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Uso de antidepressivo e os componentes da síndrome de fragilidade

Resumo

Objetivo:

avaliar a repercussão do uso de antidepressivos sobre os componentes da fragilidade.

Métodos:

estudo transversal e analítico, com comparação de grupos de usuário e não usuário de antidepressivo, realizado em município da região Sul do Brasil, vinculado à pesquisa matricial “A saúde do idoso na atenção primária”. A amostra foi selecionada a partir do acesso ao banco de dados da pesquisa matricial do qual foram extraídos dois grupos: usuário (n=87) e não usuário (n=114) de antidepressivos. Após a seleção dos grupos realizou-se coleta de dados entre junho a setembro de 2016, no espaço domiciliar, com informações referentes às características sociodemográficas, uso de medicamentos e avaliação da fragilidade. Para verificar a associação entre os grupos estudados realizou-se o teste de hipótese do qui-quadrado de Pearson e para calcular o risco utilizou-se o Odds Ratio (OR).

Resultados:

A prevalência de fragilidade foi de 62,7% e apresentou-se associada ao grupo usuário. Entre os componentes da fragilidade foi evidenciado associação do grupo usuário a fadiga, baixa velocidade de marcha e perda de peso não intencional. Identificou-se maior risco de fragilidade entre idosos em uso de antidepressivos tricíclicos e antidepressivos potencialmente inapropriados para idosos.

Conclusões:

Evidencia-se associação da fragilidade ao uso de antidepressivos. Esses achados apontam a necessidade da avaliação clínica dos riscos e benefícios da prescrição de antidepressivos para o idoso; e quando instituído o tratamento, faz-se necessário o seu acompanhamento e a avaliação de características geriátricas com a finalidade de assegurar segurança e qualidade de vida do idoso.

Palavras-chave:
Antidepressivos; Atenção Primária à Saúde; Idoso Fragilizado

Abstract

Objective:

to evaluate the effects of antidepressant use on components of frailty.

Methods:

a cross-sectional and analytical study comparing groups of users and non-users of antidepressants was carried out in a municipal region in the south of Brazil. The research was linked to the matrix study "Health of Elderly Persons in Primary Care". The sample was selected through access to the database of the matrix study from which two groups were extracted: users (n=87) and non-users (n=114) of antidepressants. After selection of the groups, data collection was carried out between June and September 2016 in the homes of the elderly, and included information on sociodemographic characteristics, use of medications and the evaluation of frailty. Pearson's Chi-square hypothesis test was used to verify the association between the groups and the Odds Ratio (OR) was used to calculate risk.

Results:

The prevalence of frailty was 62.7% and was associated with the group that used antidepressants. Among the components of frailty an association between the user group and fatigue, low gait speed and unintentional weight loss was found. A greater risk of frailty among elderly persons using tricyclic antidepressants and antidepressants potentially inappropriate for the elderly was identified.

Conclusions:

an association between frailty and antidepressant use was found. These results indicate the need for the clinical evaluation of the risks and benefits of prescribing antidepressants for the elderly; and reveal that when treatment begins, the monitoring and assessment of geriatric characteristics are required to ensure the safety and quality of life of the elderly.

Keywords:
Antidepressive Agents; Primary Health Care; Frail Elderly

INTRODUÇÃO

A fragilidade é uma síndrome multidimensional que envolve a interação de fatores biológicos e psicossociais11 Pegorari MS, Tavares DMS. Fatores associados à síndrome de fragilidade em idosos residentes em área urbana. Rev Latinoam Enferm. 2014;22(5):874-82.,22 Hajek A, Brettschneider C, Posselt T, Lange C, Mamone S, Wiese B, et al. Predictors of frailty in old age: Results of a longitudinal study. J Nutr Health Aging. 2016;20(9):952-57.. Essa síndrome proposta por Fried et al.3 caracteriza-se pelo declínio de energia e está relacionada a alterações nos sistemas musculoesquelético, neuroendócrino e imunológico que repercutem, especialmente, na perda de massa muscular, alteração de apetite e estado inflamatório crônico. De acordo com os autores o fenótipo de fragilidade envolve cinco componentes: perda de peso não intencional, fadiga, diminuição da força de preensão manual, lentidão da marcha e baixo nível de atividade física33 Fried L, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol Ser A Biol Sci Med Sci. 2001;56(3):146-56..

