., p. 43-44.

A regra que trata explicitamente do problema das colisões é, na verdade, a segunda: uma lei de conservação da quantidade de movimento:

Como segunda regra, suponho que, quando um corpo empurra outro, ele não pode lhe transmitir movimento algum sem que perca, simultaneamente, um tanto do seu próprio movimento, nem tampouco lhe retirar movimento sem que o seu próprio aumente na mesma quantidade. Essa regra, junto com a precedente, se refere a todas as experiências em que um corpo começa ou cessa seu movimento, na medida em que é empurrado ou parado por outro.(T.A.) [15][15] R. Descartes, Le Monde, in Oeuvres Complètes de Descartes, Tome XI, editado por C. Adam and P. Tannery (Leopold Cerf, Paris, 1909)., p. 41.

Descartes utiliza então essa segunda regra como base da explicação do fato de que uma pedra, por exemplo, quando lançada ao ar, não se movimenta indefinidamente.

Não devemos nos perguntar primeiro por que ela não continua a se mover para sempre? Mas a razão disso é simples, pois, quem pode negar que o ar no qual ela se move lhe ofereça certa resistência?(…) Mas se deixarmos de explicar o efeito da resistência segundo nossa segunda regra e pensarmos que, quanto mais um corpo possa resistir, mais ele será capaz de deter o movimento dos outros, como poderíamos nos persuadir, em princípio, teremos novamente muita dificuldade em explicar por que o movimento dessa pedra se amortece mais ao encontrar um corpo mole, cuja resistência é medíocre, do que ao encontrar outro mais duro e que lhe resiste mais; e por que, tão logo ela faça um pouco de esforço contra esse último, ela retorne imediatamente, como sobre seus próprios passos, em lugar de se deter ou interromper seu movimento por causa daquele. Ao passo que, supondo a segunda Regra, não há nisso dificuldade alguma, pois ela nos ensina que o movimento de um corpo não é retardado pela colisão com outro na proporção em que esse último lhe resiste, mas sim na proporção em que essa resistência é superada; e que, na medida em que esse último se submete, ele recebe a mesma força de se movimentar que o outro perde.(T.A.) [15][15] R. Descartes, Le Monde, in Oeuvres Complètes de Descartes, Tome XI, editado por C. Adam and P. Tannery (Leopold Cerf, Paris, 1909)., p. 42.

Aqui, aparentemente entra em cena uma concepção que Descartes tornará explícita nos Princípios de Filosofia: quando um corpo colide com outro, há um embate entre sua capacidade de mover o outro e a do outro resistir a ele. Esse embate pode resultar em dois desfechos excludentemente alternativos: caso a capacidade de resistência do alvo seja superior à capacidade do corpo incidente de movê-lo, o primeiro fracassará nessa ação e não transmitirá qualquer movimento ao segundo. Assim sendo, conservará intacto seu movimento, retornando com a mesma velocidade com que veio. Caso sua capacidade de movimentar o alvo supere a de esse lhe resistir, então comunicará ao segundo parte do seu movimento, tão mais quanto menor for a resistência daquele e, por conseguinte, mais perdendo de seu movimento original.

No caso da pedra analisado, o ar, opondo-lhe pouca resistência, recebe dela muito movimento e se move, enquanto a pedra perde o seu e termina parando. Por outro lado, quando a pedra bate em alguma superfície dura, que lhe opõe grande resistência, não consegue superá-la e, então, retorna em sentido contrário, com a mesma velocidade.

Não se deve deixar de perceber aqui, no entanto, um elemento importantíssimo – e equivocado – da concepção de Descartes: a quantidade de movimento é uma grandeza sempre positiva, independente do sentido em que esse movimento ocorra; para frente ou para trás, desde que com a mesma velocidade, a quantidade de movimento seria a mesma. Em outras palavras, Descartes não considerou a possibilidade de utilização de números negativos – na realidade, esse conceito estava sendo formulado contemporaneamente – na descrição do problema.

Finalmente, podemos dizer que em O Mundo Descartes apenas esboça uma solução do problema. Não há um esclarecimento de como determinar a capacidade de um corpo resistir a outro, determinando com isso o desfecho do embate entre a “força de movimento” – se assim podemos chamar – do corpo incidente e a resistência do alvo. Não há, em suma, uma abordagem quantitativa precisa do problema. Essa seria remetida à obra posterior, de 1644, os Princípios de Filosofia.

Nessa nova obra Descartes apresentou um conjunto de três leis básicas, que se desdobram em regras a governar os processos de colisão. As duas primeiras leis reeditam, na essência, a primeira e a terceira regras apresentadas em O Mundo.

A primeira lei da natureza: cada coisa em particular permanece em seu estado tanto quanto possa e que jamais o alterará sem que seja pelo encontro com outras.(…)Mas uma vez que tenha começado a se movimentar, não temos qualquer razão para pensar que ela deixaria de se mover com a mesma força, enquanto não encontrar qualquer coisa que retarde ou faça cessar seu movimento. De forma que, se um corpo começar a se mover, devemos concluir que continuará sempre a mover-se, sem parar por si mesmo.(T.A.) [14][14] R. Descartes, Principes de Philosophie, in Oeuvres Complètes de Descartes, Tome IX, editado por C. Adam e P. Tannery (Leopold Cerf, Paris, 1904)., p. 84.

A segunda lei da natureza: que todo corpo que se move tende a continuar seu movimento em linha reta.(T.A.) [14][14] R. Descartes, Principes de Philosophie, in Oeuvres Complètes de Descartes, Tome IX, editado por C. Adam e P. Tannery (Leopold Cerf, Paris, 1904)., p. 85.

A terceira lei é aquela que trata especificamente do fenômeno das colisões, estabelecendo regras para o resultado desses fenômenos, conforme o atingido seja mais ou menos “forte” do que aquele que o atinge. Dito de outra forma, há uma disputa entre a “força” que o corpo incidente possui de prosseguir em seu movimento e a “força” que o alvo possui de lhe resistir. A questão do embate, apenas sugerida em O Mundo, agora é explicitada.

A terceira lei: se um corpo que se move encontrar outro mais forte, o seu movimento não diminui em nada; se encontrar um corpo mais fraco, que consiga mover, só perderá o movimento que lhe transmitir.

A terceira lei que observo na natureza é que, se um corpo que está em movimento e encontra outro tiver menos força para continuar a mover-se em linha reta do que esse para lhe resistir, ele perderá sua determinação, sem nada perder de seu movimento; e que se tiver mais força, ele moverá consigo o outro corpo e perderá tanto movimento quanto lhe der.(T.A.) [14][14] R. Descartes, Principes de Philosophie, in Oeuvres Complètes de Descartes, Tome IX, editado por C. Adam e P. Tannery (Leopold Cerf, Paris, 1904)., p. 87.

Nesta lei, como antes, Descartes estabelece condições em que o corpo incidente é refletido pelo corpo atingido, ou então, em que lhe transfere parte de sua quantidade de movimento. Quando B incide sobre C, se a força de B em prosseguir for inferior à força de C em resistir a ele, B preservará completamente a quantidade de seu movimento, sem nada transmitir a C, apenas invertendo o seu sentido. Pelo contrário, se a “força” de B supera a de C, então B vence o “combate”, mantendo o sentido de seu movimento e transmitindo parte dele a C.

A partir dessas considerações, Descartes desdobra sete regras aplicáveis às colisões. São exemplos de aplicação de sua (terceira) lei geral; consideram situações específicas, submetidas às seguintes restrições:

  • i)

    colisão entre dois corpos apenas;

  • ii)

    os corpos que colidem são duros;

  • iii)

    os movimentos não são perturbados por qualquer outro corpo que não aqueles envolvidos na colisão;

  • iv)

    trata-se do que hoje chamaríamos de colisões frontais.

