Open-access Comunicação sem anestesia1

Comunicación sin anestesia

Resumo

Este artigo traz reflexões epistemológicas sobre comunicação e experiência estética, que fazem parte das pesquisas que o autor realiza no âmbito das teorias da Comunicação. A comunicação é aqui tomada como experiência sensível, vivenciada no plano da estesia, da sensibilidade, pensada na perspectiva do compartilhamento, do tornar comum, e das interações entre sujeitos e suas comunidades de apropriação. O artigo aborda a questão da produção de sentidos, observada tanto no âmbito da poiesis, que caracteriza a constituição de um objeto estético, quanto no âmbito da aisthesis, presente no exercício de percepção desses objetos por parte do espectador, marcada assim por polifonias e polissemias. Também, a questão da interpretação na chave da compreensão e da alteridade, modulada por mediações culturais e comunicacionais características da sociedade midiatizada contemporânea. Propõe, assim, que a comunicação seja pensada desde a perspectiva da interação, sem anestesia.

Palavras-chave Experiência estética; Estesia; Sensibilidade; Produção de sentidos; Epistemologia da Comunicação

Resumen

Este artículo presenta reflexiones epistemológicas sobre la comunicación y la experiencia estética, que son parte de investigaciones que el autor desarrolla en el contexto de las teorías de la Comunicación. La comunicación se toma aquí como una experiencia sensible, en el sentido de estesis, de sensibilidad. Se trata de la comunicación en el sentido del compartir, del hacer común, en el contexto de las interacciones entre los sujetos y sus comunidades de interpretación. El artículo aborda el tema de la producción de significados, observado tanto en la poiesis, que apunta a la creación de un objeto estético, como en la aísthesis, presente en el ejercicio de la percepción del espectador frente a estos objetos, en dinámicas llenas de polifonías y polisemias. Trata además del problema de la interpretación en la clave de la comprensión y de la alteridad, que es modulada por mediaciones culturales y comunicacionales, que permean la sociedad mediática contemporánea. Por lo tanto se propone que la comunicación sea entendida en la perspectiva de la interacción, sin anestesia.

Palabras clave Experiencia estética; Estesis; Sensibilidad; Significación; Epistemología de la Comunicación

Abstract

This article presents epistemological reflections about communication and aesthetic experience, that are part of the author’s research is making in the Communications theory field. The communication taken as a sensible experience, lived in the esthesia plane, of sensibility, thought in the sharing perspective, making it ordinary, and its interactions between individual and its appropriation community. The article concerns about the sense making question, regarded both in poiesis, that characterizes the aesthetic object constitution, and in aesthesis, present in the perception exercise of this objects by the spectator, marked by polyphony and polysemy. Deals also with the interpretation question in the comprehension and otherness mindset, modulated by particulars cultural and communicational mediations of the mediated contemporary society. This way, it proposes that the communications should be thought from the interactive perspective, without anesthesia.

Keywords Aesthetic Experience; Esthesia; Sensibility; Sense making; Communication episthemology

Introdução

Apresentamos neste artigo articulações entre comunicação e experiência estética, que é tomada como experiência sensível, vivenciada no plano da estesia; ou seja, da percepção e da sensibilidade. Experiência que envolve o indivíduo e suas comunidades de apropriação em um processo participativo, no qual a comunicação acontece. E, neste caso, acontece de fato como comunicação; e não apenas como transmissão de mensagens. O receptor, muito mais que receptáculo, é sujeito da produção de sentidos. Um sujeito que pensa e sente, que não está anestesiado, ou “narcotizado”2 em sua relação com a mídia. Daí a proposição que aqui se apresenta, a de pensarmos a experiência estética como comunicação sem anestesia.

A caracterização de nosso campo de estudos como “Ciência Social Aplicada” e a implantação dos cursos de Comunicação no Brasil como formação profissionalizante acabaram por fortalecer a ênfase nos estudos dos meios de comunicação e dos produtos da mídia desde uma perspectiva instrumental e o próprio processo comunicacional na lógica da transmissão. Por certo, são muitos os estudos que trazem um olhar crítico em relação aos fenômenos comunicacionais e, mesmo, várias abordagens que propõe a compreensão da comunicação como interação. Mas com frequência é possível observar certa contradição entre a pesquisa e o ensino da Comunicação, presente no confronto entre transmissão e interação nas concepções da comunicação. Também, observa-se que predomina uma visão racionalista e linear da comunicação, tomada na chave da explicação – que limita a produção de sentidos às operações de codificação e decodificação – e não da compreensão – que para além das instâncias de emissão e recepção, estende a produção de sentidos às dinâmicas de interpretação, em articulações entre texto e contexto.

A intersubjetividade que se dá nas relações comunicacionais precisa ser valorizada e a dimensão estética dos fenômenos da comunicação precisa ser reconhecida. Sabemos, por certo, que a recepção midiática é distinta da fruição estética, que uma se dá nos contornos da informação e do entretenimento, marcada por certo imediatismo e proximidade cotidiana, enquanto outra acontece numa esfera mais apurada da cultura e implica uma postura mais atenta e sensível do fruidor. Mas entendemos que elas podem e devem ser pensadas como operações complementares no âmbito da comunicação, que cada vez mais se vê ligada aos domínios das artes e da cultura.

