RESUMO
O ferro, embora micronutriente essencial, quando em excesso pode causar redução no crescimento e, consequentemente, na produtividade das plantas. O objetivo do presente trabalho foi avaliar a absorção, o acúmulo, a distribuição do Fe e suas consequências sobre o crescimento e composição mineral de plantas jovens de Eugenia uniflora L.. As plantas foram expostas às concentrações de Fe 0,045 (controle), 1,0 e 2,0 mM, aplicado na forma de FeEDTA, em solução nutritiva de Hoagland, pH 5,0, durante 15; 30 e 45 dias e, então, foram avaliados o número de folhas, a altura da parte aérea, o comprimento da raiz primária, a massa seca de raízes, caule e folhas e os teores de clorofila, carotenóides totais e minerais. Plantas expostas aos tratamentos com Fe 1,0 e 2,0 mM apresentaram aumento nos teores deste elemento em folhas, caule e raízes em relação às plantas-controle, especialmente aos 45 dias de exposição. Sob esta condição, as plantas exibiram sintomatologia típica de toxidez de Fe, caracterizada por bronzeamento foliar, escurecimento das raízes, redução no número de folhas, na altura da parte aérea, no comprimento da raiz principal, na produção de massa seca e nos teores de pigmentos cloroplastídicos. O excesso de Fe modificou a partição da biomassa e promoveu redução nos teores de P, Zn, Cu e Mn, especialmente nas raízes. Além de um efeito direto do Fe em excesso, a desordem nutricional resultante pode estar associada aos efeitos restritivos sobre o crescimento vegetativo inicial das plantas de Eugenia uniflora L..
Palavras-chave: Myrtaceae; Nutrientes minerais; Pitanga; Toxidez de ferro
ABSTRACT
Iron, although an essential micronutrient, when present in excess can cause a reduction in the growth, and hence the productivity, of plants. The aim of this study was to evaluate the absorption, accumulation and distribution of Fe, and its consequences on growth and mineral composition in young plants of Eugenia uniflora L.. The plants were exposed to different concentrations of Fe, 0.045 (control), 1.0 and 2.0 mM, applied in the form of Fe-EDTA in Hoagland's pH 5.0 nutrient solution for 15, 30 and 45 days, when the number of leaves, shoot height, primary root length, dry mass of the roots, stems and leaves, and the levels of chlorophyll, total carotenoids and minerals were evaluated. Plants exposed to the treatments with 1.0 and 2.0 mM Fe showed an increase in levels of the element in the leaves, stem and roots, compared to the control plants, especially after 45 days of exposure. Under that condition, the plants exhibited typical symptoms of Fe toxicity, characterised by leaf bronzing, darkening of the roots, a reduction in the number of leaves, shoot height, length of the main root, dry matter production and the levels of chloroplast pigments. Excess Fe modified biomass partitioning and caused a reduction in the levels of P, Zn, Cu and Mn, especially in the roots. In addition to the direct effect of excess Fe, the resulting nutritional disorder may be associated with restrictive effects on initial vegetative growth in plants of Eugenia uniflora L..
Key words: Myrtaceae; Mineral nutrients; Pitanga; Iron toxicity
INTRODUÇÃO
O ferro (Fe) é um micronutriente essencial para as plantas, envolvido em vários processos fundamentais como fotossíntese, respiração, fixação de nitrogênio e síntese de DNA e de hormônios (SAHRAWAT, 2004). Apesar dos solos apresentarem elevadas concentrações de Fe, normalmente isto não traz danos às plantas, pois a maior parte desse nutriente encontra-se numa forma pouco disponível (GUERINOT; YI, 1994). Em solos alagados e/ou em áreas em que o minério de Fe está sendo extraído ou recebendo beneficiamento, entretanto, a concentração disponível deste elemento pode aumentar significativamente, atingindo níveis de toxicidade para a maioria das plantas cultivadas ou nativas (AUDEBERT; FOFANA, 2009; SAHRAWAT, 2004).
