EDITORIAL
Asma, uma doença crônica cujas manifestações vão além do desconforto respiratório, limitação física e redução da qualidade de vida
Ana Luisa Godoy Fernandes
Professora Associada Livre-Docente da Disciplina de Pneumologia da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina, São Paulo (SP) Brasil
Deformidades na boca, na maneira de respirar, na implantação dos dentes, na formação do esmalte dentário... Cada vez mais estudos descrevem e demonstram a ocorrência de defeitos estruturais não claramente relacionados à fisiopatogenia da asma.(1-3) Consequências funcionais? Expressão gênica em lócus próximo? Interação molecular na intrincada rede da resposta inflamatória? As explicações ainda estão por vir.
O estudo de Guergolette et al.(4) intitulado "Prevalence of developmental defects of enamel in children and adolescents with asthma", publicado neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, demonstra que crianças asmáticas têm lesões associadas à formação do esmalte dentário (amelogênese) anormal. Também foi observado que a gravidade da asma e a idade do aparecimento dos sintomas têm relação com essas deformidades. Embora pudéssemos especular que o uso de medicamentos pudesse modificar a amelogênese, isso não ficou evidenciado no estudo.
Os defeitos de formação de esmalte dentário podem ser geneticamente determinados, como a amelogênese imperfecta, no qual os defeitos se apresentam em 4 tipos principais, relacionados às etapas de formação da dentina: tipo I: hipoplástica; tipo II: hipomaturação; tipo III: hipocalcificação; e tipo IV: hipomaturação/hipoplasia/taurodontismo.(5) Esses têm herança genética variável (autossômica, dominante ou recessiva), ligada ao cromossomo X. Os defeitos da amelogênese podem também estar relacionados ao excesso de exposição ao flúor (fluorose dentária), principalmente no período de formação dos dentes, do nascimento até 5 anos de idade.(6)
Nesse estudo transversal, realizado com crianças do Programa Respira Londrina, foi utilizado o índice developmental defects of enamel (DDE), validado como medida de inquérito epidemiológico para a observação de deformidades do esmalte dentário,(7) tendo sido aplicado em asmáticos e em crianças saudáveis pareadas por sexo e idade, o que reduziu sobremaneira a influência de outros fatores de confusão na interpretação dos resultados.
Em outro estudo transversal,(8) descreveram-se deformidades ortodônticas em pacientes asmáticos adultos comparados a hipertensos, através da identificação de características faciais e oclusais obtidas por exame fotográfico, exame ortodôntico intraoral e por modelos de gesso. Na análise fotográfica, houve diferença significante na simetria da linha média dentária (p = 0,0005), no vedamento labial espontâneo (p = 0,007) e no ângulo nasolabial (p = 0,016) entre asmáticos e hipertensos. Na análise dos modelos de gesso, os asmáticos apresentavam maior incidência de mordida cruzada (p = 0,004), sobremordida (p = 0,01), sobressaliência (p = 0,01) e menor distância inter pré-molares (p = 0,0009) e intermolares (p < 0,001). Na maxila, a ocorrência de apinhamento foi mais frequente em asmáticos (p = 0,0007). As alterações não diferiram com relação à gravidade, mas houve associação entre as alterações observadas e a idade do aparecimento da asma.
