Resumo
Objetivos:
Investigar a relação entre a complexidade assistencial de pessoas idosas hospitalizados e características sociodemográficas e de independência funcional.
Método:
Trata-se de estudo quantitativo de caráter transversal e descritivo realizado na clínica médica e na clínica cirúrgica do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, SP, Brasil. Para isso foram avaliadas 382 pessoas idosas por meio de inventário sociodemográfico, Mini Exame do Estado Mental, Índice de Independência para as Atividades Básicas de Vida Diária (ABVD) (Katz) e o Método Interdisciplinary Medicine Instrument.
Resultados:
A complexidade assistencial dos participantes esteve associada ao sexo feminino (p=0,003), não ter companheiro (p=0,003), possuir menor renda (p=0,022), declínio cognitivo (p<0,001) e dependência para as ABVD (p<0,001). No modelo de regressão logística múltipla permaneceram associadas à complexidade assistencial as variáveis: sexo feminino (OR=1,76; p=0,018), dependência em uma ou mais atividades de vida diária (OR=1,26; p<0,001) e declínio cognitivo (OR=3,31; p<0,001).
Conclusão:
A complexidade assistencial de idosos hospitalizados, por se associar a limitações nas ABVD e ao declínio cognitivo, requer ações da equipe interprofissional para reabilitação, integração dos cuidados de longa duração e planejamento dos recursos assistenciais ao paciente idoso. Assim, torna-se necessário a adoção de serviços integrados à atenção domiciliária e às redes de atenção à pessoa idosa, de modo a qualificar a assistência pós-alta hospitalar e promover a saúde da população idosa hospitalizada.
Palavras-chaves:
Determinação de Necessidades de Cuidados de Saúde; Assistência Integral à Saúde; Assistência Hospitalar; Saúde do Idoso
Abstract
Objectives:
To investigate the relationship between the complexity of care of hospitalized older adults and sociodemographic and functional independence characteristics.
Method:
A quantitative cross-sectional and descriptive study was carried out in the medical and surgical clinics of the University Hospital of the Universidade de São Paulo, in the state of São Paulo SP, Brazil. A total of 382 older adults were assessed through a socio-demographic inventory, the Mini Mental State Exam, the Katz Index of Independence in Activities of Daily Living and the Interdisciplinary Medicine Instrument Method.
Results:
The complexity of care of participants was associated with the female sex (p=0.003), not having a partner (p=0.003), having a lower income (p=0.022), cognitive decline (p<0.001) and dependence in basic activities of daily living (BADL) (p<0.001). In the multiple logistic regression model, variables such as the female sex (OR=1.76; p=0.018), dependence in one or more activities of daily living (OR=1.26; p<0.001) and cognitive decline (OR=3.31; p<0.001) remained associated with complexity of care.
Conclusion:
The complexity of care of hospitalized older adults, as it is associated with limitations in BADL and cognitive decline, requires actions by the interprofessional team to ensure the rehabilitation, integration of long-term care and planning of care resources for older patients. Thus, it is necessary to adopt integrated services that include home care and care networks for the elderly, in order to provide qualified post-hospital discharge care and promote the health of the hospitalized older population.
Keywords:
Needs Assessment; Comprehensive Health Care; Hospital Care; Health of the Elderly
INTRODUÇÃO
O envelhecimento populacional desafia os profissionais e gestores de serviços de saúde a delinearem ações que possam responder às demandas físicas, sociais, emocionais e de saúde da última etapa do ciclo vital, a velhice11 Pinheiro FM, Espírito Santo FH, Chibante CLP, Pestana LC. Perfil de idosos hospitalizados segundo Viginia Henderson: contribuições para o cuidado em enfermagem. Rev Pesqui. 2016;8(3):4789-95.. Na literatura, o grupo de idosos mais suscetíveis a desfechos adversos em saúde são os idosos mais longevos, com doenças crônicas não controladas, dificuldades de autocuidado e com fragilidade, sarcopenia e dependência nas atividades básicas de vida diária (ABVD)22 Tavares DMS, Nader ID, de Paiva MM, Dias FA, Pegorari MS. Associação das variáveis socioeconômicas e clínicas com o estado de fragilidade entre idosos hospitalizados. Rev Latinoam Enferm. 2015;23(6):1121-9.
