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Simuladores de órbitas relativísticas como apoio ao ensino de Relatividade Geral em nível médio e superior

Relativistic orbit simulators as support to teaching General Relativity at high school and undergraduate levels

Resumos

A Relatividade Geral é a teoria atual que melhor descreve os fenômenos gravitacionais, fornecendo a base para a astrofísica e a cosmologia modernas. Além disso, algumas de suas previsões, como a possibilidade de existência de buracos negros, ocupam um lugar de destaque na cultura e no imaginário populares. No entanto, a complexidade matemática da teoria frequentemente dificulta sua inserção efetiva tanto a nível de ensino médio, quanto a nível superior, na formação de docentes em Física. Neste trabalho, propomos o estudo de órbitas relativísticas como uma possível porta de entrada para discussões sobre buracos negros e outros tópicos em Relatividade Geral. Como forma de apoiar esta inserção, apresentamos aqui dois simuladores de órbitas relativísticas que desenvolvemos para esse propósito. O primeiro, que se baseia na análise da energia potencial efetiva associada ao problema, foi pensado como ferramenta para disciplinas de graduação; o segundo, que exige entradas com significado mais intuitivo, pode servir de apoio a atividades a nível de ensino médio. Após apresentar o problema em questão e o funcionamento dos simuladores, discutimos algumas sugestões de uso em sequências didáticas potencialmente significativas.

Palavras-chave:
Relatividade geral; buracos negros; órbitas; ferramentas digitais


General Relativity is the current theory that best describes gravitational phenomena, providing the basis for modern astrophysics and cosmology. Furthermore, some of its predictions, such as the possibility of the existence of black holes, occupy a prominent spot in popular culture and imagination. However, the theory's mathematical complexity often makes it difficult to effectively insert it both at secondary and undegraduate levels. In this work, we propose the study of relativistic orbits as a possible gateway to discussions about black holes and other topics in General Relativity. As a way of supporting this insertion, we present here two simulators of relativistic orbits we developed for this purpose. The first, which is based on the analysis of the effective potential energy associated with the problem, was designed as a tool for undergraduate courses; the second, which requires input with a more intuitive meaning, can support activities at high school level. After discussing the problem in question and the usage of the simulators, we discuss some suggestions for its use in potentially significant didactic sequences.

Keywords:
General relativity; black holes; orbits; digital resources


1. Introdução

Buracos negros são, certamente, uma das previsões mais impactantes da Teoria da Relatividade Geral (RG). Que o tecido espaço-temporal possa se “dobrar” de tal forma a desconectar o futuro de certos observadores do mundo externo ilustra de forma dramática a conexão entre massa-energia e tempo-espaço formalizada pela teoria de Einstein [1[1] A. Einstein, Annalen der Physik 49, 769 (1916).]. Embora buracos negros tenham sido considerados por muito tempo patologias matemáticas da teoria da RG, improváveis de se manifestar no mundo físico [2[2] K.S. Thorne, Black Holes & Time Warps: Einstein’s Outrageous Legacy (W. W. Norton & Company, New York, 1994).], observações realizadas durante os últimos cinquenta anos apontam para sua existência ubíqua no universo. Em suas versões supermassivas (com milhões a bilhões de vezes a massa do Sol), parecem habitar o centro de quase qualquer galáxia, alimentando, em algumas, fenômenos altamente energéticos, como os quasares [3[3] L. Ferrarese e H. Ford, Space Science Reviews 116, 523 (2005).]. Além disso, em cada galáxia, estima-se que existam centenas de milhões de buracos negros de massa superior mas comparável à do Sol, fruto do colapso gravitacional de estrelas muito massivas [4[4] A. Sicilia, A. Lapi, L. Boco, M. Spera, U.N.D. Carlo, M. Mapelli, F. Shankar, D.M. Alexander, A. Bressan e L. Danese, The Astrophysical Journal 924, 56 (2022).]. Destes, uma fração se apresenta em sistemas binários. Conforme perdem energia e eventualmente se fundem, tais sistemas irrigam o universo com ondas gravitacionais, agora acessíveis aos detectores humanos [5[5] LIGO Scientific Collaboration and Virgo Collaboration, Physical Review Letters 116, 061102 (2016).].

Certamente, um entendimento aprofundado sobre a natureza de buracos negros requer um estudo especializado de RG. Por outro lado, dado o espaço ocupado por esses objetos na cultura e no imaginário populares, justifica-se o desenvolvimento de ferramentas que apoiem a discussão sobre o tema tanto a nível de Ensino Médio quanto no processo de formação docente no Ensino Superior.

É certo que diversas facetas do tópico “buracos negros” carregam um ar de mistério por desafiar a intuição Euclideana, tão fortemente arraigada. Um exemplo é o fato de a singularidade em r = 0 no espaço-tempo de Schwarzschild ser tipo-espaço; ou seja, “r = 0” assemelha-se mais a um “instante de tempo” do que a um “ponto no espaço”, contrariando o significado corriqueiramente atribuído a essa coordenada (e muitas representações pictóricas comuns de buracos negros). Embora mencionar tais aspectos a uma audiência leiga no assunto possa servir ao propósito de despertar o interesse no tema, pode ser difícil qualificá-los na ausência de uma base de conhecimentos prévios sobre RG. Tornamse curiosidades, potencialmente motivadoras, mas que, isoladas, pouco contribuem para uma aprendizagem significativa e para o desenvolvimento de senso crítico.

Todavia, outros aspectos do tema “buracos negros” podem ser mais facilmente abordados sobre uma base de conhecimentos prévios puramente Newtonianos. Estes encontram, nos estudantes, um terreno mais preparado para uma aprendizagem significativa, ponto chave em uma abordagem construtivista, que assume como fundamental o estabelecimento de relações significativas entre a assimilação de conhecimentos novos e os conhecimentos já bem interiorizados dos alunos [6[6] R. Moraes, in Construtivismo e Ensino de Ciências: Reflexões epistemológicas e metodológicas, editado por R. Moraes (EdiPUCRS, Porto Alegre, 2008)., 7[7] D.P. Ausubel, The Acquisition and Retention of Knowledge: A Cognitive View (Springer, Berlin, 2000).]. Um exemplo, a ser discutido neste artigo, é o de órbitas de partículas massivas e raios de luz nas vizinhanças de buracos negros.

O problema de uma partícula-teste movendo-se sob a ação do campo gravitacional de um objeto esférico massivo é abordado extensivamente na graduação em Física, tipicamente em cursos de mecânica clássica [8[8] H. Goldstein, C. Poole e J. Safko, Classical Mechanics (Addison Wesley, Boston, 2002)., 9[9] J.R. Taylor, Classical Mechanics (University Science Books, Virgínia, 2005).], mas, a nível introdutório, também em cursos de Física básica [10[10] H. Nussenzveig, Curso de Física Básica, 1: Mecânica (E. Blucher, São Paulo, 2013).]. Com isso, pretende-se investigar um modelo que se prova excelente na descrição dos aspectos gerais das órbitas planetárias, explorando assim um dos grandes sucessos da teoria Newtoniana. O tema também é abordado no Ensino Médio, figurando na Base Nacional Comum Curricular como a habilidade de “Elaborar explicações, previsões e cálculos a respeito dos movimentos de objetos na Terra, no Sistema Solar e no Universo com base na análise das interações gravitacionais (…)” [11[11] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO DO BRASIL, Base Nacional Comum Curricular, disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf, acessado em: 19/10/2023.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
].

Nesse contexto, a inserção de tópicos relacionados à física de buracos negros a partir de uma discussão sobre órbitas relativísticas pode servir não só ao propósito de consolidar o conhecimento construído sobre órbitas Newtonianas, mas também acessar, a partir de uma base sedimentada, tópicos que possuem grande potencial motivador, de modo a propiciar maior engajamento no aprendizado. Além disso, quando combinada com elementos da história da ciência1 1 Vale notar que foi justamente no problema das órbitas – não em torno de buracos negros, mas em torno do Sol – que a RG encontrou um de seus primeiros sucessos, ao explicar a precessão anômala do periélio de Mercúrio. , a temática pode ensejar discussões sobre a necessidade de abandono do paradigma Newtoniano para a gravitação e sobre o papel da teoria da RG na pesquisa científica atual, contribuindo para uma visão mais acurada do progresso científico [12[12] D.G. Pérez, I.F. Montoro, J.C. Alís, A. Cachapuz e J. Praia, Ciência & Educação (Bauru) 7, 125 (2000).].

De forma a contribuir com essa proposta geral, no presente artigo apresentamos dois simuladores de órbitas relativísticas que desenvolvemos para esse propósito e que podem ser usados em diferentes contextos. O primeiro simulador (“Simulador de Órbitas Relativísticas para o Ensino Superior”, ou SORES) se baseia na análise do problema unidimensional efetivo associado ao movimento de uma partícula-teste ou raio de luz ao redor de um buraco negro, e é adequado para estudantes em formação superior, em particular licenciandos em Física. Uma forma interessante de utilizá-lo é em atividades nas quais os estudantes precisem contrastar suas previsões qualitativas, feitas com base na análise do gráfico da energia potencial efetiva associada ao problema, com as órbitas geradas pelo simulador a partir da integração numérica das equações de movimento. O segundo simulador (“Simulador de Órbitas Relativísticas para o Ensino Médio”, ou SOREM) exige entradas mais simples e pode ser adequado para atividades a nível de Ensino Médio.

