RESUMO
Este estudo teve como objetivo comparar os sintomas geniturinários e a qualidade de vida de mulheres com câncer de mama antes e após o tratamento quimioterápico. Trata-se de um estudo prospectivo e analítico realizado com 60 mulheres atendidas em um hospital no estado do Paraná. Foram coletados dados sociodemográficos, status menopausal, sintomas do climatério, qualidade de vida e força e resistência do assoalho pélvico. Utilizou-se estatística descritiva, assim como os testes t, de Shapiro-Wilk, de Cochran, análise da variância fatorial para medidas repetidas e método LSD de Fisher para análise dos dados. As participantes sofreram alterações geniturinárias como redução de força e resistência dos músculos do assoalho pélvico, incontinência urinária e atrofia vulvovaginal independente dos fatores avaliados (tipo de quimioterapia, paridade e status menopausal). Entende-se que é necessário que haja maior atenção e discussão por parte das equipes multiprofissionais de saúde, pois esses sintomas, se reconhecidos precocemente, podem ser reduzidos e gerenciados.
Descritores| Sintomas do Trato Urinário Inferior; Qualidade de Vida; Câncer de Mama; Saúde da Mulher; Efeitos Colaterais e Reações Adversas Relacionados a Medicamentos
ABSTRACT
This study aimed to compare genitourinary symptoms and quality of life in women with breast cancer before and after chemotherapy treatment. This is a prospective and analytical study carried out with 60 women treated at a hospital in the state of Paraná. Sociodemographic data, menopausal status, climacteric symptoms, quality of life, and pelvic floor strength and resistance were collected. Descriptive statistics, t-tests, Shapiro-Wilk, Cochran, Factorial Analysis of Variance for Repeated Measures and Fishers least significance difference were used for data analysis. Participants suffered genitourinary alterations, such as reduced strength and resistance of the pelvic floor muscles, urinary incontinence and vulvovaginal atrophy, regardless of the evaluated factors (type of chemotherapy, parity, and menopausal status). Therefore, greater attention and discussion by multidisciplinary health teams is necessary, as these symptoms can be reduced and managed if recognized early.
Keywords| Lower Urinary Tract Symptoms; Quality of Life; Breast Neoplasms; Women’s Health; Drug-Related Side Effects and Adverse Reactions
RESUMEN
Este estudio tuvo como objetivo comparar los síntomas genitourinarios y la calidad de vida en mujeres con cáncer de mama antes y después del tratamiento con quimioterapia. Se trata de un estudio prospectivo y analítico realizado con 60 mujeres que recibieron atención en un hospital del estado de Paraná (Brasil). Se recogieron datos sociodemográficos, estado menopáusico, síntomas climatéricos, calidad de vida y fuerza y resistencia del suelo pélvico. Se utilizaron estadísticas descriptivas, pruebas t de Shapiro-Wilk y de Cochran, análisis factorial de varianza para medidas repetidas y LSD-Fisher para el análisis de datos. Las participantes sufrieron alteraciones genitourinarias, como disminución de la fuerza y resistencia de los músculos del suelo pélvico, incontinencia urinaria y atrofia vulvovaginal, independientemente de los factores evaluados (tipo de quimioterapia, paridad y estado menopáusico). Se concluye que es necesaria una mayor atención y discusión por parte de los equipos de salud multidisciplinarios, ya que estos síntomas pueden reducirse y manejarse si se reconocen a tiempo.
Palabras clave| Síntomas del Sistema Urinario Inferior; Calidad de Vida; Neoplasias de la Mama; Salud de la Mujer; Efectos Colaterales y Reacciones Adversas Relacionados con Medicamentos
INTRODUÇÃO
Mundialmente, o câncer de mama é a neoplasia mais incidente em mulheres1. Apesar da alta incidência, a evolução das formas de diagnóstico e tratamento vem promovendo o declínio das taxas de mortalidade, resultando em aumento significativo da sobrevivência a longo prazo, o que desperta o interesse de pesquisadores em compreender os eventos adversos causados pelos tratamentos e sua influência na qualidade de vida (QV) dessa população2), (3.