3 Santos FC, da Rosa PV, da Rosa LHT, Pribbernow SCM. Avaliação do risco de internação hospitalar de idosos da comunidade no Município de Porto Alegre. Estud Interdiscip Envelhec. 2014;19(3): 839-52.
4 Melo-Silva AM, Mambrini JVM, Sousa JPRB, Andrade FB, Lima-Costa MF. Hospitalizations among older adults: results from ELSI-Brazil. Rev Saúde Pública. 2018; 52(Suppl 2):1-13.
5 Lyons A, Romero-Ortuno R, Hartley P. Functional mobility trajectories of hospitalized older adults admitted to acute geriatric wards: a retrospective observational study in an English university hospital. Geriatr Gerontol Int . 2019;19:305-10.-66 Sinvani L, Kozikowski A, Smilios C, Patel V, Qiu G, Akerman M, et al. Implementing ACOVE quality indicators as an intervention checklist to improve care for hospitalized older adults. J Hosp Med. 2017;7:517-22.. Esses fatores predispõem às dificuldades em acessar os serviços, em aderir às orientações de saúde e às exacerbações agudas das suas condições de saúde22 Tavares DMS, Nader ID, de Paiva MM, Dias FA, Pegorari MS. Associação das variáveis socioeconômicas e clínicas com o estado de fragilidade entre idosos hospitalizados. Rev Latinoam Enferm. 2015;23(6):1121-9.
3 Santos FC, da Rosa PV, da Rosa LHT, Pribbernow SCM. Avaliação do risco de internação hospitalar de idosos da comunidade no Município de Porto Alegre. Estud Interdiscip Envelhec. 2014;19(3): 839-52.
4 Melo-Silva AM, Mambrini JVM, Sousa JPRB, Andrade FB, Lima-Costa MF. Hospitalizations among older adults: results from ELSI-Brazil. Rev Saúde Pública. 2018; 52(Suppl 2):1-13.
5 Lyons A, Romero-Ortuno R, Hartley P. Functional mobility trajectories of hospitalized older adults admitted to acute geriatric wards: a retrospective observational study in an English university hospital. Geriatr Gerontol Int . 2019;19:305-10.-66 Sinvani L, Kozikowski A, Smilios C, Patel V, Qiu G, Akerman M, et al. Implementing ACOVE quality indicators as an intervention checklist to improve care for hospitalized older adults. J Hosp Med. 2017;7:517-22..
Com isso, a avaliação funcional bem conduzida pode fornecer informações relevantes, pois a prevalência de incapacidade funcional em idosos brasileiros é alta, principalmente entre as mulheres, sendo o principal indicador de saúde para as pessoas idosas77 Campos ACV, de Almeida MHM, Campos GV, Bogutchi TF. Prevalência de incapacidade funcional por gênero em idosos brasileiros: uma revisão sistemática com metanálise. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(3):545-559..
Assim, a avaliação do estado funcional é considerada uma medida importante como fator de prognóstico hospitalar88 Carvalho TC, Valle AP, Jacinto AF, Mayoral VFS, Boas PJFV. Impacto da hospitalização na funcionalidade de idosos: estudo de coorte. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2018;21(2):134-42.. As incapacidades parecem influenciar no efeito da multimorbidade e, essa pode estar associada ao aumento no risco de morte99 Nunes BP, Flores TR, Mielke GI, Thumé E, Facchini LA. Multimorbidity and mortality in older adults: a systematic review and meta-analysis. Arch Geront Geriatr. 2016; 67:130-8..
Estudo que utilizou dados do Sistema de Informações Hospitalares/Ministério da Saúde referente às características das internações hospitalares das pessoas idosas brasileiras no SUS entre 1998 e 2013, observou que todas as internações representaram uma despesa ao sistema público de saúde do país superior a 33 bilhões de reais1010 Miranda GMD, Mendes ACG, Silva ALA. O envelhecimento populacional brasileiro: desafios e consequências sociais atuais e futuras. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(3):507-19.. Observou ainda, que o valor médio das internações aumentou de 845,15 milhões de reais em 1998 para 3.971,82 milhões no ano de 2013, apesar da redução do número de internações hospitalares em 5,9% e do número de leitos em 34,1%1010 Miranda GMD, Mendes ACG, Silva ALA. O envelhecimento populacional brasileiro: desafios e consequências sociais atuais e futuras. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(3):507-19.. Esses dados sugerem que a redução das internações pode ser explicada pelo aumento da qualidade de vida da população idosa e, consequentemente, à redução das necessidades por internação. Contudo as internações passaram a ser mais complexas, haja vista que o crescimento do custo médio atualizado das internações cresceu em mais de 45%1010 Miranda GMD, Mendes ACG, Silva ALA. O envelhecimento populacional brasileiro: desafios e consequências sociais atuais e futuras. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(3):507-19..
