Resumo
O objetivo deste estudo foi avaliar, por meio de um questionário, a percepção dos consumidores que se alimentam fora de casa acerca dos perigos de doenças veiculadas por alimentos (DVAs). Obtiveram-se 1.515 respostas, com a maioria dos consumidores assim caracterizados: Ensino Médio (27,3%) ou superior (29,5%), idade entre 18 e 29 anos (52,3%) e solteiros (57,8%). Em uma verificação mais específica, identificou-se que os consumidores utilizam restaurantes (64,5%) e elegem o estabelecimento principalmente em função da limpeza e atendimento (95,1%). A maioria consome carne (96,7%), com destaque para a bovina (30,1%), embora os consumidores considerem o pescado mais saudável (58,5%). No entendimento sobre as DVAs, 91,1% dos consumidores acreditam que as carnes podem veicular doenças, com destaque para a carne suína, com 89% das associações. Entretanto, também consideram as verduras e/ou os legumes (89%), a água (85,7%) e alimentos orgânicos (71,4%) como possíveis transmissores de doenças. A salmonelose (90,5%) é considerada a DVA mais importante e 99,1% dos respondentes entendem que o alimento pode ser contaminado pelo manipulador. Os entrevistados acreditam também que verduras e frutas possam conter agrotóxicos (98,7%), enquanto alimentos de origem animal possam ter resíduos de antibióticos (86,1%). Concluímos que existe a necessidade da criação de um plano estratégico educacional para o melhor entendimento dos consumidores sobre alimentação fora do ambiente domiciliar.
Palavras-chave:
Questionário; Segurança de alimentos; Consumidores; Refeições; Saúde pública; Salmonella; Alimentos; Restaurante; Contaminação
Abstract
This study aimed to evaluate, through a questionnaire, the perception of consumers who eat outside the home in relation to the dangers of diseases transmitted by food. This work also aimed to obtain data that can be used in the elaboration of an educational plan, aiming at aspects of disease prevention and improvements in the population's health. The questionnaire obtained a total of 1515 responses, in which most consumers were characterized by medium education (27.3%) or higher education (29.5%), aged between 18-29 years (52.3%) and singles (57.8%). In a more specific investigation, people routinely eat in restaurants (64.5%) and choose the establishment mainly due to cleanliness and service (95.1%). Most respondents consumed meat (96.7%), especially beef (30.1%), although consumers considered fish healthier (58.5%). Regarding the understanding of diseases transmitted by food, 91.1% of them have believed that meat can transmit diseases, thus being pork the most associated with this problem (89%). They also considered vegetables and / or legumes (89%), water (85.7%) and organic foods (71.4%) as possible transmitters of diseases. Salmonellosis (90.5%) is considered the most important diseases transmitted by food and 99.1% understood that food can be contaminated by the food handlers. They have also believed that vegetables and fruits may contain pesticides (98.7%) and antibiotics residue in foods of animal origin (86.1%). It could be inferred that there is a need to create a strategic educational plan to better understand consumers about food outside the home environment.
Keywords:
Questionnaire; Food safety; Consumers; Meals; Public health; Salmonella; Food; Restaurant; Contamination
1 Introdução
Nos últimos anos, o consumidor tem se mostrado cada vez mais preocupado com a qualidade e a segurança dos alimentos que consome. A população se depara com uma situação delicada, pois queira confiar no produto que está adquirindo, mas existe a preocupação sobre os riscos relacionados com a contaminação dos alimentos (Costa et al., 2000Costa, M. C., Deliza, R., Rosenthal, A., Hedderley, D., & Frewer, L. (2000). Non conventional technologies and impact on consumer behavior. Trends in Food Science & Technology, 11(4-5), 188-193. http://dx.doi.org/10.1016/S0924-2244(00)00052-2
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; Andrade & Bertoldi, 2012Andrade, L. M. S., & Bertoldi, M. C. (2012). Atitudes e motivações em relação ao consumo de alimentos orgânicos em Belo Horizonte – MG. Brazilian Journal of Food Technology, 15(Spe), 31-40. http://dx.doi.org/10.1590/S1981-67232012005000034
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).