Este artigo se organiza da seguinte forma. Na seção 2 2. Órbitas ao redor de um buraco negro esférico Em Relatividade Geral, partículas sujeitas apenas à interação gravitacional seguem geodésicas, as trajetórias mais “naturais” no espaço-tempo deformado pela presença, digamos, de um corpo muito mais massivo. Embora a descrição do movimento seja distinta da descrição Newtoniana – baseada no conceito de força gravitacional –, muitas ferramentas construídas no tratamento de órbitas Newtonianas também se aplicam ao caso relativístico. De fato, em ambos os casos, o problema de uma partícula-teste movendo-se ao redor de um corpo esférico massivo pode ser formulado em termos de um problema unidimensional efetivo e as características básicas do movimento podem ser inferidas a partir da análise da energia potencial efetiva associada, sem a necessidade de integrar de fato as equações de movimento. Nesta seção, revisamos brevemente o problema Newtoniano e estruturamos o problema relativístico nos mesmos moldes. Para maiores detalhes do caso relativístico, ver, por exemplo, a Ref. [14]. 2.1. O problema newtoniano A descrição do movimento de uma partícula de massa m sujeita ao campo gravitacional de um objeto de massa M é consideravelmente simplificada pela existência de quantidades conservadas. Estamos interessados no caso M ≫ m, situação na qual podemos considerar o corpo mais massivo como estando parado (chamaremos sua posição de “centro de força”) e descrever apenas a órbita da partícula de massa pequena (chamada, nesse contexto, de partícula teste, já que sonda o campo gravitacional gerado pelo corpo de massa M sem perturbá-lo). Sendo a força gravitacional uma força central, o torque exercido por ela com respeito ao centro de força é nulo; portanto, o momento angular (L→) em relação a esse mesmo ponto é conservado. Conservação do momento angular implica que o movimento orbital está restrito ao plano ortogonal ao vetor L→. Definindo coordenadas polares com origem no centro de força, temos que, em um intervalo de tempo infinitesimal dt, o quadrado do módulo do deslocamento da partícula é ds2 = dr2 + r2 dϕ2 (ver Fig. 1); portanto, o quadrado do módulo da velocidade é dado por v2 = (dr/dt)2 + r2 (dϕ/dt)2. Sendo a força gravitacional uma força conservativa, a energia mecânica total, Figura 1 Para deslocamentos infinitesimais, Δs2 = Δr2 + r2Δϕ2. (1)E=mv22−GMmr=m2drdt2+r2dϕdt2−GMmr é conservada ao longo do movimento. Levando em conta que o módulo do momento angular, L = mr2|dϕ/dt|, é uma grandeza conservada, podemos escrever a Eq. (1) da forma (2)m2drdt2+Uefet(N)(r)=E, onde definimos a energia potencial efetiva Newtoniana (3)Uefet(N)(r)≡−GMmr+L22mr2. A partir da análise da Eq. (2), que expressa o problema orbital em termos de um problema unidimensional efetivo, é possível inferir características gerais das órbitas. Uma vez que m(dr/dt)2/2 é uma grandeza não negativa, o movimento da partícula deve estar restrito a valores de r tais que E ≥ Uefet(N)(r); pontos em que a igualdade se verifica são conhecidos como pontos de retorno. Uma “força radial efetiva” pode ser definida comoFefet,r=−dUefet(N)/dr; e pontos em que Fefet,r = 0 são pontos de equilíbrio (estável se d2Uefet(N)/dr2 > 0; instável se d2Uefet(N)/dr2 < 0). Em particular, a energia potencial efetiva (3) possui apenas um mínimo local, em r0 = L2/(GMm2) (exceto quando L = 0). Da análise da energia potencial efetiva na Fig. 2, chega-se à conclusão de que partículas com E = Uefet,min(N) ≡ Uefet(N) (r0) descrevem órbitas circulares; partículas com Uefet,min(N) < E < 0 descrevem órbitas ligadas, restritas à região entre um valor mínimo e máximo da coordenada radial, e partículas com E ≥ 0 descrevem órbitas de espalhamento. O reconhecimento de que as órbitas Newtonianas são seções cônicas (elípticas, parabólicas ou hiperbólicas) exige, é claro, desenvolvimentos adicionais. Em especial, o fato de que as órbitas ligadas são necessariamente fechadas (ou seja, retornam periodicamente ao mesmo ponto) pode ser entendido como consequência da existência de uma quantidade conservada adicional, o vetor de Runge-Lenz [15]. Figura 2Representação esquemática da energia potencial efetiva para o problema Newtoniano, assumindo L ≠ 0. Por outro lado, classicamente, o movimento da luz não é afetado pelo campo gravitacional (quando consideramos sua massa estritamente nula). Nesse caso, o módulo do momento angular é dado por L = pr sin ϕ (ver Fig. 3), onde p = E/c é o módulo do momento linear do fóton, determinado pela sua energia E. Portanto, r sin ϕ = b ≡ Lc/E e o raio de luz descreve uma linha reta, sendo o “parâmetro de impacto” b a distância de menor aproximação entre o raio de luz e o centro de força (ver Fig. 3). Figura 3Orientando o eixo-x ao longo da direção de propagação do raio de luz, sua trajetória é descrita simplesmente pela reta y = r sin ϕ = b. 2.2. O problema relativístico Na RG, a gravitação é entendida como manifestação da geometria do espaço-tempo. Da mesma forma que qualquer propriedade da geometria Euclidiana pode ser deduzida a partir do reconhecimento de que a distância entre pontos com coordenadas (x, y, z) e (x + dx, y + dy, z + dz) é ds=dx2+dy2+dz2, as propriedades geométricas do espaço-tempo podem ser deduzidas a partir do conhecimento da distância ou intervalo espaço-temporal entre eventos próximos, ds2=∑a,b=03gab(x)dxadxb, onde (x0, x1, x2, x3) denotam as quatro coordenadas (o tempo incluído!) necessárias para rotularmos um evento e gab(x) são (16) funções das coordenadas; as componentes do tensor métrico. Em particular, a geometria externa a um objeto esférico, estático, de massa M é dada pela solução de Schwarzschild [14], que estipula que o intervalo espaço-temporal entre eventos com coordenadas (t, r, θ, ϕ) e (t + dt, r + dr, θ + dθ, ϕ + dϕ) é (4)ds2=−1−rsrc2dt2+dr21−rs/r+r2dθ2+r2sin2⁡θdϕ2, onde rs ≡ 2GM/c2 (sendo G a constante da gravitação universal e c a velocidade da luz no vácuo) é o chamado raio de Schwarzschild, e depende da massa do corpo em questão. Essa solução assume a ausência de matéria no exterior do objeto; dentro, a geometria é modificada pela presença de matéria (ver Fig. 4). Para estrelas comuns, como o Sol, a solução (4) só é válida, portanto, para r > R⊙ ≫ rs,⊙, onde o raio do Sol (R⊙ ≈ 7 × 105 km) é mais de cem mil vezes maior que o raio de Schwarzschild associado à sua massa, rs,⊙ = 2GM⊙/c2 ≈ 3 km. No entanto, quando, ao aproximar-se do fim da sua “vida”, o combustível nuclear da estrela se exaure e, sendo suficientemente massiva, ela não encontra outra forma de contrapor a ação implosiva da gravidade, a matéria colapsa em regiões cada vez menores, descortinando uma região cada vez maior descrita pela geometria de Schwarzschild (4). Considerando a situação idealizada de um colapso esférico (de modo que as condições de validade para a métrica de Schwarzschild sejam sempre satisfeitas), quando a matéria é comprimida em uma esfera com raio menor que o raio crítico r = rs, um buraco negro se forma; seu raio de Schwarzschild define o raio do horizonte de eventos do buraco negro – a superfície que delimita a região da qual nada, nem mesmo a luz, pode escapar. Figura 4 Na descrição Newtoniana, um corpo esférico de massa M e raio R gera um potencial gravitacional Φ(r) = –GM/r no seu exterior (em cinza); no interior, o potencial gravitacional depende da distribuição da matéria (em azul, para uma estrela mais ou menos compacta). Na visão relativística, a porção do espaço-tempo externa ao corpo é descrita pela solução de Schwarzschild (análoga ao potencial Φ(r) = –GM/r). Ao comprimirmos a massa M em um volume cada vez menor, expomos uma região maior do espaço-tempo de Schwarzschild, e os desvios com respeito à gravitação Newtoniana tornam-se progressivamente maiores. A análise do movimento de partículas-teste e raios de luz no espaço-tempo de um buraco negro nos permite explorar sua geometria. Tais partículas, quando sujeitas apenas à interação gravitacional, descrevem geodésicas, as trajetórias mais “retas” no espaço-tempo curvo. Assim como no caso Newtoniano, as equações da geodésica são consideravelmente simplificadas pelas simetrias do problema e a consequente existência de quantidades conservadas. Conservação do momento angular (associada à simetria esférica do espaço-tempo) novamente implica que o movimento está restrito a um plano, que, com uma rotação apropriada do sistema de coordenadas, pode ser disposto no plano equatorial (θ = π/2). Sendo L = mr2|dϕ/dτ| o módulo do momento angular da partícula (com τ o tempo próprio), as equações de movimento implicam que [14] (5)m2drdτ2+Uefet(R)(r)=E, onde a energia potencial efetiva é definida como (6)Uefet(R)≡−GMmr+L22mr2−GML2mc2r3 e o “parâmetro de energia” 𝓔 é dado em termos da energia E da partícula como E=(E2−E02)/(2E0), onde E0 ≡ m c2 é a energia de repouso. Embora o parâmetro 𝓔 não tenha o significado imediato de energia da partícula, é igualmente uma quantidade conservada, o que permite que a análise do problema unidimensional efetivo seja feita ao longo dos moldes usuais. A partir da análise da energia potencial efetiva (6), representada na Figura 5, diversos aspectos podem ser destacados, por exemplo: Figura 5 Energia potencial efetiva adimensional, Ūefet ≡ Uefet/E0, como função da coordenada radial (reescalonada por rs) para alguns valores do momento angular adimensional L¯≡Lc/(GMm). As curvas sólidas correspondem ao caso relativístico (Eq. (6)) ao passo que as linhas tracejadas correspondem à energia potencial Newtoniana (Eq. (3)) com mesmo valor de L̄. Uefet(R) difere de Uefet(N) apenas pelo terceiro termo na equação (6). Calculando a magnitude da razão entre o terceiro e o segundo termo na equação (6), vemos que esta é da ordem de 1 quando r ∼ rs; as contribuições relativísticas se tornam dominantes apenas nas vizinhanças do horizonte de eventos do buraco negro. Para estrelas com tamanho R ≫ rs, tais correções são muito pequenas, muito embora no caso do Sol (em que rs,⊙/R⊙ ≈ 4 × 10–6) produzam efeitos mensuráveis, como a precessão anômala do periélio de Mercúrio [16]. Para valores de momento angular L > Lcr, com Lcr≡12GMm/c,Uefet(R) possui dois extremos locais (dUefet(R)/dr=0) em (7)r±=L22GMm21±1−12G2M2m2L2c2; um ponto de máximo (r–) e um de mínimo (r+), que acomodam órbitas circulares (respectivamente instáveis e estáveis). Para L = Lcr, os dois extremos locais coincidem na chamada órbita circular estável mais interna (r+ = r– = 3rs). O fato de que não existem órbitas circulares estáveis com raio arbitrariamente pequeno, como no caso Newtoniano, tem importantes implicações astrofísicas, em particular nos fenômenos de acreção ao redor de buracos negros [17]. Devido ao caráter atrativo da correção relativística na Eq. (6), e ao fato de que cresce com r–3 quando r → 0, vemos que, para L > Lcr, embora exista uma barreira centrífuga, ela possui uma altura máxima, ao contrário do problema Newtoniano (com L ≠ 0). Se uma partícula se aproxima do centro de força com parâmetro de energia 𝓔 superior ao máximo de Uefet(R), ela necessariamente cai no centro de força. Não apenas partículas-teste, mas também raios de luz, seguem geodésicas no espaço-tempo deformado pela presença de um corpo massivo. O movimento novamente se dá em um plano (que assumimos como sendo o equatorial, θ = π/2) e as noções de energia (E) e momento angular (de módulo L = r2|dϕ/dλ|) ainda estão bem definidas, embora a massa de um fóton seja nula. Devido às características peculiares da luz, o tempo próprio (τ) ao longo de sua linha de mundo é nulo, e não é mais um bom parâmetro para caracterizar a trajetória, sendo substituído por um parâmetro afim (λ) apropriado2. Ainda assim, a equação de movimento para um raio de luz pode ser escrita de forma análoga à Eq. (2): (8)1L2drdλ2+Vefet(r)=1b2. O primeiro termo ainda é uma contribuição não negativa relacionada à “velocidade radial” do raio de luz, e encontra-se reescalonado por um fator de L2, de modo que o “potencial efetivo” (9)Vefet≡1r21−rsr seja independente de L. Ao lado direito da Eq. (8), a constante positiva que cumpre o papel de parâmetro de energia é k ≡ 1/b2, ou seja, o inverso do quadrado do parâmetro de impacto b ≡ |Lc/E|. Como discutido no fim da Sec. 2.1, caso o raio de luz se movesse em um espaço-tempo plano, viajaria numa linha reta que passaria a uma distância b do centro atrator. As características gerais do movimento de raios de luz podem novamente ser compreendidas a partir da análise do potencial efetivo (9), representado na Figura 6. Em particular, nota-se que o potencial efetivo para o movimento da luz possui um único extremo local, um ponto de máximo em r = 1.5rs. Portanto, o espaço-tempo de Schwarzschild comporta uma órbita circular instável para raios de luz. Raios de luz incidentes com parâmetro de impacto exatamente igual a bcr ≡ 27GM/c2 ≈ 2.6rs [de modo que kcr = 1/bcr2 = Vefet,max ≡ Vefet(1.5rs)] ficariam presos nessa órbita fotônica. Para b > bcr (ou seja, k < Vefet,max), um raio de luz incidente do infinito teria sua trajetória defletida pelo corpo massivo, mas retornaria para o infinito. Por outro lado, se b < bcr (ou seja, k > Vefet,max), o raio de luz seria necessariamente capturado pelo buraco negro. O entendimento desses aspectos do movimento de raios de luz permite uma compreensão geral do efeito de deflexão da luz pelo Sol, a primeira comprovação observacional da RG [18], do fenômeno de