Pensar a comunicação como experiência estética pode nos ajudar a compreender a produção de sentidos como atividade sensível, realizada por sujeitos ativos e criativos, conscientes e críticos. Pode nos ajudar a reconhecer nexos entre comunicação e artes, ambas tão presentes na cultura midiática. É por isso que as leituras aqui discutidas transitam entre teorias da Comunicação e elementos da sociologia da cultura e da fenomenologia da experiência estética. Não nos propomos, neste texto, a uma estruturação mais elaborada desses diferentes campos do conhecimento. Os conceitos e autores visitados são trazidos apenas como subsídios para as articulações entre comunicação e experiência estética que possam ampliar perspectivas interdisciplinares da pesquisa em Comunicação e cultura midiática. Este artigo, de natureza teórica e fruto de pesquisas bibliográficas, pretende contribuir, mesmo que de maneira modesta, para esse debate epistemológico.

Estesia e os estudos da Comunicação

A palavra anestesia – an-estesia – significa ausência de sensibilidade. Estesia, no etmo grego aisthēsis, tem o significado de sensação, de sensibilidade. Daí o uso da palavra anestesia no campo da Medicina, para indicar o bloqueio da dor e da própria consciência da dor, quando o paciente vai passar por uma intervenção cirúrgica ou algum tipo de tratamento que provoque dor. Daí o uso da palavra para apontar a ausência de consciência. O que vale tanto para um estado de amnésia, de perda parcial ou temporária da memória, quanto para um estado de alienação em relação à realidade. Estesia tem a ver com sensibilidade, afetividade, com emoção. Como define Sodré (2006, p.86), Aisthesis (sensibilidade, estesia) “é tanto sensação quanto percepção sensível”.

Aisthēsi também está na origem da palavra estética, aqui usada na composição experiência estética, no sentido de ação plena de sensibilidade, de percepção da realidade. Seu uso se dá no campo da filosofia da arte, tanto em referência à constituição do objeto estético, quanto ao exercício da percepção estética. Seja na criação ou na fruição de uma obra de arte, a experiência que se dá é de natureza sensível. Em especial, na esfera da percepção estética é a sensibilidade do espectador, no tempo histórico e lugar social em que ele se encontra, que preside a fruição. Se a produção de uma obra, a partir do etmo grego poiesis, pode ser entendida como uma experiência poética; o exercício da recepção, que envolve apropriação e produção de sentidos, pode ser definido como experiência estética. Nessa angulação, a experiência estética pode ser compreendida como percepção sensível, plena de sensações.

Como define Rancière (2011), o termo Aisthesis designa um gênero de experiência que abarca a nossa percepção das coisas mais diversas. Experiência essa que envolve “os modos de percepção e mecanismos de emoção, como categorias que permitem identificá-las e padrões de pensamento que as classificam e as interpretam. De modo que palavras, formas, movimentos, ritmos sejam sentidos e pensados como arte”3 (RANCIÈRE, 2011, p.10 – Tradução nossa).

Vale insistir, portanto, que a experiência humana na qual a produção de sentidos se dá, não se limita às engrenagens de codificação e decodificação de uma mensagem, ultrapassa os contornos da razão pura, questionada por Kant (1994), que nos propõe uma reconciliação entre o inteligível e o sensível. A concepção de estética como espaço de experiências sensíveis, marcadas por movimentos de intuição e interpretação, apresentada por Baumgarten (1993), parece responder melhor ao que ocorre no encontro entre obra e espectador. Neste caso, um espectador ativo, que mantém viva a sua consciência e intensa a sua sensibilidade.

Pensar a comunicação no âmbito da experiência estética implica, portanto, em acreditar no ser humano como um ser dotado de discernimento e sensibilidade, como um sujeito consciente, atento, sensível e criativo. É nesta perspectiva que propomos este texto, que busca articulações entre comunicação, cultura e experiência estética, que busca estabelecer nexos com outras disciplinas, com especial atenção às relações entre Comunicação e Artes. O entendimento mais complexo da comunicação na sociedade contemporânea demanda uma visada mais ampla do que as abordagens tecnicistas e racionalistas então predominantes. E a aproximação com as artes, com a estética e com a hermenêutica pode nos ajudar nessa empreitada, em especial, quando nos voltamos a questões da produção de sentidos nos processos comunicacionais e às formas constitutivas dos produtos midiáticos, com suas variadas linguagens.