Os alimentos produzidos sem as Boas Práticas de Fabricação e os devidos cuidados trazem riscos à saúde do consumidor. Existe o perigo de contaminação biológica (vírus, bactérias, fungos, parasitas), a qual pode ter como consequência as Doenças Veiculadas por Alimentos (DVAs), causadas pela ingestão de alimentos e/ou água contaminados por microrganismos patogênicos, responsáveis por problemas de saúde (Brasil, 2017Brasil. Ministério da Saúde. (2017). Doenças transmitidas por alimentos: Causas, sintomas, tratamento e prevenção. Recuperado em 25 de julho de 2019, de https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/d/dtha/doencas-transmitidas-por-alimentos
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; Beatriz et al., 2010Beatriz, A. B. A., Paula, C. M. D., Capalonga, R., Cardoso, M. R. I., & Tondo, E. C. (2010). Doenças transmitidas por alimentos, principais agentes etiológicos e aspectos gerais: uma revisão. Revista HCPA, 30(3), 279-285.).
As questões relacionadas à segurança dos alimentos e à saúde humana têm importância crescente, especialmente na produção de carne fresca (Verbeke, 2001Verbeke, W. (2001). Beliefs, attitude and behaviour towards fresh meat revisited after the Belgian diosin crisis. Food Quality and Preference, 12(8), 489-498. http://dx.doi.org/10.1016/S0950-3293(01)00042-8
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), a qual se situa dentre os principais alimentos envolvidos em DVAs, geralmente nas versões carnes cruas ou malcozidas. Esses alimentos são comumente implicados em surtos por E. coli enteropatogênica, embora qualquer alimento exposto possa ser contaminado, como os vegetais, por exemplo (Silva & Silva, 2005Silva, J. A., & Silva, D. (2005). Escherichia coli enteropatogênica (EPEC) ao contrário da Escherichia coli comensal, adere, sinaliza e lesa enterócitos. Revista de Patologia Tropical, 34(3), 175-196.). Segundo dados do Ministério da Saúde, a Escherichia coli é o agente etiológico mais identificado nos surtos de 2012 a 2021, justificando a importância de se realizarem análises dos alimentos (Brasil, 2022Brasil. Ministério da Saúde. (2022). Surtos de doenças transmitidas por alimentos no Brasil, informe 2018. Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado em 07 de outubro de 2022, de https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/d/dtha/arquivos/copy_of_apresentacao-surtos-dtha-2022.pdf
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).
Cerca de 60% das DVAs são de origem microbiológica e estão relacionadas diretamente à higiene inadequada dos manipuladores, constituindo importantes problemas de saúde pública (Façanha et al., 2003Façanha, S. H. F., Monte, A. L. S., Ferreira, N. D. L., Alvez, T. M., Dias, G. M., Ridriguês, J. M. P., & Paulo, A. P. F. (2003). Treinamento para manipuladores de alimentos em escolas da rede municipal de ensino da sede e distritos do município de Meruoca, Ceará: Relato de experiência. Revista Higiene Alimentar, 17(106), 30-34.). O entendimento sobre a percepção do consumidor em relação à segurança do alimento torna-se indispensável quando observamos que esse fator pode influenciar variáveis socioeconômicas e até mesmo auxiliar na efetividade da implantação das legislações (Andrade & Bertoldi, 2012Andrade, L. M. S., & Bertoldi, M. C. (2012). Atitudes e motivações em relação ao consumo de alimentos orgânicos em Belo Horizonte – MG. Brazilian Journal of Food Technology, 15(Spe), 31-40. http://dx.doi.org/10.1590/S1981-67232012005000034
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).
Desta forma, o objetivo deste trabalho foi avaliar, através de um questionário, a percepção de consumidores que se alimentam fora de casa em relação aos perigos de DVAs. Além disso, pretende-se fornecer dados que possam ser utilizados para elaboração de um plano educacional para melhor esclarecimento da sociedade sobre a prevenção de doenças veiculadas por alimentos e para a promoção da saúde pública.
2 Material e métodos
O estudo foi conduzido pelo método de pesquisa Survey, através de questionário com propósito descritivo, em um único momento (corte transversal), com amostragem não probabilística e por conveniência, buscando identificar a percepção e o entendimento de consumidores sobre DVAs, alimentação e aspectos que podem vir a comprometer a saúde pública.