Os sintomas geniturinários, como a incontinência urinária (IU) e a atrofia vulvovaginal, são alguns desses eventos adversos e estão relacionados à disfunção ovariana e à redução do hormônio estrogênio4. Seu déficit prolongado pode levar à atrofia da vulva, da vagina, do trato urinário inferior e das estruturas pélvicas de suporte, o que pode causar disfunções urinárias, desconforto/dor, comprometimento da função sexual e impacto negativo em vários domínios da QV4.
Além disso, a síndrome geniturinária é mais prevalente em mulheres com câncer de mama, podendo ter início precoce devido aos tratamentos, se não diagnosticada e tratada oportuna e adequadamente5. Revisão sistemática com metanálise apontou maior prevalência de IU entre mulheres com câncer de mama (38%) do que entre aquelas sem a doença (21%)6. Deve-se também considerar a associação significativa entre IU e menores escores de satisfação sexual7.
Apesar disso, pouco se discute sobre o diagnóstico de sintomas geniturinários e o impacto na QV decorrente da disfunção ovariana ocasionada pelo tratamento quimioterápico em mulheres com câncer de mama.
Objetivo
Comparar a ocorrência de sintomas geniturinários e a QV de mulheres com câncer de mama antes e após o tratamento quimioterápico.
METODOLOGIA
Desenho, local e período do estudo
Este estudo prospectivo, analítico e de abordagem quantitativa considerou o referencial Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) para sua elaboração. A coleta de dados foi realizada no ambulatório de mastologia de um hospital localizado no oeste do estado do Paraná, Brasil, de agosto de 2017 a dezembro de 2018.
População e amostra: critérios de inclusão e exclusão
Foi realizado cálculo amostral assumindo uma distribuição F para a aplicação da análise da variância para medidas repetidas com duas medidas dependentes, e como parâmetros foram utilizados um erro tipo I igual a 0,05, um tamanho de efeito médio (TE=0,25) e um poder de análise equivalente a 0,90. Com o auxílio do programa G*Power, obteve-se o equivalente a n=60 mulheres.
Assim, foram incluídas 60 mulheres, respeitando os seguintes critérios de inclusão: mulheres com diagnóstico de câncer de mama; com até 60 anos de idade; após a realização de cirurgia mamária; e que estivessem iniciando o tratamento quimioterápico com uso de ciclofosfamida pela primeira vez. Já os critérios de exclusão adotados foram: mulheres com dificuldade de leitura e compreensão; que apresentassem metástase ou novo tumor maligno; que já tivessem recebido tratamento quimioterápico por câncer de mama ou outro tipo de câncer; com perturbações neurológicas associadas à mobilidade (paraplegia, acidente vascular cerebral prévio com hemiplegia, esclerose múltipla, artrite reumatoide grave ou distúrbios musculoesqueléticos), prolapsos uterinos graves e distopias vaginais; submetidas previamente a cirurgias perineais; e gestantes ou no pós-parto.
As mulheres que se enquadraram nos critérios de inclusão da pesquisa receberam o convite para participarem nos dias de atendimento no ambulatório. As entrevistas e os procedimentos da pesquisa foram realizados na sala previamente reservada para essa finalidade.
Protocolo do estudo
A coleta de dados foi realizada em dois momentos: antes (T0) e 30 dias após o término do tratamento quimioterápico adjuvante (T1). Os instrumentos e questionários utilizados são descritos a seguir:
Questionário sociodemográfico e médico: coleta dados referentes a idade, escolaridade, situação conjugal e raça referida, comorbidades prévias, história obstétrica, tipo histológico do câncer, estadiamento clínico, presença de receptores hormonais de estrogênio ou progesterona, tipo de cirurgia recebida. Esses dados foram obtidos em entrevista com a participante e por meio de revisão do prontuário coletados em T0.
Status menopausal: classifica o status menopausal de acordo com o Breast Cancer Surveillance Consortium (BCSC) em pré-menopausa, perimenopausa, pós-menopausa e menopausa cirúrgica/outras8. Essa classificação foi aplicada em T0 e em T1.