Com efeito, acontece frequentemente que a experiência pode parecer de início repugnar às regras que eu acabei de estabelecer, porém a razão é evidente, pois elas pressupõem que os dois corpos, B e C, são perfeitamente duros e estão afastados de todos os demais; que não há qualquer corpo em torno deles que possa ajudar ou impedir seus movimentos; e nós não vemos nada de semelhante no mundo.(T.A.) [14][14] R. Descartes, Principes de Philosophie, in Oeuvres Complètes de Descartes, Tome IX, editado por C. Adam e P. Tannery (Leopold Cerf, Paris, 1904)., p. 93.

Descartes faz as devidas ressalvas a esse tratamento:

É por isso que, antes que sejamos capazes de julgar se eles se obstruem ou não, não basta saber como dois corpos, tais quais B e C, podem agir um contra o outro quando se encontrarem, mas é necessário, além disso, considerar de que forma os corpos que os rodeiam podem aumentar ou diminuir sua ação.(T.A.) [14][14] R. Descartes, Principes de Philosophie, in Oeuvres Complètes de Descartes, Tome IX, editado por C. Adam e P. Tannery (Leopold Cerf, Paris, 1904)., p. 93.

Isso posto, Descartes parte para o estabelecimento das regras. As três primeiras se referem a dois corpos, B e C, que se movem em sentido contrário.

A primeira delas consiste em que, se esses dois corpos [que colidem], por exemplo B e C, forem exatamente iguais e se movam com velocidades iguais em linha reta, um em direção ao outro, quando se encontrarem, ambos se empurrarão igualmente e retornarão para o lado de onde vieram, sem perder nada de suas velocidades. Pois não há causa alguma que possa retirá-las deles, porém há uma, muito evidente, que deve forçá-los a retornar, refletidos; e, uma vez que essa causa será igual, para um e para outro, os dois serão refletidos da mesma maneira.

(…)

A segunda consiste em que, se B é, por pouco que seja, maior do que C, caso eles se encontrem com a mesma velocidade, somente C retornará em direção ao lado de onde tiver vindo, e eles continuarão seu movimento juntos em direção a esse mesmo lado. Pois B, tendo mais força do que C, não poderia ser forçado por ele a retroceder.

(…)

A terceira: se esses dois corpos são de mesmo tamanho, mas se B é, por pouco que seja, mais veloz do que C, após terem-se encontrado, não somente C retrocederá, mas eles se movimentarão juntos, como anteriormente, em direção ao lado de onde veio C; mas também seria necessário que B transferisse a C metade da velocidade que tivesse a mais, já que, lhe tendo diante de si, não poderia ir mais rápido do que ele, de modo que se B tivesse, por exemplo, seis graus de velocidade antes do encontro e C somente quatro, B lhe transferiria um dos dois graus que tivesse a mais e, assim, eles iriam, após, cada qual com cinco graus de velocidade: pois a B é muito mais fácil comunicar um de seus graus de velocidade a C do que é para C mudar o curso de todo o movimento que está em B.(T.A.) [14][14] R. Descartes, Principes de Philosophie, in Oeuvres Complètes de Descartes, Tome IX, editado por C. Adam e P. Tannery (Leopold Cerf, Paris, 1904)., p. 90.

Embora Descartes não tenha utilizado explicitamente o conceito de massa – de resto, ainda em gestação –, muito menos de módulo, podemos traduzir essas regras em termos de linguagem física mais moderna: sejam MB e MC as massas de B e de C, respectivamente, vB e vC os módulos de suas respectivas velocidades antes do choque e vB e vC os módulos de suas respectivas velocidades após o choque.

I - A primeira regra trata do caso em que as massas são iguais e os módulos das velocidades iniciais também são iguais.

Se MB=MC e vB=vC, então vB=vC=vC=vB. Tanto B como C movem-se em sentidos opostos ao sentido original (ver Figura 4).

Figura 4
Esquema de uma colisão entre dois corpos iguais e de velocidades iguais, porém de sentidos opostos, segundo Descartes.

II - A segunda regra trata do caso em que a massa de B é pelo menos um pouco maior do que a de C, mas os módulos de suas velocidades são iguais.

Se MB>MC e vB=vC, então vB=vC. B continua a se mover no mesmo sentido, mas inverte o sentido do movimento de C (ver Figura 5).

Figura 5
Esquema de uma colisão entre um corpo maior e outro, menor, de velocidades iguais, porém de sentidos opostos, segundo Descartes.

III - A terceira regra trata do caso em que B e C têm a mesma massa, porém B está mais rápido do que C.

Se MB=MC e vB>vC, então vB=vC=VC+(VBVC)2. B continua a se mover no mesmo sentido, mas novamente inverte-se o sentido do movimento de C (ver Figura 6).

Figura 6
Esquema de uma colisão entre dois corpos iguais, porém B com velocidade maior do que C (sentidos opostos), segundo Descartes.

As regras quatro a seis tratam do caso em que o corpo C está em repouso.

A quarta consiste em que, se o corpo C for, por pouco que seja, maior que B e estiver inteiramente em repouso - quer dizer, que ele não somente não tenha movimento aparente, mas que tampouco fosse circundado por ar ou quaisquer outros corpos líquidos, os quais, como direi a seguir, dispõem os corpos duros que circundam a serem movidos muito facilmente - qualquer que seja a velocidade com que B possa vir em direção a ele jamais terá a força de movê-lo, porém será obrigado a retroceder em direção ao mesmo lado de onde veio.

A quinta regra consiste em que, se, pelo contrário, o corpo C, por pouco que seja, é menor do que B, este não poderia ir tão lentamente em direção ao primeiro - novamente suposto perfeitamente em repouso - que não tivesse força de empurrá-lo e transferir-lhe a parte do seu movimento necesssária para que, após, se movessem juntos com a mesma velocidade. Assim, se B é o dobro de C, ele lhe transferiria um terço de seu movimento, devido ao fato de que o terço de seu movimento faria C mover-se tão rapidamente quanto os dois terços restantes fariam com B, já que o supusemos duas vezes maior do que C. Logo, depois que B tiver encontrado com C, ele irá um terço mais lentamente do que antes, de tal modo que, no mesmo tempo em que antes ele teria percorrido três espaços, agora ele percorrerá apenas dois.

(…)

A sexta regra consiste em que o Corpo C, estando em repouso e sendo perfeitamente igual em grandeza ao corpo B, que se move em direção a ele, seria necessário que, em parte, fosse empurrado por B e, em parte, o fizesse retornar, de tal modo que, se B viesse em direção a C com quatro graus de velocidade, seria preciso que lhe transferisse um e que retornasse com os outros três em direção ao lado de onde tivesse vindo. Com efeito, sendo necessário que ou B empurre C sem retroceder e, deste modo, lhe transfira dois graus de seu movimento, ou então que ele retroceda sem empurrar C e, consequentemente, ele retenha seus dois graus de velocidade juntamente com os dois outros que não lhe podem ser retirados; ou ainda que ele retrocedesse com uma parte desses dois graus e que empurrasse C, transferindo-lhe a outra parte. É evidente que, sendo ambos iguais e, portanto, não havendo mais razão para que ele deva retroceder do que para empurrar C, esses dois efeitos devem ser igualmente repartidos, isto é, B deve transferir a C um de seus graus de velocidade e retroceder com o outro.(T.A.) [14][14] R. Descartes, Principes de Philosophie, in Oeuvres Complètes de Descartes, Tome IX, editado por C. Adam e P. Tannery (Leopold Cerf, Paris, 1904)., p. 90-92.

Da mesma forma, essas regras quatro, cinco e seis podem ser traduzidas em linguagem atual como

IV - Se MB<MC e vC=0, então vB=vB e vC=0. Independentemente do valor de sua velocidade, B inverte o sentido do seu movimento e C continua parado (ver Figura 7).

Figura 7
Esquema de uma colisão entre B (menor) e C(maior), parado, segundo Descartes.

