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Uso dos serviços de saúde por pessoas idosas em áreas rurais e urbanas do Brasil

Resumo

Objetivo

Avaliar o uso dos serviços de saúde por pessoas idosas residentes em áreas urbanas e rurais do Brasil.

Método

Estudo transversal que analisou dados da Pesquisa Nacional de Saúde 2019, referentes aos moradores idosos (≥60 anos) selecionados nos domicílios, totalizando 22.728 entrevistas (3.300 em área rural e 19.426 em área urbana). Foram estimadas para as áreas rurais e urbanas as prevalências de cadastro na Estratégia Saúde da Família, intervalo de tempo da última consulta médica e odontológica, procura do serviço nas últimas duas semanas, última aferição da pressão arterial e da glicemia e avaliados os fatores associados à utilização dos serviços de saúde médicos e odontológicos nos últimos 12 meses.

Resultados

A autopercepção da saúde como ‘muito boa’ ou ‘boa’ foi maior na área urbana (47,32%), assim como a proporção de pessoas idosas que relataram consulta médica e odontológica nos últimos 12 meses (90,54%). Evidenciou-se menor frequência do acompanhamento da aferição de pressão arterial (81,30%) e da glicemia (45,83%) em áreas rurais. As pessoas idosas que possuem baixa escolaridade, residem em áreas rurais, na região Norte são as que possuem menor chance de utilização dos serviços.

Conclusão

A população idosa residente em área rural apresenta piores condições de saúde em relação à população residente em área urbana.

Palavras-Chave:
Saúde da pessoa idosa; Uso de serviços de saúde; Saúde da população rural; Inquéritos epidemiológicos

Abstract

Objective

To assess health services utilization by older adults in urban and rural areas of Brazil.

Method

A cross-sectional study was conducted analyzing data from the 2019 National Health Survey on older adults (≥60 years) selected from households based on 22,728 interviews (3,300 in rural and 19,426 in urban areas). For rural and urban areas, the prevalence of Family Health Strategy enrolment, time since last medical and dental visit, service use in past 2 weeks, and last blood pressure and blood glucose measurements were estimated. Also, the factors associated with medical and dental health services utilization in the past 12 months were explored.

Results

Self-rated health of “Very good” or “Good” was greater in urban areas (47.32%), as was the proportion of older adults reporting a medical or dental visit within the last 12 months (90.54%). Rates of blood pressure (81.30%) and glucose (45.83%) monitoring were lower in rural areas. Older individuals that had low education, resided in rural areas, and the North region, had a lower likelihood of using health services

Conclusion

The older population living in rural areas had poorer health status compared with the urban population.

Keywords
Older adult health; Health service utilization; Rural population health; Epidemiological surveys

INTRODUÇÃO

A população idosa apresenta especificidades, incluindo aspectos relacionados a uma maior prevalência de doenças crônicas e ao declínio funcional, o que requer a oferta de um cuidado organizado, distinto de outras faixas etárias, levando a uma maior demanda do sistema de saúde11 Stopa SR, Malta DC, Monteiro CN, Szwarcwald CL, Goldbaum M, Cesar CLG. Use of and access to health services in Brazil, 2013 National Health Survey. Rev Saúde Pública. 2017;51(suppl 1). Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2017051000074
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33 Almeida APSC, Nunes BP, Duro SMS, Lima R de CD, Facchini LA. Falta de acesso e trajetória de utilização de serviços de saúde por idosos brasileiros. Ciênc saúde coletiva. 2020;25(6):2213–26. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232020256.27792018
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. Diante dessa necessidade, a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI)44 Brasil. Portaria N. 2528 de 19 de outubro de 2006. Aprova a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa [Internet]. Portaria N. 2528/2006, 2006. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2006/prt2528_19_10_2006.html
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, visa proporcionar atenção à saúde adequada e digna para a população idosa brasileira, sendo necessário que os serviços que prestam atendimento à pessoas idosas respondam à necessidades específicas considerando suas peculiaridades e adaptada à realidade sociocultural em que estão inseridos.