Em geral, a fragilidade é um fator de elevada vulnerabilidade para eventos adversos à saúde como ocorrência de incapacidade, dependência, quedas, hospitalização, cuidados por período prolongado e morte44 Vermeiren S, Vella-Azzopardi R, Beckwée D, Habbig AK, Scafoglieri A, Jansen B, et al. Frailty and the prediction of negative health outcomes: a meta-analysis. J Am Med Dir Assoc. 2016;17(12):1163-1163.. Embora a fragilidade relacione-se a alterações fisiológicas próprias da senescência, também é determinada pela presença de doenças crônicas e determinantes psicossociais. Vale destacar que há risco aumentado de fragilização em idosos do sexo feminino, com idade avançada, de baixa renda, em uso de três medicamentos ou mais, com declínio cognitivo e funcional e presença de sintomas indicativos de depressão11 Pegorari MS, Tavares DMS. Fatores associados à síndrome de fragilidade em idosos residentes em área urbana. Rev Latinoam Enferm. 2014;22(5):874-82.,22 Hajek A, Brettschneider C, Posselt T, Lange C, Mamone S, Wiese B, et al. Predictors of frailty in old age: Results of a longitudinal study. J Nutr Health Aging. 2016;20(9):952-57.,55 Buttery AK, Busch MA, Gaertner B, Scheidt-Nave C, Fuchs J. Prevalence and correlates of frailty among older adults: findings from the German health interview and examination survey. BMC Geriatr. 2015;15(22):1-9..

Especificamente, a presença de sintomas depressivos e a depressão maior são os transtornos psiquiátricos mais comuns entre os idosos. A meta-análise de Barcelos-Ferreira et al.66 Barcelos-Ferreira R, Izbicki R, Steffens DC, Bottino CMC. Depressive morbidity and gender in community-dwelling Brazilian elderly: systematic review and meta-analysis. Int Psychogeriatr. 2010;22(5):712-26. identificou prevalência do diagnóstico de depressão maior e sintomas sugestivos de depressão em 7,0% e 26,0% dos idosos brasileiros, respectivamente. Por consequência, os antidepressivos são frequentemente empregados no tratamento desse transtorno. O Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA) evidenciou uso de antidepressivo em 6,87% da população adulta brasileira77 Brunoni AR, Nunes MA, Figueiredo R, Barreto SM, Fonseca MJM, Lotufo PA, et al. Patterns of benzodiazepine and antidepressant use among middle-aged adults. The Brazilian longitudinal study of adult health (ELSA-Brasil). J Affect Disord. 2013;151(1):71-7.. Esse percentual eleva-se na população idosa, com frequência de uso entre 7,2% e 23,6%88 Noia AS, Secoli SR, Duarte YAO, Lebrão ML, Lieber NSR. Fatores associados ao uso de psicotrópicos por idosos residentes no Município de São Paulo. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(Esp):38-43.,99 Vicente ART, Castro-Costa E, Diniz BS, Firmo JOA, Lima-Costa MF, Loyola Filho AI. Antidepressant use and associated factors among the elderly: the Bambuí Project. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(12):3797-804..

Embora, o consumo de antidepressivos em idosos seja elevado, importantes revisões sistemáticas realizadas por Briana et al.1010 Briana M, Lauren E, Matt L, Moon C, Kate L. Depression and frailty in later life: a synthetic review. Int J Geriatr Psychiatry. 2012;27(9):879-92. e Benraad et al.1111 Benraad CE, Kamerman-Celie F, Munster BCV, Voshaar RCO, Spijker J, Rikkert MGMO. Geriatric characteristics in randomised controlled trials on antidepressant drugs for older adults: a systematic review. Int J Geriatr Psychiatry. 2016;31(9):990-1003. destacaram que existem lacunas nos estudos que relacionam o uso de antidepressivos e fragilidade. Briana et al.1010 Briana M, Lauren E, Matt L, Moon C, Kate L. Depression and frailty in later life: a synthetic review. Int J Geriatr Psychiatry. 2012;27(9):879-92. concluem que os estudos realizados até então não permitem confirmar ou refutar a associação entre antidepressivo e fragilidade. E Benraad et al.1111 Benraad CE, Kamerman-Celie F, Munster BCV, Voshaar RCO, Spijker J, Rikkert MGMO. Geriatric characteristics in randomised controlled trials on antidepressant drugs for older adults: a systematic review. Int J Geriatr Psychiatry. 2016;31(9):990-1003. apontam que nos ensaios clínicos randomizados referentes ao tratamento com antidepressivo na depressão maior em idosos, não são consideradas a presença de características geriátricas, como a fragilidade, nem como possível modificador de efeito ou na avaliação de potenciais efeitos adversos sobre a mesma.