lenteamento gravitacional [19] e das características básicas das imagens de buracos negros como M87* e SagA*, divulgadas, em 2019 e 2022, respectivamente, pelo Event Horizon Telescope [20, 21] (ver também Sec. 4). Figura 6Potencial efetivo adimensional para o movimento de raios de luz, V̄efet ≡ Vefetrs2, como função da coordenada radial (reescalonada por rs). A coordenada radial correspondente ao máximo do potencial efetivo (r = 1.5rs) é destacada com uma linha vertical. , revisamos rapidamente alguns aspectos essenciais de órbitas newtonianas e relativísticas ao redor de um corpo central esférico. Na seção 3 3. Simuladores de Órbitas Relativísticas 3.1. Simulador de Órbitas Relativísticas para o Ensino Superior O Simulador de Órbitas Relativísticas para o Ensino Superior (SORES)3, disponível em [23] tem como público alvo estudantes em formação superior, em particular licenciandos em Física. Um exemplo de interação do usuário com o SORES é mostrado na Fig. 7. Na página inicial, o usuário inicialmente escolhe entre “órbitas de corpos massivos” e “órbitas de raios de luz”. Entrando no ambiente escolhido, é apresentada ao usuário uma janela com uma aba contendo uma breve contextualização do problema, com as definições matemáticas básicas, e outra descrevendo o funcionamento do simulador. Figura 7 Exemplo de interação do usuário com o Simulador de Órbitas Relativísticas para o Ensino Superior, disponível em [23]. No caso de órbitas de corpos massivos, após fechar a janela de contextualização (que pode ser reaberta através do ícone contendo um ponto de interrogação, no canto superior direito), solicita-se que o usuário insira o valor do momento angular adimensional L¯≡Lc/(GMm), que determina a forma da energia potencial efetiva (6). O programa então retorna um gráfico da energia potencial efetiva, destacando os pontos de mínimo e máximo (quando estes existem) e seu valor numérico – relevante caso se queira explorar a proximidade desses pontos. Solicita-se então que o usuário escolha o parâmetro de energia ℰ¯≡ℰ/(mc2), que pode assumir qualquer valor maior ou igual a U¯efet(R)=−1/2. Pede-se também que o usuário escolha (no caso de uma órbita ligada) o número de voltas que deseja traçar, uma vez que as mesmas não serão fechadas como no caso newtoniano. O programa então retorna um gráfico da trajetória do corpo massivo, obtida a partir da integração numérica da equação da órbita4. Nesse ambiente, a fim de trabalhar com uma escala bem definida, optamos por fixar a massa do buraco negro como 1M⊙, e exibir distâncias em km. No caso de órbitas de raios de luz, o potencial efetivo (9) é inteiramente fixado pela escolha de rs. Portanto, o usuário deve apenas escolher o valor do parâmetro de energia (k ≡ 1/b2), sendo particularmente interessante a exploração das vizinhanças do parâmetro de energia crítico kcr = 4/(27rs2). 3.2. Simulador de Órbitas Relativísticas para o Ensino Médio O Simulador de Órbitas Relativísticas para o Ensino Médio (SOREM), disponível em [25], tem como público alvo estudantes do Ensino Médio. Novamente, na página inicial o usuário escolhe entre “órbitas de corpos celestes” e “órbitas de raios de luz”. Entrando no ambiente escolhido, apresenta-se ao usuário uma janela com uma contextualização do problema, bem como a definição das entradas exigidas em cada ambiente. No caso de órbitas de corpos celestes, os inputs são a coordenada radial inicial (x0 = r0 = r(0)) e o módulo (v0) da velocidade inicial, a qual assumimos, por simplicidade, ser puramente tangencial5. No caso de órbitas de raios de luz, a entrada exigida é o parâmetro de impacto, por ter um significado mais intuitivo. Nos dois ambientes desse simulador, assumimos que o buraco negro em questão possui a mesma massa que o Sol. , descrevemos os dois simuladores, disponíveis em https://orbitasrelativisticas.github.io/ [13[13] I.R.S. Nunes, A.L.V. Gonçalves e R.F.P. Mendes. Simulador de Órbitas Relativísticas (2023), disponível em: https://orbitasrelativisticas.github.io/.
https://orbitasrelativisticas.github.io/...
]. Na seção 4 4. Sugestões de uso em sequências didáticas potencialmente significativas O SORES, em suas versões preliminares, foi utilizado nos anos de 2021 e 2022 na disciplina de “Introdução à Relatividade e ao seu Ensino” da Universidade Federal Fluminense (UFF). Essa disciplina tem como público alvo estudantes de Licenciatura e seu objetivo é “oferecer ao licenciando uma visão aprofundada da teoria da Relatividade Restrita e uma introdução conceitual à teoria da Relatividade Geral, além de fomentar discussões sobre métodos de ensino relevantes a nível de Ensino Médio”. Nos anos de 2021 e 2022, essa disciplina se baseou em atividades investigativas, discutidas por grupos de estudantes em sala de aula, com a mediação da professora. O SORES foi utilizado em uma dessas atividades investigativas6, realizada após terem sido discutidos os princípios fundamentais da Relatividade Geral e os conceitos de geodésica e curvatura, mas antes de ser abordado de fato o tópico de buracos negros. Os elementos gerais presentes nessa atividade também poderiam integrar sequências didáticas para estudantes de Ensino Médio. Nesse caso, o SOREM, que se baseia em entradas com significado mais intuitivo, pode ser de valia. Um exemplo de encaminhamento de sequência didática sobre o tema (ver, por exemplo, o trabalho de fim de curso [27]) seria o seguinte: Reforçar os conhecimentos prévios dos estudantes sobre órbitas Newtonianas, possivelmente com uso de simuladores, como o PhET Colorado (por exemplo, [28]). Trazer uma problematização histórica, destacando, possivelmente através da leitura de textos, os sucessos da teoria Newtoniana no sistema solar, e introduzir o problema da precessão do periélio de Mercúrio. Os livros [16] e [29] contêm boas narrativas, que podem ser adaptadas. Introduzir as principais ideias da teoria da Relatividade Geral (caso não tenham sido introduzidas anteriormente). Uma proposta de ambiente virtual que pode auxiliar nesta etapa integra o trabalho de fim de curso [30]. Ressaltar a ordem de magnitude de efeitos relativísticos, e sua pequenez no sistema solar. Introduzir estrelas de nêutrons e buracos negros como exemplos de objetos compactos em que a descrição relativística da gravitação é essencial, e motivar o estudo comparativo das órbitas de partículas e raios de luz ao redor desses astros, com apoio do simulador apresentado aqui. Tendo explorado as principais características do movimento de partículas massivas e raios de luz ao redor de um buraco negro com o uso do simulador, pode ser interessante introduzir situações-problema para discussão, que permitam que os estudantes levantem hipóteses e articulem argumentos com base no que estudaram. Além de permitir uma compreensão mais profunda do tema, essa discussão abre as portas para que o professor conecte o tópico de estudo com observações astrofísicas, favorecendo o interesse e o engajamento dos alunos. Abaixo, elencamos algumas questões que poderiam ser propostas para discussão, referentes à propagação de raios de luz nas proximidades de um buraco negro. Claramente, o entendimento do problema através da análise do problema unidimensional efetivo associado (como discutido na seção 2.2) fornece uma base mais sólida para a discussão dessas questões; no entanto, acreditamos que possam ser trazidas mesmo após o uso exploratório do SOREM, desde que os estudantes tenham conseguido inferir certas regras gerais para a propagação de raios de luz, por exemplo: (i) o parâmetro de impacto determina a intensidade da deflexão gravitacional; (ii) existe um parâmetro de impacto crítico que separa órbitas de espalhamento de órbitas de captura; um raio de luz incidente com esse parâmetro de impacto (exato) entraria em uma órbita circular (instável) ao redor do buraco negro; (iii) órbitas de espalhamento possuem (apenas) um ponto de retorno (ou seja, há apenas um ponto em que a velocidade é puramente tangencial, r˙=0, correspondente ao periastro); (iv) ao longo de uma órbita de captura (que se inicia longe do buraco negro), a velocidade nunca é puramente tangencial. Elencamos, assim, algumas questões que poderiam ser utilizadas para discussão, parcialmente motivadas pelas situações-problema propostas em [31]: É possível ver o que está atrás de um buraco negro? Pode-se propor aos estudantes que, dada uma fonte de luz “atrás” do buraco negro, desenhem uma ou mais órbitas plausíveis para raios de luz emitidos pela fonte e que alcançam um certo observador. Por “plausíveis” implicamos que essas órbitas devem ter as características gerais destacadas nos pontos (i)–(iv) acima. Um exemplo é dado na Fig. 8. Figura 8Ilustração da situação (a): raios de luz (curvas sólidas amarelas) emitidos por uma fonte alcançam um observador (marcado com um “×”), após atravessarem as vizinhanças de um buraco negro. O resultado são imagens múltiplas da fonte. Em seguida, é importante lembrar que, quando observamos um raio de luz, não temos informação sobre a trajetória percorrida, apenas sobre sua direção de chegada – fato comumente demonstrado em experimentos de refração na água. Com isso, é fácil perceber a possibilidade da existência de imagens múltiplas de uma dada fonte, uma das manifestações do efeito de lenteamento gravitacional forte. É possível também discutir com os estudantes a possibilidade de formação de um “anel de Einstein” quando o buraco negro, o observador e a fonte estão alinhados (pela revolução da situação mostrada na Fig. 8 em torno do eixo fonte-observador). Exemplos astrofísicos podem ser trazidos para sala de aula (como GAL-CLUS-022058s [32]), embora tais exemplos não se deem pela presença de um buraco negro entre observador e fonte, mas tipicamente por galáxias ou aglomerados de galáxias. Se, com a ajuda de foguetes, você ficasse parado em r = 1.5rs e olhasse ao seu redor, que fração do céu veria? Uma figura, como a Fig. 9, pode ser oferecida aos estudantes para alimentar a discussão. A intuição Newtoniana, baseada nas hipóteses de geometria euclideana e de propagação retilínea de raios de luz, talvez sugerisse (incorretamente) que um ângulo α = 2 arcsin (2/3) ≈ 84∘ seria encoberto pela “sombra” do buraco negro. No entanto, prolongando os raios de luz que chegam ao ponto de observação, e traçando outras trajetórias plausíveis dadas as regras gerais inferidas anteriormente, os estudantes podem se convencer de que apenas a metade do céu seria visível a esse observador; o restante de seu campo de visão seria ocupado pela sombra do buraco negro7. Figura 9Ilustração da situação (b): raios de luz (curvas sólidas) emitidos por diversas fontes alcançam um observador (marcado com um “×”) em r = 1.5rs. A posição das imagens é indicada em cores mais claras. Se um buraco negro estivesse cercado por um disco fino de material luminoso, como o veríamos ao observá-lo de longe? A resposta, deve ficar claro, depende da posição angular do observador (e sua “placa detectora”) com respeito ao plano do disco, como representado na figura abaixo. Duas situações podem ser propostas, em que a visão do disco é aproximadamente superior (θ0 ≈ 0) ou frontal (θ0 ≈ π/2). Pode-se imaginar que o observador é dotado de uma placa detectora, que coleta os raios de luz recebidos; se a distância entre observador e fonte é suficientemente grande, apenas raios de luz que incidem perpendicularmente na placa são observados. Imagens, como as exibidas na Figura 10, podem ser oferecidas para alimentar a discussão8. Figura 10Em cada painel, o gráfico à esquerda mostra a imagem de um disco equatorial fino, localizado entre 5rs e 15rs, obtida por um observador distante com inclinação θ0 indicada na legenda. À direita, mostramos exemplos de trajetórias percorridas pelos raios de luz, que dão origem às imagens primária (vermelho) e secundária (amarelo). A sombra do buraco negro (região preta) compreende toda a região interna ao parâmetro de impacto crítico bcr ≈ 2.6rs.(a) θ0 = 20◦(b) θ = 80◦ Para cada ponto emissor no disco, não apenas um, mas infinitos raios de luz ali emitidos podem a princípio alcançar o observador distante. Esses raios de luz são classificados como primários, secundários, terciários, etc., sendo o ângulo de deflexão aumenta à medida que aumenta a ordem. No caso da visão superior, os estudantes devem se convencer de que, para cada anel emissor no disco, a imagem primária seria um anel de raio maior que o anel emissor, e as imagens de ordem superior seriam anéis de raio próximo ao parâmetro de impacto crítico. O professor pode então discutir a imagem publicada em 2019 pela colaboração do Telescópio do Horizonte de Eventos, do buraco negro no centro da galáxia M87. Nesse caso, estima-se que a inclinação θ0 seja pequena [20], e as características gerais discutidas aqui se aplicam – sendo que apenas a imagem primária é suficientemente intensa para ser registrada (ver também [33] para detalhes sobre o efeito da rotação do buraco negro). No caso da visão frontal, os estudantes devem perceber que o efeito mais dramático adviria dos raios de luz emitidos pela parte de trás do disco, que formariam um anel em torno do buraco negro. O professor pode então discutir as imagens de Gargantua, o buraco negro hipotético do filme Interestelar [34], cujas imagens geralmente são aproximadamente frontais. , apresentamos sugestões de uso em sequências didáticas potencialmente significativas.

