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Óbitos atribuídos à tuberculose no Estado do Rio de Janeiro

Resumos

INTRODUÇÃO:Em 1998, o Rio de Janeiro era o estado de maior incidência e mortalidade por tuberculose do Brasil. O Sistema de Informação de Agravos de Notificação em Tuberculose (SINAN-TB-RJ) não era confiável. OBJETIVO: Utilizar o estudo dos óbitos por tuberculose como instrumento de avaliação do programa de controle de tuberculose. MÉTODO: Foram realizados estudos descritivos do SINAN-TB-RJ e do Sistema de Informação de Mortalidade em tuberculose do Rio de Janeiro (SIM-TB-RJ) e os dois bancos de dados foram cruzados utilizando-se o programa Reclink. Foi também realizado um estudo baseado em prontuários dos cinco hospitais onde ocorreu o maior número de óbitos por tuberculose. RESULTADOS: Em 1998 foram registrados no SINAN-TB-RJ 16.567 casos de tuberculose em maiores de 14 anos. A forma pulmonar estava presente em 13.989 (84,5%) casos, dos quais 8.223 (56,8%) tiveram baciloscopia positiva. A sorologia anti-HIV, recomendada para todos os pacientes com tuberculose, foi solicitada em apenas 4.141 (25%) casos. No SIM-TB-RJ foram registrados 1.146 óbitos, dos quais 478 (41,7%) casos haviam sido notificados no SINAN-TB-RJ, entre 1995 e 1998. Dos 302 prontuários estudados, em 154 (50,9%) o período de internação foi inferior a 10 dias. O tempo entre o início dos sintomas e o diagnóstico foi superior a 60 dias em 143 (47,3%) pacientes. Dos 125 pacientes em re-tratamento, para apenas 43 (34,4%) foi prescrito o esquema RHZE recomendado pelo Ministério da Saúde. CONCLUSÃO: O estudo demonstra que a tuberculose é sub-notificada, o diagnóstico é tardio, a utilização dos exames laboratoriais recomendados é baixa e as normas do Ministério da Saúde não são cumpridas.

Tuberculose; Epidemiologia; Avaliação de programas


BACKGROUND: In 1998, tuberculosis incidence and mortality rates in the state of Rio de Janeiro (RJ) were the highest in Brazil. However, the RJ tuberculosis database (SINAN-TB-RJ) has proven unreliable. OBJECTIVE: To evaluate the current tuberculosis control program by analyzing tuberculosis-attributed deaths. METHODS: Descriptive studies of the SINAN-TB-RJ and tuberculosis mortality (SIM-TB-RJ) databases were carried out. Both databases were linked using the Reclink program. A study based on medical records was performed in the five hospitals where the greatest numbers of tuberculosis deaths occurred. RESULTS: In the SINAN-TB-RJ database, 16,567 cases were registered in adults (> 14 years of age). Pulmonary disease was present in 13,989 (84.5%), of whom 8223 (56.8%) presented sputum smears that were positive for acid fast bacilli. Anti-HIV testing, recommended for all patients with tuberculosis, was performed in only 4141 (25%) of tuberculosis cases. The SIM-TB-RJ database showed 1146 deaths that were attributed to tuberculosis. Only 478 (41.7%) of those had been reported to the health care system (SINAN-TB-RJ). Among the 302 medical records analyzed, 154 (50.9%) recorded hospitalizations of up to 10 days and 143 (47.3%) had respiratory symptoms for more than 60 days before diagnosis. Among 125 cases of retreatment, the RHZE regimen recommended by the Brazilian Ministry of Health was prescribed for only 43 (34.4%). CONCLUSION: This study demonstrates weakness in the RJ tuberculosis control program, characterized by delayed diagnosis, limited use of the recommended tests, poor reporting, and non-compliance with the Ministry of Health guidelines.