Em uma breve retrospectiva das teorias da Comunicação é possível notar que a recepção é tomada, na maior parte das vezes, como instância passiva e insensível. E, curiosamente, uma das primeiras teorias da Comunicação, criada no período entre guerras do Século 20, foi denominada de “teoria da agulha hipodérmica”, o que sugeria a possibilidade de os meios de comunicação atingirem o “público-alvo”, assim denominado, de forma contundente. O receptor, então passivo, ficava anestesiado, sob os efeitos dessa “agulha”, que nele injetaria doses de alienação. Tal teoria, de matriz estadunidense, apostava na possibilidade de manipulação das massas pela mídia. Pensava a relação entre a mídia e os receptores desde uma perspectiva behaviorista, que se apoiava nas relações de estímulo-resposta, causa-efeito, para explicar o controle da mídia sobre o público. DeFleur e BallRokeach (1993, p.182) sintetizam a ideia fundamental da teoria da agulha hipodérmica (também chamada de “teoria da bala mágica”). “A ideia fundamental é que as mensagens da mídia são recebidas de maneira uniforme pelos membros da audiência e que respostas imediatas e diretas são desencadeadas por tais estímulos”.

Na mesma linha, Wolf (2012, p.7) define como o público é convertido em “massa” na teoria hipodérmica: “A massa é constituída por um conjunto homogêneo de indivíduos que, enquanto seus membros, são essencialmente iguais, indiferenciáveis, mesmo que provenham de ambientes diferentes, heterogêneos, e de todos os grupos sociais”. Esse esvaziamento das individualidades, o desprezo das diferenças e a omissão das contradições sociais parecem propor a existência de uma massa amorfa, de indivíduos sem identidades e sensibilidades particulares. Wolf (2012, p.23) fala dessa fragilidade da audiência e das perspectivas de manipulação presentes na teoria da agulha hipodérmica:

Portanto, o isolamento físico e ”normativo” do indivíduo na massa é o fator que explica em grande parte o realce que a teoria hipodérmica atribui às capacidades manipuladoras dos primeiros meios de comunicação (...) a massa é um agregado que nasce e vive para além dos laços comunitários e contra esses mesmos laços, que resulta da desintegração das culturas locais e no qual as funções comunicativas são necessariamente impessoais e anônimas. A fragilidade de uma audiência indefesa e passiva provém precisamente dessa dissolução e dessa fragmentação.

Pois bem, quando a singularidade dos indivíduos e as peculiaridades dos grupos sociais são sobrepostas pela ideia de massa, a concepção que se tem de comunicação é bastante linear e fatalista. A onipresença e poder da mídia são enaltecidos e o universo da recepção fica reduzido à mera audiência passiva. O que se tem é uma comunicação anestesiante e um público anestesiado. E o pior é que essa anestesia não impede, necessariamente, a dor e o mal-estar. Isso porque a alienação e a apatia podem adiar, mas não evitam o sofrimento de quem está sob o controle de um sistema manipulador, de quem não tem liberdade de pensamento e de sentimento.

Mesmo com a relativização da ideia de manipulação, presente nas teorias de persuasão em sua abordagem empírico-experimental, no funcionalismo em sua visão positivista da sociedade, ou nas teorias dos “usos e gratificações” e “dos efeitos limitados”, o pensamento comunicacional assumiu predominantemente um entendimento causal no que se refere à relação entre a mídia e o público. O foco esteve nos efeitos da mídia. A lógica das formulações teóricas integradas às ações da mídia e do universo da propaganda mantinha-se no âmbito da transmissão. O receptor seguiu sendo tratado como “públicoalvo” a ser atingido. Um receptor sem sensibilidade, anestesiado.

Até mesmo quando se adotou uma visada crítica em relação à cultura de massa, como no caso das teorias da Escola de Frankfurt, o receptor seguiu sendo tratado como coisa, como objeto da ação, e não como sujeito. Como escreveu Adorno, na indústria cultural, o receptor-consumidor não tem consciência, é mero acessório da maquinaria. Para Adorno (1987, p.287) “a indústria cultural é a integração deliberada, a partir do alto, de seus consumidores”. Ele detalha o processo de controle exercido pela mídia sobre a população:

Na medida em que nesse processo a indústria cultural inegavelmente especula sobre o estado de consciência e inconsciência de milhões de pessoas, às quais ela se dirige, as massas não são então, o fator primeiro, mas um elemento secundário, um elemento de cálculo; um acessório da maquinaria. O consumidor não é rei, como a indústria cultural gostaria de fazer crer, ele não é o sujeito dessa indústria, mas seu objeto (ADORNO, 1987, p.288).

Como se vê, Adorno é enfático em sua crítica à indústria cultural. Segundo o autor, ela coisifica o ser humano, transformando-o em “acessório da maquinaria”. O produto final da indústria cultural é o próprio consumidor, um ser alienado, anestesiado pelo aparato comunicacional. Na perspectiva frankfurtiana, “o espectador não deve ter necessidade de nenhum pensamento próprio, o produto prescreve toda reação” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.128). Assim, na perspectiva da chamada Teoria Crítica o que se tem é um espectador sem consciência, sem sensibilidade e discernimento, vítima da ação “perversa” da mídia; um espectador inapto à estesia.

Nem mesmo nos primeiros estudos de recepção, as chamadas “pesquisas de audiência”, o receptor saiu de uma condição passiva. O público seguiu sendo tratado como objeto de ação da mídia, de forma quantitativa e estratificada.