2. Órbitas ao redor de um buraco negro esférico

Em Relatividade Geral, partículas sujeitas apenas à interação gravitacional seguem geodésicas, as trajetórias mais “naturais” no espaço-tempo deformado pela presença, digamos, de um corpo muito mais massivo. Embora a descrição do movimento seja distinta da descrição Newtoniana – baseada no conceito de força gravitacional –, muitas ferramentas construídas no tratamento de órbitas Newtonianas também se aplicam ao caso relativístico. De fato, em ambos os casos, o problema de uma partícula-teste movendo-se ao redor de um corpo esférico massivo pode ser formulado em termos de um problema unidimensional efetivo e as características básicas do movimento podem ser inferidas a partir da análise da energia potencial efetiva associada, sem a necessidade de integrar de fato as equações de movimento.

Nesta seção, revisamos brevemente o problema Newtoniano e estruturamos o problema relativístico nos mesmos moldes. Para maiores detalhes do caso relativístico, ver, por exemplo, a Ref. [14[14] J.B. Hartle, Gravity: An introduction to Einstein’s general relativity (Pearson, Londres, 2003).].

2.1. O problema newtoniano

A descrição do movimento de uma partícula de massa m sujeita ao campo gravitacional de um objeto de massa M é consideravelmente simplificada pela existência de quantidades conservadas. Estamos interessados no caso Mm, situação na qual podemos considerar o corpo mais massivo como estando parado (chamaremos sua posição de “centro de força”) e descrever apenas a órbita da partícula de massa pequena (chamada, nesse contexto, de partícula teste, já que sonda o campo gravitacional gerado pelo corpo de massa M sem perturbá-lo). Sendo a força gravitacional uma força central, o torque exercido por ela com respeito ao centro de força é nulo; portanto, o momento angular (L) em relação a esse mesmo ponto é conservado. Conservação do momento angular implica que o movimento orbital está restrito ao plano ortogonal ao vetor L.

Definindo coordenadas polares com origem no centro de força, temos que, em um intervalo de tempo infinitesimal dt, o quadrado do módulo do deslocamento da partícula é ds2 = dr2 + r2 2 (ver Fig. 1); portanto, o quadrado do módulo da velocidade é dado por v2 = (dr/dt)2 + r2 (/dt)2. Sendo a força gravitacional uma força conservativa, a energia mecânica total,

Figura 1
Para deslocamentos infinitesimais, Δs2 = Δr2 + r2Δϕ2.

(1)E=mv22GMmr=m2drdt2+r2dϕdt2GMmr
é conservada ao longo do movimento. Levando em conta que o módulo do momento angular, L = mr2|/dt|, é uma grandeza conservada, podemos escrever a Eq. (1) da forma
(2)m2drdt2+Uefet(N)(r)=E,
onde definimos a energia potencial efetiva Newtoniana
(3)Uefet(N)(r)GMmr+L22mr2.

A partir da análise da Eq. (2), que expressa o problema orbital em termos de um problema unidimensional efetivo, é possível inferir características gerais das órbitas. Uma vez que m(dr/dt)2/2 é uma grandeza não negativa, o movimento da partícula deve estar restrito a valores de r tais que EUefet(N)(r); pontos em que a igualdade se verifica são conhecidos como pontos de retorno. Uma “força radial efetiva” pode ser definida comoFefet,r=dUefet(N)/dr; e pontos em que Fefet,r = 0 são pontos de equilíbrio (estável se d2Uefet(N)/dr2 > 0; instável se d2Uefet(N)/dr2 < 0). Em particular, a energia potencial efetiva (3) possui apenas um mínimo local, em r0 = L2/(GMm2) (exceto quando L = 0).

Da análise da energia potencial efetiva na Fig. 2, chega-se à conclusão de que partículas com E = Uefet,min(N)Uefet(N) (r0) descrevem órbitas circulares; partículas com Uefet,min(N) < E < 0 descrevem órbitas ligadas, restritas à região entre um valor mínimo e máximo da coordenada radial, e partículas com E ≥ 0 descrevem órbitas de espalhamento. O reconhecimento de que as órbitas Newtonianas são seções cônicas (elípticas, parabólicas ou hiperbólicas) exige, é claro, desenvolvimentos adicionais. Em especial, o fato de que as órbitas ligadas são necessariamente fechadas (ou seja, retornam periodicamente ao mesmo ponto) pode ser entendido como consequência da existência de uma quantidade conservada adicional, o vetor de Runge-Lenz [15[15] E. Poisson e C.M. Will, Gravity: Newtonian, Post-Newtonian, Relativistic (Cambridge University Press, Cambridge, 2014).].

Figura 2
Representação esquemática da energia potencial efetiva para o problema Newtoniano, assumindo L ≠ 0.

Por outro lado, classicamente, o movimento da luz não é afetado pelo campo gravitacional (quando consideramos sua massa estritamente nula). Nesse caso, o módulo do momento angular é dado por L = pr sin ϕ (ver Fig. 3), onde p = E/c é o módulo do momento linear do fóton, determinado pela sua energia E. Portanto, r sin ϕ = bLc/E e o raio de luz descreve uma linha reta, sendo o “parâmetro de impacto” b a distância de menor aproximação entre o raio de luz e o centro de força (ver Fig. 3).

Figura 3
Orientando o eixo-x ao longo da direção de propagação do raio de luz, sua trajetória é descrita simplesmente pela reta y = r sin ϕ = b.

2.2. O problema relativístico

Na RG, a gravitação é entendida como manifestação da geometria do espaço-tempo. Da mesma forma que qualquer propriedade da geometria Euclidiana pode ser deduzida a partir do reconhecimento de que a distância entre pontos com coordenadas (x, y, z) e (x + dx, y + dy, z + dz) é ds=dx2+dy2+dz2, as propriedades geométricas do espaço-tempo podem ser deduzidas a partir do conhecimento da distância ou intervalo espaço-temporal entre eventos próximos, ds2=a,b=03gab(x)dxadxb, onde (x0, x1, x2, x3) denotam as quatro coordenadas (o tempo incluído!) necessárias para rotularmos um evento e gab(x) são (16) funções das coordenadas; as componentes do tensor métrico.

Em particular, a geometria externa a um objeto esférico, estático, de massa M é dada pela solução de Schwarzschild [14[14] J.B. Hartle, Gravity: An introduction to Einstein’s general relativity (Pearson, Londres, 2003).], que estipula que o intervalo espaço-temporal entre eventos com coordenadas (t, r, θ, ϕ) e (t + dt, r + dr, θ + , ϕ + ) é

(4)ds2=1rsrc2dt2+dr21rs/r+r2dθ2+r2sin2θdϕ2,
onde rs ≡ 2GM/c2 (sendo G a constante da gravitação universal e c a velocidade da luz no vácuo) é o chamado raio de Schwarzschild, e depende da massa do corpo em questão. Essa solução assume a ausência de matéria no exterior do objeto; dentro, a geometria é modificada pela presença de matéria (ver Fig. 4). Para estrelas comuns, como o Sol, a solução (4) só é válida, portanto, para r > Rrs,⊙, onde o raio do Sol (R ≈ 7 × 105 km) é mais de cem mil vezes maior que o raio de Schwarzschild associado à sua massa, rs,⊙ = 2GM/c2 ≈ 3 km. No entanto, quando, ao aproximar-se do fim da sua “vida”, o combustível nuclear da estrela se exaure e, sendo suficientemente massiva, ela não encontra outra forma de contrapor a ação implosiva da gravidade, a matéria colapsa em regiões cada vez menores, descortinando uma região cada vez maior descrita pela geometria de Schwarzschild (4). Considerando a situação idealizada de um colapso esférico (de modo que as condições de validade para a métrica de Schwarzschild sejam sempre satisfeitas), quando a matéria é comprimida em uma esfera com raio menor que o raio crítico r = rs, um buraco negro se forma; seu raio de Schwarzschild define o raio do horizonte de eventos do buraco negro – a superfície que delimita a região da qual nada, nem mesmo a luz, pode escapar.

Figura 4
Na descrição Newtoniana, um corpo esférico de massa M e raio R gera um potencial gravitacional Φ(r) = –GM/r no seu exterior (em cinza); no interior, o potencial gravitacional depende da distribuição da matéria (em azul, para uma estrela mais ou menos compacta). Na visão relativística, a porção do espaço-tempo externa ao corpo é descrita pela solução de Schwarzschild (análoga ao potencial Φ(r) = –GM/r). Ao comprimirmos a massa M em um volume cada vez menor, expomos uma região maior do espaço-tempo de Schwarzschild, e os desvios com respeito à gravitação Newtoniana tornam-se progressivamente maiores.

A análise do movimento de partículas-teste e raios de luz no espaço-tempo de um buraco negro nos permite explorar sua geometria. Tais partículas, quando sujeitas apenas à interação gravitacional, descrevem geodésicas, as trajetórias mais “retas” no espaço-tempo curvo. Assim como no caso Newtoniano, as equações da geodésica são consideravelmente simplificadas pelas simetrias do problema e a consequente existência de quantidades conservadas. Conservação do momento angular (associada à simetria esférica do espaço-tempo) novamente implica que o movimento está restrito a um plano, que, com uma rotação apropriada do sistema de coordenadas, pode ser disposto no plano equatorial (θ = π/2). Sendo L = mr2|/| o módulo do momento angular da partícula (com τ o tempo próprio), as equações de movimento implicam que [14[14] J.B. Hartle, Gravity: An introduction to Einstein’s general relativity (Pearson, Londres, 2003).]

(5)m2drdτ2+Uefet(R)(r)=E,
onde a energia potencial efetiva é definida como
(6)Uefet(R)GMmr+L22mr2GML2mc2r3
e o “parâmetro de energia” 𝓔 é dado em termos da energia E da partícula como E=(E2E02)/(2E0), onde E0m c2 é a energia de repouso. Embora o parâmetro 𝓔 não tenha o significado imediato de energia da partícula, é igualmente uma quantidade conservada, o que permite que a análise do problema unidimensional efetivo seja feita ao longo dos moldes usuais.

A partir da análise da energia potencial efetiva (6), representada na Figura 5, diversos aspectos podem ser destacados, por exemplo:

Figura 5
Energia potencial efetiva adimensional, efetUefet/E0, como função da coordenada radial (reescalonada por rs) para alguns valores do momento angular adimensional L¯Lc/(GMm). As curvas sólidas correspondem ao caso relativístico (Eq. (6)) ao passo que as linhas tracejadas correspondem à energia potencial Newtoniana (Eq. (3)) com mesmo valor de .
  • Uefet(R) difere de Uefet(N) apenas pelo terceiro termo na equação (6). Calculando a magnitude da razão entre o terceiro e o segundo termo na equação (6), vemos que esta é da ordem de 1 quando rrs; as contribuições relativísticas se tornam dominantes apenas nas vizinhanças do horizonte de eventos do buraco negro. Para estrelas com tamanho Rrs, tais correções são muito pequenas, muito embora no caso do Sol (em que rs,⊙/R ≈ 4 × 10–6) produzam efeitos mensuráveis, como a precessão anômala do periélio de Mercúrio [16[16] C.M. Will, Was Einstein Right?: Putting General Relativity to the Test (Oxford University Press, Oxford, 1995).].

  • Para valores de momento angular L > Lcr, com Lcr12GMm/c,Uefet(R) possui dois extremos locais (dUefet(R)/dr=0) em

    (7)r±=L22GMm21±112G2M2m2L2c2;
    um ponto de máximo (r) e um de mínimo (r+), que acomodam órbitas circulares (respectivamente instáveis e estáveis).