Usuários de idade avançada apontam a distância, o tempo de espera para o atendimento e a falta de vagas como os principais fatores que dificultam o acesso aos serviços de saúde, principalmente nas áreas rurais55 Ramos LR. Fatores determinantes do envelhecimento saudável em idosos residentes em centro urbano: Projeto Epidoso, São Paulo. Cad Saúde Pública. 2003;19(3):793–7. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2003000300011
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1212 Guimarães AF, Barbosa VLM, Silva MP da, Portugal JKA, Reis MH da S, Gama ASM. Acesso a serviços de saúde por ribeirinhos de um município no interior do estado do Amazonas, Brasil. Revista Pan-Amazônica de Saúde. 2020;11(0). Disponível em: http://dx.doi.org/10.5123/s2176-6223202000178.
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A literatura mostra que a forma como as pessoas percebem a disponibilidade de serviços afeta a decisão de procurá-lo, uma vez que barreiras geográficas, financeiras, organizacionais, culturais, entre outras, influenciam de forma a facilitar ou obstruir a capacidade das pessoas de utilizarem os serviços de saúde1313 Travassos C, Castro MSM de. Determinantes e desigualdades sociais no acesso e na utilização de serviços de saúde. Em: Políticas e Sistema de saúde no Brasil. 2o ed Rio de Janeiro: Fiocruz; 2012. p. 183–206..

As disparidades de saúde entre as populações rurais e urbanas existem globalmente1414 The Lancet. Rural health inequities: data and decisions. The Lancet. 2015;385(9980):1803. Disponível em: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(15)60910-2
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,1515 Aljassim N, Ostini R. Health literacy in rural and urban populations: A systematic review. Patient Education and Counseling. 2020;103(10):2142–54. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.pec.2020.06.007
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. Moradores de áreas rurais apresentam, além do menor acesso aos serviços de saúde, seja ele médico ou odontológico, piores condições de vida e de saúde quando comparados a populações urbanas, apresentam maiores percentuais de famílias de baixa renda, altas taxas de analfabetismo e maior incidência de doenças negligenciadas1616 Travassos C, Viacava F. Acesso e uso de serviços de saúde em idosos residentes em áreas rurais, Brasil, 1998 e 2003. Cad Saúde Pública. 2007;23(10):2490–502. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2007001000023
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1818 Bousquat A, Fausto MCR, Almeida PF de, Lima JG, Seidl H, Sousa ABL, et al. Remoto ou remotos: a saúde e o uso do território nos municípios rurais brasileiros. Rev saúde pública. 2022;56:73. Disponível em: https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2022056003914
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.

Informações sobre a utilização dos serviços de saúde pelos indivíduos idosos são importantes para o planejamento e avaliação, subsidiando reorientação das políticas públicas e ações de forma a garantir a manutenção da capacidade funcional e o bem-estar na velhice, além de organizar o cuidado à pessoa idosa considerando as suas necessidades e especificidades do território em que vivem, seja ele urbano ou rural22 Veras RP, Oliveira M. Envelhecer no Brasil: a construção de um modelo de cuidado. Ciênc saúde coletiva. junho de 2018;23(6):1929–36. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.04722018
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,1919 Francisco PMSB, Assumpção D de, Bacurau AG de M, Silva DSM da, Malta DC, Borim FSA. Multimorbidity and use of health services in the oldest old in Brazil. Rev bras epidemiol. 2021;24(suppl 2):e210014. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1980-549720210014.supl.2
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, justificando a realização deste estudo que se propõe a avaliar a utilização dos serviços de saúde de forma geral, por indivíduos idosos residentes em áreas urbanas e rurais do Brasil.

MÉTODO

Foram analisados microdados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2019, um inquérito nacional transversal de base domiciliar realizado pelo Ministério da Saúde em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A PNS possui representatividade para a população brasileira, macrorregiões, Unidades da Federação, capitais e suas regiões metropolitanas, sendo possível ainda obter estimativas para as áreas urbanas e rurais do país2020 Stopa SR, Szwarcwald CL, Oliveira MM de, Gouvea E de CDP, Vieira MLFP, Freitas MPS de, et al. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: histórico, métodos e perspectivas. Epidemiol Serv Saúde. 2020;29(5):e2020315. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/s1679-49742020000500004
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.