Dessa forma, a prestação de cuidados sobre esse perfil complexo de necessidades requer do sistema de saúde uma organização assistencial contínua e interprofissional, que modifique o processo de trabalho, assegurando a realização de ações e serviços de saúde que promovam a saúde e o bem-estar dessa população idosa permanentemente. Torna-se necessário um conjunto de medidas, como a avaliação das necessidades da população idosa, e a gestão eficiente da clínica e da atenção à pessoa idosa, de modo a prevenir desfechos adversos, otimizar a assistência especializada e de alto custo1010 Miranda GMD, Mendes ACG, Silva ALA. O envelhecimento populacional brasileiro: desafios e consequências sociais atuais e futuras. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(3):507-19.,1111 Huyse FJ, Lyons JS, Stiefel FC, Slaets JPJ, de Jonge P, Fink P, et al. INTERMED: a method to assess health service needs: I. Development and reliability. Gen Hosp Psychiatry. 1999;21(1):39-48..
A literatura apontou que o Método Interdisciplinary Medicine Instrument (INTERMED) se mostrou efetivo por identificar os aspectos biopsicossociais e do sistema saúde, permitindo aos profissionais e ao gestor de saúde qualificar e aperfeiçoar a atenção ao idoso hospitalizado1212 Hoogervorst EL, De Jonge P, Jelles B, Huyse FJ, Heeres I, van der Ploeg HM, et al. The INTERMED:a screening instrument to identify multiple sclerosis patients in need of multidisciplinary treatment. J.Neurol Neurosurg Psychiatry. 2003;74(1):20-4.
13 De Jonge P, Bauer I, Huyse FJ, Latour CH. Medical inpatients at risk of extended hospital stay and poor discharge health status: detection with COMPRI and INTERMED. Psychosom Med. 2003;65(4):534-41.
14 Salmazo-Silva H, Gutierrez BAO. Complexidade assistencial em idosos hospitalizados conforme desempenho cognitivo. Rev Bras Enferm. 2019;72(Suppl 2):142-7.-1515 Meller W, Specker S, Schultz P, Y Kishi Y. Using the INTERMED complexity instrument for a retrospective analysis of patients presenting with medical Illness substance use disorder and other psychiatric Illnesses. Ann Clin Psychiatry. 2015;27:39-43.. Na prática clínica, o uso do INTERMED poderá permitir aos gerentes de enfermagem identificarem pacientes com maiores necessidades psicossociais e especificar os desafios que os pacientes enfrentam individualmente. Ao usar perfis de dados advindos após a aplicação do Método INTERMED, as equipes de saúde podem direcionar os cuidados e organizar recursos para melhorar os resultados clínicos do paciente. Isso poderia reduzir o custo médico e impedir gastos com futuras consultas médicas, abordando os desafios psicossociais delineados pelas medidas do INTERMED1616 Weber B, Fratezi FR, Suzumura EA, Gutierrez BAO, Negri Filho A, Ciampone MHT. Tradução e adaptação transcultural do Interdisciplinary Medicine Instrument (INTERMED): método de avaliação biopsicossocial no Brasil. Rev Adm Hosp Inov Saúde. 2012;9:87-98..
Em estudo pregresso houve relação entre o domínio psicológico do INTERMED e declínio cognitivo de idosos hospitalizados, e relações entre o Método INTERMED e o desempenho nas ABVD1515 Meller W, Specker S, Schultz P, Y Kishi Y. Using the INTERMED complexity instrument for a retrospective analysis of patients presenting with medical Illness substance use disorder and other psychiatric Illnesses. Ann Clin Psychiatry. 2015;27:39-43..
Contudo, no Brasil poucos estudos documentaram informações sobre características sociodemográficas e medidas de independência funcional segundo a complexidade assistencial de idosos hospitalizados. Por isso, o levantamento dessas informações pode subsidiar no planejamento da assistência e no levantamento das demandas associadas aos cuidados de longa duração nas pessoas idosas hospitalizadas. Nesse sentido, o objetivo desse estudo foi investigar a relação entre a complexidade assistencial de pessoas idosas hospitalizadas e características sociodemográficas e de independência funcional.