Inicialmente, um pré-questionário impresso com perguntas objetivas foi aplicado para 30 pessoas de diferentes gêneros, idades e graus de instrução, visando identificar possíveis dificuldades na compreensão das perguntas pelos entrevistados.
A coleta de dados foi realizada entre 16 de março e 16 de abril de 2018, com aplicação do questionário online sem auxílio para o preenchimento e disponibilizado pela plataforma Google Forms – G Suite. O questionário foi enviado por aplicativos de comunicação e e-mail institucional, na cidade de Passo Fundo-RS. A pesquisa coletou 1.515 respostas.
O questionário foi adaptado de Sanches & Salay (2011)Sanches, M., & Salay, E. (2011). Eating away-from-home of consumers from Campinas city, São Paulo, Brazil. Revista de Nutrição, 24(2), 295-304. e elaborado com base no pré-questionário. Compreendeu 21 questões e foi estruturado considerando os seguintes temas/assuntos: a) dados pessoais; b) frequência de alimentação em restaurantes; c) consumo de carnes, água, vegetais; d) preferência de consumo de carnes; e) transmissão/causa de doenças por alimentos; f) formas de contaminação do alimento; g) resíduos de medicamentos/antibióticos e agrotóxicos nos alimentos de origem animal e vegetal, e h) direito do consumidor.
A compilação dos dados foi transferida para banco de dados em formato Excel. Em seguida, realizou-se análise estatística através da avaliação de frequência absoluta e frequência relativa. As análises bivariadas consistiram em testes Qui-quadrado de Pearson (tabelas de contingência) e teste para variáveis qualitativas agrupadas em categorias (características).
3 Resultados e discussão
O estudo analisou o perfil dos consumidores, obtendo mais respostas do gênero feminino (67%, n = 1023) e com Ensino Superior completo (29,5%; n = 447), o que pode ser atribuído ao fato de as mulheres apresentarem nível educacional superior em comparação aos homens (Beltrão & Alves, 2009Beltrão, K. I., & Alves, J. E. D. (2009). A reversão do hiato de gênero na educação brasileira no século XX. Cadernos de Pesquisa, 39(136), 125-156. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-15742009000100007
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), conforme a Tabela 1.
Um estudo realizado em Campinas-SP, Brasil cita que as mulheres (38,8%) almoçam mais frequentemente em fast food, bares e/ou lanchonetes, restaurantes self-service ou “a quilo” que os homens (30,4%) (Sanches & Salay, 2011Sanches, M., & Salay, E. (2011). Eating away-from-home of consumers from Campinas city, São Paulo, Brazil. Revista de Nutrição, 24(2), 295-304.), em oposição, por exemplo, à Inglaterra, onde o consumo fora das residências foi de 55% dos indivíduos do sexo masculino e 37% de mulheres (Kearney et al., 2001Kearney, J. M., Hulshof, K., & Gibney, M. J. (2001). Eating patterns: Temporal distribution, converging and diverging foods, meals eaten inside and outside of the home - implications for developing FBDG. Public Health Nutrition, 4(2B), 693-698. PMid:11683564. http://dx.doi.org/10.1079/PHN2001156
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).
Com relação à faixa etária, 52,3% dos entrevistados pertenciam a faixa de 18 e 29 anos e eram predominantemente solteiros (57,8%). Já para a frequência de alimentação em restaurantes, 64,5% dos entrevistados a utilizavam rotineiramente, enquanto 35,5% apenas esporadicamente. O aumento das refeições fora do domicílio pode ser explicado por fatores, como a crescente urbanização, a participação da mulher no mercado de trabalho, as diferenças socioeconômicas e culturais, e as mudanças na composição familiar, dentre outros. Assim, a refeição fora do domicílio deixou de ser uma opção de lazer e tornou-se uma necessidade (Schlindwein, 2006Schlindwein, M. M. (2006). Influência do custo de oportunidade do tempo da mulher sobre o padrão de consumo alimentar das famílias brasileiras (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, Piracicaba.).