  • Para L = Lcr, os dois extremos locais coincidem na chamada órbita circular estável mais interna (r+ = r = 3rs). O fato de que não existem órbitas circulares estáveis com raio arbitrariamente pequeno, como no caso Newtoniano, tem importantes implicações astrofísicas, em particular nos fenômenos de acreção ao redor de buracos negros [17[17] Y. Tanaka, K. Nandra, A.C. Fabian, H. Inoue, C. Otani, T. Dotani, K. Hayashida, K. Iwasawa, T. Kii, H. Kunieda et al., Nature 375, 659 (2000).].

  • Devido ao caráter atrativo da correção relativística na Eq. (6), e ao fato de que cresce com r–3 quando r → 0, vemos que, para L > Lcr, embora exista uma barreira centrífuga, ela possui uma altura máxima, ao contrário do problema Newtoniano (com L ≠ 0). Se uma partícula se aproxima do centro de força com parâmetro de energia 𝓔 superior ao máximo de Uefet(R), ela necessariamente cai no centro de força.

Não apenas partículas-teste, mas também raios de luz, seguem geodésicas no espaço-tempo deformado pela presença de um corpo massivo. O movimento novamente se dá em um plano (que assumimos como sendo o equatorial, θ = π/2) e as noções de energia (E) e momento angular (de módulo L = r2|/dλ|) ainda estão bem definidas, embora a massa de um fóton seja nula. Devido às características peculiares da luz, o tempo próprio (τ) ao longo de sua linha de mundo é nulo, e não é mais um bom parâmetro para caracterizar a trajetória, sendo substituído por um parâmetro afim (λ) apropriado2 1 Vale notar que foi justamente no problema das órbitas – não em torno de buracos negros, mas em torno do Sol – que a RG encontrou um de seus primeiros sucessos, ao explicar a precessão anômala do periélio de Mercúrio. . Ainda assim, a equação de movimento para um raio de luz pode ser escrita de forma análoga à Eq. (2):

(8)1L2drdλ2+Vefet(r)=1b2.

O primeiro termo ainda é uma contribuição não negativa relacionada à “velocidade radial” do raio de luz, e encontra-se reescalonado por um fator de L2, de modo que o “potencial efetivo”

(9)Vefet1r21rsr
seja independente de L. Ao lado direito da Eq. (8), a constante positiva que cumpre o papel de parâmetro de energia é k ≡ 1/b2, ou seja, o inverso do quadrado do parâmetro de impacto b ≡ |Lc/E|. Como discutido no fim da Sec. 2.1 2.1. O problema newtoniano A descrição do movimento de uma partícula de massa m sujeita ao campo gravitacional de um objeto de massa M é consideravelmente simplificada pela existência de quantidades conservadas. Estamos interessados no caso M ≫ m, situação na qual podemos considerar o corpo mais massivo como estando parado (chamaremos sua posição de “centro de força”) e descrever apenas a órbita da partícula de massa pequena (chamada, nesse contexto, de partícula teste, já que sonda o campo gravitacional gerado pelo corpo de massa M sem perturbá-lo). Sendo a força gravitacional uma força central, o torque exercido por ela com respeito ao centro de força é nulo; portanto, o momento angular (L→) em relação a esse mesmo ponto é conservado. Conservação do momento angular implica que o movimento orbital está restrito ao plano ortogonal ao vetor L→. Definindo coordenadas polares com origem no centro de força, temos que, em um intervalo de tempo infinitesimal dt, o quadrado do módulo do deslocamento da partícula é ds2 = dr2 + r2 dϕ2 (ver Fig. 1); portanto, o quadrado do módulo da velocidade é dado por v2 = (dr/dt)2 + r2 (dϕ/dt)2. Sendo a força gravitacional uma força conservativa, a energia mecânica total, Figura 1 Para deslocamentos infinitesimais, Δs2 = Δr2 + r2Δϕ2. (1)E=mv22−GMmr=m2drdt2+r2dϕdt2−GMmr é conservada ao longo do movimento. Levando em conta que o módulo do momento angular, L = mr2|dϕ/dt|, é uma grandeza conservada, podemos escrever a Eq. (1) da forma (2)m2drdt2+Uefet(N)(r)=E, onde definimos a energia potencial efetiva Newtoniana (3)Uefet(N)(r)≡−GMmr+L22mr2. A partir da análise da Eq. (2), que expressa o problema orbital em termos de um problema unidimensional efetivo, é possível inferir características gerais das órbitas. Uma vez que m(dr/dt)2/2 é uma grandeza não negativa, o movimento da partícula deve estar restrito a valores de r tais que E ≥ Uefet(N)(r); pontos em que a igualdade se verifica são conhecidos como pontos de retorno. Uma “força radial efetiva” pode ser definida comoFefet,r=−dUefet(N)/dr; e pontos em que Fefet,r = 0 são pontos de equilíbrio (estável se d2Uefet(N)/dr2 > 0; instável se d2Uefet(N)/dr2 < 0). Em particular, a energia potencial efetiva (3) possui apenas um mínimo local, em r0 = L2/(GMm2) (exceto quando L = 0). Da análise da energia potencial efetiva na Fig. 2, chega-se à conclusão de que partículas com E = Uefet,min(N) ≡ Uefet(N) (r0) descrevem órbitas circulares; partículas com Uefet,min(N) < E < 0 descrevem órbitas ligadas, restritas à região entre um valor mínimo e máximo da coordenada radial, e partículas com E ≥ 0 descrevem órbitas de espalhamento. O reconhecimento de que as órbitas Newtonianas são seções cônicas (elípticas, parabólicas ou hiperbólicas) exige, é claro, desenvolvimentos adicionais. Em especial, o fato de que as órbitas ligadas são necessariamente fechadas (ou seja, retornam periodicamente ao mesmo ponto) pode ser entendido como consequência da existência de uma quantidade conservada adicional, o vetor de Runge-Lenz [15]. Figura 2Representação esquemática da energia potencial efetiva para o problema Newtoniano, assumindo L ≠ 0. Por outro lado, classicamente, o movimento da luz não é afetado pelo campo gravitacional (quando consideramos sua massa estritamente nula). Nesse caso, o módulo do momento angular é dado por L = pr sin ϕ (ver Fig. 3), onde p = E/c é o módulo do momento linear do fóton, determinado pela sua energia E. Portanto, r sin ϕ = b ≡ Lc/E e o raio de luz descreve uma linha reta, sendo o “parâmetro de impacto” b a distância de menor aproximação entre o raio de luz e o centro de força (ver Fig. 3). Figura 3Orientando o eixo-x ao longo da direção de propagação do raio de luz, sua trajetória é descrita simplesmente pela reta y = r sin ϕ = b. , caso o raio de luz se movesse em um espaço-tempo plano, viajaria numa linha reta que passaria a uma distância b do centro atrator.

As características gerais do movimento de raios de luz podem novamente ser compreendidas a partir da análise do potencial efetivo (9), representado na Figura 6. Em particular, nota-se que o potencial efetivo para o movimento da luz possui um único extremo local, um ponto de máximo em r = 1.5rs. Portanto, o espaço-tempo de Schwarzschild comporta uma órbita circular instável para raios de luz. Raios de luz incidentes com parâmetro de impacto exatamente igual a bcr27GM/c2 ≈ 2.6rs [de modo que kcr = 1/bcr2 = Vefet,maxVefet(1.5rs)] ficariam presos nessa órbita fotônica. Para b > bcr (ou seja, k < Vefet,max), um raio de luz incidente do infinito teria sua trajetória defletida pelo corpo massivo, mas retornaria para o infinito. Por outro lado, se b < bcr (ou seja, k > Vefet,max), o raio de luz seria necessariamente capturado pelo buraco negro. O entendimento desses aspectos do movimento de raios de luz permite uma compreensão geral do efeito de deflexão da luz pelo Sol, a primeira comprovação observacional da RG [18[18] L.C.B. Crispino e D.J. Kennefick, Nature Physics 15, 416 (2019).], do fenômeno de lenteamento gravitacional [19[19] M. Bartelmann, Classical and Quantum Gravity 27, 233001 (2010).] e das características básicas das imagens de buracos negros como M87* e SagA*, divulgadas, em 2019 e 2022, respectivamente, pelo Event Horizon Telescope [20[20] Event Horizon Telescope Collaboration, The Astrophysical Journal Letters 875, L1 (2019)., 21[21] Event Horizon Telescope Collaboration, The Astrophysical Journal Letters 930, L12 (2022).] (ver também Sec. 4 4. Sugestões de uso em sequências didáticas potencialmente significativas O SORES, em suas versões preliminares, foi utilizado nos anos de 2021 e 2022 na disciplina de “Introdução à Relatividade e ao seu Ensino” da Universidade Federal Fluminense (UFF). Essa disciplina tem como público alvo estudantes de Licenciatura e seu objetivo é “oferecer ao licenciando uma visão aprofundada da teoria da Relatividade Restrita e uma introdução conceitual à teoria da Relatividade Geral, além de fomentar discussões sobre métodos de ensino relevantes a nível de Ensino Médio”. Nos anos de 2021 e 2022, essa disciplina se baseou em atividades investigativas, discutidas por grupos de estudantes em sala de aula, com a mediação da professora. O SORES foi utilizado em uma dessas atividades investigativas6, realizada após terem sido discutidos os princípios fundamentais da Relatividade Geral e os conceitos de geodésica e curvatura, mas antes de ser abordado de fato o tópico de buracos negros. Os elementos gerais presentes nessa atividade também poderiam integrar sequências didáticas para estudantes de Ensino Médio. Nesse caso, o SOREM, que se baseia em entradas com significado mais intuitivo, pode ser de valia. Um exemplo de encaminhamento de sequência didática sobre o tema (ver, por exemplo, o trabalho de fim de curso [27]) seria o seguinte: Reforçar os conhecimentos prévios dos estudantes sobre órbitas Newtonianas, possivelmente com uso de simuladores, como o PhET Colorado (por exemplo, [28]). Trazer uma problematização histórica, destacando, possivelmente através da leitura de textos, os sucessos da teoria Newtoniana no sistema solar, e introduzir o problema da precessão do periélio de Mercúrio. Os livros [16] e [29] contêm boas narrativas, que podem ser adaptadas. Introduzir as principais ideias da teoria da Relatividade Geral (caso não tenham sido introduzidas anteriormente). Uma proposta de ambiente virtual que pode auxiliar nesta etapa integra o trabalho de fim de curso [30]. Ressaltar a ordem de magnitude de efeitos relativísticos, e sua pequenez no sistema solar. Introduzir estrelas de nêutrons e buracos negros como exemplos de objetos compactos em que a descrição relativística da gravitação é essencial, e motivar o estudo comparativo das órbitas de partículas e raios de luz ao redor desses astros, com apoio do simulador apresentado aqui. Tendo explorado as principais características do movimento de partículas massivas e raios de luz ao redor de um buraco negro com o uso do simulador, pode ser interessante introduzir situações-problema para discussão, que permitam que os estudantes levantem hipóteses e articulem argumentos com base no que estudaram. Além de permitir uma compreensão mais profunda do tema, essa discussão abre as portas para que o professor conecte o tópico de estudo com observações astrofísicas, favorecendo o interesse e o engajamento dos alunos. Abaixo, elencamos algumas questões que poderiam ser propostas para discussão, referentes à propagação de raios de luz nas proximidades de um buraco negro. Claramente, o entendimento do problema através da análise do problema unidimensional efetivo associado (como discutido na seção 2.2) fornece uma base mais sólida para a discussão dessas questões; no entanto, acreditamos que possam ser trazidas mesmo após o uso exploratório do SOREM, desde que os estudantes tenham conseguido inferir certas regras gerais para a propagação de raios de luz, por exemplo: (i) o parâmetro de impacto determina a intensidade da deflexão gravitacional; (ii) existe um parâmetro de impacto crítico que separa órbitas de espalhamento de órbitas de captura; um raio de luz incidente com esse parâmetro de impacto (exato) entraria em uma órbita circular (instável) ao redor do buraco negro; (iii) órbitas de espalhamento possuem (apenas) um ponto de retorno (ou seja, há apenas um ponto em que a velocidade é puramente tangencial, r˙=0, correspondente ao periastro); (iv) ao longo de uma órbita de captura (que se inicia longe do buraco negro), a velocidade nunca é puramente tangencial. Elencamos, assim, algumas questões que poderiam ser utilizadas para discussão, parcialmente motivadas pelas situações-problema propostas em [31]: É possível ver o que está atrás de um buraco negro? Pode-se propor aos estudantes que, dada uma fonte de luz “atrás” do buraco negro, desenhem uma ou mais órbitas plausíveis para raios de luz emitidos pela fonte e que alcançam um certo observador. Por “plausíveis” implicamos que essas órbitas devem ter as características gerais destacadas nos pontos (i)–(iv) acima. Um exemplo é dado na Fig. 8. Figura 8Ilustração da situação (a): raios de luz (curvas sólidas amarelas) emitidos por uma fonte alcançam um observador (marcado com um “×”), após atravessarem as vizinhanças de um buraco negro. O resultado são imagens múltiplas da fonte. Em seguida, é importante lembrar que, quando observamos um raio de luz, não temos informação sobre a trajetória percorrida, apenas sobre sua direção de chegada – fato comumente demonstrado em experimentos de refração na água. Com isso, é fácil perceber a possibilidade da existência de imagens múltiplas de uma dada fonte, uma das manifestações do efeito de lenteamento gravitacional forte. É possível também discutir com os estudantes a possibilidade de formação de um “anel de Einstein” quando o buraco negro, o observador e a fonte estão alinhados (pela revolução da situação mostrada na Fig. 8 em torno do eixo fonte-observador). Exemplos astrofísicos podem ser trazidos para sala de aula (como GAL-CLUS-022058s [32]), embora tais exemplos não se deem pela presença de um buraco negro entre observador e fonte, mas tipicamente por galáxias ou aglomerados de galáxias. Se, com a ajuda de foguetes, você ficasse parado em r = 1.5rs e olhasse ao seu redor, que fração do céu veria? Uma figura, como a Fig. 9, pode ser oferecida aos estudantes para alimentar a discussão. A intuição Newtoniana, baseada nas hipóteses de geometria euclideana e de propagação retilínea de raios de luz, talvez sugerisse (incorretamente) que um ângulo α = 2 arcsin (2/3) ≈ 84∘ seria encoberto pela “sombra” do buraco negro. No entanto, prolongando os raios de luz que chegam ao ponto de observação, e traçando outras trajetórias plausíveis dadas as regras gerais inferidas anteriormente, os estudantes podem se convencer de que apenas a metade do céu seria visível a esse observador; o restante de seu campo de visão seria ocupado pela sombra do buraco negro7. Figura 9Ilustração da situação (b): raios de luz (curvas sólidas) emitidos por diversas fontes alcançam um observador (marcado com um “×”) em r = 1.5rs. A posição das imagens é indicada em cores mais claras. Se um buraco negro estivesse cercado por um disco fino de material luminoso, como o veríamos ao observá-lo de longe? A resposta, deve ficar claro, depende da posição angular do observador (e sua “placa detectora”) com respeito ao plano do disco, como representado na figura abaixo. Duas situações podem ser propostas, em que a visão do disco é aproximadamente superior (θ0 ≈ 0) ou frontal (θ0 ≈ π/2). Pode-se imaginar que o observador é dotado de uma placa detectora, que coleta os raios de luz recebidos; se a distância entre observador e fonte é suficientemente grande, apenas raios de luz que incidem perpendicularmente na placa são observados. Imagens, como as exibidas na Figura 10, podem ser oferecidas para alimentar a discussão8. Figura 10Em cada painel, o gráfico à esquerda mostra a imagem de um disco equatorial fino, localizado entre 5rs e 15rs, obtida por um observador distante com inclinação θ0 indicada na legenda. À direita, mostramos exemplos de trajetórias percorridas pelos raios de luz, que dão origem às imagens primária (vermelho) e secundária (amarelo). A sombra do buraco negro (região preta) compreende toda a região interna ao parâmetro de impacto crítico bcr ≈ 2.6rs.(a) θ0 = 20◦(b) θ = 80◦ Para cada ponto emissor no disco, não apenas um, mas infinitos raios de luz ali emitidos podem a princípio alcançar o observador distante. Esses raios de luz são classificados como primários, secundários, terciários, etc., sendo o ângulo de deflexão aumenta à medida que aumenta a ordem. No caso da visão superior, os estudantes devem se convencer de que, para cada anel emissor no disco, a imagem primária seria um anel de raio maior que o anel emissor, e as imagens de ordem superior seriam anéis de raio próximo ao parâmetro de impacto crítico. O professor pode então discutir a imagem publicada em 2019 pela colaboração do Telescópio do Horizonte de Eventos, do buraco negro no centro da galáxia M87. Nesse caso, estima-se que a inclinação θ0 seja pequena [20], e as características gerais discutidas aqui se aplicam – sendo que apenas a imagem primária é suficientemente intensa para ser registrada (ver também [33] para detalhes sobre o efeito da rotação do buraco negro). No caso da visão frontal, os estudantes devem perceber que o efeito mais dramático adviria dos raios de luz emitidos pela parte de trás do disco, que formariam um anel em torno do buraco negro. O professor pode então discutir as imagens de Gargantua, o buraco negro hipotético do filme Interestelar [34], cujas imagens geralmente são aproximadamente frontais. ).