Menopause rating scale (MRS): quantifica a intensidade dos sintomas apresentados por mulheres no climatério. É constituída por 11 itens distribuídos em três domínios: (1) somo-vegetativos - falta de ar, suores, calores, mal-estar do coração, problemas de sono e problemas musculares e nas articulações (itens 1-3 e 11, respectivamente); (2) psicológico - estado de ânimo depressivo, irritabilidade, ansiedade e esgotamento físico e mental (itens 4-7, respectivamente); e (3) urogenital - problemas sexuais, de bexiga e ressecamento vaginal (itens 8-10, respectivamente). Cada item pode ser graduado de 0 a 4 (0=nenhum sintoma; 1=pouco severo; 2=moderado; 3=severo; e 4=muito severo). O escore da escala total resulta da soma dos escores das três subescalas, e os sintomas são classificados em: assintomáticos ou escassos (0-4 pontos), leves (5-8 pontos), moderados (9-15 pontos) ou severos (mais de 16 pontos)9. Essa escala foi aplicada em T0 e T1.
International consultation on incontinence questionnaire - short form (ICIQ-SF): avalia a frequência de perdas urinárias (questão 3), a quantidade de urina perdida (questão 4), o impacto da IU na vida diária (questão 5) e as situações de perda urinária (questão 6). A somatória dos valores pontuados nas questões 3, 4 e 5 resulta no escore total do ICIQ-SF, que varia de 0 a 21 pontos, sendo que, quanto maior o escore, maior a gravidade e o impacto da IU na QV10. Essa escala foi aplicada em T0 e T1.
Perineometria: avalia a pressão de contração exercida pelos músculos do assoalho pélvico (pelvic floor muscles - PFMs) por meio do aparelho perineômetro da marca Perina® (QUARK produtos médicos, Brasil). Ressalta-se que o perineômetro avalia a força de contração de modo indireto. Para a avaliação, a mulher foi colocada em posição ginecológica modificada e foi realizada a palpação bidigital para consciência dos PFMs com a mão devidamente enluvada e untada em gel, evitando contração glútea, abdominal ou anal11), (12. Após a verificação da compreensão da contração dos PFMs por meio de palpação bidigital, foi introduzida a sonda vaginal pressórica de látex, desinflada, revestida por preservativo de látex e lubrificada por gel à base de água, de forma que ficasse visível apenas de 0,5 a 1cm do aparelho13. A sonda foi insuflada lentamente até que a mulher sentisse uma ligeira pressão na parede vaginal, e então a pressão foi ajustada para ±112. Para a avaliação de força, foram solicitadas três contrações voluntárias com força máxima dos PFMs, com intervalos de 10 segundos, anotadas em centímetros de água (cmH2O)12. Em seguida, para o teste de resistência, foram solicitadas três contrações sustentadas e intervaladas, verificando-se os tempos máximos, intervalados em um minuto14. Foram consideradas para a análise de dados as médias dos valores observados de pico de força máxima, também chamada de contração rápida, e do tempo de sustentação da contração dos PFMs, contração lenta14. Essa avaliação foi aplicada em T0 e T1.
Análise dos resultados e estatística
Para avaliar a associação entre as variáveis relativas à caracterização das entrevistadas (questionário sociodemográfico, médico e perfil reprodutivo), foi utilizada estatística descritiva.
Os dados da MRS, do ICIQ-SF e da perioneometria de T0 e T1 foram avaliados por meio de testes de Shapiro-Wilk e de Cochran, considerando como variáveis explicativas o status menopausal e o número de partos. Uma vez que os dados se encontravam de acordo com tais pressupostos, foi aplicada a análise da variância fatorial para medidas repetidas e o método LSD de Fisher. Em relação à distribuição das situações em que ocorre IU, em T0 e T1 foram avaliadas as frequências de respostas da questão 6 do ICIQ-SF, que foram comparadas entre os dois períodos por meio do teste qui-quadrado para independência. Para tal, utilizou-se o programa estatístico STATISTICA 7.0.
As matrizes das variáveis da perineometria, da MRS e do ICIQ-SF foram estandardizadas e analisadas por meio da análise de componentes principais (PCA). As cargas fatoriais resultantes dos componentes principais foram avaliadas em relação ao tipo de quimioterapia, ao período do tratamento, ao status menopausal e ao número de partos. As avaliações realizadas por meio do tipo de quimioterapia e do número de partos foram realizadas com a análise da variância de fator único, seguidas do teste de acompanhamento de Tukey (honestly significant difference - HSD).