MÉTODO
Trata-se de estudo quantitativo de caráter transversal e descritivo realizado na clínica médica e na clínica cirúrgica do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU-USP), localizado na zona oeste do município de São Paulo, Brasil, durante os anos de 2010 a 2012, período em que o Método INTERMED havia sido adaptado e validado para a realidade brasileira. Desse modo, a pesquisa resultou em um banco de dados que permitiu análises detalhadas sobre o perfil de vida e saúde das pessoas idosas hospitalizadas investigadas e que pode auxiliar a compreender as necessidades dessa população.
A partir dos 258 leitos do HU-USP e do universo de 11.956 internações hospitalares nas clínicas médica e cirúrgica, foram avaliadas 382 pessoas idosas. Elegeu-se este número amostral por ser próximo aos 384 casos necessários para alcançar o grau de complexidade assistencial de pelo menos 50% na população e com intervalo de confiança de 95% em amostras finitas. A amostra foi selecionada por critério de conveniência. O recrutamento dos participantes foi realizado a partir dos registros de pacientes com 60 anos de idade ou mais, internados, atualizados periodicamente pela equipe de enfermagem das clínicas médica e cirúrgica. Os critérios de inclusão dos participantes foram: possuir 60 anos de idade ou mais, estar internado há mais de 48 horas. Foram excluídos pacientes com afasia e que apresentavam diagnóstico de demência em estágio avançado.
Para caracterização dos participantes levantou-se dados sociodemográficos (nome, sexo, idade, etnia referida, renda, e estado civil) e dias de internação, informações presentes nos prontuários. Para levantamento da complexidade assistencial e das medidas de independência funcional, os pacientes foram entrevistados individualmente, por meio de instrumentos padronizados. O primeiro instrumento aplicado foi o Método INTERMED, ferramenta baseada em dados do prontuário médico e de entrevista semiestruturada realizada junto ao paciente.
O método INTERMED é composto por 17 questões que norteiam o preenchimento de quadro constituído por 20 variáveis que abrangem o histórico, o estado atual e a vulnerabilidade referentes aos domínios: biológico, psicológico, social e sistema de saúde a ser preenchido de acordo com as respostas do entrevistado. Seu propósito é melhorar a informação e a comunicação entre os profissionais sobre os riscos de saúde dos pacientes e suas necessidades, a fim de neutralizar esses riscos e promover cuidado preventivo e de custo-benefício1212 Hoogervorst EL, De Jonge P, Jelles B, Huyse FJ, Heeres I, van der Ploeg HM, et al. The INTERMED:a screening instrument to identify multiple sclerosis patients in need of multidisciplinary treatment. J.Neurol Neurosurg Psychiatry. 2003;74(1):20-4..
Os escores para cada variável dos domínios do método INTERMED obedece a uma escala de Likert com valores estimados de 0 a 3. Os escores são classificados em ordem crescente de complexidade, sendo que a pontuação 0 (zero) corresponde à ausência de complexidade e 3 (três) corresponde ao maior nível de complexidade de determinada variável. A soma total das 20 variáveis pode variar de 0 a 60 pontos, sinalizando o grau de complexidade assistencial do paciente1111 Huyse FJ, Lyons JS, Stiefel FC, Slaets JPJ, de Jonge P, Fink P, et al. INTERMED: a method to assess health service needs: I. Development and reliability. Gen Hosp Psychiatry. 1999;21(1):39-48.,1212 Hoogervorst EL, De Jonge P, Jelles B, Huyse FJ, Heeres I, van der Ploeg HM, et al. The INTERMED:a screening instrument to identify multiple sclerosis patients in need of multidisciplinary treatment. J.Neurol Neurosurg Psychiatry. 2003;74(1):20-4.. Neste estudo, os idosos foram classificados pelo método INTERMED como complexo e não-complexo. Idosos com pontuação menor que 20 foram classificados como não complexos e idosos com pontuação igual ou maior a 20 como complexos1212 Hoogervorst EL, De Jonge P, Jelles B, Huyse FJ, Heeres I, van der Ploeg HM, et al. The INTERMED:a screening instrument to identify multiple sclerosis patients in need of multidisciplinary treatment. J.Neurol Neurosurg Psychiatry. 2003;74(1):20-4.