A amostragem da PNS 2019 foi realizada por conglomerados, em três estágios: setores censitários, domicílios particulares permanentes e um morador com 15 anos ou mais de idade selecionado aleatoriamente dentro de cada domicílio, e excluídos os domicílios localizados em setores censitários especiais ou de escassa população2020 Stopa SR, Szwarcwald CL, Oliveira MM de, Gouvea E de CDP, Vieira MLFP, Freitas MPS de, et al. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: histórico, métodos e perspectivas. Epidemiol Serv Saúde. 2020;29(5):e2020315. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/s1679-49742020000500004
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. Neste estudo foram incluídos todos os moradores com 60 anos ou mais de idade identificados no terceiro estágio de seleção amostral, totalizando 22.728 entrevistas, sendo 3.300 residentes em área rural e 19.426 em área urbana.

As variáveis analisadas incluíram as características sociodemográficas das pessoas idosas: idade, sexo, raça/cor da pele, região de moradia, alfabetização e anos de estudo cursados com aprovação. Em relação à utilização dos serviços de saúde, foram selecionadas variáveis de três blocos de perguntas da PNS, módulos B (Visitas Domiciliares de Equipe de Saúde da Família e Agentes de Endemias), J (Utilização de Serviços de Saúde) e Q (Doenças Crônicas), detalhadas no Quadro 1.

Quadro 1
Variáveis utilizadas para análise, extraídas da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), 2019.

Para cada variável, foram estimadas as médias ou prevalências para áreas rurais e urbanas, junto com os respectivos intervalos de confiança a 95% (IC95%), considerando-se o delineamento e os pesos amostrais do inquérito (comando svy). As estimativas dos desfechos relacionados à autopercepção da saúde e utilização dos serviços de saúde foram comparadas entre as áreas de residência por meio dos IC95%. Por fim, foram realizadas análises de regressão logística para avaliar a associação da situação de residência com os desfechos de utilização dos serviços de saúde médicos e odontológicos nos últimos 12 meses, estimando-se as razões de chance (OR) brutas e ajustadas para as demais covariáveis. Todas as análises foram realizadas no software Stata SE, versão 17.0, licenciado para Fernando José Herkrath. O nível de significância adotado foi de 0,05.

A PNS 2019 foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (parecer no 3.529.326) e os microdados estão disponíveis online para acesso e uso público, em https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/29540-2013-pesquisa-nacional-de-saude.html?edicao=9177&t=microdados.

DISPONIBILIDADE DE DADOS

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível mediante solicitação ao autor correspondente, Gleica Soyan Barbosa Alves.

RESULTADOS

A maioria das pessoas idosas avaliados na PNS 2019 residiam em área urbana (85,5%). A população idosa rural se concentrou principalmente na região Nordeste, enquanto a urbana na região Sudeste. Observou-se uma diferença em relação ao sexo, com predomínio do sexo masculino na área rural e feminino nas áreas urbanas do país. Não foi identificada diferença etária nas estimativas segundo situação de residência, com uma idade média próxima a 70 anos. Em relação à raça/cor da pele, as áreas rurais apresentaram maior proporção de pessoas idosas que se declararam pardos em relação às áreas urbanas, que apresentou maior proporção de brancos e amarelos. As áreas rurais também concentraram maior proporção de indivíduos idosos que não sabiam ler e escrever, além do número menor de anos de estudo cursados com aprovação, em média. A Tabela 1 detalha as características sociodemográficas da população idosa por situação de residência.