A avaliação em relação ao período do tratamento foi realizada com a aplicação do teste t para amostras dependentes, enquanto a avaliação em relação ao status menopausal foi realizada com a aplicação do teste t para amostras independentes. Nesses testes, foi utilizado nível de significância de 0,05, sendo realizados com o programa computacional R.
Aspectos éticos
O estudo foi realizado de acordo com os princípios da Declaração de Helsinque e sob regência da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, vinculado ao Ministério da Saúde. Cabe salientar que, ao término do estudo, as mulheres que apresentaram alterações urogenitais foram encaminhadas para o ambulatório de Fisioterapia do hospital do estudo ou para outros serviços especializados, de acordo com a necessidade da participante.
RESULTADOS
Os dados do perfil sociodemográfico e do câncer de mama da amostra (n=60) estão descritos na Tabela 1.
No perfil reprodutivo, em relação ao status menopausal em T0, 60% das mulheres avaliadas apresentavam ciclos menstruais regulares e foram classificadas na pré-menopausa (x2=20,8; p<0,0001). Porém, em T1, 15% apresentaram ciclos irregulares e 58,3% apresentaram amenorreia após a quimioterapia (x2=20,8; p<0,0001) (Tabela 2).
Com o uso do perineômetro, foram obtidos valores para as contrações rápidas e lentas, sendo que as médias para T0 foram de 18,78cmH2O (DP±8,32) e 21,61s (DP±12,28), e para T1 de 17,85cmH2O (DP±7,71) e 20,35s (DP±9,96). Houve diferença estatística significante entre as contrações rápidas de T0 e T1 (p=0,002) e lentas de T0 e T1 (p=0,006).
A avaliação tanto da contração rápida da musculatura perineal quanto da lenta, considerando o status menopausal em T0, não apresentou associação entre as mulheres na pré e na pós-menopausa. Todavia, todos as participantes apresentaram redução significativa das médias da contração rápida e lenta em T1 (Tabela 3). Também não foi observada associação entre o número de partos e a contração rápida ou lenta nos dois momentos (Tabela 3).
Avaliando-se os domínios da MRS em função do status menopausal em T0, foi possível verificar que houve piora nos três domínios, somo-vegetativos, psicológico e urogenital, após o tratamento (p<0,05). Porém, ao comparar a interação grupo versus tempo, em todos os grupos se observou o aumento das médias em T1 (p>0,05) (Tabela 4).
Quanto à avaliação do escore total do instrumento ICIQ-SF, todas as mulheres apresentaram elevação significativa das médias do escore total ao final da avaliação, revelando aumento da gravidade dos sintomas e piora da QV (F1=17,45; p=0,0001. Contudo, quando comparados os escores totais alcançados nos grupos de status menopausal pré-quimioterapia e paridade, não foi verificada diferença significativa (Tabela 4).
Em T0, 35% das mulheres apresentaram sintomas urinários com impacto leve na QV, e em T1 esse número aumentou para 58% (p<0,05) de mulheres com sintomas, que, porém, permaneceram com impacto leve na QV.
De acordo com a questão qualitativa do ICIQ-SF (“Quando você perde urina?”), na avaliação em T0 41 mulheres (68,3%) responderam que nunca perdiam urina, enquanto em T1 apenas 25 mulheres (41,6%) negaram a perda urinária. Observou-se que houve aumento dos episódios de perda de urina associada à tosse ou espirro em T1, relacionados à incontinência urinária de esforço (IUE).
A partir da avaliação multivariada, foi verificado que o primeiro componente principal foi definido como a variação dos valores dos escores da MRS e da contração lenta (autovalor=1,61; variabilidade=40,34%), estando inversamente relacionados. O segundo componente principal representa a associação entre o ICIQ-SF e a contração rápida (autovalor=1,05; variabilidade=26,16%), também inversamente relacionados.
Realizou-se, então, a avaliação das cargas fatoriais em relação a diferentes fatores: tipos de quimioterapia (Figura 1A), período do tratamento (Figura 1B), status menopausal (Figura 1C) e número de partos (Figura 1D). Foi possível verificar que não houve distinção do comportamento integrado das variáveis obtidas pela perineometria, pela MRS e pelo ICIQ-SF entre os grupos de mulheres que fazem diferentes tipos de quimioterapias (p>0,05), assim como não houve diferença em relação ao status menopausal (p>0,05) e ao número de partos (p>0,05). Contudo, houve diferenças estatísticas significativas ao longo das avaliações em T0 e T1, considerando a amostra como um todo.