Plantas submetidas a concentrações elevadas de Fe absorvem e acumulam grandes quantidades deste elemento em seus tecidos, exibindo sintomas típicos de toxicidade, como amarelecimento e, ou bronzeamento das folhas e escurecimento das raízes (CHATTERJEE; GOPAL; DUBE, 2006; SIQUEIRA-SILVA et al., 2012). Sob esta condição, o Fe induz a formação de espécies reativas de oxigênio (JUCOSKI et al., 2013; SILVEIRA et al., 2007), causando severas reduções no crescimento e na produtividade das plantas. O nível crítico de toxicidade de Fe em plantas depende da espécie, da idade da planta e de seu estado nutricional. Sintomas visíveis de toxicidade e redução do crescimento foram observados em arroz e Echinochloa crus-galli, apresentando concentração de Fe nas folhas entre 300-500 mg kg-1 MS (DOBERMANN; FAIRHURST, 2000).
O excesso de Fe pode causar, também, desbalanços nutricionais nas plantas induzindo deficiência de alguns minerais essenciais tais como P, Ca, K, Mg e Zn (AUDEBERT; FOFANA, 2009). Grande parte das alterações nutricionais está relacionada à formação da chamada "placa de ferro" na superfície radicular (CHEN et al., 2006; ST-CYR; CAMPBELL, 1996). Essas placas, constituídas de óxidos e hidróxidos de ferro, apresentam elevada capacidade para adsorver diferentes minerais (LIU et al., 2008; ZHANG; ZHANG; MAO, 1999), atuando como barreira à absorção de determinados nutrientes. Por outro lado, sugere-se que a "placa de ferro" possa atuar como reservatório de alguns nutrientes, aumentando a absorção desses elementos durante períodos de deficiência no meio de crescimento (ZHANG; ZHANG; MAO, 1999).
Eugenia uniflora, popularmente conhecida como pitangueira, é uma espécie arbórea, de pequeno porte, presente na Guiana, no Brasil e no Uruguai (MORTON, 1987). No Brasil, esta espécie apresenta ampla distribuição geográfica, incluindo regiões que abrigam usinas minero-metalúrgicas responsáveis pela emissão de poluentes tóxicos, como gases tóxicos e minério de ferro finamente pulverizado (KUKI et al., 2008). Poucas são as informações na literatura sobre os efeitos do excesso de Fe em espécies vegetais tropicais como a pitangueira e o estudo da absorção, acúmulo e toxicidade desse metal poderá contribuir para a avaliação da sobrevivência dessas espécies em ambientes impactados por ferro.
O presente trabalho, portanto, teve como objetivo estudar a absorção, acúmulo e distribuição do Fe e seus efeitos sobre variáveis de crescimento, teores de pigmentos cloroplastídicos, partição da massa seca e sobre a composição mineral em raízes, caules e folhas de plantas jovens de Eugenia uniflora, submetidas a diferentes concentrações de Fe.
MATERIAL E MÉTODOS
Sementes de Eugenia uniflora L. (Myrtaceae), coletadas de uma única matriz cultivada no município de Coimbra, MG (Latitude: 20º49'30,27" S e Longitude: 42º,48'47,55" W), foram selecionadas quanto ao tamanho e forma e desinfetadas por tratamento com hipoclorito de sódio a 3% durante 15 min. Posteriormente, foram tratadas com Benlate a 0,2% (p/v), lavadas e colocadas para germinar em rolos de papel "germiteste", parcialmente mergulhados em solução de CaCl2 0,5 mM, sob aeração contínua e temperatura controlada de 25 ? 1 °C.
Quarenta e cinco dias após a semeadura, as plantas foram selecionadas quanto à uniformidade de tamanho, de número de folhas e de estado fitossanitário e, então, transferidas para vasos de polietileno preto, com 1,6 L de solução nutritiva de Hoagland, pH 5,0, com metade da força iônica (HOAGLAND; ARNON, 1938). Após sete dias de aclimatação, as plantas foram submetidas às concentrações de 0,045 (controle), 1,0 e 2,0 mM de Fe, aplicado na forma de FeEDTA, durante 15; 30 e 45 dias.
O cultivo das plantas foi realizado em sala de crescimento com temperatura controlada de 25 ? 1 °C, sob irradiância de 230 µmol m-2 s-1 e fotoperíodo de 16 horas. A solução nutritiva foi aerada e o valor do pH ajustado diariamente para 5,0 pela adição de HCl ou NaOH, sendo renovada a cada sete dias.