Figura 6
Potencial efetivo adimensional para o movimento de raios de luz, efetVefetrs2, como função da coordenada radial (reescalonada por rs). A coordenada radial correspondente ao máximo do potencial efetivo (r = 1.5rs) é destacada com uma linha vertical.

3. Simuladores de Órbitas Relativísticas

3.1. Simulador de Órbitas Relativísticas para o Ensino Superior

O Simulador de Órbitas Relativísticas para o Ensino Superior (SORES)3 1 Vale notar que foi justamente no problema das órbitas – não em torno de buracos negros, mas em torno do Sol – que a RG encontrou um de seus primeiros sucessos, ao explicar a precessão anômala do periélio de Mercúrio. , disponível em [23[23] I.R.S. Nunes, A.L.V. Gonçalves e R.F.P. Mendes, Simulador de Órbitas Relativísticas para o Ensino Superior (2023), disponível em: https://orbitasrelativisticas.github.io/es.
https://orbitasrelativisticas.github.io/...
] tem como público alvo estudantes em formação superior, em particular licenciandos em Física.

Um exemplo de interação do usuário com o SORES é mostrado na Fig. 7. Na página inicial, o usuário inicialmente escolhe entre “órbitas de corpos massivos” e “órbitas de raios de luz”. Entrando no ambiente escolhido, é apresentada ao usuário uma janela com uma aba contendo uma breve contextualização do problema, com as definições matemáticas básicas, e outra descrevendo o funcionamento do simulador.

Figura 7
Exemplo de interação do usuário com o Simulador de Órbitas Relativísticas para o Ensino Superior, disponível em [23[23] I.R.S. Nunes, A.L.V. Gonçalves e R.F.P. Mendes, Simulador de Órbitas Relativísticas para o Ensino Superior (2023), disponível em: https://orbitasrelativisticas.github.io/es.
https://orbitasrelativisticas.github.io/...
].

No caso de órbitas de corpos massivos, após fechar a janela de contextualização (que pode ser reaberta através do ícone contendo um ponto de interrogação, no canto superior direito), solicita-se que o usuário insira o valor do momento angular adimensional L¯Lc/(GMm), que determina a forma da energia potencial efetiva (6). O programa então retorna um gráfico da energia potencial efetiva, destacando os pontos de mínimo e máximo (quando estes existem) e seu valor numérico – relevante caso se queira explorar a proximidade desses pontos. Solicita-se então que o usuário escolha o parâmetro de energia ¯/(mc2), que pode assumir qualquer valor maior ou igual a U¯efet(R)=−1/2. Pede-se também que o usuário escolha (no caso de uma órbita ligada) o número de voltas que deseja traçar, uma vez que as mesmas não serão fechadas como no caso newtoniano. O programa então retorna um gráfico da trajetória do corpo massivo, obtida a partir da integração numérica da equação da órbita4 1 Vale notar que foi justamente no problema das órbitas – não em torno de buracos negros, mas em torno do Sol – que a RG encontrou um de seus primeiros sucessos, ao explicar a precessão anômala do periélio de Mercúrio. . Nesse ambiente, a fim de trabalhar com uma escala bem definida, optamos por fixar a massa do buraco negro como 1M, e exibir distâncias em km.

No caso de órbitas de raios de luz, o potencial efetivo (9) é inteiramente fixado pela escolha de rs. Portanto, o usuário deve apenas escolher o valor do parâmetro de energia (k ≡ 1/b2), sendo particularmente interessante a exploração das vizinhanças do parâmetro de energia crítico kcr = 4/(27rs2).

3.2. Simulador de Órbitas Relativísticas para o Ensino Médio

O Simulador de Órbitas Relativísticas para o Ensino Médio (SOREM), disponível em [25[25] I.R.S. Nunes, A.L.V. Gonçalves e R.F.P. Mendes, Simulador de Órbitas Relativísticas para o Ensino Médio, disponível em: https://orbitasrelativisticas.github.io/em.
https://orbitasrelativisticas.github.io/...
], tem como público alvo estudantes do Ensino Médio.

Novamente, na página inicial o usuário escolhe entre “órbitas de corpos celestes” e “órbitas de raios de luz”. Entrando no ambiente escolhido, apresenta-se ao usuário uma janela com uma contextualização do problema, bem como a definição das entradas exigidas em cada ambiente. No caso de órbitas de corpos celestes, os inputs são a coordenada radial inicial (x0 = r0 = r(0)) e o módulo (v0) da velocidade inicial, a qual assumimos, por simplicidade, ser puramente tangencial5 1 Vale notar que foi justamente no problema das órbitas – não em torno de buracos negros, mas em torno do Sol – que a RG encontrou um de seus primeiros sucessos, ao explicar a precessão anômala do periélio de Mercúrio. . No caso de órbitas de raios de luz, a entrada exigida é o parâmetro de impacto, por ter um significado mais intuitivo. Nos dois ambientes desse simulador, assumimos que o buraco negro em questão possui a mesma massa que o Sol.

4. Sugestões de uso em sequências didáticas potencialmente significativas

O SORES, em suas versões preliminares, foi utilizado nos anos de 2021 e 2022 na disciplina de “Introdução à Relatividade e ao seu Ensino” da Universidade Federal Fluminense (UFF). Essa disciplina tem como público alvo estudantes de Licenciatura e seu objetivo é “oferecer ao licenciando uma visão aprofundada da teoria da Relatividade Restrita e uma introdução conceitual à teoria da Relatividade Geral, além de fomentar discussões sobre métodos de ensino relevantes a nível de Ensino Médio”. Nos anos de 2021 e 2022, essa disciplina se baseou em atividades investigativas, discutidas por grupos de estudantes em sala de aula, com a mediação da professora. O SORES foi utilizado em uma dessas atividades investigativas6 1 Vale notar que foi justamente no problema das órbitas – não em torno de buracos negros, mas em torno do Sol – que a RG encontrou um de seus primeiros sucessos, ao explicar a precessão anômala do periélio de Mercúrio. , realizada após terem sido discutidos os princípios fundamentais da Relatividade Geral e os conceitos de geodésica e curvatura, mas antes de ser abordado de fato o tópico de buracos negros.

Os elementos gerais presentes nessa atividade também poderiam integrar sequências didáticas para estudantes de Ensino Médio. Nesse caso, o SOREM, que se baseia em entradas com significado mais intuitivo, pode ser de valia. Um exemplo de encaminhamento de sequência didática sobre o tema (ver, por exemplo, o trabalho de fim de curso [27[27] L.F. Pereira, Proposta de sequência didática sobre gravitação newtoniana e relativística, com uso de simuladores e metodologias ativas de ensino. Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro (2022).]) seria o seguinte:

  • Reforçar os conhecimentos prévios dos estudantes sobre órbitas Newtonianas, possivelmente com uso de simuladores, como o PhET Colorado (por exemplo, [28[28] PHET Colorado, Gravidade e Órbitas, disponível em: https://phet.colorado.edu/sims/html/gravity-and-orbits/latest/gravity-and-orbits_pt_BR.html.
    https://phet.colorado.edu/sims/html/grav...
    ]).