Tuberculosis; Epidemiology; Program Evaluation


ARTIGO ORIGINAL

Óbitos atribuídos à tuberculose no Estado do Rio de Janeiro * * Trabalho realizado na Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro. Financiado por: FOGARTY Foundation

Lia Selig; Márcia Belo; Antônio Jose Ledo Alves da Cunha; Eleny Guimarães Teixeira; Rossana Brito; Ana Lucia Luna; Anete Trajman

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Rua Aníbal de Mendonça, 72/202 Ipanema CEP: 22410-050 Tel: 55 21 2540 8828 E-mail: lselig@terra.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO:Em 1998, o Rio de Janeiro era o estado de maior incidência e mortalidade por tuberculose do Brasil. O Sistema de Informação de Agravos de Notificação em Tuberculose (SINAN-TB-RJ) não era confiável.

OBJETIVO: Utilizar o estudo dos óbitos por tuberculose como instrumento de avaliação do programa de controle de tuberculose.

MÉTODO: Foram realizados estudos descritivos do SINAN-TB-RJ e do Sistema de Informação de Mortalidade em tuberculose do Rio de Janeiro (SIM-TB-RJ) e os dois bancos de dados foram cruzados utilizando-se o programa Reclink. Foi também realizado um estudo baseado em prontuários dos cinco hospitais onde ocorreu o maior número de óbitos por tuberculose.

RESULTADOS: Em 1998 foram registrados no SINAN-TB-RJ 16.567 casos de tuberculose em maiores de 14 anos. A forma pulmonar estava presente em 13.989 (84,5%) casos, dos quais 8.223 (56,8%) tiveram baciloscopia positiva. A sorologia anti-HIV, recomendada para todos os pacientes com tuberculose, foi solicitada em apenas 4.141 (25%) casos. No SIM-TB-RJ foram registrados 1.146 óbitos, dos quais 478 (41,7%) casos haviam sido notificados no SINAN-TB-RJ, entre 1995 e 1998. Dos 302 prontuários estudados, em 154 (50,9%) o período de internação foi inferior a 10 dias. O tempo entre o início dos sintomas e o diagnóstico foi superior a 60 dias em 143 (47,3%) pacientes. Dos 125 pacientes em re-tratamento, para apenas 43 (34,4%) foi prescrito o esquema RHZE recomendado pelo Ministério da Saúde.

CONCLUSÃO: O estudo demonstra que a tuberculose é sub-notificada, o diagnóstico é tardio, a utilização dos exames laboratoriais recomendados é baixa e as normas do Ministério da Saúde não são cumpridas.

Descritores: Tuberculose. Epidemiologia. Avaliação de programas

Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho:

AIDS - Síndrome da imunodeficiência adquirida

CID - Classificação Internacional de Doenças

DOTS - Estratégia de tratamento diretamente observado

HIV - Vírus da imunodeficiência humana

IC - Intervalo de confiança

MS - Ministério da Saúde

OMS - Organização Mundial de Saúde

OR - odds ratio

PCT - Programa de controle de tuberculose

RHZE - Rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol

SIM - Sistema de Informação de Mortalidade

SINAN - Sistema de Informação de Agravos de Notificação

TB - Tuberculose

Introdução

A tuberculose é um grave problema de saúde pública mundial, em especial nos países em desenvolvimento. O Brasil ocupa a 15ª posição entre os 22 países que abrigam cerca de 80% de todos os casos de tuberculose no mundo. (1) Diante desse quadro, em 1.998, o Ministério da Saúde (MS) do Brasil declarou a tuberculose como prioridade nacional. Em 2.000, o Brasil apresentou uma taxa de incidência de 48,4/100.000 habitantes, referente a 82.249 casos novos de tuberculose, e coeficiente de mortalidade de 3,7/100.000 habitantes. (2) Experiências em outros países mostraram que mesmo em condições sócio-econômicas adversas, um programa de controle de tuberculose (PCT) bem estruturado pode modificar um cenário semelhante ao encontrado no Brasil. (3)

Existem evidências da elevada eficácia das drogas atualmente utilizadas para o tratamento da tuberculose. No último estudo de resistência realizado no Brasil, ficou demonstrado que a resistência primária é ainda pouco freqüente e não é responsável por um grande número de óbitos. (4,5) Neste cenário, a tuberculose é considerada uma causa de óbito evitável.