13 De Jonge P, Bauer I, Huyse FJ, Latour CH. Medical inpatients at risk of extended hospital stay and poor discharge health status: detection with COMPRI and INTERMED. Psychosom Med. 2003;65(4):534-41.-1414 Salmazo-Silva H, Gutierrez BAO. Complexidade assistencial em idosos hospitalizados conforme desempenho cognitivo. Rev Bras Enferm. 2019;72(Suppl 2):142-7..
No Brasil, o instrumento foi traduzido, adaptado e utilizado para identificar os aspectos biopsicossociais e do sistema de saúde, bem como para levantar a complexidade assistencial dos pacientes1515 Meller W, Specker S, Schultz P, Y Kishi Y. Using the INTERMED complexity instrument for a retrospective analysis of patients presenting with medical Illness substance use disorder and other psychiatric Illnesses. Ann Clin Psychiatry. 2015;27:39-43.,1717 Gutierrez BAO, Salmazo-Silva H, Shimizu HE. Aspectos biopsicossociais e a complexidade assistencial de idosos hospitalizados. Acta Paul Enferm. 2014;27(5):427-33.,1818 Bertolucci PH, Brucki SM, Campacci SR, Juliano Y. O mini-exame do estado mental em uma população geral: impacto da escolaridade. Arq Neuropsiquiatr. 1994;52:1-7..
Para avaliação cognitiva global utilizou-se o Miniexame do Estado Mental (MEEM) e considerou-se a pontuação equivalente ao desvio padrão abaixo das medianas: analfabetos - 17 pontos; 1 a 4 anos de escolaridade - 21 pontos; 5 a 8 anos - 24 pontos; 9 a 11 anos - 26 pontos; 12 anos ou mais - 27 pontos1919 Bruck SMD, Nitrini R, Caramelli P. Sugestões para o uso do mini-exame do estado mental. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61(3B):777-8.,2020 Oliveira DLC, Goretti LC, Pereira LSM. O desempenho de idosos institucionalizados com alterações cognitivas em atividades de vida diária e mobilidade: estudo piloto. Rev Bras Fisioter. 2006;10(1):91-6.. Para avaliar a independência funcional nas atividades de vida diária relacionadas ao autocuidado foi aplicada a escala - Index de Independência nas Atividades de Vida Diária de Katz e a amostra foi classificada em: independente, semidependente ou dependente2121 Figueiredo MLF, Nunes BMVT, Monteiro CFS, Luz MHBA. Educação em saúde e mulheres idosas: promoção de conquistas políticas, sociais e em saúde. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2006;10:458-63..
Os dados foram analisados por meio de testes estatísticos não-paramétricos, pois a maioria das variáveis não seguiu distribuição normal. Para as variáveis categóricas foram utilizados os testes qui-quadrado ou teste exato de Fisher, no caso de variáveis com categorias menores que cinco casos. Para as variáveis quantitativas discretas foram utilizados os testes de Mann-Whitney para comparações entre dois grupos e teste Kruskal-Wallis para comparações entre três grupos ou mais, seguidos de análises pós-hoc de comparações entre pares. As variáveis com p valor abaixo de 0,20 nas associações bivariadas foram hierarquizadas para compor modelo de regressão logística múltipla. O modelo final foi construído usando o método de Forward Stepwise de Wald, com ajustes para variáveis sociodemográficas, dependência funcional, e dias de internação, composto pelas variáveis com p abaixo de 0,05. A variável dependente foi categorizada em 0 e 1, sendo que 0 correspondeu aos idosos não complexos no INTERMED e 1 a idosos complexos segundo o Método INTERMED. Para todas as análises utilizou-se nível de significância de 5% (p<0,05).
Este estudo seguiu as recomendações da Resolução 196/2012 e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres Humanos do Hospital Universitário da USP conforme CAAE - 0102.0.000.198-10, Registro de aprovação no CEP-HU/USP - 973/10.
RESULTADOS
A complexidade assistencial de idosos hospitalizados esteve associada ao sexo, estado civil, renda, dependência nas Atividades Básicas de Vida Diária (ABVD), ter declínio cognitivo e maiores escores nos domínios do método INTERMED (Tabela 1 e 2). Observou-se também que os participantes complexos tiveram médias mais elevadas em todos os domínios do INTERMED e mais dias de internação (Tabela 2).