Ao final de cada período de exposição as plantas foram colhidas, lavadas em água corrente e desmineralizada sendo avaliadas as seguintes variáveis de crescimento: número de folhas, altura da parte aérea comprimento da raiz primária e a massa seca de raízes, caule e folhas. A determinação da massa seca de raízes, caule e folhas foi feita após secagem do material vegetal em estufa convencional, a 70 oC, até obtenção de peso constante. As raízes, para determinação dos teores de minerais foram adicionalmente lavadas em solução constituída de citrato de sódio 0,03 M e bicarbonato de sódio 0,125 M com ditionito de sódio 0,06 M por 3 h e enxaguadas em água desmineralizada, para remoção da placa de Fe (TAYLOR; CROWDER, 1983). A partição da biomassa foi calculada a partir da massa seca das partes analisadas e expressa em percentagem da massa seca total.
Para a determinação dos teores de pigmentos cloroplastídicos foram retirados cinco discos foliares, com 5 mm de diâmetro, de folhas completamente expandidas situadas no terceiro nó de cada planta. Os discos foliares foram incubados em 5 mL de dimetilsulfóxido (DMSO) saturado com carbonato de cálcio, durante 10 horas, em banho-maria a 65 oC. As absorvâncias dos extratos foram determinadas nos comprimentos de onda de 480,0; 649,1 e 665,1 nm e os teores de clorofila a, clorofila b e carotenóides totais foram estimados conforme descrito por Wellburn (1994).
Os teores dos minerais foram determinados em amostras secas e moídas em moinho Wig-L-Bug em cápsulas de aço inox. As amostras foram digeridas numa mistura nítrico-perclórica (3:1 v/v) e, nos extratos minerais, foram determinados os teores de P por espectrofotometria do visível (LINDEMAN, 1958) e de Fe, Zn, Cu e Mn por espectrofotometria de absorção atômica.
O delineamento experimental utilizado foi o inteiramente casualizado em esquema fatorial 3x3, com cinco repetições. Os resultados foram submetidos à análise de variância e as médias comparadas pelo teste de Duncan, ao nível de 5% de probabilidade.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O Fe embora micronutriente essencial para o crescimento e desenvolvimento das plantas, pode, em determinadas condições, ser absorvido e acumulado em concentrações consideradas tóxicas ao metabolismo vegetal (SAHRAWAT, 2004).
As plantas de Eugenia uniflora L. submetidas às concentrações de 1,0 e 2,0 mM de FeEDTA apresentaram sintomas típicos de toxidez a partir do 15º dia de tratamento, que se tornaram mais evidentes ao final do 45º dia, na concentração de 2,0 mM de Fe. Redução no crescimento, manchas foliares de cor amarelo/amarronzada que evoluíam para lesões necróticas, diminuição da área foliar e escurecimento das raízes foram os principais sintomas visíveis de toxicidade do Fe nessa espécie (Figura 1).
Sintomas de toxidez de Fe em plantas jovens de Eugenia uniflora L., 45 dias após tratamento com diferentes concentrações de FeEDTA
Além da sintomatologia visual típica, as plantas submetidas ao excesso de FeEDTA apresentaram redução significativa no número de folhas a partir de 30 dias após aplicação do tratamento (DAT) (Figura 2A), atingindo decréscimos da ordem de 31 e 69% nas plantas tratadas com 1,0 e 2,0 mM de FeEDTA, respectivamente, aos 45 DAT. O tratamento com FeEDTA nas concentrações de 1,0 e 2,0 mM reduziu, também, a altura da parte aérea (Figura 2B) e o comprimento das raízes (Figura 2C). Nessas concentrações, o efeito prejudicial do Fe sobre o comprimento das raízes foi observado a partir dos 15 DAT. Aos 45 DAT, as reduções na altura da parte aérea e no comprimento da raiz primária nas plantas tratadas com FeEDTA 2,0 mM foram de 72 e 113%, respectivamente, quando comparadas ao tratamento controle (0,045 mM).