  • Trazer uma problematização histórica, destacando, possivelmente através da leitura de textos, os sucessos da teoria Newtoniana no sistema solar, e introduzir o problema da precessão do periélio de Mercúrio. Os livros [16[16] C.M. Will, Was Einstein Right?: Putting General Relativity to the Test (Oxford University Press, Oxford, 1995).] e [29[29] K. Thorne, Black Holes and Time Warps: Einsteins Outrageous Legacy (W. W. Norton & Company, New York, 1994).] contêm boas narrativas, que podem ser adaptadas.

  • Introduzir as principais ideias da teoria da Relatividade Geral (caso não tenham sido introduzidas anteriormente). Uma proposta de ambiente virtual que pode auxiliar nesta etapa integra o trabalho de fim de curso [30[30] A.L.V. Gonçalves, Uma proposta de ambiente virtual para o ensino de relatividade geral no ensino médio. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro (2022).].

  • Ressaltar a ordem de magnitude de efeitos relativísticos, e sua pequenez no sistema solar.

  • Introduzir estrelas de nêutrons e buracos negros como exemplos de objetos compactos em que a descrição relativística da gravitação é essencial, e motivar o estudo comparativo das órbitas de partículas e raios de luz ao redor desses astros, com apoio do simulador apresentado aqui.

Tendo explorado as principais características do movimento de partículas massivas e raios de luz ao redor de um buraco negro com o uso do simulador, pode ser interessante introduzir situações-problema para discussão, que permitam que os estudantes levantem hipóteses e articulem argumentos com base no que estudaram. Além de permitir uma compreensão mais profunda do tema, essa discussão abre as portas para que o professor conecte o tópico de estudo com observações astrofísicas, favorecendo o interesse e o engajamento dos alunos.

Abaixo, elencamos algumas questões que poderiam ser propostas para discussão, referentes à propagação de raios de luz nas proximidades de um buraco negro. Claramente, o entendimento do problema através da análise do problema unidimensional efetivo associado (como discutido na seção 2.2 2.2. O problema relativístico Na RG, a gravitação é entendida como manifestação da geometria do espaço-tempo. Da mesma forma que qualquer propriedade da geometria Euclidiana pode ser deduzida a partir do reconhecimento de que a distância entre pontos com coordenadas (x, y, z) e (x + dx, y + dy, z + dz) é ds=dx2+dy2+dz2, as propriedades geométricas do espaço-tempo podem ser deduzidas a partir do conhecimento da distância ou intervalo espaço-temporal entre eventos próximos, ds2=∑a,b=03gab(x)dxadxb, onde (x0, x1, x2, x3) denotam as quatro coordenadas (o tempo incluído!) necessárias para rotularmos um evento e gab(x) são (16) funções das coordenadas; as componentes do tensor métrico. Em particular, a geometria externa a um objeto esférico, estático, de massa M é dada pela solução de Schwarzschild [14], que estipula que o intervalo espaço-temporal entre eventos com coordenadas (t, r, θ, ϕ) e (t + dt, r + dr, θ + dθ, ϕ + dϕ) é (4)ds2=−1−rsrc2dt2+dr21−rs/r+r2dθ2+r2sin2⁡θdϕ2, onde rs ≡ 2GM/c2 (sendo G a constante da gravitação universal e c a velocidade da luz no vácuo) é o chamado raio de Schwarzschild, e depende da massa do corpo em questão. Essa solução assume a ausência de matéria no exterior do objeto; dentro, a geometria é modificada pela presença de matéria (ver Fig. 4). Para estrelas comuns, como o Sol, a solução (4) só é válida, portanto, para r > R⊙ ≫ rs,⊙, onde o raio do Sol (R⊙ ≈ 7 × 105 km) é mais de cem mil vezes maior que o raio de Schwarzschild associado à sua massa, rs,⊙ = 2GM⊙/c2 ≈ 3 km. No entanto, quando, ao aproximar-se do fim da sua “vida”, o combustível nuclear da estrela se exaure e, sendo suficientemente massiva, ela não encontra outra forma de contrapor a ação implosiva da gravidade, a matéria colapsa em regiões cada vez menores, descortinando uma região cada vez maior descrita pela geometria de Schwarzschild (4). Considerando a situação idealizada de um colapso esférico (de modo que as condições de validade para a métrica de Schwarzschild sejam sempre satisfeitas), quando a matéria é comprimida em uma esfera com raio menor que o raio crítico r = rs, um buraco negro se forma; seu raio de Schwarzschild define o raio do horizonte de eventos do buraco negro – a superfície que delimita a região da qual nada, nem mesmo a luz, pode escapar. Figura 4 Na descrição Newtoniana, um corpo esférico de massa M e raio R gera um potencial gravitacional Φ(r) = –GM/r no seu exterior (em cinza); no interior, o potencial gravitacional depende da distribuição da matéria (em azul, para uma estrela mais ou menos compacta). Na visão relativística, a porção do espaço-tempo externa ao corpo é descrita pela solução de Schwarzschild (análoga ao potencial Φ(r) = –GM/r). Ao comprimirmos a massa M em um volume cada vez menor, expomos uma região maior do espaço-tempo de Schwarzschild, e os desvios com respeito à gravitação Newtoniana tornam-se progressivamente maiores. A análise do movimento de partículas-teste e raios de luz no espaço-tempo de um buraco negro nos permite explorar sua geometria. Tais partículas, quando sujeitas apenas à interação gravitacional, descrevem geodésicas, as trajetórias mais “retas” no espaço-tempo curvo. Assim como no caso Newtoniano, as equações da geodésica são consideravelmente simplificadas pelas simetrias do problema e a consequente existência de quantidades conservadas. Conservação do momento angular (associada à simetria esférica do espaço-tempo) novamente implica que o movimento está restrito a um plano, que, com uma rotação apropriada do sistema de coordenadas, pode ser disposto no plano equatorial (θ = π/2). Sendo L = mr2|dϕ/dτ| o módulo do momento angular da partícula (com τ o tempo próprio), as equações de movimento implicam que [14] (5)m2drdτ2+Uefet(R)(r)=E, onde a energia potencial efetiva é definida como (6)Uefet(R)≡−GMmr+L22mr2−GML2mc2r3 e o “parâmetro de energia” 𝓔 é dado em termos da energia E da partícula como E=(E2−E02)/(2E0), onde E0 ≡ m c2 é a energia de repouso. Embora o parâmetro 𝓔 não tenha o significado imediato de energia da partícula, é igualmente uma quantidade conservada, o que permite que a análise do problema unidimensional efetivo seja feita ao longo dos moldes usuais. A partir da análise da energia potencial efetiva (6), representada na Figura 5, diversos aspectos podem ser destacados, por exemplo: Figura 5 Energia potencial efetiva adimensional, Ūefet ≡ Uefet/E0, como função da coordenada radial (reescalonada por rs) para alguns valores do momento angular adimensional L¯≡Lc/(GMm). As curvas sólidas correspondem ao caso relativístico (Eq. (6)) ao passo que as linhas tracejadas correspondem à energia potencial Newtoniana (Eq. (3)) com mesmo valor de L̄. Uefet(R) difere de Uefet(N) apenas pelo terceiro termo na equação (6). Calculando a magnitude da razão entre o terceiro e o segundo termo na equação (6), vemos que esta é da ordem de 1 quando r ∼ rs; as contribuições relativísticas se tornam dominantes apenas nas vizinhanças do horizonte de eventos do buraco negro. Para estrelas com tamanho R ≫ rs, tais correções são muito pequenas, muito embora no caso do Sol (em que rs,⊙/R⊙ ≈ 4 × 10–6) produzam efeitos mensuráveis, como a precessão anômala do periélio de Mercúrio [16]. Para valores de momento angular L > Lcr, com Lcr≡12GMm/c,Uefet(R) possui dois extremos locais (dUefet(R)/dr=0) em (7)r±=L22GMm21±1−12G2M2m2L2c2; um ponto de máximo (r–) e um de mínimo (r+), que acomodam órbitas circulares (respectivamente instáveis e estáveis). Para L = Lcr, os dois extremos locais coincidem na chamada órbita circular estável mais interna (r+ = r– = 3rs). O fato de que não existem órbitas circulares estáveis com raio arbitrariamente pequeno, como no caso Newtoniano, tem importantes implicações astrofísicas, em particular nos fenômenos de acreção ao redor de buracos negros [17]. Devido ao caráter atrativo da correção relativística na Eq. (6), e ao fato de que cresce com r–3 quando r → 0, vemos que, para L > Lcr, embora exista uma barreira centrífuga, ela possui uma altura máxima, ao contrário do problema Newtoniano (com L ≠ 0). Se uma partícula se aproxima do centro de força com parâmetro de energia 𝓔 superior ao máximo de Uefet(R), ela necessariamente cai no centro de força. Não apenas partículas-teste, mas também raios de luz, seguem geodésicas no espaço-tempo deformado pela presença de um corpo massivo. O movimento novamente se dá em um plano (que assumimos como sendo o equatorial, θ = π/2) e as noções de energia (E) e momento angular (de módulo L = r2|dϕ/dλ|) ainda estão bem definidas, embora a massa de um fóton seja nula. Devido às características peculiares da luz, o tempo próprio (τ) ao longo de sua linha de mundo é nulo, e não é mais um bom parâmetro para caracterizar a trajetória, sendo substituído por um parâmetro afim (λ) apropriado2. Ainda assim, a equação de movimento para um raio de luz pode ser escrita de forma análoga à Eq. (2): (8)1L2drdλ2+Vefet(r)=1b2. O primeiro termo ainda é uma contribuição não negativa relacionada à “velocidade radial” do raio de luz, e encontra-se reescalonado por um fator de L2, de modo que o “potencial efetivo” (9)Vefet≡1r21−rsr seja independente de L. Ao lado direito da Eq. (8), a constante positiva que cumpre o papel de parâmetro de energia é k ≡ 1/b2, ou seja, o inverso do quadrado do parâmetro de impacto b ≡ |Lc/E|. Como discutido no fim da Sec. 2.1, caso o raio de luz se movesse em um espaço-tempo plano, viajaria numa linha reta que passaria a uma distância b do centro atrator. As características gerais do movimento de raios de luz podem novamente ser compreendidas a partir da análise do potencial efetivo (9), representado na Figura 6. Em particular, nota-se que o potencial efetivo para o movimento da luz possui um único extremo local, um ponto de máximo em r = 1.5rs. Portanto, o espaço-tempo de Schwarzschild comporta uma órbita circular instável para raios de luz. Raios de luz incidentes com parâmetro de impacto exatamente igual a bcr ≡ 27GM/c2 ≈ 2.6rs [de modo que kcr = 1/bcr2 = Vefet,max ≡ Vefet(1.5rs)] ficariam presos nessa órbita fotônica. Para b > bcr (ou seja, k < Vefet,max), um raio de luz incidente do infinito teria sua trajetória defletida pelo corpo massivo, mas retornaria para o infinito. Por outro lado, se b < bcr (ou seja, k > Vefet,max), o raio de luz seria necessariamente capturado pelo buraco negro. O entendimento desses aspectos do movimento de raios de luz permite uma compreensão geral do efeito de deflexão da luz pelo Sol, a primeira comprovação observacional da RG [18], do fenômeno de lenteamento gravitacional [19] e das características básicas das imagens de buracos negros como M87* e SagA*, divulgadas, em 2019 e 2022, respectivamente, pelo Event Horizon Telescope [20, 21] (ver também Sec. 4). Figura 6Potencial efetivo adimensional para o movimento de raios de luz, V̄efet ≡ Vefetrs2, como função da coordenada radial (reescalonada por rs). A coordenada radial correspondente ao máximo do potencial efetivo (r = 1.5rs) é destacada com uma linha vertical. ) fornece uma base mais sólida para a discussão dessas questões; no entanto, acreditamos que possam ser trazidas mesmo após o uso exploratório do SOREM, desde que os estudantes tenham conseguido inferir certas regras gerais para a propagação de raios de luz, por exemplo: (i) o parâmetro de impacto determina a intensidade da deflexão gravitacional; (ii) existe um parâmetro de impacto crítico que separa órbitas de espalhamento de órbitas de captura; um raio de luz incidente com esse parâmetro de impacto (exato) entraria em uma órbita circular (instável) ao redor do buraco negro; (iii) órbitas de espalhamento possuem (apenas) um ponto de retorno (ou seja, há apenas um ponto em que a velocidade é puramente tangencial, r˙=0, correspondente ao periastro); (iv) ao longo de uma órbita de captura (que se inicia longe do buraco negro), a velocidade nunca é puramente tangencial. Elencamos, assim, algumas questões que poderiam ser utilizadas para discussão, parcialmente motivadas pelas situações-problema propostas em [31[31] E.F. Taylor e J.A. Wheeler, Exploring Black Holes: Introduction to General Relativity (Addison Wesley, Boston, 2000).]:

  1. É possível ver o que está atrás de um buraco negro? Pode-se propor aos estudantes que, dada uma fonte de luz “atrás” do buraco negro, desenhem uma ou mais órbitas plausíveis para raios de luz emitidos pela fonte e que alcançam um certo observador. Por “plausíveis” implicamos que essas órbitas devem ter as características gerais destacadas nos pontos (i)–(iv) acima. Um exemplo é dado na Fig. 8.