V - Se MB>MC e vC=0, então vB=vC=V e, aparentemente, V=MBvBMB+MC. Independentemente do valor de sua velocidade, B mantém o sentido do seu movimento e leva C consigo, com uma velocidade estabelecida em função de sua velocidade inicial e das massas de ambos (ver Figura 8).

Figura 8
Esquema de uma colisão entre B (menor) e C(maior), parado, segundo Descartes.

Neste ponto, parece claramente que Descartes emprega uma lei de conservação de quantidade de movimento, grandeza essa dada pelo produto da massa do corpo por sua velocidade. Em linguagem moderna, Descartes parece raciocinar da seguinte forma:

(6) M B v B + M C v C = ( M B + M C ) V .

VI - Se MB=MC e vC=0, então vB=3vB4 e vC=vB4. B inverte o sentido do seu movimento e transfere movimento para C, fazendo-o movimentar-se no sentido que era o seu original (ver Figura 9).

Figura 9
Esquema de uma colisão entre B (menor) e C(maior), parado, segundo Descartes.

Entretanto, essas regras que dizem respeito ao repouso de um dos corpos - além de sabermos hoje que são erradas - são claramente problemáticas do ponto de vista lógico. Afinal, se a massa de B é muito ligeiramente menor do que a de C, B retornará, ao passo que se for muito ligeiramente maior, B continuará. Há, pois, uma evidente descontinuidade no processo, que ocorre para a massa de B igual à de C.

O entendimento traduzido nessas regras foi introduzido nos “Princípios”. Anteriormente, parece que Descartes sustentava outra concepção. Por exemplo, em uma carta a Marin Mersenne, de dezembro de 1639, ele escreveu:

Se um corpo de certo tamanho, que se move com certa velocidade, encontra outro, igual em tamanho e que não possui movimento, comunicará a ele metade de seu movimento, de forma que ambos irão juntos, com metade da velocidade com que vinha inicialmente o primeiro. Contudo, se ele encontra outro com o dobro de seu tamanho, comunicará a ele dois terços de seu movimento, de modo que, juntos, não percorrerão mais espaços em três medidas de tempo do que o primeiro em uma.(T.A.) [?], p. 627.

Em resumo, apesar de caracterizar um esforço de construção de um pensamento sistemático sobre o problema, apoiado em princípios fundamentais, o tratamento dado por Descartes apresentava diversas inconsistências. A todas essas que foram apontadas anteriormente soma-se outra, não menor do que elas: a contradição entre a concepção de um universo plenamente preenchido por matéria, essencial para Descartes, e a ideia de colisões entre dois objetos corpusculares, sem a interferência de terceiros.

Apesar dos enormes progressos no sentido da adoção de princípios de conservação na análise do problema, a solução correta ainda aguardava a intervenção de outros estudiosos.

4. John Wallis

Na segunda metade do século XVII, o debate sobre o problema das colisões assumiu grande relevância no ambiente científico da “Royal Society” britânica, e os cientistas e pensadores foram estimulados a contribuir para sua devida solução. Entre esses cientistas estavam John Wallis e Christopher Wren.

Em 1668, John Wallis enviou a Henry Oldenburg, Secretário da Instituição, um trabalho intitulado Sumário das leis do movimento, versão abreviada de uma obra que viria em seguida, em 1670: Mecânica ou Tratado Geométrico do Movimento (Mechanica sive de motu tratactus geometricus).

Ao contrário de seus antecessores, Wallis assumiu uma atitude contrária à ideia de conservação da quantidade de movimento, defendendo que o movimento pode desaparecer.

Pois lá eu indico o meu julgamento: que o movimento pode ser extinto, e eu mostrei como, isto é, um Movimento composto de duas forças contrárias pode ser extinto, uma devido à outra, e tornar-se equivalente ao Repouso.(T.A.) [16][16] J. Wallis, em: The Correspondence of Henry Oldenburg, editado por A.R. Hall e M.B. Hall (University of Wisconsin Press, London, 1968), vol. V, p. 1668-1669., p. 274.

Para Wallis, quando dois corpos duros se chocam com velocidades opostas, o movimento se extingue. Para ele, a causa do ricocheteio é a elasticidade; estando ela ausente, o movimento, como um todo, pode desaparecer.

Em lugar de um princípio de conservação de quantidade de movimento, Wallis adota uma abordagem envolvendo a ideia de força, elaborada a partir do funcionamento de máquinas mecânicas [17][17] R.S. Westfall, Force in Newton's Physics (Elsevier, London, 1971).. Segundo ele, “força” (V) consiste em um agente que faz com que determinado “peso” (P) se mova por determinada distância (L), em determinado tempo (T), ou seja, com determinada velocidade (C). Partindo do princípio de que uma força com intensidade “m” vezes a de outra será capaz de movimentar um peso m vezes maior, atribuindo-lhe a mesma velocidade, ou então o mesmo peso com velocidade m vezes maior, Wallis chegou à conclusão de que essa “força” seria proporcional ao produto do “peso” pela velocidade.

(7) V P × C .

No Sumário das Leis do Movimento, Wallis utilizou essa ideia para analisar três casos específicos de colisão entre corpos duros: primeiramente, um “peso” em movimento colide com outro, parado; em segundo lugar, um “peso” colide diretamente com outro, movendo-se na mesma direção e sentido, porém com velocidade de módulo menor; por último, o “peso” colide diretamente com outro, que vem em sentido oposto. Wallis trata, então, esses fenômenos como uma disputa entre uma “força de movimento” (Impetus ou Momentum) e uma “força de resistência” (Impedimentum).

Na obra Mechanica, ele assim as definiu:

Eu chamo aquilo que contribui para produzir movimento ‘Momentum’, e aquilo que impede ou obstrui o movimento de ‘Impedimentum’.(T.A.) [18][18] J. Wallis, em: Force in Newton's Physics (Elsevier, London, 1971)., p. 231.

Também lá encontramos

Eu chamo uma potência que produz movimento [Potentiam efficiendi motum] ‘Força de Movimento’ ou simplesmente ‘Força’(…)

[Eu chamo] uma potência que é contrária ao movimento ou lhe resiste ‘Resistência ou Força que Resiste’ [‘Vim resistendi’].(T.A.) [18][18] J. Wallis, em: Force in Newton's Physics (Elsevier, London, 1971)., p.231.

Na primeira situação, Wallis considerou um “peso” P colidindo com outro “peso”, de valor mP, em repouso. Uma vez que corpos duros não ricocheteiam, segundo ele, após a colisão os objetos se moverão juntos, formando como se fosse outro, de “peso” igual a (1+m)P. Wallis então usa como chave de solução do problema a ideia de que a “força de movimento” existente se mantém, porém movendo agora um corpo (composto) virtualmente mais pesado. Desse modo, segundo o princípio das máquinas por ele formulado (7), poderíamos escrever

(8) P × C = ( 1 + m ) P × C .

Assim, obtemos que

(9) C = P × C ( 1 + m ) P = C 1 + m .

Pulemos a segunda situação e analisemos a solução de Wallis para o terceiro caso: aquele em que dois corpos, movimentando-se em sentidos contrários, colidem.

Para tanto, Wallis considerou um “peso” P, movendo-se para a direita com velocidade C, colidindo com um “peso” mP, movendo-se em sentido contrário com velocidade nC. Seu método baseava-se na ideia de que cada corpo portava um impetus e um impedimentum, que se confrontavam com os do outro corpo, isto é, o impetus de um com o impedimentum do outro.

Assim, do ponto de vista prático, Wallis dividia o problema em duas etapas: o embate entre o impetus do primeiro com o impedimentum do segundo e o embate inverso. Primeiramente, então, ele considerava o que seria a colisão do corpo vindo da esquerda com o segundo, de peso mP, parado. Esse problema corresponde exatamente ao primeiro caso. O resultado é que ambos vão para direita, com a velocidade dada por (9).