Na respiração bucal, a língua não pode manter sua posição normal de repouso contra o palato, a abertura da boca para respirar separa ligeiramente a maxila da mandíbula, e a língua é puxada para baixo sobre o assoalho da boca, ficando ligeiramente anterior contra a superfície dos dentes ou numa relação de interposição. Esta relação desequilibrada entre forças externas e internas causa uma compressão transversa do maxilar, resultando em projeção dos dentes, diminuição do diâmetro inter pré-molares e intermolares, causando apinhamentos e cruzamentos, ou seja, resultando em dificuldade de posicionamento dos dentes ao longo do osso alveolar em função da deformação desse osso.(9)
Fatores que causam obstrução nasal ou nasofaríngea, tais como alergias, hipertrofia e inflamação das tonsilas ou adenoides, desvio de septo nasal, dilatação das conchas e hipertrofia da membrana da mucosa nasal, estão associados à respiração bucal.(10) Quando a passagem de ar é obstruída, a criança passa a respirar pela boca; nesta situação, os lábios se mantêm separados e a mandíbula é mantida para frente e para baixo. Nos casos onde o impedimento é de caráter permanente, as mudanças na posição destas estruturas são contínuas. Onde a restrição é de natureza temporária, como nos resfriados e alergias, as mudanças posturais são geralmente transitórias; caso a situação seja persistente, acontece a respiração bucal. A respiração bucal não deve ser considerada como uma alternativa fisiológica e sim como um processo adaptativo, cujo potencial de interferência no desenvolvimento crânio-facial deve ser ponderado e adequadamente tratado.
Nos últimos tempos, notamos um aumento no interesse por esse assunto. Os trabalhos surgem em diferentes áreas, como na odontologia, na pneumologia, na otorrinolaringologia, nos estudos sobre distúrbios respiratórios do sono, na fisioterapia e na fonoaudiologia, só para citar as mais frequentes áreas envolvidas no estudo das associações entre o padrão da respiração e patologias associadas, respiração e postura corporal, respiração e fonação e respiração e desenvolvimento crânio-facial.
Embora as explicações para essas associações ainda sejam complexas, envolvendo bases funcionais, moleculares, interações genéticas e de exposição ambientais associadas à história natural do processo inflamatório na asma, a relevância do tema e a perspicácia em reconhecer as imperfeições em asmáticos demonstram a necessidade de se implementar cuidados odontológicos especialmente estruturados para essa população com comprovado aumento de risco de complicações dentárias.
- 1. Guilleminault C, Pelayo R, Leger D, Philip P, Ohayon M. Sleep-disordered breathing and upper-airway anomalies in first-degree relatives of ALTE children. Pediatr Res. 2001;50(1):14-22.
- 2. Wenzel A, Henriksen J, Melsen B. Nasal respiratory resistance and head posture: effect of intranasal corticosteroid (Budesonide) in children with asthma and perennial rhinitis. Am J Orthod. 1983;84(5):422-6.
- 3. Sivasithamparam K, Young WG, Jirattanasopa V, Priest J, Khan F, Harbrow D, et al. Dental erosion in asthma: a case-control study from south east Queensland. Aust Dent J. 2002;47(4):298-303.
- 4. Guergolette RP, Dezan CC, Frossard WTG, Bombarda FBA, Cerci Neto A, Fernandes KBP. Prevalence of developmental defects of enamel in children and adolescents with asthma. J Bras Pneumol. 2009;35(4):295-300.
- 5. Sundell S. Hereditary amelogenesis imperfecta. I. Oral health in children. Swed Dent J. 1986;10(4):151-63.
- 6. Levy SM, Maurice TJ, Jakobsen JR. Feeding patterns, water sources and fluoride exposures of infants and 1-year-olds. J Am Dent Assoc. 1993;124(4):65-9.
- 7. Clarkson J, O'Mullane D. A modified DDE Index for use in epidemiological studies of enamel defects. J Dent Res. 1989;68(3):445-50.
- 8. Faria VC, de Oliveira MA, Santos LA, Santoro IL, Fernandes AL. The effects of asthma on dental and facial deformities. J Asthma. 2006;43(4):307-9.
- 9. Rocabado M, Iglarsh AZ. Growth and development of the Maxillary Bones. In: Rocabado M, Iglarsh AZ, editors. The musculoskeletal approach to maxillofacial pain. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 1991. p. 12-3
- 10. van der Linden FP. Crescimento e ortopedia facial. Rio de Janeiro: Quintessence; 1990.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Maio 2009 -
Data do Fascículo
Abr 2009