Uma associação entre faixa etária dos entrevistados e frequência de almoço em diferentes estabelecimentos indicou que, no Brasil, os consumidores mais jovens almoçam com maior frequência em estabelecimentos fast food do que pessoas de idade superior (Sanches & Salay, 2011Sanches, M., & Salay, E. (2011). Eating away-from-home of consumers from Campinas city, São Paulo, Brazil. Revista de Nutrição, 24(2), 295-304.). No presente estudo, comparando-se as faixas etárias de 14-39 e 40-70 anos, não se verificou relação entre estes fatores (p = 0,2836).
A expansão dos restaurantes que ofertam refeições por peso ou self service pode ser atribuída ao fato de que esses estabelecimentos permitem, de maneira rápida e com custo semelhante ao de um lanche, uma refeição completa e nutritiva (Proença, 2005Proença, R. P. C. (2005). Qualidade nutricional e sensorial na produção de refeições. Florianópolis: UFSC.). Porém, vários itens são analisados para escolha do restaurante, destacando-se limpeza/atendimento (95,1%) (Figura 1).
O item limpeza/atendimento engloba também a higienização dos manipuladores, já que 99,1% dos entrevistados entendem que a mão do manipulador pode contaminar o alimento com agentes causadores de doenças, principalmente bactérias. As doenças de origem alimentar são consideradas um problema de saúde pública em todo o mundo e os manipuladores são associados aos principais veículos de contaminação (Almeida et al., 2011Almeida, R. B., Diniz, W. J. S., Silva, P. T. V., Andrade, L. P., Diniz, W. P. S., Leal, J. B. G., & Brandespim, D. F. (2011). Condições higiênico-sanitárias da comercialização de carnes em feiras livres de Paranatama, PE. Alimentos e Nutrição, 22(4), 585-592.; Beiró & Silva, 2009Beiró, C. F. F., & Silva, M. C. (2009). Analise das condições de higiene na comercialização de alimentos em uma feira livre do Distrito Federal. Universitas: Ciências da Saúde, 7(1), 13-28.).
A lavagem de mãos é uma medida fácil e eficaz de prevenção e disseminação de doenças, e deve ser realizada sempre que for necessário, antes ou após entrar em contato com alimentos, pessoas e objetos. Assim, doenças e infecções podem ser evitadas ou minimizadas, principalmente quando a higienização das mãos é realizada de forma frequente e correta (Organização Mundial da Saúde, 2018Organização Mundial da Saúde – OMS. (2018). Recuperado em 2018, Setembro 12, de https://www.paho.org/pt/noticias/5-5-2021-oms-pede-melhor-higienizacao-das-maos-e-outras-praticas-controle-infeccoes
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).
Além do fator limpeza/atendimento, sabor/aspecto dos alimentos e preço são importantes para a escolha do ambiente, mas estes atributos podem variar conforme o tipo de restaurante e a ocasião (Johns & Pine, 2002Johns, N., & Pine, R. (2002). Consumer behavior in the foodservice industry: a review. International Journal of Hospitality Management, 21(2), 119-134. https://doi.org/10.1016/S0278-4319(02)00008-7.
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). É importante observar que a frequência de consumo fora do domicílio também está associada a variáveis socioeconômicas e demográficas (Binkley, 2006Binkley, J. K. (2006). The effect of demographic, economic, and nutrition factors on the frequency of food away from home. Journal of Consumer Affairs, 40(2), 37291.). Neste contexto, no presente trabalho, houve associação (p = 0,0001 < 0,05) entre limpeza/atendimento e variedade do buffet com preço/nome/propaganda e sabor/aspecto dos alimentos.
Já ao questionar (perguntas de múltipla escolha) os entrevistados sobre as doenças que acreditariam estar relacionadas com o consumo de água e/ou alimentos, obtiveram-se os seguintes resultados: salmonelose (42%), verminoses (29,2%) e cisticercose (18,2%) (Figura 2).
A salmonelose é a enfermidade mais lembrada pelos respondentes (90,5%). Entretanto, segundo o Informe de Surtos de DVAs do Ministério da Saúde (Brasil, 1988Brasil. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: República Federativa do Brasil. Recuperado de em 15 de setembro de 2018, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.