Conforme apresentado na Tabela 3, no modelo de regressão logística múltipla permaneceram associadas à complexidade assistencial as variáveis sexo, dependência em uma ou mais ABVD e declínio cognitivo no MEEM. As demais variáveis perderam a significância estatística. Em conjunto esses dados indicaram que os participantes classificados complexos assistencialmente foram mais compostos por mulheres e participantes com declínio na cognição e nas ABVD.
DISCUSSÃO
No presente estudo a complexidade assistencial de pessoas idosas hospitalizadas esteve associada ao sexo feminino, não ter companheiro, possuir menor renda, declínio cognitivo e dependência para as ABVD. Contudo, após inserção das variáveis no modelo de regressão logística múltipla permaneceram associadas à complexidade assistencial, as variáveis: sexo, declínio cognitivo e dependência em uma ou mais ABVD. Em conjunto esses achados indicam que a complexidade assistencial de idosos hospitalizados relaciona-se com demandas referentes ao cuidado e ao sexo feminino.
Em relação à associação entre complexidade assistencial e sexo, estudos destacaram que as mulheres, em comparação aos homens idosos, constituem uma amostra mais longeva e com maior acesso aos serviços de saúde2222 Barbosa BR, Almeida JM, Barbosa MR, Rossi-Barbosa LAR. Avaliação da capacidade funcional dos idosos e fatores associados à incapacidade. Ciênc Saúde Colet. 2014;19(8):3317-25.,2323 Giacomin KC, Duarte YAO, Camarano AA, Nunes DP, Fernandes D. Cuidados e limitações funcionais em atividades cotidianas - ELSI-Brasil. Rev Saúde Pública. 2018;52 Supl 2:1-14.. Dados recentes do Estudo multicêntrico brasileiro (ELSI) indicaram que as mulheres exerciam mais o papel de cuidadoras principais (72,1% versus 27,9% em relação aos homens), mas em contrapartida, referiram receber menos ajuda nas ABVD (16% versus 5,6% em relação aos homens)2424 Organização Mundial de Saúde. Resumo: Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde [Internet]. Genebra: OMS; 2015 [acesso em 25 ago. 2019]. Disponível: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/186468/WHO_FWC_ALC_15.01_por.pdf;jsessionid= 80158FCD9FD90C0AC5F4DFD2ED714DAE? sequence=6. Nesse contexto, faz-se necessário investigar as condições de vida e saúde associadas às mulheres idosas, especialmente as morbidades, a dependência funcional, o uso e o acesso aos serviços de saúde.
A dependência funcional, por sua vez, demonstrou-se uma medida norteadora dos cuidados de saúde na velhice, em consonância com a Organização Mundial de Saúde (OMS) e com as políticas de saúde brasileiras2525 Brasil. RDC nº 283, de 26 de setembro de 2005. Aprova o Regulamento Técnico que define normas de funcionamento para as Instituições de Longa Permanência para Idosos, de caráter residencial, na forma do Anexo desta Resolução. Légis Saúde. 26 set. 2005. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2005/res0283_26_09_2005.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
,2626 Storti LB, Fabrício-Whebe SCC, Kusumota L, Rodrigues RAP, Marques S. Fragilidade de idosos internados na clínica médica da unidade de emergência de um hospital geral terciário. Texto Contexto Enferm. 2013;22(2):452-9.. Isso porque a dependência funcional aumenta as demandas por cuidados, sendo que nem sempre essas são supridas pela família e pelos serviços de saúde, revelando uma insuficiência de cuidados ou uma desassistência em saúde2424 Organização Mundial de Saúde. Resumo: Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde [Internet]. Genebra: OMS; 2015 [acesso em 25 ago. 2019]. Disponível: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/186468/WHO_FWC_ALC_15.01_por.pdf;jsessionid= 80158FCD9FD90C0AC5F4DFD2ED714DAE? sequence=6. Nesse sentido, o hospital passa a ser a porta de entrada dos usuários mais dependentes, frágeis e clinicamente complexos. Estudo realizado em clínica médica do Hospital Universitário de Ribeirão Preto (SP) apontou que dos 85 idosos internados, 95,2% foram considerados frágeis2727 Gruneir A, Fung K, Hadas D, Fischer HA, Bronskill SE, Panjwani, D et al. Care setting and 30-day hospital readmissions among older adults: a population-based cohort study. CMAJ. 2018;90(38):1124-33.. Outros estudos sugerem relação entre comprometimento funcional e elevadas prevalências de readmissão hospitalar, o que pode ser subsidiado pelas elevadas demandas de cuidados e escassez de tempo, recursos e serviços de cuidados de longa duração2828 Greysen SR, Cenzer IS, Auerbach AD, Covinsky KE. Functional Impairment and Hospital Readmission in Medicare Seniors. JAMA Intern Med. 2015;175(4):559-65.