O Estado do Rio de Janeiro apresentava em 1.998 a mais elevada taxa de incidência da doença no Brasil (98,8/100.000 habitantes) bem como a maior taxa de mortalidade (8,5/100.000 habitantes). (6) A avaliação dos PCT no Brasil tem como principal fonte de informações o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), um banco de dados que permite o cálculo dos principais indicadores de morbidade.

Os estudos de morbidade, hoje aceitos como de excelência para acompanhar a magnitude dos danos, no caso da tuberculose no Rio de Janeiro estão prejudicados pela deficiência do sistema de informações. (7) A má qualidade do preenchimento das fichas de notificação e as incorreções de digitação já foram apontadas por Ferreira no seu estudo de óbitos pela síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). (8) A revisão dos registros do SINAN-TB-RJ de 1.998, executada em 2.000, alterou o total de casos de 16.001 para 17.351. Neste mesmo ano, a porcentagem de casos com a situação de encerramento registrada no SINAN foi de 15%, o que invalida qualquer conclusão sobre a situação da tuberculose no Rio de Janeiro. Entre estes, 71% dos pacientes foram curados, 19% abandonaram o tratamento e 7% evoluíram para óbito. (9)

Outro indicador utilizado para fins de avaliação e planejamento é o de mortalidade. No caso da tuberculose, o estudo da mortalidade foi mais importante na era pré-quimioterápica, quando, dos casos não tratados, cerca de 50% evoluíam para óbito. (10) O estudo da mortalidade então permitia a estimativa de prevalência. Atualmente, nos países desenvolvidos, o óbito por tuberculose é um evento raro e não reflete a magnitude da doença na população e sim de sub-grupos com co-morbidades bio-psico-sociais, tornando-se assim um mau indicador da extensão do problema. O óbito de indivíduos por tuberculose deveria ser apenas um evento excepcional. (11) A morte por tuberculose representa a dificuldade de acesso ao diagnóstico e ao tratamento. (12)

O Rio de Janeiro é o estado de maior mortalidade por tuberculose. No entanto, nenhum estudo sistemático sobre os óbitos atribuídos à tuberculose foi conduzido no estado.

O objetivo do presente trabalho é analisar os dados sobre os óbitos atribuídos à tuberculose para avaliar e propor intervenções que venham a diminuir a mortalidade e melhorar o controle da doença no estado.

Método

Foram incluídos todos os registros de pacientes com mais de 14 anos de idade que tiveram tuberculose no ano de 1.998 e se encontravam nos dois bancos de dados do MS: Sistema de Informação de Mortalidade (SIM-TB) e SINAN-TB. São excluídos automaticamente do SIM-TB aqueles que, em tratamento para tuberculose vieram a falecer de outras causas básicas, como nos casos de AIDS. No estudo de prontuários foram incluídos todos os pacientes que estavam registrados no SIM-TB e que faleceram nos cinco hospitais onde ocorreu o maior número de óbitos.

Trata-se de um estudo descritivo, utilizando dados secundários de bancos de dados de morbidade e mortalidade e de amostras de prontuários. Para avaliar as variáveis que constam do SINAN-TB e não do SIM-TB foi realizado o cruzamento dos bancos de dados utilizando-se o programa Recklink. (13) Este trabalho foi realizado também manualmente para fins de controle de qualidade.

Os dados de prontuários foram coletados por alunos das faculdades de Medicina da Universidade Gama Filho, da Fundação Técnica Educacional Souza Marques e da Fundação Educacional Serra dos Órgãos, mediante instrumento especificamente construído para esse fim, a ficha de investigação, que continha dados demográficos, epidemiológicos e clínicos. Os alunos receberam treinamento prévio com aulas teóricas e práticas de metodologia científica, sobre atestado de óbito e ética, além de temas relacionados à tuberculose. As fichas de investigação passaram por um controle de consistência dos dados realizado por três pesquisadoras do projeto. O projeto foi submetido ao Conselho de Ética do Hospital Geral da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro e da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, tendo sido aprovado em ambas instâncias em setembro de 2.000.

Os dados foram armazenados e analisados no programa Epi-Info, versão 6.04. A razão das chances (odds ratio, OR) foi utilizada como estimativa da associação entre as variáveis independentes e a variável óbito. Foram calculados os intervalos de confiança (IC) de 95% das OR.