Diagrama de ordenação da análise de componentes principais das variáveis contração rápida, contração lenta, menopause rating scale (MRS) e international consultation on incontinence questionnaire - short form (ICIQ-SF) em relação aos grupos de diferentes (A) tipos de quimioterapia, (B) período do tratamento, (C) status menopausal e (D) número de partos, Paraná, Brasil, 2017-2018
As cargas fatoriais do componente principal 1, que representa a MRS e a contração lenta, apresentaram diferenças significativas entre os tempos de avaliação (t=14,6; p<0,0001), mostrando piora dos sintomas da menopausa e redução da resistência muscular do assoalho pélvico. As cargas fatoriais do componente principal 2, que representa o ICIQ-SF e a contração rápida, apresentaram diferenças significativas entre os tempos de avaliação (t=−6,00; p<0,0001), mostrando piora dos sintomas urinários e da QV e redução da força muscular do assoalho pélvico em T1.
DISCUSSÃO
Apesar de o câncer de mama ocorrer predominantemente em mulheres com mais de 50 anos e na pós-menopausa, o diagnóstico dessa patologia vem aumentando rapidamente entre as mulheres mais jovens e na pré-menopausa1, dados que corroboram este estudo, em que a média de idade foi de 46 anos e que a proporção de mulheres na pré-menopausa antes da quimioterapia foi de 60%.
A utilização de poliquimioterápicos para o tratamento do câncer dificulta a avaliação de qual agente é o responsável pela indução da amenorreia, porém é sabido que os agentes alquilantes, como a ciclofosfamida, são associados a uma maior incidência dessa condição15), (16. Mesmo havendo marcadores mais confiáveis para lesão ovariana, a amenorreia é utilizada em diversos estudos, com ou sem associação de outros instrumentos, possivelmente por ser um indicativo observacional, não gerando custos ou intervenções. Sua incidência varia de 18% a 97% de acordo com a idade da mulher, com uma maior probabilidade de ser irreversível a partir dos 45 anos e se agravando conforme o aumento da idade16), (17.
Entretanto, pelo tempo de observação limitado a 30 dias após o término da quimioterapia, não foi possível analisar a reversibilidade da amenorreia entre as mulheres que estavam na pré-menopausa antes do tratamento, sendo uma limitação do estudo. Contudo, destaca-se que, após a quimioterapia, 71,7% das mulheres permaneceram com ciclos menstruais irregulares ou ausentes, corroborando outro estudo que avaliou a função ovariana em sobreviventes de câncer de mama tratadas com a ciclofosfamida e que verificou uma redução expressiva da presença do ciclo menstrual regular: de 91% antes do tratamento para 7% após18.
Esta alteração de função ovariana induzida pelo quimioterápico pode promover mudanças no tônus e no trofismo do assoalho pélvico19, reforçando a necessidade de avaliação dos PFMs, envolvidos tanto na continência urinária quanto na função sexual. A perineometria tem sido utilizada para avaliar a atividade dos PFMs, e estudos apontam que este é um método simples, confiável, bem tolerado e minimamente invasivo que permite identificar o recrutamento muscular correto, além de apresentar forte correlação com os achados eletromiográficos20), (21.
Não são conhecidos, até o momento, estudos que tenham utilizado o perineômetro para mensurar a força e resistência dos PFMs em mulheres com câncer de mama em tratamento quimioterápico, o que impossibilita comparações entre os valores encontrados após a quimioterapia. No entanto, em comparação com mulheres saudáveis na faixa etária de 40 a 50 anos, a média das contrações rápidas em T0 se aproximou aos valores de outro estudo, em que a média atingiu o valor de 13,1 (DP=7,3), que, porém, foram menores do que a média das contrações lentas encontrada neste estudo21. Essa diferença de valores pode ser justificada pela promoção da consciência perineal promovida pela pesquisadora neste estudo antes da coleta de dados, por meio de orientações e palpação digital da musculatura avaliada.
Esta redução significativa de força dos PFMs após a quimioterapia (tanto na contração rápida, referente à ação das fibras musculares tipo II, quanto na contração lenta, realizada pelas fibras tipo I) sugere que um dos fatores para isso pode ser a ação lesiva da quimioterapia nos ovários, que respondem reduzindo o estrogênio nos tecidos do assoalho pélvico, provocando redução de força muscular (atrofia)4, reforçada pela piora dos sintomas urinários observados no ICIQ-SF.