29 Tonkikh O, Shadmi E, Flaks-Manov N, Hoshen M, Balicer RD, Zisberg A. Functional status before and during acute hospitalization and readmission risk identification. J Hosp Med. 2016;11(9):636-41.
30 French E, Kelly E. Medical spending around the developed world. Fiscal Stud. 2016;37(3-4):327-44.-3131 DePalma G, Xu H, Covinsky KE, Craig BA, Stallard E, Thomas J, et al. Hospital Readmission among older adults who return home with unmet need for ADL disability. Gerontologist. 2013;53(3):454-61..
Dessa forma, a dependência funcional pode reunir um conjunto de alterações que levam a maior complexidade assistencial e, consequentemente a maior vulnerabilidade biológica, social, psicológica e de saúde, haja vista que a classificação como “complexo” agrupou participantes com maior pontuação em todos os domínios que compõem o Método INTERMED. Contudo, as relações entre a dependência funcional e os componentes precisam ser mais bem exploradas, bem como a análise dos recursos sociais, familiares, individuais (emocionais e psíquicos) e de saúde que predispuseram a hospitalização3232 Marcoux V, Chouinard M-C, Diadiou F, Dufour I, Hudon C. Screening tools to identify patients with complex health needs at risk of high use of health care services: a scoping review. PLoS ONE. 2017;12(11):e0188663 [10 p.].,3333 Kishi Y, Hazama Y, Komagata Y, Ishizaka M, Komagata M, Junko T, et al. Validity of the INTERMED complexity assessment with older patients in a Japanese general hospital. Asian Acad Res J Multidiscip. 2016;3:224-34.. Ademais, outra limitação refere-se à ausência de dados pregressos dos participantes, bem como o uso de instrumentos de rastreio, em detrimento ao uso de instrumentos mais específicos para avaliação da independência funcional. Nesse sentido, novos estudos justificam-se.
Apesar dessas limitações, o INTERMED se mostrou uma ferramenta importante para mensurar a complexidade assistencial por sua associação com variáveis de independência funcional, condições de vida e saúde. Em estudo realizado com 56 pessoas idosas hospitalizadas japonesas (24 homens e 32 mulheres) utilizando o Método INTERMED, observou-se que o domínio psicológico foi a variável mais importante para classificação dos participantes em clusters, seguidos por gênero, domínio social e domínio do sistema de saúde. Nesse estudo, o Cluster 1 foi composto por participantes não-complexos e do sexo masculino3333 Kishi Y, Hazama Y, Komagata Y, Ishizaka M, Komagata M, Junko T, et al. Validity of the INTERMED complexity assessment with older patients in a Japanese general hospital. Asian Acad Res J Multidiscip. 2016;3:224-34.. Os participantes do cluster 2 (mediana de 11 pontos no INTERMED) eram todos do sexo feminino, com altos escores na complexidade biológica3434 Lourenço TM, Lenardt MH, Kletemberg DF, Seima MD, Carneiro NHK. Independência funcional em idosos longevos na admissão hospitalar. Texto Contexto Enferm. 2014;23(3):673-9.. Os participantes do cluster 3, considerados complexos, eram principalmente mulheres com maiores pontuações em todos os domínios e com maior tempo de internação, óbito dentro do hospital, e despesas médicas3434 Lourenço TM, Lenardt MH, Kletemberg DF, Seima MD, Carneiro NHK. Independência funcional em idosos longevos na admissão hospitalar. Texto Contexto Enferm. 2014;23(3):673-9.. No presente estudo os participantes complexos também apresentaram maior tempo de internação, contudo as associações entre complexidade e permanência hospitalar perderam a significância após ajustes do modelo múltiplo.