Contudo, a essa situação, que, como dissemos, representa o embate entre o impetus do que vem da esquerda com o impedimentum daquele que está à direita, superpõe-se a inversa. Essa é caracterizada por o corpo à direita mover-se com velocidade nC e chocar-se com o outro, inicialmente parado. Aplicando-se o mesmo raciocínio utilizado em (9), obtemos facilmente que a velocidade C do conjunto seria

(10) C = m P × n C ( 1 + m ) P = m n C 1 + m ,

porém, em sentido oposto a C.

Aqui chegamos a um ponto importantíssimo. Aparentemente pela primeira vez na história da física utilizam-se números negativos na descrição de um fenômeno, atribuindo-se a eles um significado de designação do sentido do movimento. Em seu “Tratado de Álgebra”, de 1685, Wallis argumenta em favor do uso desses números, contrariamente ao juízo até então prevalecente de que fossem absurdos.

Não é, contudo, essa Suposição (de Quantidades Negativas) Absurda ou Inútil, quando corretamente entendida. E embora, como para a simples Notação Algébrica, ela signifique uma Quantidade menor do que o nada: ainda assim, quando se trata de uma Aplicação Física, ela denota uma Quantidade tão Real quanto se seu sinal fosse +; mas a ser interpretada em um sentido contrário.

Por exemplo: supondo-se que um homem tenha avançado ou movido-se para frente (de A para B) 5 Jardas; e então recuado (de B para C) 2 Jardas: se perguntarmos quanto ele terá avançado (considerando-se toda a caminhada) ao chegar em C? ou quantas Jardas mais à frente estará de quando estava em A? Eu obtenho (deduzindo 2 de 5), que ele está avançado de 3 Jardas. (Já que +52=+3)

Mas se, tendo Avançado 5 Jardas até B, ele dali retroceder 8 Jardas até D; e, perguntar-se então, quanto ele está Avançado de D, ou quanto mais à frente está do que quando estava em A: eu direi −3 Jardas (pois +58=3). Isso significa que está avançado 3 Jardas menos do que nada.

O que, propriamente falando, não pode ser, (uma vez que não pode haver menos do que nada.) E, portanto, para a linha AB, em frente, o caso é Impossível.

Mas, caso (contrariamente à hipótese), a partir de A, se dê continuidade à linha para trás, encontraremos D, 3 Jardas atrás de A. (O qual se presume estar antes dele).

E, assim, dizer que ele está Avançado −3 Jardas significa apenas que devemos dizer (na forma usual do Discurso) ele está recuado 3 Jardas.(…)

Dessa forma +3 significa 3 Jardas para frente e −3 significa 3 Jardas para trás: porém ainda na mesma linha. (T.A.) [19][19] J. Wallis, Treatise of Algebra, Both Historical and Practical, Shewing the original, progress, and advancement thereof, from time to time, and by what steps it hath attained to the heighth at which now it is (John Playford for Richard Davis, London, 1685)., p. 265.

A partir desse raciocínio, no caso das colisões Wallis associa ao impetus para a direita um sinal positivo e para a esquerda um sinal negativo (ver Figura 10). Deste modo, na colisão em questão, os corpos adquirem um impetus resultante dado por

(11) V = C P 1 + m m n C P 1 + m . = C P ( 1 m n ) 1 + m ,

correspondendo a uma velocidade final

(12) V = C ( 1 m n ) 1 + m .
Figura 10
Esquema de uma colisão entre dois corpos segundo Wallis.

Esses resultados estão essencialmente corretos, em termos atuais, para o caso de colisões totalmente inelásticas (onde os dois corpos passam a se mover juntos). De fato, verifiquemos.

Multipliquemos o numerador e o denominador do lado direito de (12) por P. Teremos

(13) V = C ( P m P n ) P + m P .

Lembremos que P é o que chamaríamos hoje de a massa do corpo 1, ou seja, m1, enquanto mP corresponde, por hipótese, à massa de 2, isto é, m2. Assim, podemos escrever

(14) V = ( m 1 C m 2 n C ) m 1 + m 2 .

Observemos agora que C representa a velocidade do corpo 1, u1, enquanto -nC corresponde à velocidade do corpo 2, u2, de modo que temos

(15) V = ( m 1 u 1 + m 2 u 2 ) m 1 + m 2 ,

que corresponde ao valor que conhecemos hoje para o caso.

5. Uma solução empírica: Christopher Wren

Christopher Wren nasceu na Inglaterra, em 1632. Foi um dos mais prestigiosos arquitetos de sua época. Além disso, destacou-se como cientista em diversas áreas do conhecimento, como astronomia, matemática e física, tendo ocupado a cadeira saviliana de astronomia na Universidade de Oxford e a posição de Presidente da Royal Society.

Como membro (fundador) da Royal Society, Wren respondeu ao chamado da Instituição para a solução do problema das colisões e em 1668 submeteu à Sociedade um artigo intitulado On the collision of bodies (Lex Naturae Collisione Corporum), apresentando um método de solução para o problema.

Em um artigo extremamente conciso, de três páginas, Wren faz, primeiramente, algumas poucas considerações teóricas, cujas primeiras frases são (ver Figura 11):

As mais próprias e verdadeiramente naturais velocidades dos corpos são reciprocamente proporcionais a eles.

Figura 11
Manuscrito de On the collision of bodies, disponível em https://pictures.royalsociety.org/ image-rs-14316, em 26/12/19.

A Lei da Natureza: De onde corpos R e S, tendo suas velocidades próprias, retêm-nas mesmo depois da colisão. E corpos R e S, tendo velocidades impróprias, são, pela colisão, devolvidos ao equilíbrio; ou seja, a quantidade pela qual R excede e S fica aquém de suas velocidades próprias antes da colisão é pela colisão subtraída de R e adicionada a S, e vice-versa.(T.A.)

Seguem-se outras poucas frases, traçando um paralelo entre o problema da colisão e o problema do equilíbrio ou da oscilação de uma balança em função dos corpos que são depositados em seus pratos.

Após essa, até certo ponto nebulosa, introdução teórica, vêm algumas figuras que compõem, de fato, uma representação gráfica da solução do problema (Figura 11). As figuras ilustram possibilidades de colisões, com a determinação gráfica das velocidades finais dos corpos, conforme as diferentes configurações de velocidades iniciais.

O certo é que a apresentação teórica não traz uma indicação clara da origem das regras apresentadas. A menção ao problema da balança faz pensar em uma analogia desenvolvida a partir daquele contexto. Wren fez acompanhar esse artigo de uma série de relatos de experimentos que efetuou com o propósito de inferir essas regras. Curiosamente, no entanto, nenhuma dessas experiências aparentemente envolveu balanças, mas sim pêndulos.

Depois das figuras, Wren encerra seu artigo com um conjunto de equações para solução do problema.

Essencialmente, o método gráfico de Wren consiste no seguinte [17][17] R.S. Westfall, Force in Newton's Physics (Elsevier, London, 1971). [20][20] C. Gauld, Science & Education 7, 49 (1998).: consideremos a colisão entre dois corpos, R e S. Embora Wren não use esse termo, de resto não definido à época, digamos que os corpos tenham massas MR e MS, respectivamente. Suponhamos que R tenha uma velocidade antes da colisão igual a u. O que Wren chama de velocidades próprias dos corpos são velocidades que estão na seguinte proporção:

(16) M R u R = M S u S ,

ainda que em sentidos contrários.

Desse modo, se uR=u, então uS=MRuMS.

Representemos, então, um segmento de reta RS, de comprimento d qualquer, e o dividamos em partes proporcionais a u e a MRuMS. O ponto de divisão se chamará A (ver Figura 12).

Figura 12
Esquema de uma colisão entre dois corpos segundo Wren.