Somente nos estudos de recepção trabalhados desde a perspectiva da cultura e das mediações culturais é que o receptor foi trazido das margens para o centro das atenções, foi entendido como sujeito do processo. São vários os estudos latino-americanos nesse segmento epistemológico, que se voltam à compreensão das estruturas de interpretação por parte das comunidades de apropriação das narrativas midiáticas. E é nesse movimento de resgate da recepção como lugar de produção de sentidos e no reconhecimento de que as narrativas midiáticas, na maior parte das vezes, carregam uma dimensão artística, que vale valorizar a experiência estética como eixo de estudo dos fenômenos comunicacionais na cultura midiatizada. Pensar os fenômenos comunicacionais e as manifestações artísticas midiatizadas como experiência estética é pensar a comunicação sem anestesia.

A “partilha do sensível” na esfera da compreensão

A questão da “experiência estética” tem merecido nossa atenção em alguns trabalhos recentes. Temos trabalhado, em especial, a partir de leituras da Phénoménologie de l’expérience esthétique, de Dufrenne, publicada em 1953, em dois volumes: I) L’objet esthétique (1992a) e II) La perception esthétique (1992b). Com esse recorte, o pensador francês identifica de forma clara as duas dimensões às quais o pensamento estético se dedica: a obra produzida pelo artista e sua fruição por parte do espectador. Mas Dufrenne não nos propõe uma fragmentação da experiência estética, ou a subordinação de uma dimensão à outra. Para ele, o que interessa é a interconexão entre objeto estético e percepção estética, pensada de maneira dialética e sistêmica, como duas faces da mesma moeda. Para ele, a relação entre autor e espectador é de colaboração. Eles compartilham a obra de arte. “O espectador não é somente a testemunha que consagra a obra, ele é, à sua maneira, o executante que a realiza”, afirma Dufrenne (1981, p.82).

Na mesma direção, Ricœur atribui ao leitor a condição de dar materialidade e vida ao texto, em uma articulação entre a obra produzida e o exercício da interpretação. Como registra Gentil (um dos maiores especialistas na obra de Ricœur no Brasil), em artigo publicado na revista Mente, Cérebro e Filosofia, para o pensador francês,

O texto só tem a oferecer aquelas palavras que o constituem, já fixadas. (...) Ele diz o que diz através de seu intérprete, o leitor. É o leitor que faz o texto falar, quem atualiza seu querer dizer, seu significado. É através do leitor que o texto é trazido de novo à vida, tornando-se novamente um acontecimento de linguagem (GENTIL, 2008b, p.20).

Valéry (2011) vai ainda mais longe quando aborda a questão da autonomia do leitor ao se deparar com o texto. Para o autor (2011, p.181), “não há sentido verdadeiro de um texto. Não há autoridade do autor. Seja o que for que tenha pretendido dizer, escreveu o que escreveu. Uma vez publicado, um texto é como uma máquina que qualquer um pode usar à sua vontade e de acordo com seus meios”.

Mesmo reconhecendo o vigor da interpretação, a importância do papel do leitor ou espectador, no exercício da interpretação, preferimos apostar na complementaridade entre a poética e a estética. E entendemos que ela guarda sintonia com as articulações entre “produção e reconhecimento” propostas por Verón em seus estudos sobre enunciação e produção de sentidos.

Para o sociólogo e semiólogo argentino, “os discursos sociais são sempre produzidos (e recebidos) dentro de uma rede extremamente complexa de interdeterminações” (VERÓN, 2004, p.69). Para o autor, a produção e o reconhecimento são como “polos” do sistema produtivo e “implicam, ambos, redes de relações interdiscursivas”, o que nos leva a reconhecer a interdiscursividade “como uma das condições fundamentais de funcionamento dos discursos sociais”. Afinal, afirma Verón (2004, p.70), “como um texto é o lugar de convergência de uma multiplicidade de sistemas de determinações, ele sempre admite uma pluralidade de leituras”.

Tais interdeterminações modulam e orientam as dinâmicas de “produção e reconhecimento” dos processos discursivos. Elas estendem a produção de sentidos para além do texto, em “relações interdiscursivas”, experienciadas nos contextos socioculturais em que estão inseridos autores e espectadores (produtores e receptores) dos discursos presentes na mídia. Nesse jogo entre produção e reconhecimento, entre poética e estética, a interdiscursividade se dá em polifonias e polissemias, que se desdobram em novas experiências estéticas, em novas interações sociais, plenas de mediações culturais.

Na mesma perspectiva de Verón, que nos fala de interdeterminações entre as instâncias de produção e reconhecimento, Sodré (2006, p.10) nos lembra que “são muitas as estratégias discursivas no jogo da comunicação”, mas que...

uma linguagem ou um discurso, como se sabe, não se reduz à função de transmissão de conteúdos referenciais. Na relação comunicativa, além da informação veiculada pelo enunciado, portanto, além do que se dá a conhecer, há o que se dá a reconhecer como relação entre duas subjetividades, entre os interlocutores.