A Tabela 2 apresenta as variáveis relacionadas ao uso de serviços de saúde pela população idosa. A percepção da saúde como muito boa ou boa foi maior entre a população idosa residente na área urbana (49,1%; IC95%=47,8-50,4) quando comparados aos residentes na área rural (36,6%; IC95%=34,5-38,8). Também foi maior na área urbana a proporção de indivíduos idosos que relataram ter realizado consulta médica e odontológica nos últimos 12 meses. Dentre os residentes em área rural, 5,8% (IC95%=4,7-7,2) da população idosa nunca tinha ido ao dentista, enquanto esse percentual foi 1,4% (IC95%=1,1-1,7) na área urbana. No entanto, em relação à procura por atendimento no serviço de saúde nas últimas duas semanas, a frequência de indivíduos idosos que tiveram atendimento realizado no mesmo dia foi maior na área rural 77,1% (IC95%=73,5-80,4) em relação à área urbana 66,7% (IC95%=64,6-68,8).

Tabela 1
Características sociodemográficas da população idosa entrevistada na PNS 2019, por situação de residência.
Tabela 2
Aspectos relacionados à autopercepção da saúde e utilização dos serviços de saúde por indivíduos idosos no Brasil, segundo situação de residência, 2019.

Foi evidenciada também menor frequência do acompanhamento da aferição de pressão arterial e da glicemia em áreas rurais. Entre as pessoas idosas residentes em áreas rurais 4,1% (IC95%=3,3-4,9) referiram ter sua pressão aferida há mais de três anos ou que nunca havia sido aferida, enquanto para os residentes em área urbana a frequência foi de 2,4% (IC95%=2,1-2,8). Para aferição da glicemia essa diferença foi ainda maior, 17,5% (IC95%=16,0-19,1) na área rural vs. 7,5% (IC95%=6,9-8,1) na área urbana.

As Tabelas 3 e 4 apresentam, respectivamente, as análises dos fatores associados à realização de consulta médica e odontológica pela população idosa, utilizando regressão logística. Residir em área rural e na região Norte, ser do sexo masculino, de cor parda, com menor escolaridade e ter melhor percepção da saúde geral, apresentaram diferença significativa, e foram associados à menor chance ter realizado de consulta médica nos 12 meses anteriores à entrevista. Já os fatores associados que apresentaram diferença significativa relacionados à menor chance de consulta odontológica foram residir em área rural e na região Norte (em comparação às regiões Sudeste, Sul e Centro-oeste), idade mais avançada, raça/cor da pele declarada como preta, parda ou indígena, menor escolaridade, ter o domicílio cadastrado na ESF e não perceber a saúde geral como muito boa.

Tabela 3
Fatores associados a realização de consulta médica nos últimos 12 meses por indivíduos idosos no Brasil, 2019.
Tabela 4
Fatores associados à utilização dos serviços de saúde bucal nos últimos 12 meses por indivíduos idosos no Brasil, 2019.

DISCUSSÃO

Os achados mostram que a população de idosos residentes em áreas rurais no Brasil apresentava situação de desvantagem na utilização dos serviços de saúde em comparação aos residentes nos espaços urbanos. Apesar da maior proporção de domicílios cadastrados na Estratégia Saúde da Família (ESF), a proporção de pessoas idosas que relatou consulta médica e odontológica nos 12 meses anteriores à entrevista foi menor nas áreas rurais. Ainda se evidenciou menor frequência do acompanhamento da aferição de pressão arterial e da glicemia nessa população. Apesar da pior autopercepção da saúde, foi relatada menor procura pelo serviço nas últimas duas semanas pelas pessoas idosas residentes em áreas rurais. No entanto, uma maior proporção destes indivíduos idosos que buscaram os serviços de saúde informou ter conseguido atendimento nas áreas rurais em comparação às áreas urbanas do país. Fatores como situação de residência (rural/urbano), região de moradia, sexo, idade, raça/cor da pele, anos de estudo, cadastro na ESF e autopercepção da saúde mostraram-se associados à utilização dos serviços de saúde.