Segundo Wren, se as velocidades de R e S antes da colisão estiverem na proporção própria, após a colisão eles retornarão com a mesma velocidade (diríamos, hoje, em módulo), porém com sentido oposto ao incidente. No entanto, se vierem com velocidades em proporções diferentes, o resultado será diferente.

Segundo o método de Wren, marcarmos então sobre o segmento RS anterior outro ponto, E, que o divida na nova razão, correspondente à proporção entre as velocidades incidentes de R e S. Evidentemente, E pode estar à direita ou à esquerda de A, conforme a proporção entre as velocidades iniciais de R e S seja maior ou menor do que a que Wren chama de própria. Marquemos, por fim, um ponto O, simetricamente disposto a E, tomando-se A como centro de simetria, isto é, OA = AE.

A velocidade final do corpo R será dada graficamente por uma seta partindo de O até o ponto R, enquanto a velocidade final de S será representada por uma seta de O a S. Algebricamente, isto significa que, para obtermos a velocidade final de R devemos primeiramente tomar a velocidade inicial própria em sentido contrário e acrescentar à medida dessa grandeza uma quantidade equivalente à medida do segmento AE. Da mesma forma para S, obtemos sua velocidade final invertendo sua velocidade própria inicial e descontando dela a medida de AE.

Por mais misteriosa que tenha sido a fundamentação desses resultados, para colisões elásticas eles estão corretos do nosso ponto de vista moderno. De fato, em uma colisão elástica de duas partículas, analisada no referencial do centro-de-massa (C.M.), ambas vêm com velocidades iniciais, u1 e u2, em sentidos opostos (por exemplo, u1 é positivo e u2 é negativo), e saem com velocidades de mesmo módulo de antes, porém com sentidos invertidos. No referencial do C.M., dadas as massas, existe uma vinculação entre as velocidades iniciais:

(17) m 1 u 1 + m 2 u 2 = 0.

ou seja, elas sempre estão na proporção definida por Wren como própria.

A medida do segmento RS proposto por Wren corresponde à soma dos módulos das velocidades iniciais, isto é, u1 - u2 (já que u2 é negativa!). Em outro referencial qualquer, a relação entre as velocidades iniciais, u1 e u2, não será como em (17). Porém, pela Lei de Adição de velocidades, temos:

(18) u 1 = u 1 + V C M u 2 = u 2 + V C M ,

onde VCM significa a própria velocidade C.M. no novo referencial. A partir de (18), obtemos

(19) u 1 u 2 = u 1 u 2 ,

ou seja, a medida do segmento RS corresponde também à soma dos módulos das velocidades finais no segundo referencial. Logo, podemos dizer que a medida do segmento RE corresponde a u1, enquanto a do segmento RA corresponde a u1 (já que, como vimos, esse último valor é a velocidade própria para a partícula 1). Por conseguinte, a diferença entre essas medidas, isto é, o comprimento AE, corresponde à diferença entre os valores de u1 e u1, e, portanto, a VCM.

Ora, novamente pela Lei de Adição de Velocidades, a velocidade final da partícula 1 no segundo referencial, v1, estará, de fato, ligada à velocidade final no referencial do C.M. pela relação

(20) v 1 = v 1 + V C M

Contudo, como para uma colisão elástica, v1=u1 (a velocidade mantém o módulo, porém inverte o sentido), substituímos esse resultado em (21) e obtemos

(21) v 1 = u 1 + V C M ,

ou seja, a velocidade final da partícula 1 será mesmo obtida invertendo-se a medida da velocidade inicial válida no referencial do C.M., porém descontando dessa velocidade o valor da velocidade do C.M. (representada graficamente por AE).

Portanto, Wren estabeleceu corretamente as regras para a determinação das velocidades em uma colisão elástica.

6. A Solução de Christiaan Huygens

Christiaan Huygens nasceu em Haia, Holanda, em 1629. Seu pai era amigo de Descartes, e um discípulo desse último, Frans van Schooten, foi professor de matemática de Huygens na Universidade de Leiden. Não é de se surpreender, portanto, que Huygens tenha inicialmente sofrido forte influência do cartesianismo.

No entanto, cedo Huygens despertou para determinadas inconsistências da física de Descartes. Em especial, desde o início da década de 1650 ele se dedicou ao estudo do problema das colisões. Em suas obras completas [21][21] C. Huygens, Oeuvres Complètes de Christiaan Huygens, editado por J.A. Vollgraff (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1888-1950). figuram manuscritos de 1652 e 1654 tratando do tema. Ao procurar estabelecer uma teoria coerente do choque entre corpos duros, Huygens reconheceu a falsidade, em alguns casos, do Princípio da Conservação da Quantidade de Movimento tal como estabecido por Descartes, embora reconhecesse sua aplicabilidade em outros casos. De fato, conforme se viu na seção 3, Descartes fazia uma distinção entre a quantidade do movimento, tomada sempre em valor absoluto, e a “determinação” do movimento, isto é, sua direção e seu sentido. Particularmente, ao analisar o que chamaríamos de colisões frontais, unidimensionais, a “determinação” do movimento se reduzia a seu sentido.

Nesses manuscritos do início da década de 1660 há o registro de equações algébricas que sugerem claramente a aplicação de uma conservação de quantidade de movimento, entendida como o produto de uma medida de grandeza do corpo vezes a velocidade. Mais ainda, Huygens escreve outra equação algébrica, que parece se referir à conservação do produto da grandeza do corpo pelo quadrado da velocidade. Assumindo esses dois princípios de conservação, ele foi capaz de escrever equações para as velocidades dos corpos após a colisão, quando um deles está inicialmente parado, e resolvê-las para a obtenção da velocidade final (após a colisão) daquele que estava inicialmente parado:

(22) b x + a y = a c a c c 2 b c x + b b x x / a + b x x = a c c .

Neste conjunto, a e b representam, respectivamente, medidas de grandezas do corpo menor e do corpo maior(inicialmente parado), c denota a velocidade inicial do corpo menor, e, finalmente, x e y denotam as velocidades finais do corpo maior e do corpo menor [22][22] C. Huygens, De Motu Corporum ex Percussione, in Oeuvres Complètes de Christiaan Huygens, Tome XVI, editado por J.A. Vollgraff (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1929)..

É interessante analisarmos a segunda equação de (22). Ela pode ser obtida a partir de

(23) a c 2 = b x 2 + a y 2 ,

substituindo-se em (23) o valor de y, y=cbx/a, extraído da primeira equação de (22). Isso indica claramente o uso de um princípio de conservação do tipo de energia cinética.

Huygens resolveu o sistema (22) e obteve para a velocidade final do corpo maior, inicialmente parado,

(24) x = 2 c b a + b .

Assim, ele concluiu que a velocidade final do corpo inicialmente em repouso jamais poderia ser zero e que, portanto, as regras de colisão formuladas por Descartes, especialmente a quarta, estão incorretas. A partir dessa constatação, Huygens passou a desenvolver um novo método para solução do problema.

Antes de apresentar esse método, vale um questionamento: como terá surgido esse princípio de conservação de uma quantidade até então impensada, no caso, a que seria chamada posteriormente de energia cinética? A reconstituição das origens desse princípio parece apontar o profundo estudo que Huygens realizou a respeito do movimento de pêndulos e das colisões entre eles [23][23] A.E. Bell, Christian Huygens and the Development of Science in the Seventeenth Century (Edward Arnold, London, 1947).. Este é um raciocício conjectural, apresentado nos comentários da edição das obras completas de Huygens pela Sociedade Holandesa de Ciências [22][22] C. Huygens, De Motu Corporum ex Percussione, in Oeuvres Complètes de Christiaan Huygens, Tome XVI, editado por J.A. Vollgraff (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1929)..

A construção seria complexa e envolveria três elementos: o primeiro, uma adaptação feita por Huygens do chamado Princípio de Torricelli; o segundo, um princípio de reversibilidade das colisões; por fim, a lei cinemática de Galileu sobre o movimento uniformemente acelerado, com a qual, desde muito cedo, Huygens teria tido contato [24][24] P.M.C. Dias, Rev. Bras. Ens. Fís. 35, 1602 (2013)..

