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Traqueostomia na UTI: vale a pena realizá-la?

Resumos

OBJETIVO: Analisar a viabilidade, as complicações e a mortalidade da traqueostomia realizada em ambiente de unidade de terapia intensiva (UTI). MÉTODOS: Análise retrospectiva dos prontuários médicos dos 73 pacientes que foram submetidos à traqueostomia nos leitos das UTIs do Hospital São Paulo da Universidade Federal de São Paulo no período de janeiro a novembro de 2003. Os procedimentos foram realizados sempre por um residente de cirurgia, sob a orientação de um cirurgião torácico, utilizando a técnica aberta sistematizada no serviço. RESULTADOS: A idade média dos pacientes foi de 55,2 anos, sendo que 47 eram do sexo masculino (64,4%) e 26 eram do sexo feminino (35,6%). A indicação mais freqüente foi a intubação orotraqueal prolongada (76,7%). Não houve mortalidade relacionada ao procedimento, e em todos os pacientes o procedimento pôde ser realizado na UTI. As complicações imediatas ocorreram em 2 pacientes (2,7%), nos quais houve sangramento local aumentado que cessou com compressão local. A complicação tardia foi a infecção ao redor da ferida operatória, a qual ocorreu em 2 pacientes (2,7%) e foi tratada com curativos locais, sem maiores repercussões clínicas. CONCLUSÕES: Com base nos resultados de nossa análise, os quais são comparáveis aos resultados sobre traqueostomias realizadas no centro cirúrgico encontrados na literatura, concluímos que a traqueostomia na UTI é viável e apresenta baixo índice de complicações, mesmo quando realizada em pacientes graves por cirurgiões em treinamento. Portanto, a nosso ver, é possível afirmar que vale a pena realizar a traqueostomia na UTI.

Traqueostomia; Unidades de terapia intensiva; Mortalidade


OBJECTIVE: To determine the feasibility of performing tracheostomy in the intensive care unit (ICU) environment and to assess procedure-related complications and mortality. METHODS: The medical records of the 73 patients submitted to tracheostomy in the ICU of the Federal University of São Paulo Hospital São Paulo between January and November of 2003 were evaluated retrospectively. All operations were performed by surgical residents, under the supervision of a thoracic surgeon, using the open technique standardized at the facility. RESULTS: The mean age of the patients was 55.2 years. Of the 73 patients evaluated, 47 (64.4%) were male and 26 (35.6%) were female. The most common indication was prolonged orotracheal intubation (76.7%). There was no procedure-related mortality, and, in all patients, the procedure was successfully performed in the ICU. Early complications occurred in 2 patients (2.7%), who presented increased local bleeding, which was controlled using compression. The late complication was infection at the incision site, which occurred in 2 patients (2.7%) and was treated by applying local dressings, without further clinical repercussions. CONCLUSIONS: Based on the results of our analysis, which are comparable to those found in the literature regarding tracheostomy performed in the operating room, we concluded that tracheostomy in the ICU is feasible and presents a low rate of complications, even when performed in critically ill patients and by surgeons in training. Therefore, in our view, it is possible to state that performing tracheostomy in the ICU is worthwhile.

Tracheostomy; Intensive care units; Mortality


ARTIGO ORIGINAL

Traqueostomia na UTI: vale a pena realizá-la?* * Trabalho realizado na Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina – UNIFESP/EPM – São Paulo (SP) Brasil.

João Aléssio Juliano PerfeitoI; Caio Augusto Sterse da MataII; Vicente ForteI; Martin CarnaghiIII; Nikei TamuraIII; Luiz Eduardo Villaca LeãoIV

IProfessor Adjunto da Disciplina de Cirurgia Torácica. Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina – UNIFESP/EPM – São Paulo (SP) Brasil

IIMédico Residente. Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina – UNIFESP/EPM – São Paulo (SP) Brasil

IIIMédico. Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina – UNIFESP/EPM – São Paulo (SP) Brasil

IVProfessor Titular da Disciplina de Cirurgia Torácica. Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina – UNIFESP/EPM – São Paulo (SP) Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: João Aléssio Juliano Perfeito Alameda Lorena, 532, apto 122 CEP 01424-000, São Paulo, SP, Brasil Tel 55 11 3253-4331. Fax 55 11 3889-9118 E-mail: japerfeito.dcir@epm.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar a viabilidade, as complicações e a mortalidade da traqueostomia realizada em ambiente de unidade de terapia intensiva (UTI).