A autopercepção negativa de saúde é um dos fator que aparentemente influencia no risco de morte55 Ramos LR. Fatores determinantes do envelhecimento saudável em idosos residentes em centro urbano: Projeto Epidoso, São Paulo. Cad Saúde Pública. 2003;19(3):793–7. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2003000300011
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e é maior entre indivíduos com menos anos de estudo e entre aqueles com maior número de doenças crônicas2121 Lindemann IL, Reis NR, Mintem GC, Mendoza-Sassi RA. Autopercepção da saúde entre adultos e idosos usuários da Atenção Básica de Saúde. Ciênc saúde coletiva. 2019;24(1):45–52. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232018241.34932016
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. Dados apontam que pessoas com menos anos de estudo usam menos os serviços de saúde, apesar de terem piores condições de saúde1313 Travassos C, Castro MSM de. Determinantes e desigualdades sociais no acesso e na utilização de serviços de saúde. Em: Políticas e Sistema de saúde no Brasil. 2o ed Rio de Janeiro: Fiocruz; 2012. p. 183–206..

Aspectos ocupacionais, além da maior presença de indivíduos do sexo masculino e de menor escolaridade entre os residentes em áreas rurais podem também contribuir com a menor procura pelos serviços de saúde. Estudos indicam que em territórios rurais a autopercepção do estado de saúde é pior em relação àquelas que residem no meio urbano, que os homens buscam menos pelos serviços que as mulheres e que esta procura aumenta com a escolaridade dos indivíduos2222 Arruda NM, Maia AG, Alves LC. Desigualdade no acesso à saúde entre as áreas urbanas e rurais do Brasil: uma decomposição de fatores entre 1998 a 2008. Cad Saúde Pública. 2018;34(6). Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00213816
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,2323 De Macedo E, Ulrich V, Bós AMG, Bós ÂJG. Fatores relacionados à autopercepção do estado de saúde em idosos residentes no meio rural do Brasil. Sci Med. 2018;28(3):29698. Disponível em: https://doi.org/10.15448/1980-6108.2018.3.29698
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.

A dispersão geográfica e a vulnerabilidade socioeconômica, aliados à ausência ou insuficiência de políticas públicas de saúde e à escassez de recursos destinados às populações rurais, têm contribuído para consolidar um quadro de vulnerabilidades característico das áreas rurais77 Gama ASM, Fernandes TG, Parente RCP, Secoli SR. Inquérito de saúde em comunidades ribeirinhas do Amazonas, Brasil. Cad Saúde Pública. 2018;34(2). Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00002817
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,1515 Aljassim N, Ostini R. Health literacy in rural and urban populations: A systematic review. Patient Education and Counseling. 2020;103(10):2142–54. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.pec.2020.06.007
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,2424 Brasil. Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta. 1a edição, 1a reimpressão. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2013. 47 p.,2525 Oliveira AR de, Sousa YG de, Silva DM da, Alves JP, Diniz ÍVA, Medeiros SM de, et al. A Atenção Primária à Saúde no contexto rural: visão de enfermeiros. Rev Gaúcha Enferm. 2020;41:8. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2020.20190328
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. A busca pelos serviços de saúde é menor nas áreas rurais e o aumento da ruralidade diminui a percepção de necessidades de saúde não atendidas, sugerindo diferenças nas expectativas de utilização entre usuários de localidades rurais e urbanas2222 Arruda NM, Maia AG, Alves LC. Desigualdade no acesso à saúde entre as áreas urbanas e rurais do Brasil: uma decomposição de fatores entre 1998 a 2008. Cad Saúde Pública. 2018;34(6). Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00213816
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,2626 Murphy P, Burge F, Wong S. Measurement and rural primary health care: a scoping review. Rural Remote Health. 2019; 19:4911. Disponível em: https://doi.org/10.22605/RRH4911
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.