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), embora esta bactéria tenha uma porcentagem relevante (11,3%) na contaminação de alimentos entre 2009 e 2018, é superada pela Escherichia coli, com 23,4%, sendo 37,2% dos surtos associados com as residências e 16% com restaurantes/padarias e similares.
Segundo Mąka et al. (2018)Mąka, Ł., Maćkiw, E., Stasiak, M., Wołkowicz, T., Kowalska, J., Postupolski, J., & Popowska, M. (2018). Ciprofloxacin and nalidixic acid resistance of Salmonella spp. isolated from retail food in Poland. International Journal of Food Microbiology, 276, 1-4. PMid:29649749. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijfoodmicro.2018.03.012
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, na Polônia, a Salmonella spp. é um dos patógenos bacterianos de origem alimentar mais frequentemente relatados, com 8.630 casos em 2015 e 8.392 relatos em 2014 (Sadkowska et al., 2015Sadkowska, T. E., Zielinski, A. & Czarkowski, M. P. (2015). Infectious diseases and poisonings in Poland in 2013. Przegląd Epidemiologiczny, 69(2), 195-334.; Narodowy Instytut Zdrowia Publicznego, 2015Narodowy Instytut Zdrowia Publicznego. (2015). Recuperado em 2018, Setembro 11, de http://wwwold.pzh.gov.pl/oldpage/epimeld/2015/index_mp.html
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). Na União Europeia, a Salmonella spp. é o segundo patógeno bacteriano gastrointestinal relatado, com 94.625 casos notificados em 2015 (European Food Safety Authority, 2016European Food Safety Authority – EFSA. European Centre for Disease Prevention and Control – ECDC (2016). The European Union summary report on trends and sources of zoonoses, zoonotic agents and food-borne outbreaks in 2015. EFSA Journal, 14(12), 4634.).
Os dados referentes aos tipos de carnes consumidas em restaurantes, à preferência do ponto de carne bovina e ao consumo de vegetais crus estão dispostos na Figura 3 e na Tabela 2, respectivamente.
De modo geral, as carnes são vistas pelos consumidores como alimentos nobres, de qualidade, e que atendem às necessidades nutricionais do ser humano moderno, que se preocupa com a maior expectativa de vida e procura ter mais saúde. Há de se considerar o custo da carne bovina para entender alguns dados: o alto custo da carne bovina mostra-se um impeditivo do consumo em grandes volumes, o que justifica, em nosso estudo, a carne de aves no segundo lugar de consumo em restaurantes (Tabela 3).
Alimentos associados pelo consumidor à transmissão de doenças ou contaminação por agrotóxicos.
Os respondentes entendem que os vegetais (verduras/legumes/frutas) podem conter resíduos de agrotóxicos (98,7%). É de se considerar também que os resíduos de agrotóxicos não se restringem somente aos produtos de origem vegetal, mas também aos de origem animal. A presença de resíduos e contaminantes em produtos animais, como carne, leite e ovos, pode ocorrer como consequência da aplicação direta de praguicidas ou pela ingestão de alimentos (pastagens, forragens e rações) que os contenham, devido à adição de ingredientes vegetais previamente contaminados ou pesticidas utilizados de maneira inadequada (Carvalho et al., 1980Carvalho, J. P. P., Nishikawa, A. M., & Fay, E. F. (1980). Níveis de resíduos de praguicidas organoclorados em produtos cárneos sob inspeção federal. Revista de Saúde Pública, 14(3), 408-419. PMid:7233062. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89101980000300012
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; Mello & Silveira, 2012Mello, I. N. K., & Silveira, W. F. (2012). Resíduos de agrotóxicos em produtos de origem animal. Acta Veterinaria Brasilica, 6(2), 94-104.). As intoxicações ocorrem quando os níveis de resíduos ou contaminantes estão acima dos Limites Máximos de Resíduos (LMRs) especificados pelo Codex Alimentarius (Organização Pan-Americana da Saúde, 2006Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS. Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Food and Agriculture Organization of the United Nations – FAO. (2006). Codex Alimentarius: Higiene dos alimentos – textos básicos. Brasília: OPAS. Recuperado em 2022, Abril 14, de https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/4268/Codex_Alimentarius.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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).