Número de folhas (A), altura da parte aérea (B) e comprimento da raiz principal (C) de plantas jovens de Eugenia uniflora, 15, 30 e 45 dias após tratamento (DAT) com diferentes concentrações de FeEDTA
A redução no crescimento da parte aérea e das raízes, e o aparecimento de lesões necróticas nas folhas fazem parte da sintomatologia de toxidez do Fe observadas em outras espécies, como Solanum tuberosum (CHATTERJEE; GOPAL; DUBE, 2006), Ipomoea pes-caprae e Canavalia rosea (SIQUEIRA-SILVA et al., 2012). Segundo Siqueira-Silva et al. (2012), o escurecimento das raízes, observado nas maiores concentrações de Fe, é indicativo da deposição de óxido de ferro ou de fenóis. Raízes de arroz (LIU et al., 2008) e de plantas de restinga (SIQUEIRA-SILVA et al., 2012) também apresentaram danos celulares e escurecimento após exposição a níveis tóxicos de Fe.
A produção de massa seca, total ou das partes da planta, aumentou com o tempo de tratamento, mesmo na presença de concentrações tóxicas de Fe (1,0 mM e 2,0 mM), e só foi afetada a partir de 30 DAT (Figura 3). As plantas expostas por 45 dias ao tratamento com 2,0 mM de Fe tiveram reduções de 149; 127; 100 e 139% na produção de massa seca de folhas, caule, raízes e total, respectivamente, quando comparadas ao tratamento controle.
Massa seca de folhas, caules e raízes de plantas jovens de Eugenia uniflora, 15, 30 e 45 dias após tratamento (DAT) com diferentes concentrações de FeEDTA
Em outras espécies vegetais, como Eucalyptus camaldulensis (NGUYEN; HIEP; FUJITA, 2005), Solanum tuberosum (CHATTERJEE; GOPAL; DUBE, 2006), Oryza sativa (FAGERIA et al., 2008) e Tageres erecta (ALBANO; HALBROOKS; MILLER, 1996) a toxicidade do Fe resultou em decréscimos na produção de massa seca de folhas, caule e raízes. Parte desses danos foi atribuída a uma interferência do Fe no metabolismo de carboidratos, resultando em menor biossíntese de N-proteico (CHATTERJEE; GOPAL; DUBE, 2006). O efeito tóxico do Fe, entretanto, parece ser mais complexo, envolvendo a formação de espécies reativas de oxigênio (ROS) com o consequente estabelecimento de estresse oxidativo (JUCOSKI et al., 2013; MEHRABAN; ZADEH; SADEGHIPOUR, 2008) e/ou interferindo na absorção e/ou utilização de alguns elementos minerais essenciais (FAGERIA et al., 2008; MEHRABAN; ZADEH; SADEGHIPOUR, 2008).
A partição da biomassa entre as diferentes partes das plantas modificou-se, principalmente, com o tempo de tratamento das plantas (Figura 4). A biomassa de folhas foi sempre maior do que as demais partes da planta, correspondendo a aproximadamente 56% da massa seca total no início do experimento e alcançando médias de 64; 72 e 74% aos 15; 30 e 45 DAT, respectivamente. Nos caules e raízes a contribuição da biomassa destas partes à biomassa total diminuiu com o tempo de tratamento. As suas contribuições iniciais que foram 19,3 e de 24,2%, em média, reduziram para 12,6 e 13,4% em caules e raízes aos 45 DAT, respectivamente. Os níveis de Fe considerados tóxicos somente modificaram a partição da massa seca aos 45 DAT. Após este tempo de exposição observou-se redução na relação massa seca da parte aérea/massa seca da raiz de 7,5 no controle (FeEDTA 0,045 mM) para 5,8 na concentração de FeEDTA de 2,0 mM.
Partição da massa seca entre as diferentes partes de plantas jovens de Eugenia uniflora L., aos 15, 30 e 45 dias após tratamento (DAT) com diferentes concentrações de FeEDTA
Resultados similares foram observados em arroz tratado com concentrações de Fe variando de 0 a 2,86 mM (FAGERIA et al., 2008). Esses autores observaram efeitos significativos do excesso de Fe sobre a relação parte aérea/raízes somente em concentrações de Fe acima de 1,43 mM e após 60 dias de tratamento. Em batata doce, entretanto, a relação massa seca parte aérea/raízes aumentou em concentração de Fe de 0,9 mM, mas decresceu em concentração de 4,5 mM (ADAMSKI et al., 2012). Embora os mecanismos que governam a partição da biomassa em plantas ainda sejam bastante limitados (MARSCHNER; KIRKBY; CAKMAK, 1996), esse maior decréscimo na massa foliar em relação à massa radicular causado por Fe em excesso é sugestivo de estar ocorrendo uma interferência no aparato fotossintético destas plantas.