Assim, Sodré utiliza a expressão “estratégias sensíveis” quando se refere aos “jogos de vinculação dos atos discursivos às relações de localização e afetação dos sujeitos no interior da linguagem”. E ele dá um sentido de alteridade4 à ideia de estratégias sensíveis, pois, “quando se age afetivamente, em comunhão, sem medida racional, mas com abertura criativa para o Outro, estratégia é o modo de decisão de uma singularidade”. E conclui, “muito antes de se inscrever numa teoria (estética, psicologia etc.), a dimensão do sensível implica uma estratégia de aproximação das diferenças” (SODRÉ, 2006, p.10).

Em outro momento, Sodré (2006, p.21) recorre a Vattimo para lembrar que “assim como o gozo estético pode ser compreendido como uma experiência de compartilhamento (o senso comum kantiano)”, o apelo da comunicação “estaria na possibilidade de integrar o sujeito contemporâneo numa sociedade de iguais, co-partícipes de um juízo de gosto”. E lembra que a ideia de “senso comum” é reinterpretada por Gadamer, uma vez que “sob o ponto de vista gadameriano a experiência estética não pode ser posta à parte da realidade vivida”. Tal ideia de compreensão se assenta, portanto, em “um sentimento intenso de comunidade”, e não numa razão universal.

Ainda, com Sodré, reconhecemos que “só se compreende no comum”. Afinal, tratase de uma apropriação entre pares, de “apreender” em um plano comunitário, de um comum partilhado.

No entendimento explicativo, um fenômeno particular fica subsumido a uma lei geral, enquanto na compreensão o fenômeno guarda a sua singularidade, isto é, a sua unicidade incomparável e irrepetível. O requisito essencial da compreensão é, assim, o vínculo com a coisa que se aborda, com o outro, com a pluralidade dos outros, com o mundo (SODRÉ, 2006, p.68).

Nessa perspectiva, a comunicação é tomada como tornar comum, como compartilhamento e seu estudo implica na compreensão dos processos de interpretação vivenciados pelos interlocutores. Daí a pertinência de se buscar uma aproximação com o campo da hermenêutica. Neste caso, a questão da interpretação não se refere ao entendimento de um discurso na perspectiva da explicação, mas sim, na perspectiva da compreensão, na qual os interlocutores se voltam em direção ao outro e a produção de sentidos se dá como experiência estética, como experiência sensível.

Essa ideia do compartilhamento reforça a articulação entre comunicação e experiência estética. Trata-se de partilhar percepções e sensibilidade. O que se dá na intercessão entre estética e ética, entre estética e política. Afinal, o que se partilha afeta as relações com o outro e a construção da própria cidadania. Rancière fala dessa “partilha do sensível”, lembrando que a intersubjetividade vivenciada na experiência estética se dá em um plano de espacialidade e temporalidade concretas. O autor explica:

Denomino partilha do sensível o sistema de evidências sensíveis que revela, ao mesmo tempo, a existência de um comum e dos recortes que nele definem lugares e partes respectivas. Uma partilha do sensível fixa, portanto, ao mesmo tempo, um comum partilhado e partes exclusivas. Essa repartição das partes e dos lugares se funda numa partilha de espaços, tempos e tipos de atividade que determina propriamente a maneira como um comum se presta à participação e como uns e outros tomam parte nessa partilha (Rancière, 2009, p.15).

Nesse contexto do compartilhamento de sensibilidades, não faz mesmo sentido a conotação da recepção como uma instância secundária do processo comunicativo, como espaço de reação, tão somente. Os interlocutores são, nessa angulação, mais que polos de controle e de destino do processo sígnico. E o receptor é muito mais que “públicoalvo” a ser atingido, ou massa de manobra. Ele não está anestesiado, ou mesmo extasiado, em relação ao que recebe. No âmbito da fruição, o espectador ganha autonomia em sua relação com a mensagem que recebe e da qual se apropria. Os sentidos não estão, portanto, limitados ao que foi concebido e disponibilizado no produto da ação do autor. Os sentidos são reinventados na percepção estética, no encontro do espectador com o objeto estético, em um dado tempo histórico e lugar social, em um contexto comum, um contexto de polissemias.

A produção de sentidos se dá, portanto, no ambiente plural e colaborativo do cotidiano. Também, ela envolve operações lógicas e míticas, que trazem à tona dimensões culturais de outros tempos. A partir de leituras de Agnes Heller sobre a questão do cotidiano e do sujeito ordinário que habita um espaço comum, Faro (2011, p.106) argumenta que:

O dia-a-dia, portanto, povoa a nossa relação com o mundo e interfere fortemente na leitura que fazemos de tudo quanto cerca a existência. É nesse espaço imediato em que se confina o cotidiano que a história da cultura demonstra a presença dos processos lógicos e míticos com os quais as informações que preenchem o universo comunicacional tornam-se sensíveis à observação e à compreensão.

É, pois, nas dinâmicas de compreensão que a produção de sentidos se dá de maneira dialética e envolve a comunidade que vivencia a “partilha do sensível”. E os sujeitos dessa produção se afirmam no processo de reconhecimento que experienciam na experiência estética. Esse reconhecimento e afirmação se desdobram na própria “invenção do cotidiano”, para usar a expressão de Certeau. Ou seja, o exercício da interpretação, quando se desdobra em ação, extrapola o texto e se materializa no contexto. O intérprete, assim, trilha o seu próprio caminho, de forma a se reconhecer nos sentidos então produzidos. A produção de sentidos reinventa o próprio cotidiano. Nas palavras de Certeau (2013, p.39), “o cotidiano se inventa com mil maneiras de caça não autorizada”.