A distância entre as localidades rurais e os serviços de saúde, somada aos demais obstáculos, faz com que os moradores rurais busquem mais tardiamente pelos cuidados em saúde em comparação com os residentes em áreas urbanas2626 Murphy P, Burge F, Wong S. Measurement and rural primary health care: a scoping review. Rural Remote Health. 2019; 19:4911. Disponível em: https://doi.org/10.22605/RRH4911
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,2727 Franco CM, Lima JG, Giovanella L. Atenção primária à saúde em áreas rurais: acesso, organização e força de trabalho em saúde em revisão integrativa de literatura. Cad Saúde Pública. 2021;37(7):e00310520. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00310520
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. Além disso, a ausência de meios regulares de transporte também é um dos fatores frequentemente relatado como barreira de acesso aos serviços, levando os moradores de áreas rurais a ponderar tempo de deslocamento, custos e riscos no transporte, muitas vezes levando-os a optar pela solução dos problemas de saúde na própria comunidade, independentemente do tipo de serviço oferecido77 Gama ASM, Fernandes TG, Parente RCP, Secoli SR. Inquérito de saúde em comunidades ribeirinhas do Amazonas, Brasil. Cad Saúde Pública. 2018;34(2). Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00002817
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99 Garnelo L, Parente RCP, Puchiarelli MLR, Correia PC, Torres MV, Herkrath FJ. Barriers to access and organization of primary health care services for rural riverside populations in the Amazon. Int J Equity Health. 2020;19(1):54. Disponível em: https://doi.org/10.1186/s12939-020-01171-x
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,2727 Franco CM, Lima JG, Giovanella L. Atenção primária à saúde em áreas rurais: acesso, organização e força de trabalho em saúde em revisão integrativa de literatura. Cad Saúde Pública. 2021;37(7):e00310520. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00310520
https://doi.org/10.1590/0102-311X0031052...
3030 Rodrigues KV, Almeida PF de, Cabral LM da S, Fausto MCR. Organização da Atenção Primária à Saúde em um município rural remoto do norte do Brasil. Saúde debate. 2021;45(131):998–1016. Disponível em: https://www.saudeemdebate.org.br/sed/article/view/5730.

A literatura mostra também que, a utilização dos serviços de saúde por pessoas idosas, além de estar relacionada à maior escolaridade está vinculada à concepção de necessidade de procura do serviço apenas por motivo de doença, ao se perceber doente ou quando diagnosticado com doença crônica3131 Ferreira LS, Moreira LR, Paludo S dos S, Meucci RD. Acesso à Atenção Primária à Saúde por idosos residentes em zona rural no Sul do Brasil. Rev saúde pública. 2020;54:149. Disponível em: https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054002316
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,3232 Malta DC, Bernal RTI, Gomes CS, Cardoso LS de M, Lima MG, Barros MB de A. Inequalities in the use of health services by adults and elderly people with and without noncommunicable diseases in Brazil, 2019 National Health Survey. Rev bras epidemiol. 2021;24(suppl 2):e210003. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1980-549720210003.supl.2
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. Para consultas odontológicas, o maior uso está entre pessoas idosas que sentem dor e que percebem a necessidade de tratamento e/ou utilização de prótese3333 Martins AMEDBL, Oliveira RFRD, Haikal DS, Santos ASF, Souza JGS, Alecrim BPA, et al. Uso de serviços odontológicos públicos entre idosos brasileiros: uma análise multinível. Ciênc saúde coletiva. 2020;25(6):2113–26. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232020256.19272018
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. Entretanto, a menor disponibilidade dos serviços de saúde e profissionais nas áreas rurais, somada às maiores barreiras de acesso enfrentadas explicam a menor utilização dos serviços de saúde pelos indivíduos idosos nestes territórios1616 Travassos C, Viacava F. Acesso e uso de serviços de saúde em idosos residentes em áreas rurais, Brasil, 1998 e 2003. Cad Saúde Pública. 2007;23(10):2490–502. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2007001000023
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,1818 Bousquat A, Fausto MCR, Almeida PF de, Lima JG, Seidl H, Sousa ABL, et al. Remoto ou remotos: a saúde e o uso do território nos municípios rurais brasileiros. Rev saúde pública. 2022;56:73. Disponível em: https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2022056003914
https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2022...
. Dados da PNS 2013 mostraram que 16,5% das pessoas idosas entrevistadas não havia realizado consulta médica e apenas 28,9% havia realizado consulta odontológica no último ano11 Stopa SR, Malta DC, Monteiro CN, Szwarcwald CL, Goldbaum M, Cesar CLG. Use of and access to health services in Brazil, 2013 National Health Survey. Rev Saúde Pública. 2017;51(suppl 1). Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2017051000074
https://doi.org/10.1590/S1518-8787.20170...
. Apesar da melhora nos indicadores identificada na PNS 2019 (10,3% e 34,8%, respectivamente), ainda é possível observar uma proporção significativamente menor de consultas entre os residentes na área rural.