Com relação ao declínio cognitivo, os achados neste estudo confirmam que os participantes com alterações cognitivas possuem maior complexidade assistencial, o que pode estar associado à redução da autonomia e da indepedência1515 Meller W, Specker S, Schultz P, Y Kishi Y. Using the INTERMED complexity instrument for a retrospective analysis of patients presenting with medical Illness substance use disorder and other psychiatric Illnesses. Ann Clin Psychiatry. 2015;27:39-43.,3333 Kishi Y, Hazama Y, Komagata Y, Ishizaka M, Komagata M, Junko T, et al. Validity of the INTERMED complexity assessment with older patients in a Japanese general hospital. Asian Acad Res J Multidiscip. 2016;3:224-34.. Frente a isso, a criação de serviços como os centros dia para idosos, programas psicoeducativos aos cuidadores e a criação de serviços psicogeriátricos podem ser alternativas de cuidados de média e longa duração, maximizando o bem-estar da família, da pessoa idosa e da comunidade1515 Meller W, Specker S, Schultz P, Y Kishi Y. Using the INTERMED complexity instrument for a retrospective analysis of patients presenting with medical Illness substance use disorder and other psychiatric Illnesses. Ann Clin Psychiatry. 2015;27:39-43.,3535 Lobo E, Ventura T, Navio M, Santabárbara J, Kathol R, Samaniego E, et al. Identification of components of health complexity on internal medicine units by means of the INTERMED method. Intern J Clin Pract. 2015;69(11):1377-86..
É importante ressaltar que a prevalência de declínio cognitivo neste estudo foi mais alta do que em idosos residentes na comunidade e, pode ter sido associada às condições clínicas advindas da hospitalização. Nesse sentido, no contexto da saúde mental, é possível que o INTERMED possa colaborar na identificação das necessidades dos pacientes e propiciar a assistência mais especializada3535 Lobo E, Ventura T, Navio M, Santabárbara J, Kathol R, Samaniego E, et al. Identification of components of health complexity on internal medicine units by means of the INTERMED method. Intern J Clin Pract. 2015;69(11):1377-86.. Adicionalmente, o INTERMED tem o potencial de identificar um subconjunto considerável de paciente complexos internados em clínica médica, para os quais ações corretivas relacionadas a fatores de risco não biológicos podem ser adotadas e devidamente implantadas, de modo a avaliar domínios que não são descobertos durante avaliações médicas habituais3535 Lobo E, Ventura T, Navio M, Santabárbara J, Kathol R, Samaniego E, et al. Identification of components of health complexity on internal medicine units by means of the INTERMED method. Intern J Clin Pract. 2015;69(11):1377-86..
A literatura também apontou que pelo uso retrospectivo do INTERMED, conseguiu-se quantificar a complexidade biopsicossocial de pacientes com comorbidades clínicas, doenças mentais e desordens pelo uso de substâncias, sendo esses os pacientes mais complexos1616 Weber B, Fratezi FR, Suzumura EA, Gutierrez BAO, Negri Filho A, Ciampone MHT. Tradução e adaptação transcultural do Interdisciplinary Medicine Instrument (INTERMED): método de avaliação biopsicossocial no Brasil. Rev Adm Hosp Inov Saúde. 2012;9:87-98.. Finalmente, o método INTERMED tem boa aplicabilidade junto a outros ins trumentos e foi eficaz na identificação de pacientes que precisavam de cuidados complexos3535 Lobo E, Ventura T, Navio M, Santabárbara J, Kathol R, Samaniego E, et al. Identification of components of health complexity on internal medicine units by means of the INTERMED method. Intern J Clin Pract. 2015;69(11):1377-86..
CONCLUSÃO
Os resultados do presente estudo indicam que as condições associadas à complexidade assistencial determinada por meio do INTERMED em idosos hospitalizados foram: pertencer ao sexo feminino, ter declínio cognitivo e dependência nas ABVD, sugerindo a atenção dos gestores e dos profissionais de enfermagem à importância de considerar instrumentos de mensuração da independência funcional ao levantar a complexidade assistencial dos idosos hospitalizados. As limitações nas ABVD e o declínio cognitivo solicitam ações da equipe interprofissional tanto da área da saúde quanto da área social voltadas para reabilitação, integração dos cuidados e planejamento dos recursos assistenciais à pessoa idosa. Nesse sentido, torna-se necessário a adoção de serviços integrados à atenção domiciliária e às redes de atenção à saúde da pessoa idosa, de modo a implantar serviços de acompanhamento no período pós-alta hospitalar e prevenir óbitos, desfechos de saúde insatisfatórios e novas admissões hospitalares.
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Não houve financiamento na execução deste trabalho.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Jun 2020 -
Data do Fascículo
2019
Histórico
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Recebido
06 Ago 2019 -
Aceito
24 Abr 2020