Em relação às queixas urinárias relatadas, 72,5% das participantes deste estudo mencionaram a IUE, corroborando estudo prévio realizado com 556 mulheres sem histórico de câncer atendidas em dois ambulatórios de uroginecologia22.
Os sintomas urinários relacionados à menopausa incluem IU, aumento da frequência miccional, noctúria, disúria e infecções recorrentes do trato urinário inferior, e apresentam correlação positiva entre a severidade de sintomas e a função sexual5), (6), (7. Estes sintomas diferem dos vasomotores e, se não tratados, persistem ao longo da vida e podem até piorar com o tempo23. Em relação às mulheres com câncer de mama, esses sintomas também podem ser resultado da insuficiência ovariana secundária à quimioterapia em mulheres na pré-menopausa e, com maior intensidade, na pós-menopausa24. No entanto, tal associação não foi observada neste estudo, sendo o impacto semelhante nos dois grupos.
Observou-se o aumento de sintomas urinários de 35% para 58% após a quimioterapia, que, porém, mantiveram-se leves. Ressalta-se que, em países de baixo e médio desenvolvimento, 25% das mulheres em geral apresentam distúrbios do assoalho pélvico, sendo a IU o mais frequente25. Em estudo com 203 mulheres com câncer de mama que avaliou sintomas urinários antes e três meses após o início do tratamento neoadjuvante, observou-se uma prevalência de 79,8% e 87,7%, respectivamente26. Além disso, o impacto da IU na QV das mulheres foi considerado moderado26, corroborando este estudo.
Os tratamentos para o câncer de mama mudam o ambiente hormonal das mulheres na pré e na pós-menopausa e alteram as experiências dos sintomas menopausais. Sugere-se que entre 38% e 100% delas experimentam sintomas que impactam negativamente a QV6), (27. Neste estudo, verificou-se que as mulheres após a quimioterapia com uso de ciclofosfamida apresentaram piora significativa dos sintomas nos três domínios avaliados pela MRS ao final do tratamento e especificamente dos sintomas urogenitais, que passaram de leves em T0 para severos em T1, refletindo piora da QV. Esses dados são apoiados por pesquisa que avaliou os sintomas menopausais imediatamente após quimioterapia predominantemente à base de agentes alquilantes para diversos tipos de câncer, observando aumento da secura vaginal após o tratamento (p<0,001)28. Entende-se que os eventos adversos geniturinários decorrentes do uso da quimioterapia podem ser reduzidos e gerenciados na maioria dos casos, porém necessitam de reconhecimento precoce e tratamento adequado, conforme destacado em estudos prévios29), (30.
Limitações do estudo
Apontam-se como limitações do estudo a não utilização de eletromiografia de superfície para PFMs devido à indisponibilidade do aparelho; o tipo de perineômetro utilizado, que não foi o digital; e também o design não experimental.
CONCLUSÃO
O estudo verificou que as mulheres em tratamento quimioterápico com uso de ciclofosfamida sofreram alterações geniturinárias, como redução de força e resistência dos PFMs, IU e atrofia vulvovaginal independente dos fatores avaliados (tipo de quimioterapia, paridade e status menopausal prévio à quimioterapia).
Entende-se que é necessário que haja maior atenção e discussão por parte das equipes multiprofissionais, pois esses sintomas podem ser reduzidos e gerenciados na maioria dos casos, porém dependem de reconhecimento precoce, orientação e tratamento adequado.
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Fonte de financiamento: Capes (Código de Financiamento 001).
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8
Aprovado pelo Comitê de Ética: CAAE 64629317.5.0000.5393.
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9
Artigo derivado da tese de Aniele Tomadon intitulada “Sintomas geniturinários em mulheres com câncer de mama em tratamento quimioterápico”, apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo em 14 de fevereiro de 2020.
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10
Estudo desenvolvido no Hospital União Oeste Paranaense de Estudos e Combate ao Câncer (UOPECCAN), localizado na cidade de Cascavel (PR).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
01 Dez 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
06 Fev 2023 -
Aceito
04 Jul 2023