Resultados

No SINAN de 1.998, foram registrados no Brasil 82.931 casos de tuberculose, sendo 16.990 (20,5%) em residentes no Estado do Rio de Janeiro, dos quais 16.567 (97,5%) tinham mais de 14 anos. Neste grupo, a mediana de idade foi de 37 anos (15 a 96), e 11.173 (67,4%) eram do sexo masculino. Entre os dez municípios com maior número, ocorreram 14.208 (85,8%) casos e 255 (84,4%) óbitos notificados.

Com relação à forma da doença, 13.989 (84,5%) casos eram de tuberculose pulmonar. A baciloscopia de escarro foi positiva em 8.223 (56,3%) casos de acometimento pulmonar e em 71 casos de acometimento extra-pulmonar. A sorologia anti vírus da imunodeficiência humana (HIV) foi realizada em 4.141 (24,9%) casos e foi positiva em 1.099 (26,5%) deles. A telerradiografia de tórax foi realizada em 15.997 (96,5%) casos. A hospitalização no momento da notificação ocorreu em 3.495 (21,1%) casos, em 190 (5,4%) dos quais houve óbito. Destes, 63 (33,2%) foram registrados no SIM-TB RJ como óbito por tuberculose.

Entre os 302 pacientes que faleceram, 273 (90,3%) eram casos de tuberculose pulmonar. A confirmação bacteriológica foi associada positivamente ao óbito (OR = 1,63 IC95% = 1,27 a 2,08).

No SIM-TB-RJ de 1998, foram registrados no Brasil 6.029 óbitos atribuídos à tuberculose, sendo 1.159 (19,2%) referentes ao Estado do Rio de Janeiro, dos quais 1.146 (98,9%) de pacientes maiores de 14 anos, com idade mediana de 50 anos (15 a 94). Dentre estes óbitos, 478 (41,7%) ocorreram em pacientes notificados entre 1995 e 1998 (Tabela 1).

Em 979 (85,4%) casos o local de ocorrência do óbito foi um hospital. Os hospitais com maior número de óbitos foram: Hospital Estadual Santa Maria, com 184 (16,0%) óbitos, Instituto Estadual de Doenças do Tórax Ary Parreiras, com 50 (4,4%), Hospital Municipal Souza Aguiar, com 41 (3,6%), Hospital Geral de Nova Iguaçu, com 36 (3,1%), Hospital Municipal Rafael de Paula e Souza, com 33 (2,9%), Hospital Municipal de Duque de Caxias, com 28 (2,4%) e Hospital Estadual Getúlio Vargas, com 17 (1,4%) óbitos. A causa básica do óbito foi tuberculose pulmonar e respiratória sem confirmação bacteriológica ou histológica (Classificação Internacional de Doenças - CID A16.2 e A16.9) em 1.062 (92,7%) casos, e a tuberculose pulmonar foi confirmada (CID A 15.0) em 9 (0,8%) casos.

Foram investigados 302 prontuários nos cinco hospitais que registraram maior número de óbitos e nos quais o arquivo de 1.998 estava disponível. A mediana do tempo entre o início dos sintomas e o diagnóstico de tuberculose foi de 60 dias (7 a 730), e em 81,7% dos casos os sintomas estavam presentes por mais de 28 dias e em 47,3% por mais de 60 dias. Com relação ao sítio de doença, 297 tinham acometimento pulmonar (277 pulmonar e 20 pulmonar + extra-pulmonar). A baciloscopia do escarro foi realizada em 200 (67,3%) dentre os 297 casos e 168 (84,0%) foram positivas. A cultura para Mycobacterium tuberculosis foi realizada em 25 (8,3%) casos de tuberculose pulmonar, e 18 (72,0%) foram positivas. A cultura não foi realizada em nenhum dos casos de tuberculose extra-pulmonar O teste de sensibilidade foi realizado em 14 (77,8%) das 18 culturas positivas, sendo observada resistência a alguma droga em 12 testes (85,7%). A sorologia para detecção do HIV foi solicitada em 78 (25,8%) casos, dos quais 17 (21,8%) foram positivas. A notificação foi mais frequente entre casos confirmados por algum método e nos quais foram solicitadas testagem anti-HIV. (35,3% versus 13, 6%, OR = 3,45; IC95% = 1,85 a 6,50) (Tabela 2).