MÉTODOS: Análise retrospectiva dos prontuários médicos dos 73 pacientes que foram submetidos à traqueostomia nos leitos das UTIs do Hospital São Paulo da Universidade Federal de São Paulo no período de janeiro a novembro de 2003. Os procedimentos foram realizados sempre por um residente de cirurgia, sob a orientação de um cirurgião torácico, utilizando a técnica aberta sistematizada no serviço.

RESULTADOS: A idade média dos pacientes foi de 55,2 anos, sendo que 47 eram do sexo masculino (64,4%) e 26 eram do sexo feminino (35,6%). A indicação mais freqüente foi a intubação orotraqueal prolongada (76,7%). Não houve mortalidade relacionada ao procedimento, e em todos os pacientes o procedimento pôde ser realizado na UTI. As complicações imediatas ocorreram em 2 pacientes (2,7%), nos quais houve sangramento local aumentado que cessou com compressão local. A complicação tardia foi a infecção ao redor da ferida operatória, a qual ocorreu em 2 pacientes (2,7%) e foi tratada com curativos locais, sem maiores repercussões clínicas.

CONCLUSÕES: Com base nos resultados de nossa análise, os quais são comparáveis aos resultados sobre traqueostomias realizadas no centro cirúrgico encontrados na literatura, concluímos que a traqueostomia na UTI é viável e apresenta baixo índice de complicações, mesmo quando realizada em pacientes graves por cirurgiões em treinamento. Portanto, a nosso ver, é possível afirmar que vale a pena realizar a traqueostomia na UTI.

Descritores: Traqueostomia; Unidades de terapia intensiva; Mortalidade.

Introdução

A traqueostomia é um procedimento muito corriqueiro nos hospitais, sendo considerada a cirurgia mais freqüente em pacientes graves.(1) Há relatos de mais de 4.000 anos feitos por Asclepíades da Pérsia.(2) Nos dias atuais, a maioria desses pacientes costuma estar conectada a diversos aparelhos, como bombas de infusão, monitores cardíacos, respiradores e cateteres venosos e arteriais. O simples transporte desses pacientes para um centro cirúrgico pode acarretar um aumento no risco de complicações. Além disso, deve-se considerar o custo da sala operatória e, muitas vezes, a indisponibilidade da sala para a realização do procedimento no momento necessário.(1,3-5)

A traqueostomia realizada no leito da unidade de tratamento intensivo (UTI) era tida como procedimento de alta morbidade e mortalidade(1); todavia, com o advento de aparelhos menores e instrumentos mais práticos, este procedimento tornou-se mais fácil de ser realizado à beira do leito.(6) Contudo, ainda há dúvidas sobre qual o local ideal para realizá-la. Como a traqueostomia é um procedimento operatório que lida com as vias aéreas, postula-se a sala operatória como local ideal.

Será verdade que o local em que a traqueostomia é realizada leva a uma maior morbidade imediata ou a um maior risco de infecção? A grande distância entre as diversas UTIs de nosso serviço e o centro cirúrgico, a complexidade de nosso hospital e o grande volume de cirurgias tanto eletivas como de urgência, bem como a experiência adquirida, incentivou-nos a tentar simplificar e dinamizar os procedimentos, e passamos a realizar a operação em ambiente de UTI. Assim, o objetivo do presente estudo foi demonstrar os resultados obtidos em pacientes submetidos à traqueostomia no leito da UTI e compará-los a resultados encontrados na literatura, analisando a influência do local de realização do procedimento na evolução e prognóstico dos pacientes.

Métodos

Trata-se de um estudo retrospectivo em que foram analisados os prontuários médicos dos pacientes submetidos à traqueostomia nas UTIs do Hospital São Paulo da Universidade Federal de São Paulo no período de janeiro a novembro de 2003. Durante esse período, 73 pacientes foram submetidos à traqueostomia no leito da UTI. Todas as traqueostomias realizadas no período em pacientes internados na UTI foram feitas à beira do leito e em pacientes graves.

Analisamos os dados relativos à idade e ao gênero e identificamos a presença ou não de complicações relacionadas à cirurgia.

A evolução do doente foi observada, e definimos como complicações as seguintes ocorrências: sangramento, enfisema subcutâneo, pneumotórax, pneumomediastino, falso trajeto na introdução da cânula, fístula, infecção da ferida cirúrgica, perda da cânula nos primeiros cinco dias, além de possível impossibilidade de realizar o procedimento naquele ambiente.

Analisamos também a indicação do procedimento, a qual foi feita sempre pela equipe médica da UTI sem influência do grupo cirúrgico. O procedimento foi realizado sempre por um residente de cirurgia, sob a orientação de um cirurgião torácico.