No capítulo XII de Invenção do cotidiano, Certeau descreve o ato de ler como “uma operação de caça”. O autor (2013, p.241) sustenta que o livro é uma construção do leitor, que “inventa nos textos outra coisa que não aquilo que era a ‘intenção’ deles”. O historiador e filósofo francês nos propõe uma analogia: “Os leitores são viajantes; circulam nas terras alheias, nômades caçando por conta própria através dos campos que não escreveram, arrebatando os bens do Egito para usufruí-los” (CERTEAU, 2013, p.245). Ele insiste na ideia dessa autonomia do leitor, ao afirmar que “a leitura se liberta do solo que a determinava”, que ela “afasta-se dele” (CERTEAU, 2013, p.247).

É nessa perspectiva de autonomia e pró-atividade que pensamos a experiência estética como comunicação sem anestesia. A produção de sentidos se vê, então, mediada pela temporalidade e territorialidade que envolvem o intérprete, um espectador ativo. Mais do que o objeto da ação do emissor ou da mídia, o espectador é pensado então como sujeito de produção de sentidos. Alguém que interpreta o que recebe, que projeta na mensagem suas expectativas, numa relação especular, na qual reflete seus sentidos e percepções. Tratase, então, de um processo de reconhecimento. O espectador pode, assim, ser pensado como sujeito criativo, como coautor, ou até mesmo como transgressor, que subverte o sentido original da mensagem, dando a ela novas cores e tons.

Rancière (2012) escreve sobre a emancipação do espectador. Essa emancipação começa, segundo ele, “quando se questiona a oposição entre olhar e agir, quando se compreende que as evidências que assim estruturam as relações do dizer, do ver e do fazer pertencem à estrutura de dominação e da sujeição” (RANCIÈRE, 2012, p.17). O espectador emancipado é aquele que rompe a condição passiva de sujeição em relação à ação do criador. Mais que objeto da ação, a quem só cabe reação, Rancière resgata o espectador à condição de sujeito, que conduz novas ações no processo de seleção e interpretação do objeto estético, a partir de seu campo semântico e seu universo de representações. Para o filósofo franco-argelino, “o espectador também age”, uma vez que “ele observa, seleciona, compara, interpreta. Relaciona o que vê com muitas outras coisas que viu em outras cenas, em outros tipos de lugares. Compõe seu próprio poema com elementos do poema que tem diante de si” (RANCIÈRE, 2012, p.17). Ele enfatiza, como ponto essencial: “os espectadores veem, sentem e compreendem alguma coisa à medida que compõem seu próprio poema” (RANCIÈRE, 2012, p.18).

A ideia de um espectador emancipado encontra eco, portanto, na concepção de uma comunicação sem anestesia, pensada como compartilhamento, como experiência estética. Uma experiência que reflete não só a sua individualidade, mas especialmente a sua inserção em uma coletividade, em uma comunidade de representação e apropriação simbólicas. Uma experiência que se insere nos contornos da interpretação. Uma experiência comum, no sentido de que os sentidos são produzidos no tempo-espaço de um “comum partilhado”.

A questão da interpretação, que coloca o espectador-receptor em uma relação dialética e dialógica com o autor-emissor, remete-nos ao campo de hermenêutica. Se o artista interpreta a vida, a natureza, em sua obra, a partir de seu campo de representações, o espectador interpreta a obra à luz de suas perspectivas de vida e inserção social. Com isso, a produção de sentidos se dá na esfera da fruição, que não se limita, por certo, a um estado contemplativo – na perspectiva do pensamento idealista – do espectador frente à obra. A interpretação implica no exercício de apropriação e de socialização da produção de sentidos, que ganha, então uma dimensão coletiva e cultural. O espectador projeta na obra seu horizonte de expectativas, busca se reconhecer nela, num movimento de compreensão.

E nessa relação especular, o espectador se reflete e se revela. E essa experiência do espectador de compreensão da obra analisada se desdobra em compreensão de si mesmo. Ao falar da relação entre o texto e o leitor, Ricœur sustenta que “compreender é compreenderse em face do texto e receber dele as condições de um si diferente do eu que brota do texto” (RICŒUR, 1989, p.42-43).

A recepção não se limita, portanto, à esfera do entendimento da mensagem na lógica da explicação. Não se trata de mera decodificação do que foi proposto na produção. Ela se concretiza na experiência do reconhecimento. E esse reconhecimento presente na relação entre objeto e percepção estéticos se dá no âmbito da interação e da compreensão. Mais que o entendimento do que o autor quis transmitir ao receptor, a percepção estética deve ser pensada na lógica da compreensão, na qual a interpretação é sempre experiência de apropriação, que se opera na esfera semântico-pragmática da produção de sentidos. E nessa perspectiva a recepção se dá no plano da estesia, pleno de sensibilidade.