No entanto, estudo de seguimento realizado por Lakey et al.1212 Lakey SL, LaCroix AZ, Gray SL, Borson S, Williams CD, Calhoun D, et al. Antidepressant use, depressive symptoms, and incident frailty in women aged 65 and older from the Women's Health Initiative Observational Study. J Am Geriatr Soc. 2012;60(5):854-61. com mulheres americanas evidenciou a associação do uso de antidepressivo com a ocorrência de fragilidade, tanto na presença como ausência de sintomas depressivos; foi observado nesse estudo que os usuários de antidepressivo tem quase duas vezes mais chance de fragilidade. Ainda, Groot et al.1313 Groot MH, Campen JPCM, Kosse NM, Vries OJ, Bijinen JH, Lamoth CJC. The Association of Medication-Use and Frailty-Related Factors with Gait Performance in Older Patients. Plos ONE. 2016;11(2):1-15. identificaram associação moderada entre o uso de antidepressivo e o comprometimento de marcha, um dos componentes da síndrome de fragilidade; contudo esse estudo não comparou risco de um grupo em relação ao outro. Apesar das evidências científicas mostrarem que há associação entre o uso de antidepressivo com a ocorrência de fragilidade esses foram realizados com população americana e europeia. Além disso, os dois estudos encontrados não analisaram todos os componentes da síndrome da fragilidade. Considerando a heterogeneidade da população brasileira e suas particularidades de envelhecimento justificam-se pesquisas epidemiológicas que investiguem o uso de medicamentos e suas repercussões sobre o organismo senescente.

A partir destas considerações, o presente estudo propôs avaliar a repercussão do uso de antidepressivos sobre os componentes da fragilidade.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal e analítico, com comparação de grupos de usuário e não usuário de antidepressivo. O presente estudo foi realizado em município localizado na região Sul do Brasil, vinculado a pesquisa matricial A saúde do idoso na atenção primária.

A população de estudo da pesquisa matricial foi constituída por idosos com idade igual ou superior a 60 anos, de ambos os sexos, cadastrados nas 12 unidades de Estratégia Saúde da Família (ESF) da área urbana do município. A amostra dessa pesquisa foi probabilística e os idosos foram selecionados por técnica de amostragem estratificada proporcional por ESF e sexo. Foi assegurada a representatividade de 12%, definida pela taxa de envelhecimento populacional da região. Para estabelecer o tamanho da amostra utilizaram-se os dados do Sistema de Informação da Atenção Básica1414 DATASUS. Sistema de Informação da Atenção Básica. Brasília, DF: SIAB; 2014.. Em 2014, o número de idosos cadastrados nas ESF era de 5.269, considerando erro amostral de 5%, o cálculo amostral totalizou 636 idosos; com um poder de teste de 80%1515 Field A. Descobrindo a estatística usando o SPSS. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2009..

Na primeira etapa da pesquisa, foi acessado o banco de dados da pesquisa matricial para identificação de usuários e não usuários de antidepressivos para comporem os grupos de análise; optou-se por constituir dois grupos pareados quanto ao número de sujeitos para o processo de seleção no banco de dados. Foram identificados 140 idosos em uso de antidepressivo ou ansiolítico, de forma isolada ou associada; esses idosos foram alocados ao grupo usuário; para cada idoso do grupo “usuário” foi selecionado aleatoriamente um idoso não usuário; os dois grupos foram constituídos a partir da mesma população de estudo.

Na segunda etapa ocorreu a coleta de dados, realizada entre os meses de junho a setembro de 2016, no espaço domiciliar. Nessa etapa, foram excluídos do grupo usuário aqueles que encerraram o tratamento com esses medicamentos há mais de 30 dias da data de entrevista. No grupo não usuário foram excluídos os idosos que fizeram uso de antidepressivo ou ansiolítico em algum momento da vida. Também, aqueles que não apresentavam condições física e/ou psíquicas para realizar o protocolo da pesquisa. Para este estudo selecionou-se apenas os idosos usuários de antidepressivo, com 87 idosos no grupo usuário e 114 não usuário. Foram excluídos no grupo usuário 53 idosos; 21 faziam uso de ansiolítico; as demais perdas em ambos os grupos foram por não atenderam aos critérios do estudo.

As variáveis de interesse da pesquisa foram características sociodemográficas (idade, sexo, estado civil, escolaridade e renda); condições de saúde: presença de doença crônica (autorreferida) e sintomas de depressão (Escala de Depressão Geriátrica Abreviada)1616 Almeida OP, Almeida SA. Short versions of the geriatric depression scale: a study of their validity for the diagnosis of a major depressive episode according to ICD-10 and DSM-IV. Int J Geriatr Psychiatry. 1999; 14(10):858-65.; dados relativos ao uso de medicamento (número de medicamentos utilizados, princípio ativo e classe de antidepressivo e uso de antidepressivo potencialmente inapropriado); e classificação da fragilidade e seus componentes (perda de peso não intencional no último ano, força de preensão manual; velocidade da marcha, nível de atividade física e fadiga autorreferida). As variáveis foram obtidas por meio de inquérito domiciliar.