A técnica utilizada foi a padronizada no serviço. Os pacientes foram sedados e mantidos em decúbito dorsal horizontal, e um coxim foi colocado na região escapular para extensão do pescoço. Após a anti-sepsia foram colocados panos esterilizados, e foi utilizada solução de lidocaína sem vasoconstritor diluída a 1% para anestesia local. Foi realizada incisão transversal na pele e os músculos foram divulsionados até a visualização dos anéis traqueais. A abertura da traquéia foi realizada em 'U' invertido com bisturi, e a cânula foi introduzida pela abertura traqueal imediatamente após a retirada do tubo orotraqueal. A correta colocação da cânula era sempre confirmada pela introdução de uma cânula de aspiração antes da conexão à ventilação mecânica, após o que a cânula era fixada.

Em todas as cirurgias foi utilizado o bisturi elétrico e, caso a iluminação fosse considerada insuficiente, era utilizado um foco auxiliar.

O estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição.

Resultados

A idade dos 73 pacientes submetidos ao procedimento variou de 2 a 84 anos (média de 55,2 anos), sendo que 47 eram do sexo masculino (64,4%) e 26 eram do sexo feminino (35,6%).

Quanto às indicações, a mais freqüente foi a intubação orotraqueal prolongada, a qual ocorreu em 56 pacientes (76,7%), com uma média semelhante à da amostra inteira (15,5 vs. 15 dias, respectivamente), seguida de necessidade de toalete pulmonar (remoção de secreção) em 13 pacientes (17,8%). Em 4 pacientes (5,5%), a indicação foi proteção de via aérea.

A evolução dos pacientes é mostrada na Tabela 1. Não foi identificada nenhuma morte relacionada ao procedimento, havendo uma mortalidade não relacionada em 46 pacientes (63%).

Em todos os pacientes, o procedimento pôde ser realizado na UTI.

As complicações imediatas ocorreram em 2 pacientes (2,7%), ambos em intubação prolongada e com plaquetopenia, havendo sangramento local aumentado, o qual cessou com compressão local, sem necessidade de reintervenção ou de outros procedimentos. A complicação tardia em nosso estudo foi a infecção ao redor da ferida operatória, a qual ocorreu em 2 pacientes (2,7%) e foi tratada com curativos locais, sem maiores repercussões clínicas. Nenhum paciente apresentou as outras complicações (enfisema subcutâneo, pneumotórax, pneumomediastino, falso trajeto na introdução da cânula, perda da cânula nos primeiros 5 dias ou fístula).

Discussão

A traqueostomia é uma cirurgia que, quando realizada precocemente, diminui o tempo de ventilação mecânica, o tempo de internação na UTI e a incidência de broncopneumonia,(7,8) além de resultar em menor trauma laríngeo e ajudar a reintrodução precoce da alimentação.(9)

Diversos autores vêm mostrando associação entre a traqueostomia precoce e o menor tempo de internação na UTI,(7,8) o que evita também outras complicações futuras. Alguns autores(8) mostram uma morbidade relacionada ao procedimento de 4%, enquanto outros(1) descrevem uma morbidade de 9,4% nos procedimentos realizados no centro cirúrgico e de 8,7% nos realizados à beira do leito.

Além de nossa equipe, outros autores sugeriram realizar o procedimento à beira do leito como uma alternativa segura e com custo efetividade aceitável.(1,3,4,10) No presente estudo observa-se um pequeno número de complicações: 4 complicações em 4 pacientes (5,4%). Assim como as complicações encontradas por alguns pesquisadores,(10) nossas complicações foram de pequeno porte e mínima repercussão para o paciente, tendo o sangramento acontecido em pacientes com plaquetopenia e longo período de internação na UTI. Julgamos o coagulograma um exame importante antes da realização da operação; contudo a maioria dos trabalhos não cita a sua solicitação antes do procedimento.(4,7-9,11)

Uma preocupação geral durante o procedimento é o sangramento e seu controle. Devido às dificuldades de quantificar o sangramento, costuma-se classificá-lo visualmente, o que impede uma análise uniforme. Por isso identificamos apenas a presença dele, sem quantificá-lo. Sabemos que em nossa série nenhum dos pacientes precisou de reintervenção ou transfusão sangüínea.