Interpretação, mediações e alteridade

Mais do que um meio de transmissão, a obra, tomada como objeto estético oferecido à percepção estética, pode ser pensada na perspectiva das mediações, tal qual nos propõe Martín Barbero (1997), em seu clássico deslocamento, “dos meios às mediações”. A experiência estética pensada na chave das “mediações culturais da comunicação” indica uma concepção dialógica e dinâmica da produção de sentidos. O diálogo, como nos ensina Gadamer (2004), pressupõe uma relação de alteridade. “O que perfaz um verdadeiro diálogo não é termos experimentado algo de novo, mas termos encontrado no outro algo que ainda não havíamos encontrado em nossa própria experiência de mundo” (GADAMER, 2004, p.247).

Os interlocutores, como que vão ao encontro um do outro, colocam-se no lugar do outro. Mas não se submetem ao outro, necessariamente. Ele pode confrontá-lo dialeticamente. O receptor comparece com o seu “horizonte de expectativas”, que incorpora um complexo conjunto de mediações socioculturais. As expectativas com as quais se confronta com a obra, em um diálogo dialético com o artista, são balizadas por essas mediações. E, assim, na percepção estética, o espectador acolhe e reelabora os sentidos do objeto estético, que pode ser pensado na perspectiva da comunicação, entendida como diálogo, no qual os interlocutores compartilham os sentidos, que se tornam comuns a eles. Sentidos que são compartilhados, também, pelos sujeitos com suas comunidades de apropriação, em seus contextos sociais.

A experiência estética se dá na sociedade, em dinâmicas de interlocução entre pares, balizada por um conjunto complexo de “mediações culturais”. A produção de sentidos extrapola, assim, uma dimensão sintático-semântica, e se insere em um plano semânticopragmático. E nesta perspectiva, a produção de sentidos se desdobra em ação. “Do texto à ação”, movimento bem presente nos ensaios de hermenêutica de Ricœur (1989). Apesar de a atenção primeira da hermenêutica se dar em relação à recuperação do ato criador, ela não deve ficar limitada a esses contornos, próprios da exegese. A esse respeito o autor argumenta que quando a atenção se volta a “uma problemática do texto, da exegese e da filologia, parece que restringimos a visada, o alcance e o ângulo da visão hermenêutica” (RICŒUR, 1990, p.135). E a radicalização desse deslocamento “do texto à ação” pode nos levar da hermenêutica à pragmática.

Outra dimensão importante na obra de Ricœur é a questão da alteridade, tema já trazido aqui anteriormente. Como registra Gentil (2008a, p.7),

O outro faz-se presente de muitas maneiras na reflexão de Paul Ricœur, e às vezes de modo surpreendente. Não se trata só de um sujeito diante de outro sujeito, nem das discussões sobre sua apreensão ou constituição como objeto para uma consciência, nem mesmo apenas do problema da intersubjetividade. É verdade que convivo com outros, vivo entre outros, próximos e distantes, no tempo e no espaço. No tempo: meus antecessores, para com os quais tenho uma dívida que devo reconhecer; meus sucessores, que devo levar em consideração nas consequências de minhas ações e, portanto, em minhas deliberações e decisões. [...] No espaço: meus contemporâneos, próximos e distantes, da intimidade do amor à impessoalidade do anonimato, passando pela pessoalidade da amizade.

Ou seja, na visão de alteridade de Ricœur, o outro está presente no tempo e espaço da experiência de vida de cada indivíduo, o outro está presente na própria concepção da ipseidade de cada um. O outro está em nós. Nesse sentido, a ideia de experiência estética como comunicação compartilhada, como interação, leva-nos a pensar não só naqueles com os quais convivo, mas também naqueles que trago comigo, na minha constituição e minhas memórias, e naqueles que virão depois de mim, mas que já comparecem no presente em forma de expectativas. As reflexões de Ricœur sobre reciprocidade e reconhecimento nos permitem aprofundar a ideia de compartilhamento do sensível e da experiência estética no âmbito do cotidiano vivenciado na comunidade.

Seel (2014, p.36), ao discutir o escopo da experiência estética, chama a nossa atenção para o fato de que ela extrapola os limites da arte. Para ele, “quem é intocado pelos acontecimentos do mundo – inclusive seus eventos estéticos – não será capaz de reconhecer, no aparecimento da arte, um evento de apresentação de ser no mundo”. Ele reforça essa ideia ao afirmar que a experiência estética “encontra realização em sermos atraídos para as possibilidades de percepção e compreensão dentro e fora da arte”. Possibilidades que, segundo ele, não podem ser esgotadas, controladas ou determinadas.

Ou seja, a experiência estética não se esgota no objeto estético, ou na exegese da obra analisada. Ela avança no âmbito da hermenêutica. A experiência estética implica numa relação especular que se estabelece entre o objeto estético e a percepção estética, nas dinâmicas de interpretação, que extrapolam a economia interna da obra, quando o espectador se entrega à experiência da fruição em uma empreitada compreensiva. E, como discutimos anteriormente neste texto, a compreensão se dá na esfera do comum, no tempoespaço do cotidiano.