Corroborando esta hipótese, observou-se nas plantas expostas às concentrações de 1,0 e 2,0 de FeEDTA decréscimos significativos nos teores totais de pigmentos cloroplastídicos, de clorofila a e de carotenoides (Figura 5).
Teores de pigmentos cloroplastídicos em folhas de Eugenia uniflora L., aos 15, 30 e 45 dias após aplicação do tratamento (DAT) com diferentes concentrações de FeEDTA
Aos 45 dias de tratamento com 2,0 mM de FeEDTA foram observados decréscimos de 65 e 19% nos teores de clorofila a e de carotenoides, respectivamente, em relação ao controle. O teor de clorofila b não foi modificado pelo tratamento com FeEDTA (Figura 5B). O Fe em excesso, entretanto, não apenas afeta a biossíntese de pigmentos cloroplastídicos (CHATTERJEE; GOPAL; DUBE, 2006; MEHRABAN; ZADEH; SADEGHIPOUR, 2008), mas também as reações luminosas da fotossíntese resultando em redução nas taxas assimilatória e, por consequência, no crescimento das plantas (ADAMSKI et al., 2011).
Os tratamentos aplicados resultaram em aumento nos teores de Fe nas folhas, caules e raízes (Tabela 1). Os teores de Fe aumentaram com o aumento na concentração de FeEDTA na solução nutritiva e com o tempo de tratamento. Aos 45 DAT as plantas tratadas com FeEDTA 2,0 mM apresentaram teores médios de 229; 103 e 1.316 mg kg-1 MS de Fe nas folhas, caules e raízes, respectivamente. Esses teores de Fe foram, em média, aproximadamente 2,5 vezes maiores do que seus respectivos controles.
Composição mineral de folhas, caules e raízes de plantas jovens Eugenia uniflora L., aos 15, 30 e 45 dias após tratamento (DAT) com diferentes concentrações de FeEDTA.
O nível crítico de toxicidade de Fe em plantas, dependendo de vários fatores, varia de 300 a 500 mg kg-1 massa seca (MS) (DOBERMANN; FAIRHURST, 2000). No presente trabalho, entretanto, o nível crítico de toxicidade de Fe em Eugenia uniflora L. parece ter sido alcançado em plantas expostas a concentrações de FeEDTA acima de 1,0 mM, após 30 DAT. Nesta condição, embora os teores de Fe nas folhas tenham variado entre 120 e 229 mg kg-1 MS de Fe, os sintomas de toxicidade foram evidentes tanto nas folhas quanto nas raízes e houve redução nas diversas variáveis de crescimento (Figuras 2 e 3). Em Solanum tuberosum L., também, foram observados sintomas típicos de toxidez de Fe e redução no crescimento em plantas tratadas com Fe nas concentrações de 0,2 e 2,0 mM (teor de Fe nas folhas de 61 a 134 mg kg-1 MS) (CHATTERJEE; GOPAL; DUBE, 2006). Os resultados do presente experimento, portanto, corroboram pesquisas de outros autores, mostrando que os níveis de toxicidade variam de espécie para espécie e podem ser atingidos em concentrações de Fe relativamente mais baixas, dependendo de uma combinação de fatores relativos às plantas e ao meio (AUDEBERT; FOFANA, 2009; SAHRAWAT, 2004).
O fator de translocação do Fe para as folhas, após 45 dias de tratamento com 2,0 mM de FeEDTA, foi de apenas 0,17, indicando intensa retenção deste metal no sistema radicular. Siqueira-Silva et al. (2012) obtiveram valores de fator de translocação de 0,20 e 0,41 para as espécies Ipomoea pes-caprae e Canavalia rosea, respectivamente, quando expostas por 10 dias ao tratamento com 126 mg L-1 de Fe. Esta baixa capacidade de translocação do Fe das raízes para a parte aérea tem sido sugerida como um mecanismo de defesa ao estresse causado por níveis tóxicos de Fe (STEIN et al., 2008).