Há grande preocupação com a possibilidade de infecções graves, pois o procedimento não seria realizado em um ambiente adequado. Isso também não foi identificado no presente estudo e, apesar de as duas infecções (2,7%), as quais ocorreram ao redor da cânula e foram tratadas com curativos locais, terem sido incluídas como complicações do procedimento, temos dificuldade em dizer se estão relacionadas à técnica e ao local da realização ou se são resultantes da infecção traqueal desses pacientes com longo tempo de internação.

Na Tabela 2 podemos observar as complicações mais comuns dos estudos e compará-las com o nosso estudo.

Em nosso estudo o procedimento foi realizado em pacientes graves, o que podemos ver pela grande mortalidade apresentada por esses pacientes, isto é, 46 pacientes (63%) morreram por causas não relacionadas ao procedimento. A ausência de mortalidade relacionada ao procedimento e a possibilidade de realização de todas as intervenções na UTI, mesmo quando realizadas por cirurgiões em treinamento sob supervisão de um especialista, mostra que as dificuldades relativas ao local da realização não foram significativas.

Realizar a traqueostomia à beira do leito evita o transporte dos pacientes e suas conseqüências, visto que muitos deles têm lesões graves e não devem ser muito mobilizados, e outros possuem acessos venosos (às vezes drogas vasoativas), drenos ou monitorizações mais invasivas que podem sair do lugar durante o transporte, complicando ou ameaçando suas vidas.

Julgamos que a realização da traqueostomia na UTI, desde que com um índice de complicações comparável ao da realizada no centro cirúrgico, pode trazer vantagens por evitar a movimentação de um paciente conectado a múltiplos aparelhos, por ser mais ágil, pois não dependerá de horários no centro cirúrgico muitas vezes sobrecarregado, além de dispensar a presença de outros profissionais para o transporte. Neste cenário, o procedimento pode ser realizado mais precocemente e possivelmente com menor custo.

Concluímos que a traqueostomia na UTI é viável e apresenta baixo índice de complicações mesmo quando realizada em pacientes graves por cirurgiões em treinamento sob supervisão de um especialista. Portanto, a nosso ver, é possível afirmar que vale a pena realizar a traqueostomia na UTI.

Recebido para publicação em 8/12/2006

Aprovado, após revisão, em 29/3/2007

  • 1. Upadhyay A, Maurer J, Turner J, Tiszenkel H, Rosengart T. Elective bedside tracheostomy in the intensive care unit. J Am Coll Surg. 1996;183(1):51-5.
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  • 3. Hawkins ML, Burrus EP, Treat RC, Mansberger AR Jr. Tracheostomy in the intensive care unit: a safe alternative to the operating room. South Med J. 1989;82(9):1096-8.
  • 4. Stevens DJ, Howard DJ. Tracheostomy service for ITU patients. Ann R Coll Surg Engl. 1988;70(4):241-2.
  • 5. Waldron J, Padgham ND, Hurley SE. Complications of emergency and elective tracheostomy: a retrospective study of 150 consecutive cases. Ann R Coll Surg Engl. 1990;72(4):218-20.
  • 6. Dugan DJ, Samson PC. Tracheostomy: present day indications and technics. Am J Surg. 1963;106:290-306.
  • 7. Rodriguez JL, Steinberg SM, Luchetti FA, Gibbons KJ, Taheri PA, Flint LM. Early tracheostomy for primary airway management in the surgical critical care setting. Surgery. 1990;108(4):655-9.
  • 8. Fradis M, Malatskey S, Dor I, Krimerman S, Joachims HZ, Ridder GJ, et al. Early complications of tracheostomy performed in the operating room. J Otolaryngol. 2003;32(1):55-7.
  • 9. Zeitouni AG, Kost KM. Tracheostomy: a retrospective review of 281 cases. J Otolaryngol. 1994;23(1):61-6.
  • 10. François B, Clavel M, Desachy A, Puyraud S, Roustan J, Vignon P. Complications of tracheostomy performed in the ICU: subthyroid tracheostomy vs surgical cricothyroidotomy. Chest. 2003;123(1):151-8.
  • 11. Fischler L, Erhart S, Kleger GR, Frutiger A. Prevalence of tracheostomy in ICU patients. A nation-wide survey in Switzerland. Intensive Care Med. 2000;26(10):1428-33.
  • Endereço para correspondência:
    João Aléssio Juliano Perfeito
    Alameda Lorena, 532, apto 122
    CEP 01424-000, São Paulo, SP, Brasil
    Tel 55 11 3253-4331. Fax 55 11 3889-9118
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    Trabalho realizado na Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina – UNIFESP/EPM – São Paulo (SP) Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      29 Mar 2007
    • Recebido
      08 Dez 2006
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