Para a identificação dos antidepressivos utilizou-se a classificaçãoAnatomical Therapeutic Chemical (ATC), no seu terceiro e quarto nível1717 World Health Organization Collaborating Centre for Drug Statistics Methodology. Anatomical therapeutic chemical ATC/DDD Índex [Internet]. Nydalen: WHOCC; 2016 [acesso em 23 out. 2016]. Disponível em: http://www.whocc.no/atc_ddd_index/. O uso de antidepressivos potencialmente inapropriados foi identificado de acordo com os critérios de Beers atualizados pela American Geriatrics Society1818 American Geriatrics Society. American Geriatrics Society 2015 Updated Beers Criteria for Potentially Inappropriate Medication Use in Older Adults. J Am Geriatr Soc. 2015;63(11):2227-46..

Os componentes e a classificação da fragilidade foram obtidos no banco de dados da pesquisa matricial, após a constituição dos grupos usuário e não usuário. Destaca-se que decorreram cinco meses entre a avaliação física da fragilidade e a obtenção das variáveis do presente estudo. Para avaliar a fragilidade foram utilizados os critérios estabelecidos por Fried et al.33 Fried L, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol Ser A Biol Sci Med Sci. 2001;56(3):146-56.: perda de peso não intencional, velocidade da marcha, força de preensão manual; nível de atividade física; e, fadiga autorreferida. Os idosos foram classificados para este estudo em duas categorias: idosos frágeis (que apresentaram um ou mais critérios de fragilidade); e idosos não frágeis (não apresentaram nenhum dos critérios de fragilidade).

A perda de peso não intencional, obtida por autorrelato, refere-se a perda de peso não intencional nos últimos 12 meses, utilizando-se como ponto de corte a perda de 4,5 quilos ou 5% do peso corporal33 Fried L, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol Ser A Biol Sci Med Sci. 2001;56(3):146-56..

A força de preensão manual foi avaliada através da dinamometria. Foi considerado baixa força de preensão manual os valores localizados em 20% menores da distribuição das médias das três medidas realizadas, ajustada por sexo e índice de massa corporal (IMC) (Kg/m2)1919 Batistoni SST, Neri AL, Cupertino APFB. Validade da escala de depressão do Center for Epidemiological Studies entre idosos brasileiros. Rev Saúde Pública. 2007;41(4):598-605..

A velocidade da marcha indica o tempo em segundos que cada idoso levou para percorrer 4,6 metros, em passo usual. A baixa velocidade de marcha foi verificada por valores 20% mais altos do tempo gasto, a partir da média de três tentativas de cada idoso, ajustadas pela mediana da altura para homens e mulheres2020 Santos EGS. Perfil de fragilidade em idosos comunitários de Belo Horizonte: um estudo transversal [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2008..

A fadiga foi avaliada através de questionamento extraído da CES-D (Center for Epidemiological Studies - Depression) a partir das seguintes perguntas: (1) sente que teve que fazer esforço para fazer tarefas habituais; (2) não consegue levar adiante as suas atividades1919 Batistoni SST, Neri AL, Cupertino APFB. Validade da escala de depressão do Center for Epidemiological Studies entre idosos brasileiros. Rev Saúde Pública. 2007;41(4):598-605..

O nível de atividade física foi identificado com base em itens do Minnesota Leisure Time Actvity Questionnari. Foram considerados idosos ativos aqueles que realizavam 120 minutos semanais em exercícios físicos e/ou esportes de intensidade vigorosa que equivalem a valores superiores a 6 Equivalente Metabólico (MET); que é o gasto energético calculado de forma indireta pelo instrumento; ou aqueles, que acumulam mais de 150 minutos semanais em exercícios físicos e esportes de intensidade moderada (de ≥3 MET a ≤6 MET)2121 Fattori A, Neri AL, Santimaria MR, Yassuda MS, Siqueira MEC. Indicadores de Fragilidade. In: Neri AL, organizadora. Fragilidade e qualidade de vida na velhice. Campinas: Alínea; 2013. (Coleção Velhice e Sociedade)..