A mediana do tempo de hospitalização foi de 60 dias (0 a 517), em 64 (21,2%) casos foi de 24 horas e 13 (4,3%) estiveram internados por mais de um ano. Dentre os 244 prontuários nos quais a informação sobre re-tratamento estava disponível foi verificado que 125 (51,2%) fizeram re-tratamento, dos quais 79 (63,2%) por abandono, 35 (28,0%) por recidiva e em 9 (7,2%) casos não havia informação sobre a causa do re-tratamento. Nos 79 casos de re-tratamento por abandono foi observado que 28 (35,4%) tiveram 2 ou mais re-tratamentos. A cultura foi realizada em 23 (18,4%) dos 125 pacientes em re-tratamento. O regime terapêutico recomendado pelo MS para re-tratamento, o esquema rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol (RHZE), foi usado em 43 (34,4%) casos. A informação de co-morbidades foi encontrada em 221 (73,2%) prontuários, nos quais o hábito do tabagismo foi identificado em 143 casos (64,7%) e o abuso de álcool em 141 (63,8%).

Discussão

No Rio de Janeiro, a urbanização caótica, a elevada porcentagem da população vivendo em zona urbana - 96,4% em 2.000, a mais alta do país - e as deficiências do sistema de saúde são prováveis justificativas para o elevado número de casos e a elevada porcentagem em relação ao total do país. (14)

No presente estudo, a mediana da idade dos casos de tuberculose no Rio de Janeiro ainda está entre adultos e não entre idosos, o que sugere a transmissão exógena e aponta para um elevado risco de infecção. (15) Estudos realizados com dados nacionais e em Salvador (BA) apontam para um crescente risco de morte por tuberculose em idosos, atribuindo-se o fato ao envelhecimento da população e influência dos programas de controle da tuberculose. (16,17) A prevalência maior em homens, como na maioria dos estados do país, é imputada a fatores não genéticos. 18 Dentre os dez municípios com o maior número de casos, oito estão na região metropolitana. Nestes, a porcentagem de casos e óbitos em relação ao total do estado é semelhante, o que corrobora o estudo dos óbitos como instrumento operacional.

A tuberculose pulmonar, que é a forma mais freqüente, perpetua a transmissão da doença e tem elevada letalidade. A baciloscopia de escarro apresentou uma positividade aquém da esperada, considerando-se que a norma do MS preconiza que para o diagnóstico de tuberculose sejam realizados dois exames de escarro, o que eleva a sensibilidade para 80%. (19) A baixa positividade, 50,4%, também foi citada na publicação de Watanabe e Ruffino-Neto sobre análise dos casos de tuberculose de Ribeirão Preto (SP). (20)Com relação à testagem para infecção pelo HIV, considerando-se que a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que todos pacientes com tuberculose sejam testados, é preocupante o fato de que em 74% dos casos o exame não tenha sido realizado. (21) É possível que muitos pacientes notificados para tuberculose tenham recebido tratamento durante seis meses, abandonado ou falecido, sem saber serem também portadores do HIV. É ainda importante ressaltar que a porcentagem de exames negativos foi de 6,2% e a de positivos 6,6%, o que permite supor que os exames positivos não sejam resultado de investigação diagnóstica no momento de entrada do paciente no programa de tuberculose e sim de investigação prévia. A telerradiografia de tórax foi realizada em 96,5% dos casos, o que torna evidente o acesso fácil a um exame que tem um custo mais elevado do que a baciloscopia. Embora seja importante que todos os pacientes com tuberculose tenham acesso à telerradiografia de tórax, o fundamental é que tenham a confirmação bacteriológica.