Com relação ao consumo de carnes, os entrevistados veem a carne de porco como um alimento perigoso de ser consumido ou que pode não ser seguro (Figura 4). Este fato pode ser atribuído ao conceito da sociedade brasileira em relação à carne suína, que não se restringe somente ao aspecto sanitário, mas que se liga também a uma imagem negativa de teor de gordura ou colesterol (38,4%), de transmissão de doenças (27,8%) e de excesso de calorias (13%) (Faria et al., 2006Faria, I. G., Ferreira, J. M., & Garcia, S. K. (2006). Mercado consumidor de carne suína e derivados em Belo Horizonte. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, 58(2), 251-256. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-09352006000200014
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).
Os entrevistados (67,5%) acreditam que a carne de frango contém hormônios. Na sequência, ao questionar onde os respondentes obtiveram essa informação, observou-se que os meios de comunicação foram a fonte principal (47,7%) dessa informação, conforme Tabela 4 e Figura 5.
Hormônios adicionados na alimentação do frango segundo a opinião dos consumidores amostrados.
Analisando-se o percentual das respostas, identifica-se preponderância dos meios de comunicação (47,7%), o que justificaria campanhas de esclarecimento pelos órgãos oficiais, como Ministério da Saúde e/ou Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Não houve diferença significativa (p = 0,953) entre homens e mulheres em relação a crer ou não que a carne de frango contém hormônio. Assim, o entendimento entre os gêneros é na mesma proporção. Também não houve diferença significativa (p = 0,683) em relação aos que acreditam ou não que a carne de frango contém hormônios daqueles que consomem carnes e consideram ou não como mais saudável a carne de frango.
Um estudo feito por Francisco et al. (2007)Francisco, D. C., Nascimento, P. V., Loguercio, A. P., & Camargo, L. (2007). Caracterização do consumidor de carne de frango da cidade de Porto Alegre. Ciência Rural, 37(1), 253-258. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-84782007000100041
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demonstrou que a origem da informação do uso de hormônios na avicultura também se deu, em sua maioria, através dos meios de comunicação − televisão, jornal e revista − seguidos por amigos/parentes, médicos/profissionais ligados à saúde, outros, opinião própria, nutricionistas e internet.
Neste contexto, os questionários aplicados revelaram a necessidade de um plano estratégico educacional para os consumidores, bem como de legislações específicas que protejam a saúde, além do treinamento contínuo dos fornecedores, funcionários e proprietários de estabelecimentos desta cadeia específica.
4 Conclusão
Este estudo demonstra a necessidade de se conhecer o público-alvo das refeições fora do domicílio para melhor esclarecer o consumidor quanto aos seus direitos a um alimento seguro, com qualidade nutricional e com preço condizente. Verificou-se, também, a necessidade de ações governamentais para esclarecimento destes consumidores acerca de mitos sobre a qualidade higiênico-sanitária dos alimentos e as doenças que possam ser de fato veiculadas por estes produtos.
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Cite as: Kissmann, K. E., Gottardo, F. M., Silva, R., Daroit, L., Santos, L. R., & Rodrigues, L. B. (2022). Consumers' perception of food-borne diseases. Brazilian Journal of Food Technology, 25, e2021123. https://doi.org/10.1590/1981-6723.12321
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Financiamento: Nenhum.
Referências
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- Andrade, L. M. S., & Bertoldi, M. C. (2012). Atitudes e motivações em relação ao consumo de alimentos orgânicos em Belo Horizonte – MG. Brazilian Journal of Food Technology, 15(Spe), 31-40. http://dx.doi.org/10.1590/S1981-67232012005000034
» http://dx.doi.org/10.1590/S1981-67232012005000034 - Beatriz, A. B. A., Paula, C. M. D., Capalonga, R., Cardoso, M. R. I., & Tondo, E. C. (2010). Doenças transmitidas por alimentos, principais agentes etiológicos e aspectos gerais: uma revisão. Revista HCPA, 30(3), 279-285.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Out 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
06 Jul 2021 -
Aceito
14 Abr 2022