Utilizaram-se ferramentas da estatística descritiva como medidas de tendência central (média) e medidas de dispersão (desvio-padrão e Intervalo de confiança de 95% (IC95%); e para variáveis qualitativas, frequência relativa e absoluta; usadas considerando o tipo de variável e o comportamento de distribuição. Para verificar a associação entre duas ou mais variáveis qualitativas foi utilizado o teste de hipótese do qui-quadrado de Pearson e para calcular o risco utilizou-se o Odds Ratio (OR). Foi considerado risco um valor de OR igual ou superior a 1,5. Para todos os testes, considerou-se nível de 5% de significância.

Foram observados todos os preceitos éticos preconizados para pesquisa com seres humanos e o estudo foi aprovado por Comitê de Ética e Pesquisa sob Parecer nº 1.570.165/2016.

RESULTADOS

Foram incluídos no estudo 201 idosos, entre os quais 43,3% (87) no grupo usuário e 57,7% (114) no não usuário. A idade média foi de 71,8±7,61 anos (IC95% 70,74-72,86). Entre as características sociodemográficas e de saúde prevaleceram: o sexo feminino (66,2%), ter companheiro (69,2%), com presença de doença crônica (79,6%) e ausência de sintomas sugestivos de depressão (78,1%) (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas e de saúde de idosos usuários e não usuários de antidepressivos (N=201) de um município do Sul do Brasil, 2016.

A prevalência de fragilidade foi de 62,7% (126) dos idosos e verificou-se associação entre o uso de antidepressivo e fragilidade (p=0,005), sendo que no grupo usuário 73,6% (64) dos idosos apresentavam fragilidade e 54,4% (62) dos idosos não usuários. Além disso, verificou-se que os idosos usuários de antidepressivos apresentaram duas vezes mais chance de fragilidade quando comparados aos não usuários (OR 2,33 IC95% 1,28-4,26). Ao realizar análise intragrupo quanto a presença de sintomas sugestivos de depressão e a fragilidade; não foi identificada associação nos grupos usuário (p=0,078) e não usuário (p=0,140).

Entre os componentes da síndrome de fragilidade, a fadiga e baixa velocidade de marcha foram os mais frequentes entre os idosos do estudo, 35,4% e 23,4%, respectivamente. Evidenciou-se associação entre o uso de antidepressivo e os componentes fadiga, baixa velocidade de marcha e perda de peso não intencional. Quanto ao risco, verificou-se que o grupo usuário tem três vezes mais chance de perda de peso e duas vezes mais chance para a fadiga e baixa velocidade de marcha quando comparado ao não usuário, como apresentado na Tabela 2.

Tabela 2
Distribuição dos componentes da fragilidade entre idosos usuários e não usuários de antidepressivos de um município do Sul do Brasil, 2016.

Foi observado que os idosos em uso de antidepressivos tricíclicos apresentam maior chance de fragilidade (OR =2,60 / IC 95% 1,16 - 5,80) quando comparados ao grupo não usuário. Entre os usuários de antidepressivos Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina não foi observado maior risco do grupo usuários dessa classe de medicamento em relação ao não usuário (OR=1,42 / IC 95% 0,70 - 2,89).

Quando analisado o uso de antidepressivo potencialmente inapropriado para idoso, evidenciou-se que os usuários de inapropriados apresentam 2,39 (IC95% 1,14 - 4,96) vezes mais chance de fragilidade comparado ao grupo não usuário, entre os inapropriados encontram-se amitriptilina, imipramina, nortriptilina e paroxetina.

DISCUSSÃO

As características sociodemográficas e condições de saúde da população estudada são semelhantes a estudos com idosos brasileiros que avaliaram o uso de antidepressivos88 Noia AS, Secoli SR, Duarte YAO, Lebrão ML, Lieber NSR. Fatores associados ao uso de psicotrópicos por idosos residentes no Município de São Paulo. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(Esp):38-43.,99 Vicente ART, Castro-Costa E, Diniz BS, Firmo JOA, Lima-Costa MF, Loyola Filho AI. Antidepressant use and associated factors among the elderly: the Bambuí Project. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(12):3797-804., com destaque para o predomínio de mulheres, a baixa escolaridade, baixa renda e presença de doenças crônicas; características frequentemente presentes na população brasileira e que também foram associadas a condição de fragilidade entre idosos brasileiros1,22.

Além disso, os resultados do presente estudo demonstraram a associação do uso de antidepressivo e a fragilidade. Os idosos do grupo usuário apresentaram maior chance de fragilidade quando comparados aos não usuários. Esses dados vêm ao encontro do seguimento realizado por Lakey et al.1212 Lakey SL, LaCroix AZ, Gray SL, Borson S, Williams CD, Calhoun D, et al. Antidepressant use, depressive symptoms, and incident frailty in women aged 65 and older from the Women's Health Initiative Observational Study. J Am Geriatr Soc. 2012;60(5):854-61. com 27.652 idosas americanas entre 65 a 79 anos que identificou aumento do risco de incidência de fragilidade entre as usuárias de antidepressivos, tanto na presença como ausência de sintomas depressivos.