O escurecimento das raízes, observado nas concentrações de Fe acima de 1,0 mM (Figura 1), é indicativo de estar ocorrendo deposição de óxidos de ferro na superfície radicular, conforme sugere Siqueira-Silva et al. (2012). É importante ressaltar que no presente estudo, as raízes foram submetidas a uma lavagem especial com uma solução de ditionito-citrato-bicarbonato para eliminar esta possível fonte extra de Fe e outros minerais (TAYLOR; CROWDER, 1983) e, portanto, os teores de minerais nesta parte da planta expressam apenas os valores no tecido radicular.
Os teores de P, Zn, Cu e Mn, de modo geral, aumentaram com o tempo de tratamento em todas as partes da planta (Tabela 1). Nas plantas tratadas com excesso de Fe, principalmente na concentração de 2,0 mM de FeEDTA, houve redução nos teores destes elementos, com decréscimos variando de 16 a 86% em relação às plantas-controle, aos 45 DAT. As reduções, em ordem decrescente, foram nas raízes > caule > folhas. Resultados semelhantes foram relatados para P, Mn e Zn em arroz (SILVEIRA et al., 2007) e Mn, Zn e Cu em Phragmites australis (ST-CYR; CAMPBELL, 1996).
O excesso de Fe pode induzir deficiências minerais de P, K, Ca, Mg e Zn, resultando em desordens nutricionais múltiplas (BENCKISER et al., 1984). As expressivas reduções observadas nos teores de P, Zn, Cu e Mn, entretanto, podem não ter sido suficientes para atingir seus níveis críticos de deficiência, que para o Zn é inferior a 15 mg kg-1 MS; para o Cu está entre 3 e 5 mg kg-1 MS; e para o Mn varia de 20 e 30 mg kg-1 MS (BARKER; PILBEAM, 2007). Isso, contudo, não diminui a influência negativa que a toxidez de Fe pode ter sobre a absorção e utilização desses minerais.
Embora o Fe, em concentrações elevadas, possa interferir na absorção de elementos minerais, como o Zn, Cu e Mn, por meio de competição por sistemas de transporte, várias pesquisas têm indicado que parte dessa interferência se deve à formação de uma crosta de óxido férrico em torno das raízes, denominada "placa de ferro" (BECKER; ASCH, 2005; SIQUEIRA-SILVA et al., 2012). Se, por um lado, essas placas de ferro na superfície radicular possam ser consideradas parte do mecanismo de tolerância a altos níveis de Fe (BECKER; ASCH, 2005), por outro, elas podem determinar um desequilíbrio nutricional, em razão da elevada capacidade dos grupos funcionais de hidróxido de Fe em imobilizar nutrientes e metais por adsorção e/ou coprecipitação (HOWELLER, 1973), inibindo a absorção, transporte e/ou utilização de vários minerais (FAGERIA et al., 2008).
CONCLUSÃO
Plantas jovens de Eugenia uniflora submetidas a excesso de Fe apresentaram elevação nos teores deste elemento em todas as partes da planta, principalmente nas raízes. As plantas, sob esta condição, exibiram sintomatologia externa típica de toxidez de Fe, caracterizada por bronzeamento foliar e escurecimento das raízes. O excesso de Fe reduziu todas as variáveis de crescimento, os teores de pimentos cloroplastídicos e os teores de P, Zn, Cu e Mn. Além do efeito direto do excesso de Fe, a desordem nutricional resultante está associada aos efeitos restritivos sobre o crescimento vegetativo inicial das plantas de Eugenia uniflora L..
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Pesquisa financiada pela FAPEMIG e CNPq; parte de Tese apresentada à Pós-Graduação em Fisiologia Vegetal da Universidade Federal de Viçosa
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à FAPEMIG pelo suporte financeiro dado à pesquisa e ao CNPq pelas bolsas de estudo e, ou de produtividade concedidas.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Oct-Dec 2016
Histórico
-
Recebido
14 Abr 2014 -
Aceito
15 Mar 2016