O diagnóstico e tratamento da tuberculose devem ser realizados no ambulatório e, portanto, os hospitais não deveriam ser prioridade para o PCT-RJ. Entretanto, no ano em estudo, 21,1% dos pacientes foram internados. Recomendações sobre vigilância epidemiológica incluindo biossegurança, laboratório e sistema de referência de caso são imprescindíveis também nos hospitais para o controle da tuberculose e proteção dos profissionais de saúde. (22) Em relação à evolução destes casos, é digno de nota que, segundo registro no SINAN, 190 faleceram. No entanto, destes, apenas 63 estavam registrados no SIM-TB-RJ. Como no SIM-TB-RJ os registros são somente de pacientes que tiveram como causa básica de óbito a tuberculose, supõe-se que os demais pacientes, apesar de terem tuberculose, faleceram por uma co-morbidade ou outra afecção.

A associação entre óbito e a forma pulmonar com baciloscopia de escarro positiva reforça a importância em tornar este um grupo prioritário para a estratégia de tratamento diretamente observado (DOTS), que está sendo recomendada para o controle da tuberculose pela OMS. (23)

A porcentagem de óbitos registrados no SIM-TB-RJ (19,2%) em relação ao total do país é semelhanta à porcentagem dos casos do Rio de Janeiro (RJ) em relação ao total do país, que é de 20,5%. Santo, em 1999, observou que além dos 1.157 óbitos registrados no SIM-TB-RJ, ocorreram outros 372 em que a tuberculose era uma causa associada, o que elevaria o coeficiente de mortalidade de 8,4/100.000 habitantes para 11,1/100.000 habitantes. (24) Destes, a maior parte (98,9%) ocorreu em maiores de 14 anos, o que parece refletir o bom desempenho do programa de imunização, protegendo as crianças da meningite tuberculosa e da tuberculose disseminada, causas mais freqüentes de óbito nessa idade. O achado mais importante deste estudo, para o qual a equipe do PCT-RJ ficou mobilizada, é que apenas 478 (41,4%) dos 1.146 óbitos ocorreram em pacientes notificados. Como para receber a medicação para tuberculose nas unidades básicas de saúde é necessário que o paciente seja notificado, podemos supor que a maioria dos pacientes que faleceram jamais tenha recebido medicação nessas unidades. Os hospitais têm um estoque de medicamentos para iniciar o tratamento e são também obrigados a notificar. Na falta de uma unidade de vigilância epidemiológica hospitalar ou de um programa de controle de tuberculose hospitalar, a notificação e a referência para uma unidade básica de saúde deixam de ser uma questão institucional, e passam a depender de cada profissional. (25) Segundo Galesi, no município de São Paulo (SP), em 1.996, apenas 35,8% dos óbitos por tuberculose haviam sido notificados. (26)

Quanto ao local, de ocorrência do óbito se deu em hospital em 979 casos (85,4%), dos quais apenas 63 haviam sido notificados. Portanto, pelo menos 4.411 (26,6%) pacientes com tuberculose ficaram internados nos hospitais do Rio de Janeiro, 3.495 com a informação do SINAN e 916 não notificados mas que faleceram em hospitais, o que corrobora a importância do investimento no controle da tuberculose nos hospitais. (27)

Realizamos um estudo de prontuários nos cinco hospitais que concentravam o maior número de óbitos, o que nos permitiu estudar rapidamente 27% das mortes atribuídas à tuberculose. O trabalho evidenciou deficiências do PCT-RJ. Um longo tempo decorria entre os primeiros sintomas e o diagnóstico da doença. O Manual de Normas para o Controle da Tuberculose do MS de 1.998 define como sintomático respiratório qualquer indivíduo com tosse por mais de quatro semanas, e portanto candidato imediato à baciloscopia de escarro. Em 81,8% dos nossos pacientes, esta recomendação não foi seguida. Outros procedimentos diagnósticos foram pouco realizados. A cultura de escarro é especialmente recomendada quando a baciloscopia do escarro é negativa, em caso de tuberculose extra-pulmonar e quando há suspeita de resistência, como é o caso de pacientes graves que fazem re-tratamento por recidiva ou por abandono. Mesmo nestas situações, a cultura não foi solicitada, embora recomendada pelo MS e OMS, o mesmo ocorrendo com o teste de sensibilidade. A ausência de exames quando indicado e o resultado dos existentes demonstram que a resistência às drogas utilizadas para tuberculose necessita urgentemente de estudo específico para correta dimensão da magnitude do dano, o que também foi sugerido por Albuquerque por ocasião da avaliação de desfecho de tratamento realizada em Recife (PE). (28) Empiricamente, sabemos que o médico deixa de solicitar o exame cujo resultado não espera receber, o que pode explicar o baixo número de culturas solicitadas. A testagem para infecção pelo HIV também foi insuficiente, mesmo entre aqueles pacientes com envolvimento extra-pulmonar, o que confirma trabalhos já publicados. (29)