O Princípio de Torricelli diz que o centro de gravidade de um sistema composto de vários corpos não pode jamais se elevar pelo simples movimento desses corpos, sem intervenção externa. Huygens então imaginou uma situação em que dois pêndulos, abandonados de certa altura, colidem. Imediatamente após a colisão, eles irão adquirir velocidades horizontais, mas que os farão subir novamente. No entanto, de acordo com o Princípio anterior, o centro de gravidade do conjunto não poderá se elevar acima de sua altura inicial e isso impõe limites às velocidades dos pêndulos imediatamente após o choque. Assim, o movimento horizontal é analisado em termos das restrições do movimento vertical posterior.

Na obra sobre o tema das colisões Sobre o Movimento dos Corpos por Percussão (De Motu Corporum ex Percussione), publicada em 1669, Huygens apresenta o seguinte questionamento: consideremos novamente a situação da colisão de dois pêndulos largados de certa altura. Já vimos que o centro de gravidade coletivo não pode se elevar. Entretanto, poderia ele descer? Huygens invoca então um princípio de reversibilidade dos movimentos, que diz que se dois pêndulos colidem novamente, cada qual com a velocidade que adquiriu após a primeira colisão, então sairão dessa segunda colisão com as mesmas velocidades com que colidiram a primeira vez. Huygens aplica esse princípio na resposta à pergunta anterior.

Suponhamos, por hipótese, que o centro de gravidade do sistema formado pelos dois pêndulos pudesse descer após a colisão entre eles; que, partindo da altura associada aos pontos A e A', após a colisão atingissem C e C' (ver Figura 13). Isso implica que as velocidades com que sairiam após o choque seriam menores do que as que possuíam imediatamente antes. Na verdade, Huygens está aplicando a esses movimentos, que não são retilíneos, a lei de Galileu para o movimento retilíneo uniformemente variado que relaciona o deslocamento ao quadrado da velocidade. Se a altura atingida é a mesma, podemos afirmar que o quadrado da velocidade com que o objeto partiu se conservou; se é menor, essa velocidade é menor.

Figura 13
Esquema de uma colisão entre dois pêndulos abandonados da mesma altura, segundo Huygens.

Os pêndulos subirão até certa altura (menor) e em seguida descerão, colidindo novamente, com a mesma velocidade com que saíram da primeira. Contudo, de acordo com a ideia de reversibilidade, eles sairão desse segundo choque com as velocidades iniciais com que colidiram a primeira vez. Essas eram, como vimos, maiores do que aquelas com que colidiram a segunda vez. Por conseguinte, atingirão uma altura (A e A') maior do que atingiram após o primeiro choque e, dessa forma, o centro de gravidade se elevará em relação à posição de onde partiu em direção à segunda colisão, o que contraria o Princípio de Torricelli. Assim, por redução ao absurdo a partir de suas premissas, Huygens demonstrou que, após a colisão, o centro de gravidade não pode nem se elevar nem descer, de sorte que as alturas máximas atingidas pelos pêndulos serão as mesmas de onde partiram.

Através desse raciocínio, Huygens teria chegado à ideia da conservação da energia cinética nas colisões, elevada ao nível de uma conjectura. Com base nessa ideia ele foi capaz, como vimos, de escrever algebricamente o problema da obtenção das velocidades finais dos objetos que colidem e constatar que os resultados eram inconsistentes com as regras estabelecidas por Descartes.

Todavia, é preciso observar que Huygens jamais resolve as equações (23) para a variável que representa a velocidade final do objeto que incide sobre o outro em repouso. Talvez isso se deva ao fato de que o resultado seria negativo e acarretaria, na época, dificuldades de interpretação. Em lugar dessa solução algébrica, Huygens dá o problema outro encaminhamento.

Primeiramente, Huygens trata casos particulares. Ainda em outubro de 1652 ele escreve a van Schooten a respeito do caso de colisão de dois corpos que se movem em sentidos contrários, porém de tal forma que o produto da “grandeza” do corpo pela velocidade é igual (em valor absoluto) para os dois. Para Huygens, após a colisão ambos retornarão para o lado de onde vieram, com a mesma velocidade – diríamos, hoje, em módulo – com que vieram. Essa conclusão seria mais bem fundamentada na obra De Motu Corporum ex Percussione, da qual se tornaria a proposição VIII.

A partir desse caso, Huygens consegue estabelecer um método de solução para qualquer outra situação. Para tanto, ele utiliza outro princípio fundamental, qual seja, o da relatividade do movimento. Segundo esse princípio, as relações que descrevem as colisões são as mesmas para todos os observadores que se movam com velocidade constante uns em relação aos outros.

O movimento dos corpos e suas velocidade, iguais ou desiguais, devem ser compreendidas respectivamente em relação a outros corpos, supostos em repouso, embora, talvez, esses como aqueles estejam sujeitos a algum outro movimento que lhes seja comum. Consequentemente, quando dois corpos colidem, ainda que eles experimentem algum outro movimento uniforme, eles agirão um sobre o outro em relação a outro corpo que compartilhe do movimento da mesma forma como quando esse movimento acessório fosse ausente em todos.

Assim, quando alguém, transportado por um barco que avança em movimento uniforme, faz colidirem duas bolas iguais, animadas de mesma velocidade em relação a ele mesmo e às partes do barco, dizemos que cada uma delas deverá retroceder com igual velocidade em relação ao mesmo navegador, exatamente do mesmo modo como ocorreria se, em um barco em repouso ou em terra firme, ele fizesse colidir as mesmas bolas, com velocidades iguais.(T.A.) [22][22] C. Huygens, De Motu Corporum ex Percussione, in Oeuvres Complètes de Christiaan Huygens, Tome XVI, editado por J.A. Vollgraff (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1929)., p. 32.

Se generalizado, esse princípio expressa a relatividade da mecânica, ou seja, em linguagem moderna, que as leis da mecânica mantêm a mesma forma em qualquer referencial inercial.

Essencialmente, o método de Huygens consiste em explorar essa invariância das leis da colisão em relação ao conjunto de referenciais que se movam, uns em relação aos outros, com velocidade constante e transformar o problema para o referencial em que os produtos da “grandeza” dos corpos pelas suas respectivas velocidades somados dão zero – hoje, chamamos isso de referencial do centro-de-massa –, caso que ele é capaz de resolver.

Suponhamos, por exemplo, que dois corpos iguais, A e B, se aproximem frontalmente, um com velocidade v1, o outro com velocidade v2, ambas em relação a certo observador. Podemos considerar outro observador que se mova em relação ao primeiro com a mesma velocidade v2 com que o segundo corpo se move em relação ao primeiro observador. Em relação a esse segundo observador, A se moverá com velocidade v1+v2, enquanto o corpo B estará parado. O problema corresponderá então à colisão de dois corpos iguais, um deles em repouso, caso para o qual Huygens tinha uma solução: os dois corpos trocam suas velocidades.

6.1 O tratado De Motu Corporum ex Percussione

Os resultados do método de Huygens estão contidos nos escritos De Motu Corporum ex Percussione (Sobre o Movimento dos Corpos por Percussão), de 1656, – porém só publicado postumamente, em 1703– e no resumo daquela obra intitulado Regulae de moto corporum ex mutuo impulso (Regras para o Movimento dos Corpos nas Colisões), publicado no periódico Journal des Sçavans, em 1669. A apresentação desses trabalhos é diferente da abordagem inicial contida nos manuscritos de 1652 e 1654. Nessas novas versões, Huygens constrói uma estrutura axiomático-dedutiva, em que as proposições são demonstradas a partir de hipóteses, através de raciocínios geométricos.