Apesar da aparente maior cobertura pela ESF e da maioria dos atendimentos terem sido realizados no mesmo dia da procura no meio rural, melhores condições de saúde e maior frequência de uso dos serviços foram identificadas na área urbana. Esses achados reforçam a importância de se distinguir entre cobertura da atenção primária à saúde do constructo acesso, que incorpora outras dimensões, como as barreiras encontradas pelas populações idosas na busca pelo cuidado99 Garnelo L, Parente RCP, Puchiarelli MLR, Correia PC, Torres MV, Herkrath FJ. Barriers to access and organization of primary health care services for rural riverside populations in the Amazon. Int J Equity Health. 2020;19(1):54. Disponível em: https://doi.org/10.1186/s12939-020-01171-x
https://doi.org/10.1186/s12939-020-01171...
,3030 Rodrigues KV, Almeida PF de, Cabral LM da S, Fausto MCR. Organização da Atenção Primária à Saúde em um município rural remoto do norte do Brasil. Saúde debate. 2021;45(131):998–1016. Disponível em: https://www.saudeemdebate.org.br/sed/article/view/5730.

Os achados evidenciam a necessidade de ampliar as estratégias de monitoramento de pessoas idosas com condições crônicas, principalmente entre aqueles residentes em áreas rurais, principalmente em virtude da tendência de aumento do número de pessoas idosas atendidas pela APS com diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus3434 Cesário VAC, Santos MM dos, Mendes TC de O, Souza Júnior PRB de, Lima KC de. Tendências de acesso e utilização dos serviços de saúde na APS entre idosos no Brasil nos anos 2008, 2013 e 2019. Ciênc saúde coletiva. 2021;26(9):4033–44. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232021269.08962021
https://doi.org/10.1590/1413-81232021269...
. Estudos mostram que comunidades rurais têm grandes problemas de infraestrutura e fixação de profissionais, principalmente médicos, contribuindo para o baixo acesso ao diagnóstico clínico, além da ausência de equipamentos simples, como um esfigmomanômetro para aferição da pressão arterial77 Gama ASM, Fernandes TG, Parente RCP, Secoli SR. Inquérito de saúde em comunidades ribeirinhas do Amazonas, Brasil. Cad Saúde Pública. 2018;34(2). Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00002817
https://doi.org/10.1590/0102-311X0000281...
,3535 Fausto MCR, Almeida PFD, Bousquat A, Lima JG, Santos AMD, Seidl H, et al. Atenção Primária à Saúde em municípios rurais remotos brasileiros: contexto, organização e acesso à atenção integral no Sistema Único de Saúde. Saude soc. 2023;32(1):e220382pt. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-12902023220382pt
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.