As evidências científicas quanto a relação de sintomas depressivos com a fragilidade são amplamente exploradas na literatura nacional e internacional11 Pegorari MS, Tavares DMS. Fatores associados à síndrome de fragilidade em idosos residentes em área urbana. Rev Latinoam Enferm. 2014;22(5):874-82.,22 Hajek A, Brettschneider C, Posselt T, Lange C, Mamone S, Wiese B, et al. Predictors of frailty in old age: Results of a longitudinal study. J Nutr Health Aging. 2016;20(9):952-57.,55 Buttery AK, Busch MA, Gaertner B, Scheidt-Nave C, Fuchs J. Prevalence and correlates of frailty among older adults: findings from the German health interview and examination survey. BMC Geriatr. 2015;15(22):1-9.. No entanto, a maioria dessas pesquisas não incluem entre suas variáveis o uso de antidepressivo como um potencial interferente da fragilidade no idoso1010 Briana M, Lauren E, Matt L, Moon C, Kate L. Depression and frailty in later life: a synthetic review. Int J Geriatr Psychiatry. 2012;27(9):879-92.,1111 Benraad CE, Kamerman-Celie F, Munster BCV, Voshaar RCO, Spijker J, Rikkert MGMO. Geriatric characteristics in randomised controlled trials on antidepressant drugs for older adults: a systematic review. Int J Geriatr Psychiatry. 2016;31(9):990-1003.. Considerando que a fragilidade é uma condição inerente a senescência e decorrente do declínio dos sistemas musculoesquelético, neuroendócrino e imunológico33 Fried L, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol Ser A Biol Sci Med Sci. 2001;56(3):146-56. é importante que no acompanhamento dos idosos, especialmente na atenção primária se inclua a análise do uso de medicamentos.

Além disso, a maioria dos estudos sobre depressão e o seu tratamento são conduzidos com a população jovem, no entanto, a resposta dos idosos ao tratamento com antidepressivos pode diferir dessa população, devido as características fisiológicas e de condições de saúde, como a presença de comorbidades e uso de múltiplos medicamentos2323 Wiese BS. Geriatric depression: the use of antidepressants in the elderly. BC Med J. 2011;53(7):341-7., o que também aponta para estudos que englobem o uso de antidepressivos com idosos.

Entre os componentes da fragilidade a baixa velocidade de marcha, fadiga e perda de peso não intencional apresentaram-se associadas ao uso de antidepressivos. O uso de antidepressivo como fator de risco para a redução na velocidade de marcha foi verificado nos estudos de Groot et al.1313 Groot MH, Campen JPCM, Kosse NM, Vries OJ, Bijinen JH, Lamoth CJC. The Association of Medication-Use and Frailty-Related Factors with Gait Performance in Older Patients. Plos ONE. 2016;11(2):1-15. realizado com idosos de Amsterdam e de Donoghue et al.2424 Donoghue OA, O´Hare C, King-Kallimanis B, Kenny RA. Anti-depressants are independently associated with gait deficits in single and dual task conditions. Am J Geriatr Psychiatry. 2015;23(2):189-99. com idosos Irlandeses. Destaca-se que entre os potenciais efeitos adversos dos antidepressivos encontram-se repercussões motoras, como aumento do risco de ocorrência de quedas, fraturas e comprometimento da capacidade funcional, condições essas que podem estar relacionadas ao comprometimento da marcha1616 Almeida OP, Almeida SA. Short versions of the geriatric depression scale: a study of their validity for the diagnosis of a major depressive episode according to ICD-10 and DSM-IV. Int J Geriatr Psychiatry. 1999; 14(10):858-65.,2525 Téllez-Lapeira JM, Hidalgo JLT, Gálvez-Alcaraz L, Párraga-Martínez I, Boix-Gras C, García-Ruiz A. Consumo de ansiolíticos e hipnóticos y factores asociados en laspersonas mayores. Rev Esp Geriatr Gerontol. 2017;52(1):31-4. Esses resultados ressaltam a importância do acompanhamento dos idosos em uso de antidepressivos e protocolos que avaliem a real necessidade de prescrição desses medicamentos, considerando o risco de iatrogenias relacionadas ao uso dos mesmos.