O tratado De Motu se inicia, pois, com algumas hipóteses que Huygens considera fundamentais.

I - A primeira delas é uma afirmação da lei da inércia:

Um corpo qualquer, uma vez em movimento, se nada se lhe opuser, continuará a se mover perpetuamente com a mesma velocidade e em linha reta.(T.A.) [22][22] C. Huygens, De Motu Corporum ex Percussione, in Oeuvres Complètes de Christiaan Huygens, Tome XVI, editado por J.A. Vollgraff (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1929)., p. 30.

II - A segunda consiste exatamente na primeira regra estabelecida por Descartes nos Princípios (ver Figura Descartes1)

Qualquer que seja a causa pela qual corpos duros retrocedam após seu contato mútuo, quando eles são empurrados reciprocamente, um contra o outro, suporemos que dois corpos duros, iguais, com mesma velocidade, quando colidem diretamente, retrocedem, cada qual com a mesma velocidade com que veio.(T.A.) [22][22] C. Huygens, De Motu Corporum ex Percussione, in Oeuvres Complètes de Christiaan Huygens, Tome XVI, editado por J.A. Vollgraff (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1929)., p. 30.

III - A terceira corresponde à formulação do princípio da relatividade citado anteriormente.

Após essas hipóteses seguem-se algumas proposições:

Quando um corpo em repouso é atingido por outro, igual a ele, após a colisão esse último entrará em repouso, mas o que estava em repouso adquirirá a mesma velocidade do corpo incidente.(T.A.) [22][22] C. Huygens, De Motu Corporum ex Percussione, in Oeuvres Complètes de Christiaan Huygens, Tome XVI, editado por J.A. Vollgraff (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1929)., p. 32.

Esta última regra pode ser obtida da combinação da segunda hipótese com a aplicação do princípio da relatividade. De fato, de acordo com esse último, podemos transformar o problema descrito pela hipótese II para um referencial que se mova com a velocidade inicial de um dos corpos que colidem. Por conseguinte, nesse novo referencial, esse último corpo estará em repouso e o problema passará a ser aquele cuja solução se deseja (ver Figura 14). Adaptamos, portanto, a solução do caso analisado pela hipótese II para esse novo referencial e temos a resposta desejada, que é exatamente o conteúdo da proposição anterior.

Figura 14
Solução do problema da colisão entre dois corpos iguais através da mudança de referencial.

A segunda proposição de Huygens em De Motu é (ver Figura 15):

II -Quando dois corpos iguais se chocam com velocidades desiguais, eles se moverão após o contato com as velocidades reciprocamente trocadas.(T.A.) [22][22] C. Huygens, De Motu Corporum ex Percussione, in Oeuvres Complètes de Christiaan Huygens, Tome XVI, editado por J.A. Vollgraff (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1929)., p. 36.

Figura 15
Esquema representando a Proposição II de De Motu.

Esta proposição resulta da anterior. De fato, basta converter para um referencial em que um dos corpos está em repouso, aplicar a proposição anterior e reconverter o resultado para o referencial original.

A essa proposição II se segue outra hipótese, a saber:

Quando um corpo maior se choca com um menor, em repouso, ele lhe confere algum movimento e, por conseguinte, perde parte do seu.(T.A.) [22][22] C. Huygens, De Motu Corporum ex Percussione, in Oeuvres Complètes de Christiaan Huygens, Tome XVI, editado por J.A. Vollgraff (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1929)., p. 40.

Esta hipótese está em acordo com Descartes. No entanto, a proposição seguinte (III) está em completo desacordo com ele:

III -Um corpo, por maior que seja, atingido por outro corpo, por pequeno que seja e com a velocidade que tiver, será posto em movimento.(T.A.) [22][22] C. Huygens, De Motu Corporum ex Percussione, in Oeuvres Complètes de Christiaan Huygens, Tome XVI, editado por J.A. Vollgraff (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1929)., p. 38.

Essa proposição trata exatamente do caso analisado no manuscrito de 1652 e apresentado na seção anterior. Usando equações algébricas, Huygens verificou que o corpo maior fatalmente adquirirá alguma velocidade, contrariamente à regra quatro que Descartes formula nos Princípios.

A proposição seguinte, IV, trata da igualdade entre as velocidades de aproximação e de afastamento em uma colisão:

IV -Todas as vezes que dois corpos colidem, a velocidade relativa de afastamento é a mesma que a de aproximação.(T.A.) [22][22] C. Huygens, De Motu Corporum ex Percussione, in Oeuvres Complètes de Christiaan Huygens, Tome XVI, editado por J.A. Vollgraff (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1929)., p. 44.

Sabemos hoje que este resultado está diretamente associado à conservação da energia cinética na colisão. Portanto, Huygens considerou que toda colisão de corpos duros é o que chamamos hoje de elástica. Isto está em acordo com o que vimos de seu raciocínio desde o manuscrito de 1652 e da aplicação do Princípio de Torricelli.

Já a proposição V expressa o princípio da reversibilidade do movimento, conforme apresentamos:

V -Se dois corpos se chocam novamente, cada qual com a velocidade com que retrocederam a partir do primeiro choque, eles adquirirão. após o segundo choque a mesma velocidade que possuíam antes do primeiro.(T.A.) [22][22] C. Huygens, De Motu Corporum ex Percussione, in Oeuvres Complètes de Christiaan Huygens, Tome XVI, editado por J.A. Vollgraff (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1929)., p. 48.

Essa proposição é demonstrada com base na proposição anterior (IV) e no princípio da relatividade do movimento.

A proposição VI trata da não-conservação da quantidade de movimento, tal como estabelecida nos moldes cartesianos.

VI - Em dois corpos que colidem, a quantidade de movimento tomada para os dois em conjunto não se conserva sempre a mesma após o choque em relação a antes, mas pode ser aumentada ou diminuída.(T.A.) [22][22] C. Huygens, De Motu Corporum ex Percussione, in Oeuvres Complètes de Christiaan Huygens, Tome XVI, editado por J.A. Vollgraff (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1929)., p. 48.

Saltemos a proposição VII, que trata de um situação específica, e vamos diretamente à proposição seguinte (VIII), que, embora também seja um caso particular, corresponde ao caso da colisão entre dois corpos tal que o produto de suas velocidades pelas suas “grandezas” são iguais, já abordado em 1652, conforme vimos.

VIII - Quando dois corpos, cujas velocidades são inversamente proporcionais a suas grandezas, se encontram, vindo de lados opostos, cada um deles retrocederá com a mesma velocidade com que se aproximou.(T.A.) [22][22] C. Huygens, De Motu Corporum ex Percussione, in Oeuvres Complètes de Christiaan Huygens, Tome XVI, editado por J.A. Vollgraff (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1929)., p. 52.

Essa proposição (ver Figura 16) é agora demonstrada em termos da proposição IV (igualdade entre velocidades de aproximação e afastamento), da proposição V (reversibilidade do movimento) e do Princípio de Torricelli.

Figura 16
Esquema representando a Proposição VIII de De Motu.

Talvez de modo surpreendente para nós, a proposição IX parece colocar de forma sintética nosso problema geral: dados dois corpos distintos, A e B, com velocidades iniciais conhecidas, colidindo, determinar suas velocidades após a colisão.

IX - Dados dois corpos desiguais, colidindo diretamente, dos quais ambos se movimentam ou apenas um deles o faz; dada também a velocidade de cada um deles, ou então somente de um, quando o outro se encontrar em repouso, obter as velocidades com que se movem após o choque.(T.A.) [22][22] C. Huygens, De Motu Corporum ex Percussione, in Oeuvres Complètes de Christiaan Huygens, Tome XVI, editado por J.A. Vollgraff (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1929)., p. 72.

Huygens apresenta então sua solução, através de um longo raciocínio, que aqui nos absteremos de expor. Caso o leitor tenha interesse, deve procurar a referência [22][22] C. Huygens, De Motu Corporum ex Percussione, in Oeuvres Complètes de Christiaan Huygens, Tome XVI, editado por J.A. Vollgraff (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1929)., p. 72.