Picado (2012) articula as duas dimensões da experiência estética no contexto da cultura midiatizada: o objeto estético disponibilizado no âmbito da mídia e a percepção estética experienciada das dinâmicas de recepção.

Ao considerarmos que os processos mediáticos carregam em si uma dimensão atinente às abordagens estéticas de análise, não podemos ficar restritos à noção de que a mediatização é um fenômeno de origem poética: isto quer dizer que seu fundamento não se encontra na ordem das estratégias produtivas que caracterizam sua gênese concreta, mas sim no caráter relacional que é constitutivo de qualquer poiesis que se queira. Ou seja, se sua dimensão estética não é derivada da ordem produtiva dos sentidos da mediatização, então esta dimensão deve ser examinada em seu caráter necessariamente interacional (PICADO, 2012, p.9).

Nesse sentido, como trabalhamos em texto recente, vale retomar “a ideia da experiência estética midiatizada na perspectiva da interação, de forma a contemplar o encontro da poética com a estética propriamente dita, que se concretiza no tempo-espaço da recepção” (BARROS, 2014, p.6). E a recepção, quando tratada como experiência estética, não pode ser pensada como instância de alienação ou insensibilidade. Ela precisa ser entendida como experiência sensível, plena de estesia.

Na sociedade midiatizada contemporânea são múltiplos os mecanismos e possibilidades de interação comunicacional. Como propõe Braga (2006), em A sociedade enfrenta sua mídia, para além das instâncias de emissão e recepção existe um “sistema de interações sociais sobre a mídia”, que ele descreve como um terceiro sistema. Diz o autor:

Propomos, assim, desenvolver a constatação de um terceiro sistema de processos midiáticos, na sociedade, que completa a processualidade de midiatização social geral, fazendo-a efetivamente funcionar como comunicação. Esse terceiro sistema corresponde atividades de resposta produtiva e direcionadora da sociedade em interação com os produtos midiáticos (BRAGA, 2006, p.22).

É, portanto, na ideia de interação, de “partilha do sensível”, que a comunicação na sociedade midiatizada pode ser pensada como experiência estética. E quando reconhecemos que a sociedade está estruturada pela mídia, como elemento de interação cultural e articulação política, a mídia passa a ser mais do que aparato tecnológico destinado à transmissão de mensagens. Cabe, então, retomar o deslocamento proposto por Martín-Barbero, dos “meios às mediações”, em especial num segundo movimento de sua formulação, que ele denomina “mediações comunicacionais da cultura”.

No prefácio da quinta edição em espanhol de seu clássico livro De los medios a las mediaciones, Martín-Barbero fazia o espelhamento de suas “mediações culturais da comunicação” para o que chamou de “mediações comunicacionais da cultura”.5 Naquela ocasião, ele já problematizava sua teoria original com novas categorias de mediações: institucionalidade, tecnicidade, socialidade e ritualidade. Em seu esquema, Martín-Barbero propõe dois eixos: um de natureza diacrônica, que liga Matrizes Culturais e Formatos Industriais; outro de natureza sincrônica, que articula Lógicas de Produção e Competências de Recepção e Consumo.

Essa nova perspectiva das mediações guarda certa complementaridade com a ideia de cultura midiatizada, uma vez na circulação “diferida e difusa” que os sentidos dos discursos midiáticos experimentam na sociedade midiatizada, são múltiplas às mediações que comparecem nos processos de apropriação e ressignificação esses sentidos. A experiência estética se converte em experiência poética e os sentidos são elaborados à luz de experiências sensíveis compartilhadas. Mediações e midiatização são duas teorias que podem muito bem subsidiar nossas reflexões sobre comunicação e experiência estética em um contexto e cultura comum, de comunicação compartilhada, de “partilha do sensível”. É nessa perspectiva que pensar a comunicação como experiência estética pode nos levar a uma compreensão da comunicação sem anestesia.

  • 1
    Este artigo traz uma versão revista e ampliada de trabalho apresentado no GT Comunicação e Experiência Estética do XXV Encontro Anual da Compós, realizado em junho de 2016, na cidade de Goiânia.
  • 2
    Merton e Lazarsfeld, no conhecido texto Comunicação de massa, gosto popular e a organização da ação social (1978, p.114), denominam de “disfunção narcotizante” o processo no qual a mídia leva as pessoas a um quadro de alienação.
  • 3
    Do original: “... des modes de perception et des régimes d’émotion, des catégories qui les identifient, des schèmes de pensée qui les classent et les interprètent. Ces conditions rendent possible que des paroles, des formes, des mouvements, des rythmes soient ressentis et pensés comme de l’art”.
  • 4
    Tema ao qual voltamos mais adiante neste texto, a partir de leituras dos ensaios de hermenêutica de Ricœur.
  • 5
    Tal reformulação volta a aparecer na edição de Ofício de cartógrafo: travessias latino-americanas da comunicação na cultura (MARTÍN-BARBERO, 2004).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2016
  • Aceito
    30 Jan 2017
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