A associação entre o uso de antidepressivo e a perda de peso não intencional pode estar relacionada aos próprios aspectos emocionais, mas também há evidencias que a presença de sintomas depressivos e uso de antidepressivos podem promover a perda de peso, principalmente aqueles pertencentes a classe de inibidores seletivos da recaptação de serotonina2626 Khera R, Murad MH, Chandar AK, Dulai PS, Wang Z, Prokop LJ, et al. Association of pharmacological treatments for obesity with weight loss and adverse events: a systematic review and meta-analysis. JAMA. 2016;315(22):2424-34.,2727 Patel K, Allen S, Haque MN, Angelescu I, Baumeister D, Tracy DK. Bupropion: a systematic review and meta-analysis of effectiveness as an antidepressant. Ther Adv Psychopharmacol. 2016;6(2):99-144.. Ressalta-se que a serotonina principal neurotransmissor sobre o qual atuam esses medicamentos pode ter papel regulador do apetite e na escolha de macronutrientes, promovendo a redução do apetite e a escolha preferencial por alimentos proteicos, o que pode gerar alterações no peso corporal2828 Peixoto HGE, Vasconcelos IAL, Sampaio ACM, Ito MK. Antidepressivos e alterações no peso corporal. Rev Nutr. 2008;21(3):341-8..

Na velhice pode ocorrer diminuição de peso, especialmente redução de massa muscular, o que pode afetar a farmacocinética dos medicamentos, constituindo-se em um risco aos idosos como no caso dos antidepressivos tricíclicos que no idoso apresentam maior risco de sedação e quedas. Lakey et al.1212 Lakey SL, LaCroix AZ, Gray SL, Borson S, Williams CD, Calhoun D, et al. Antidepressant use, depressive symptoms, and incident frailty in women aged 65 and older from the Women's Health Initiative Observational Study. J Am Geriatr Soc. 2012;60(5):854-61. também verificaram risco entre os usuários de antidepressivos tricíclicos. Além disso, os autores constataram risco entre os idosos em uso de inibidores seletivos da recaptação de serotonina, o que difere do presente estudo, no qual não se verificou risco entre usuários dessa classe comparado aos não usuários.

A fadiga foi outro componente da fragilidade associado ao uso de antidepressivos esse achado reporta-se ao esgotamento físico e mental que é uma das características encontradas nos sujeitos com depressão. Estudos evidenciam que a fadiga é o componente que mais afeta a avaliação mental e emocional dos idosos2929 Chang YW, Chen WL, Lin FG, Fang WH, Yen MY, Hsieh CC. Frailty and its impact on health-related quality of life: a cross-sectional study on elder community-dwelling preventive health service users. Plos ONE. 2012;7(5):1-10.,3030 Tavares DMS, Almeida EG, Ferreira PCS, Dias FA, Pegorari MS. Status de fragilidade entre idosos com indicativo de depressão segundo o sexo. J Bras Psiquiatr. 2014;63(4):347-53..

Ressalta-se que os antidepressivos tricíclicos atuam por meio da inibição da recaptação de serotonina e norepinefrina, com efeito, altamente anticolinérgico relacionado a efeitos adversos como visão turva, comprometimento da memória e delirium, aumentando o risco de alterações psicomotoras e ocorrência de quedas1818 American Geriatrics Society. American Geriatrics Society 2015 Updated Beers Criteria for Potentially Inappropriate Medication Use in Older Adults. J Am Geriatr Soc. 2015;63(11):2227-46.. Além disso, pode apresentar outros efeitos centrais relacionados a fraqueza e fadiga. Diante dos efeitos citados, os medicamentos dessa classe são classificados como potencialmente inapropriados para idosos conforme os critérios de Beers1818 American Geriatrics Society. American Geriatrics Society 2015 Updated Beers Criteria for Potentially Inappropriate Medication Use in Older Adults. J Am Geriatr Soc. 2015;63(11):2227-46.. Nesse contexto, no presente estudo evidenciou-se que o uso de antidepressivos inapropriados aumenta a chance de fragilidade, o que demonstra a necessidade da incorporação das indicações desses critérios na prática clínica do idoso, em especial na atenção primária à saúde.