Passemos então à proposição XI; ela enuncia o que hoje chamaríamos de conservação da energia cinética, característica das colisões elásticas:

XI - No caso de dois corpos que se chocam, o que se obtém tomando-se a soma de suas grandezas multiplicadas pelos quadrados de suas velocidades é igual, antes e após o choque(..).(T.A.) [22][22] C. Huygens, De Motu Corporum ex Percussione, in Oeuvres Complètes de Christiaan Huygens, Tome XVI, editado por J.A. Vollgraff (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1929)., p. 72.

Essa proposição também é demonstrada a partir das anteriores por meio de um longo raciocínio.

O texto se estende até a proposição XIII. As duas últimas, XII e XIII, se referem a colisões intermediadas, isto é, processos em que ocorre uma colisão entre o corpo A e outro, que, ou colide diretamente com B, ou então há, a partir da primeira, uma sequência de colisões intermediárias sucessivas, até que, finalmente, o último corpo colide com B. Huygens mostra então resultados específicos envolvendo a dependência da velocidade final de B em relação às variáveis das colisões intermediárias.

Resumindo, esses tratados apresentam uma solução completa para o problema das nossas colisões elásticas. Para os casos inelásticos, haveríamos de recorrer ao método de Wallis.

7. Conclusão

A nova ciência do século XVII, ancorada sobretudo no cartesianismo e no neoatomismo, assumiu um viés fortemente mecanicista. O princípio mecanicista de reduzir a causalidade física exclusivamente a processos materiais e locais (por contato direto) conferiu ao problema das colisões grande importância.

Os primeiros tratamentos significativos do problema foram dados por Thomas Harriot e Isaac Beeckman. Harriot abordou a questão através de uma construção geométrica. Seus resultados, no entanto, traduzidos em linguagem algébrica moderna, são incorretos. Por sua vez, Beeckman tinha uma preocupação muito nítida na abordagem do seguinte problema: como conciliar a extinção do movimento decorrente das colisões permanentes entre os constituintes atômicos elementares da matéria e o fato de que o Universo não se encontra em repouso? Sua ênfase, portanto, era quantificar essas perdas de movimento ocorrida nos choques. Como, para ele, os átomos eram “duros”, após a colisão fatalmente moveriam-se juntos, fazendo desses choques o que hoje chamamos de processos completamente inelásticos. Nesse contexto, através de uma ideia de “força” associada ao movimento – que, em algumas situações, parece ser uma antecipação intuitiva da quantidade de movimento formulada por Descartes–, Beeckman estabeleceu corretamente alguns resultados. Contudo, seu método falhava em outros.

Descartes deu ao problema um tratamento bem mais sistemático, apoiado em princípios fundamentais – por sua vez decorrentes de sua concepção filosófica –, notadamente o da conservação da quantidade de movimento. Descartes formulou-o explicitamente como o produto da grandeza pelo “corpo” por sua velocidade. Entretanto, escapou a Descartes um aspecto essencial do problema: o movimento é algo dotado de sentido, que precisa ser distinguido. Ele, porém, considerou a quantidade de movimento como algo essencialmente positivo, associando-o apenas ao que hoje chamaríamos de módulo da velocidade. Isso comprometeu irremediavelmente sua análise do problema. Não é de surpreender, pois, que haja diversas inconsistências em suas prescrições.

Após Descartes vieram três nomes que, cada qual a seu modo, apresentaram soluções corretas para o problema, ainda que em situações restritas, mesmo que esses contextos restritos não estivessem conscientemente delimitados no pensamento dos autores: Christopher Wren, John Wallis e Christiaan Huygens. Os dois primeiros têm em comum um elemento importantíssimo para a solução, a saber, a utilização de números negativos na caracterização dos sentidos do movimento, incorporando à física um conceito algébrico até então de interpretação problemática.

O trabalho em que Wren apresenta seus resultados é bastante sintético, não deixa entrever uma formulação teórica mais fundamental. Parece antes um conjunto de regras concluídas empiricamente, a partir de experimentos reais de colisão. No entanto, seus resultados são corretos para o que hoje chamamos de colisões elásticas. Já Wallis registra mais detalhadamente uma construção teórica, inspirada no problema do movimento de máquinas e em uma ideia de uma “força” de movimento (impetus), bem como de um embate entre ela e uma “força de resistência” (impedimentum), que o corpo atingido opõe ao incidente. Esse embate, de resto, já constituía, ao lado da conservação do movimento, a linha mestra da análise cartesiana. Contudo, diferentemente de Descartes, Wallis não parte de um princípio de conservação de movimento; pelo contrário, para ele o movimento parece se extinguir. Seu cenário é o do que chamamos de colisão totalmente inelástica, ou seja, aquele em que os corpos colidem e forçosamente seguem juntos. Através da análise de uma disputa entre um impetus e um impedimentum, Wallis chegou a resultados corretos para esse tipo de processo.

Por fim, temos Christiaan Huygens. Sua solução é totalmente sistêmica. De formação cartesiana, Huygens adotou de imediato a ideia da conservação da quantidade de movimento. No entanto, logo percebeu as inconsistências contidas nas regras de colisão estabelecidas por Descartes. Corrigiu-as, utilizando em sua análise princípios fundamentais por ele esboçados ou então inteligentemente aplicados. Destacam-se nisso o emprego do princípio da relatividade do movimento e uma ideia do que seria hoje uma conservação de energia mecânica. Nesse ponto, Huygens observou a importância de uma quantidade envolvendo o produto do corpo pelo quadrado de sua velocidade, que mais tarde seria chamado de energia cinética. Sua análise, portanto, retrata corretamente os processos hoje conhecidos como elásticos.

As soluções que temos aqui, ainda que algumas delas corretas, são soluções parciais, aplicáveis a situações restritas. De fato, o tratamento definitivo do problema, aplicável de forma geral a todos os casos, só pôde ser construído a partir da síntese dos princípios fundamentais da mecânica, operada por Newton. Todavia, há que se destacar o trabalho notável realizado por esses precursores – se assim podemos chamá-los.

Referências

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  • [20] C. Gauld, Science & Education 7, 49 (1998).
  • [21] C. Huygens, Oeuvres Complètes de Christiaan Huygens, editado por J.A. Vollgraff (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1888-1950).
  • [22] C. Huygens, De Motu Corporum ex Percussione, in Oeuvres Complètes de Christiaan Huygens, Tome XVI, editado por J.A. Vollgraff (Martinus Nijhoff, Den Hague, 1929).
  • [23] A.E. Bell, Christian Huygens and the Development of Science in the Seventeenth Century (Edward Arnold, London, 1947).
  • [24] P.M.C. Dias, Rev. Bras. Ens. Fís. 35, 1602 (2013).
  • 1
    Embora Newton tenha durante toda a sua vida mantido uma posição ambígua em relação à interpretação de sua concepção gravitacional como uma ideia de ação a distância entre corpos - para tanto, ver a carta que escreveu a Richard Bentley [3][3] A. Koyré, Do Mundo Fechado ao Universo Infinito (Forense Universitária, Rio de Janeiro, 2006), p. 158-159. - aparentemente seus seguidores assim o consideraram.
  • 2
    Utilizamos aqui a notação original do autor, onde os dois pontos simples representam a expressão “está para”, representada hoje por um traço de divisão, enquanto os dois pontos duplos significam “assim como”, que nós hoje representamos por um sinal de igual.
  • 3
    A tradução para o inglês usa a expressão same body.
  • 4
    Especula-se que a condenação de Galileu pela Inquisição, em 1632, tenha sugerido a Descartes a prudência de dar a seu “mundo” um caráter convenientemente hipotético.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    02 Jan 2020
  • Aceito
    09 Mar 2020
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