Duas interessantes constatações foram observadas em relação à duração da hospitalização. Por um lado, 21,2% permaneceram no hospital por 24 horas ou menos, o que demonstra a gravidade da doença. Por outro, é surpreendente que a longa duração da maioria das hospitalizações termine em morte. Há uma carência de leitos hospitalares no estado para pacientes em geral e também para pacientes com tuberculose. A otimização dos leitos existentes não parece estar acontecendo, o que já foi descrito em estudo realizado nos hospitais de referência. (30) Nesses hospitais, o tempo médio de internação foi de 44 dias e em estudo realizado nos hospitais de São Paulo, de 71,3 dias. (31)

Uma elevada taxa de abandono do tratamento, já identificada no estado, foi confirmada entre os pacientes deste estudo A detecção tardia, o abandono do tratamento e a ignorância dos casos por parte da vigilância epidemiológica são fatores que perpetuam o avanço da doença.

Outras normas do MS não foram seguidas. O regime recomendado no Brasil para pacientes em re-tratamento para tuberculose consiste em 6 meses do esquema RHZE. Esta recomendação, como outras acima mencionadas, não foi seguida para maioria dos casos.

Embora todas as co-morbidades fossem mais freqüentes do que na população em geral, o tabagismo e o álcool lideraram a lista de problemas identificados no nosso estudo. O alcoolismo como fator de risco para desfecho desfavorável foi enfatizado por Albuquerque no estudo realizado em Recife. (28) Qualquer estratégia para a prevenção de mortes e controle da tuberculose deve incluir ações relacionadas a estes fatores.

A notificação teve uma associação positiva com a confirmação bacteriológica e com a solicitação de testagem anti-HIV, o que nos faz supor estas boas práticas estarem associadas. É possível que o profissional capacitado e comprometido cumpra as normas, apesar das dificuldades, procurando fazer a confirmação bacteriológica, solicitando o exame para detectar infecção pelo HIV e notificando o caso. Este é um aspecto que deve ser usado para valorizar os programas de educação permanente.

A má qualidade dos bancos de dados e dos prontuários utilizados foi uma das limitações do estudo. No SIM, cerca de 200 registros não continham os nomes, os quais tiveram que ser recuperados nos municípios. No SINAN, as inconsistências, as duplicidades, a ausência de completude das fichas, de atualização dos dados e a forma de coleta de alguns dados como escolaridade e motivo da internação, prejudicaram a avaliação. O registro das intercorrências nos prontuários é realizado de forma desorganizada, o que dificulta a sua recuperação para utilização como fonte de dados.

A participação de alunos em pesquisas operacionais possibilitou que eles fossem iniciados na pesquisa científica e nas estratégias de assistência à saúde. Neste estudo, tiveram a oportunidade de ter contato diferenciado com um dos grandes problemas de saúde pública. Durante o estudo, a indignação do grupo de alunos frente à situação encontrada foi grande e isso os motivou a criar uma liga científica de tuberculose, que possibilita hoje a participação de alunos no PCT-RJ e em vários projetos de pesquisa e de extensão. (32)

Agradecimentos

Aos profissionais da Secretaria de Estado de Saúde-RJ e dos hospitais envolvidos no projeto, aos alunos da Liga Científica de Tuberculose e ao Dr. Richard Chaisson, da Johns Hopkins University. Este trabalho foi financiado por Fogarty Foundation e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq - 471863/2001-7).

Recebido para publicação, em 12/4/04.

Aprovado, após revisão, em 25/5/04.

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    Trabalho realizado na Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro. Financiado por: FOGARTY Foundation
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Set 2004
    • Data do Fascículo
      Ago 2004

    Histórico

    • Aceito
      25 Maio 2004
    • Recebido
      12 Abr 2004
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