A associação entre a fragilidade e o uso de medicamentos potencialmente inapropriados também foi verificada em estudo internacionais como Cullinan et al.3131 Cullinan S, O´Mahony D, O´Sullivan D, Byrne S. Use of a frailty index to identify potentially inappropriate prescribing and adverse drug reaction risks in older patients. Age Ageing. 2016;45(1):115-20. na Irlanda e Récoché et al.3232 Récoché I, Lebaudy C, Cool C, Sourdet S, Piau A, Lapeyre-Mestre M, et al. Potentially inappropriate prescribing in a population of frail elderly people. Int J Clin Pharm. 2017;39(1):113-9. na França. No Brasil, o estudo de Cassoni et al.3333 Cassoni TCJ, Corona LP, Romano-Lieber NS, Secoli SR, Duarte YAO, Lebrão ML. Uso de medicamentos potencialmente inapropriados por idosos do Município de São Paulo, Brasil: Estudo SABE. Cad Saúde Pública. 2014;30(8):1708-20. com idosos da cidade de São Paulo, integrantes do Estudo SABE- Saúde, Bem-estar e Envelhecimento, verificou que 40,1% dos usuários de medicamentos inapropriados eram considerados frágeis. Infere-se que o uso desses medicamentos pode trazer consequências negativas sobre a saúde do idoso e quando associada à fragilidade pode comprometer ainda mais sua condição de saúde e de vida. A associação do uso de medicamentos potencialmente inapropriados com a fragilidade destaca a importância da incorporação dos critérios de Beers na prática clínica do atendimento ao idoso1818 American Geriatrics Society. American Geriatrics Society 2015 Updated Beers Criteria for Potentially Inappropriate Medication Use in Older Adults. J Am Geriatr Soc. 2015;63(11):2227-46., como instrumento norteador das prescrições, com vistas a seleção de medicamentos adequados as características da população idosa e a prevenção de potenciais efeitos adversos que podem comprometer à saúde do indivíduo senescente.

A melhor forma de cuidar de uma sociedade em envelhecimento é reduzir o risco de fragilização e perda de autonomia, para isso é necessário reunir as habilidades dos diferentes profissionais de saúde para que se efetive uma farmacologia geriátrica segura e eficaz, ao considerar que os idosos são o seguimento populacional que mais consome medicamentos e que este consumo é potencialmente mais nocivo entre eles99 Vicente ART, Castro-Costa E, Diniz BS, Firmo JOA, Lima-Costa MF, Loyola Filho AI. Antidepressant use and associated factors among the elderly: the Bambuí Project. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(12):3797-804.,3131 Cullinan S, O´Mahony D, O´Sullivan D, Byrne S. Use of a frailty index to identify potentially inappropriate prescribing and adverse drug reaction risks in older patients. Age Ageing. 2016;45(1):115-20.,3232 Récoché I, Lebaudy C, Cool C, Sourdet S, Piau A, Lapeyre-Mestre M, et al. Potentially inappropriate prescribing in a population of frail elderly people. Int J Clin Pharm. 2017;39(1):113-9..

Neste contexto, na prática clínica faz-se necessário a avaliação da síndrome de fragilidade e o acompanhamento da mesma, especialmente na instituição de terapias medicamentosas que podem ter impacto sobre essa condição, como o uso de antidepressivos, o que requer o acompanhamento constante do seu tratamento para a identificação de problemas e instituição de intervenções necessários para a promoção do cuidado pelas equipes de saúde3232 Récoché I, Lebaudy C, Cool C, Sourdet S, Piau A, Lapeyre-Mestre M, et al. Potentially inappropriate prescribing in a population of frail elderly people. Int J Clin Pharm. 2017;39(1):113-9.,3333 Cassoni TCJ, Corona LP, Romano-Lieber NS, Secoli SR, Duarte YAO, Lebrão ML. Uso de medicamentos potencialmente inapropriados por idosos do Município de São Paulo, Brasil: Estudo SABE. Cad Saúde Pública. 2014;30(8):1708-20..

Contudo, o delineamento da pesquisa não possibilitou acompanhar e avaliar o impacto do tratamento com antidepressivo sobre as capacidades do idoso. Para isso seria necessário a avaliação físico-funcional do idoso no início do tratamento e com a sua continuidade realizar avaliações sistemáticas. Considerando que os resultados sugerem que há associação do uso de antidepressivo e a fragilidade, vislumbra-se que outros estudos possam fazer esse acompanhamento para melhor elucidação do quanto o antidepressivo interfere na fragilidade.

CONCLUSÃO

Os resultados do estudo demonstram a associação do uso de antidepressivo e a fragilidade, especialmente nos componentes velocidade da marcha, fadiga e perda de peso não intencional.

Esses achados destacam a necessidade da avaliação clínica dos riscos e benefícios da prescrição de antidepressivos para o indivíduo idoso. Quando instituído o tratamento, faz-se necessário o seu acompanhamento regular e a avaliação de características geriátricas como a fragilidade com a finalidade de identificar potenciais comprometimentos e assegurar a segurança e a qualidade de vida do idoso usuário desses medicamentos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2018

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2017
  • Revisado
    08 Nov 2017
  • Aceito
    14 Dez 2017
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