Os resultados sugerem ainda, que os indivíduos idosos residentes em áreas rurais, apesar das piores condições de saúde, postergam a busca pelos serviços, de forma a enfrentar as diversas barreiras somente quando possuem maior garantia de atendimento. Tal situação pode contribuir com o agravamento das condições já fragilizadas de saúde das populações idosas1616 Travassos C, Viacava F. Acesso e uso de serviços de saúde em idosos residentes em áreas rurais, Brasil, 1998 e 2003. Cad Saúde Pública. 2007;23(10):2490–502. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2007001000023
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. Uma atenção primária adequadamente estruturada seria capaz de reduzir as iniquidades no acesso aos serviços entre as populações rurais e urbanas1818 Bousquat A, Fausto MCR, Almeida PF de, Lima JG, Seidl H, Sousa ABL, et al. Remoto ou remotos: a saúde e o uso do território nos municípios rurais brasileiros. Rev saúde pública. 2022;56:73. Disponível em: https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2022056003914
https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2022...
,3535 Fausto MCR, Almeida PFD, Bousquat A, Lima JG, Santos AMD, Seidl H, et al. Atenção Primária à Saúde em municípios rurais remotos brasileiros: contexto, organização e acesso à atenção integral no Sistema Único de Saúde. Saude soc. 2023;32(1):e220382pt. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-12902023220382pt
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. Estudo apontou que em municípios rurais remotos os serviços de APS são a principal forma de acesso à saúde, sendo comum que os enfermeiros realizem os primeiros atendimentos na UBS devido à ausência de médico nas unidades3535 Fausto MCR, Almeida PFD, Bousquat A, Lima JG, Santos AMD, Seidl H, et al. Atenção Primária à Saúde em municípios rurais remotos brasileiros: contexto, organização e acesso à atenção integral no Sistema Único de Saúde. Saude soc. 2023;32(1):e220382pt. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-12902023220382pt
https://doi.org/10.1590/S0104-1290202322...
.

Nesse sentido, alguns grupos-alvo para ações prioritárias podem ser elencados, como aqueles de menor escolaridade e residentes em áreas rurais da região Norte. Diante da ainda baixa cobertura populacional, uma maior inclusão das equipes de saúde bucal na ESF, que apresenta grande presença nesses territórios, também pode contribuir para o aumento da utilização dos serviços de saúde bucal.

O delineamento transversal do estudo impõe algumas limitações na interpretação dos achados. Assim, as associações identificadas devem ser interpretadas com cautela. A distribuição das variáveis entre as áreas rurais e urbanas pode ser influenciada pelo viés de sobrevivência (viés de Neyman), expressando a prevalência entre aqueles sobreviventes no momento do estudo, levando a uma subestimação dos piores desfechos de saúde e de utilização dos serviços nas áreas rurais. Viés de informação também pode estar presente, uma vez que as informações obtidas no inquérito foram referidas pelos indivíduos participantes. Por outro lado, o estudo avaliou dados representativos de um inquérito nacional de base domiciliar, identificando diferenças nos desfechos de utilização dos serviços de saúde por pessoas idosas entre áreas rurais e urbanas do Brasil.

CONCLUSÃO

Os achados do estudo mostraram que a população idosa das áreas rurais do país apresenta desvantagem na utilização dos serviços de saúde em comparação aos residentes em áreas urbanas. Melhor autopercepção da saúde foi identificada entre as pessoas idosas residentes nas áreas urbanas, assim como maior frequência de consultas médicas e odontológicas. A ruralidade foi associada à menor chance de consulta médica e odontológica nos 12 meses anteriores à entrevista, assim como residir na região Norte do país e possuir baixa escolaridade. O sexo masculino foi associado à menor chance de consulta médica. Aqueles com idade mais avançada apresentaram maior chance de utilização dos serviços médicos, porém menor chance de utilização dos serviços odontológicos. Raça/cor da pele, cadastro do domicílio na ESF e autopercepção da saúde também se mostraram associados à utilização dos serviços. Faz-se necessário implementar estratégias para minimizar as barreiras de acesso aos serviços de saúde enfrentadas pelas populações rurais do Brasil, considerando as especificidades dos diversos territórios rurais em que residem.

  • Não houve financiamento para a execução desse trabalho.
  • DISPONIBILIDADE DE DADOS

    Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível mediante solicitação ao autor correspondente, Gleica Soyan Barbosa Alves.

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Editado por

Editado por: Maria Helena Rodrigues Galvão

Disponibilidade de dados

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível mediante solicitação ao autor correspondente, Gleica Soyan Barbosa Alves.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    16 Maio 2023
  • Aceito
    31 Out 2023
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