    Figura 8
    Ilustração da situação (a): raios de luz (curvas sólidas amarelas) emitidos por uma fonte alcançam um observador (marcado com um “×”), após atravessarem as vizinhanças de um buraco negro. O resultado são imagens múltiplas da fonte.

    Em seguida, é importante lembrar que, quando observamos um raio de luz, não temos informação sobre a trajetória percorrida, apenas sobre sua direção de chegada – fato comumente demonstrado em experimentos de refração na água. Com isso, é fácil perceber a possibilidade da existência de imagens múltiplas de uma dada fonte, uma das manifestações do efeito de lenteamento gravitacional forte. É possível também discutir com os estudantes a possibilidade de formação de um “anel de Einstein” quando o buraco negro, o observador e a fonte estão alinhados (pela revolução da situação mostrada na Fig. 8 em torno do eixo fonte-observador). Exemplos astrofísicos podem ser trazidos para sala de aula (como GAL-CLUS-022058s [32[32] A. Díaz-Sánchez, H. Dannerbauer, N. Sulzenauer, S. Iglesias-Groth e R. Rebolo, Astrophys. J. 919, 48 (2021).]), embora tais exemplos não se deem pela presença de um buraco negro entre observador e fonte, mas tipicamente por galáxias ou aglomerados de galáxias.

  2. Se, com a ajuda de foguetes, você ficasse parado em r = 1.5rs e olhasse ao seu redor, que fração do céu veria? Uma figura, como a Fig. 9, pode ser oferecida aos estudantes para alimentar a discussão.

    A intuição Newtoniana, baseada nas hipóteses de geometria euclideana e de propagação retilínea de raios de luz, talvez sugerisse (incorretamente) que um ângulo α = 2 arcsin (2/3) ≈ 84 seria encoberto pela “sombra” do buraco negro. No entanto, prolongando os raios de luz que chegam ao ponto de observação, e traçando outras trajetórias plausíveis dadas as regras gerais inferidas anteriormente, os estudantes podem se convencer de que apenas a metade do céu seria visível a esse observador; o restante de seu campo de visão seria ocupado pela sombra do buraco negro7 1 Vale notar que foi justamente no problema das órbitas – não em torno de buracos negros, mas em torno do Sol – que a RG encontrou um de seus primeiros sucessos, ao explicar a precessão anômala do periélio de Mercúrio. .

    Figura 9
    Ilustração da situação (b): raios de luz (curvas sólidas) emitidos por diversas fontes alcançam um observador (marcado com um “×”) em r = 1.5rs. A posição das imagens é indicada em cores mais claras.

  3. Se um buraco negro estivesse cercado por um disco fino de material luminoso, como o veríamos ao observá-lo de longe? A resposta, deve ficar claro, depende da posição angular do observador (e sua “placa detectora”) com respeito ao plano do disco, como representado na figura abaixo.

    Duas situações podem ser propostas, em que a visão do disco é aproximadamente superior (θ0 ≈ 0) ou frontal (θ0π/2). Pode-se imaginar que o observador é dotado de uma placa detectora, que coleta os raios de luz recebidos; se a distância entre observador e fonte é suficientemente grande, apenas raios de luz que incidem perpendicularmente na placa são observados. Imagens, como as exibidas na Figura 10, podem ser oferecidas para alimentar a discussão8 1 Vale notar que foi justamente no problema das órbitas – não em torno de buracos negros, mas em torno do Sol – que a RG encontrou um de seus primeiros sucessos, ao explicar a precessão anômala do periélio de Mercúrio. .

    Figura 10
    Em cada painel, o gráfico à esquerda mostra a imagem de um disco equatorial fino, localizado entre 5rs e 15rs, obtida por um observador distante com inclinação θ0 indicada na legenda. À direita, mostramos exemplos de trajetórias percorridas pelos raios de luz, que dão origem às imagens primária (vermelho) e secundária (amarelo). A sombra do buraco negro (região preta) compreende toda a região interna ao parâmetro de impacto crítico bcr ≈ 2.6rs.

    Para cada ponto emissor no disco, não apenas um, mas infinitos raios de luz ali emitidos podem a princípio alcançar o observador distante. Esses raios de luz são classificados como primários, secundários, terciários, etc., sendo o ângulo de deflexão aumenta à medida que aumenta a ordem.

    No caso da visão superior, os estudantes devem se convencer de que, para cada anel emissor no disco, a imagem primária seria um anel de raio maior que o anel emissor, e as imagens de ordem superior seriam anéis de raio próximo ao parâmetro de impacto crítico. O professor pode então discutir a imagem publicada em 2019 pela colaboração do Telescópio do Horizonte de Eventos, do buraco negro no centro da galáxia M87. Nesse caso, estima-se que a inclinação θ0 seja pequena [20[20] Event Horizon Telescope Collaboration, The Astrophysical Journal Letters 875, L1 (2019).], e as características gerais discutidas aqui se aplicam – sendo que apenas a imagem primária é suficientemente intensa para ser registrada (ver também [33[33] H.C.D. Lima Junior, P.V.P. Cunha, C.A.R. Herdeiro e L.C.B. Crispino, Revista Brasileira de Ensino de Física 43, e20200232 (2021).] para detalhes sobre o efeito da rotação do buraco negro). No caso da visão frontal, os estudantes devem perceber que o efeito mais dramático adviria dos raios de luz emitidos pela parte de trás do disco, que formariam um anel em torno do buraco negro. O professor pode então discutir as imagens de Gargantua, o buraco negro hipotético do filme Interestelar [34[34] O. James, E. von Tunzelmann, P. Franklin e K.S. Thorne, Classical and Quantum Gravity 32, 065001 (2015).], cujas imagens geralmente são aproximadamente frontais.

5. Conclusões

Muitas são as justificativas que podem ser elencadas para a inserção de tópicos de Física Moderna e Contemporânea no Ensino Médio [35[35] J.R.N. da Silva, L.E.B. Arenghi e A. Lino, Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia 6, 69 (2013).]. No que se refere à Relatividade Geral, que forma a base do modelo padrão atual de astrofísica e cosmologia, uma dificuldade que se interpõe a uma inserção efetiva no Ensino Médio é sua complexidade matemática. Assim, em livros didáticos o tema geralmente é abordado superficialmente, com o auxílio de modelos qualitativos como o da cama elástica [36[36] M. Pössel, arXiv:1812.11589 (2018)., 37[37] T. Kaur, D. Blair, J. Moschilla, W. Stannard e M. Zadnik, Physics Education 52, 065012 (2017)., 38[38] M. Kersting e R. Steier, Science & Education 27, 593 (2018).]. Embora alguns autores advoguem possíveis vantagens pedagógicas de se apresentar a gravitação desde o início em sua versão relativística [39[39] E. Baldy, International Journal of Science Education 29, 1767 (2007).], objeções podem ser levantadas ao uso exagerado de modelos [40[40] G. Bachelard, A Formação do Espirito Científico (Contraponto, Rio de Janeiro, 2007).]. Neste trabalho, sugerimos uma rota para se abordar tópicos de relatividade geral e, em particular, introduzir a temática de buracos negros, através do estudo comparativo de órbitas newtonianas e relativísticas para partículas massivas e raios de luz. Em especial, apresentamos um simulador (SOREM) para auxiliar na construção de sequências didáticas potencialmente significativas sobre o tema.

Por outro lado, é inquestionável que qualquer inserção cuidadosa de temas de Relatividade Geral no Ensino Médio só pode ser feita por profissionais qualificados para tanto. Entretanto, a complexidade matemática da teoria ainda surge como um empecilho para sua abordagem no nível superior, em particular para licenciandos em Física. Nos parece importante que esforços sejam feitos no sentido de promover a discussão sobre o tema, mesmo sem o aparato matemático da geometria diferencial [41[41] J.B. Hartle, American Journal of Physics 74, 14 (2006).]. Em particular, neste trabalho, discutimos como as características gerais de órbitas relativísticas podem ser trabalhadas de forma análoga às órbitas newtonianas, através do problema unidimensional efetivo associado e da análise do gráfico de energia potencial efetiva correspondente – problema tipicamente abordado em cursos de Mecânica Clássica. Oferecemos também um simulador (SORES) que pode ser utilizado tanto em cursos de Mecânica Clássica quando em cursos de Relatividade. Uma vez tendo entendido o tópico em um nível de sofisticação mais elevado, o futuro docente estará mais capacitado a realizar uma transposição didática mais efetiva para seus estudantes.

Agradecimentos

Agradecemos a Reinaldo Faria de Melo e Souza e Vitor Acioly Barbosa pela leitura crítica do trabalho. Este trabalho foi parcialmente financiado com recursos do CNPq e da FAPERJ.

  • 1
    Vale notar que foi justamente no problema das órbitas – não em torno de buracos negros, mas em torno do Sol – que a RG encontrou um de seus primeiros sucessos, ao explicar a precessão anômala do periélio de Mercúrio.
  • 2
    Nas nossas convenções, a dimensão de λ é tempo/massa.
  • 3
    Os simuladores apresentados aqui foram construídos a partir da adaptação, ao formato HTML, de códigos escritos na linguagem Python. Para isso a plataforma PyScript foi utilizada [22[22] Anaconda Inc., Pyscript, disponível em: https://pyscript.net/.
    https://pyscript.net/...
    ].
  • 4
    Uma equação do tipo dr/dθ = f(r) pode ser obtida combinando a Eq. (5) com a expressão para / em termos do módulo do momento angular. Para mais detalhes do procedimento numérico, ver [24[24] I.R.S. Nunes, A imagem de um buraco negro: um estudo das geodésicas tipo-luz no espaço-tempo de schwarzschild. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro (2021).].
  • 5
    Tecnicamente, v0 é interpretado como o módulo da tri-velocidade, de modo que v02=gijuiuj=g33u3u3=r02ϕ˙2, onde ϕ˙=dϕ/dr. Como consequência, o momento angular é dado por L = mr0v0 e, uma vez que r˙(0)=0, 𝓔 = Uefet(R)(r0).
  • 6
    Atividade 9 da apostila disponível em [26[26] R.F.P. Mendes, Atividades investigativas para o ensino de RELATIVIDADE, disponível em: https://drive.google.com/file/d/1Tm9_Ho7kWS7Uu-4VoJkKnwjFuJdaUUbf/view?usp=sharing.
    https://drive.google.com/file/d/1Tm9_Ho7...
    ].
  • 7
    Note, contudo, que a perda de campo de visão é “compensada” pelo fato de que, na metade visível do céu, o observador é capaz de enxergar inclusive objetos que na óptica geométrica estariam ocultos atrás do corpo opaco. Isso só é possível devido ao forte efeito de lenteamento gravitacional nas proximidades do buraco negro. Para mais detalhes, ver, por exemplo, o Cap. 5 da Ref. [31[31] E.F. Taylor e J.A. Wheeler, Exploring Black Holes: Introduction to General Relativity (Addison Wesley, Boston, 2000).].
  • 8
    Para detalhes sobre a construção dessas imagens, ver, por exemplo, o trabalho de conclusão de curso [24[24] I.R.S. Nunes, A imagem de um buraco negro: um estudo das geodésicas tipo-luz no espaço-tempo de schwarzschild. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro (2021).].

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    03 Out 2023
  • Revisado
    10 Out 2023
  • Aceito
    12 Out 2023
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