Resumo
Este artigo aborda o processo de transformação espacial vivido pela cidade de Manaus a partir da segunda metade do século XIX, em sua aspiração à modernidade, primeiro impulsionada pela elevação do Amazonas à categoria de província, da qual Manaus era agora capital, depois pela prosperidade decorrente do comércio da borracha amazônica. Aqui, estas transformações têm como foco o espaço cemiterial, inserindo-se num quadro maior de mudanças vivido em todo o país, com a difusão de preceitos médico-sanitaristas que defendiam medidas de controle visando à salubridade do espaço urbano, discurso alinhado com reformas urbanas em consolidação na Europa, mostrando a busca pela adequação ao que se acreditava ser o caminho do progresso.
Palavras-chave
Manaus; Cemitérios; Espaço urbano; Modernidade
Abstract
This paper discusses the process of spatial transformation in the city of Manaus from the second half of the nineteenth century as it aspired to modernity; this process was initially driven by the elevation of Amazonas to the category of province (with Manaus as the capital), and later by the wealth resulting from the rubber trade. Here, these transformations focus on cemetery space as part of a larger scenario of changes throughout the country as medical and sanitary precepts defending control measures to make urban space healthier became more widely disseminated. This discourse was in line with urban reforms that were becoming more solidified in Europe at the time, demonstrating efforts to adapt to what was believed to be the path to progress.
Keywords
Manaus; Cemeteries; Urban space; Modernity
INTRODUÇÃO
Parte considerável desta pesquisa foi realizada entre os anos de 2020 e 2021, período marcado pela pandemia do coronavírus. Entre subidas e descidas do contágio, Manaus esteve mais de uma vez como trágica protagonista de uma crise generalizada de saúde pública. Não foi a primeira vez que a capital do Amazonas, tal como o restante do território, se viu em perigo com uma epidemia e que os assuntos sanitários ocuparam destacada atenção nos meios de comunicação. Ao lado de medidas contentivas e de aparelhamento adequado de espaços para receber os doentes, um assunto em especial já dividiu as preocupações de gerações diferentes de manauaras afetados pelas epidemias. As condições cemiteriais preocuparam porque se desejava dar repouso digno aos que, infelizmente, se foram, assim como o cemitério, de certo modo, sempre representou a estetização de uma época.
A construção dos cemitérios públicos foi reflexo de uma mentalidade higienista que marcou a ideia de um mundo moderno, com seu ideal de progresso vinculado aos avanços industrial e tecnológico, que, no caso, se refletiu em novos protocolos, que deveriam considerar inumações, bem como a delimitação e a proteção dos espaços onde isso ocorrera.
Autores como Ariès (2017)Ariès, P. (2017). História da morte no ocidente: da idade média aos nossos dias. Nova Fronteira. e Vovelle (1997)Vovelle, M. (1997). Imagens e imaginário na história: fantasmas e certezas nas mentalidades desde a Idade Média até o século XX. Editora Ática. elaboraram estudos acerca de uma nova mentalidade perante a morte e os mortos, esboçada desde meados do século XVIII, mas que veio a se estabelecer por todo o mundo ocidental ao longo do século XIX. O cristianismo, por séculos, havia construído uma espécie de familiaridade com a morte, à medida que tinha em seus templos local de sepultamento dos fiéis, que acreditavam garantir a salvação eterna após a morte, estando enterrados no solo sagrado da igreja, perto das relíquias dos santos. As transformações sociais marcantes ocorridas entre os séculos XVIII e XIX resultaram em profundas mudanças na relação entre vivos e mortos.
Reformas urbanas na Paris do final dos anos 1700 promoveram a separação entre vivos e mortos, os últimos sendo retirados das igrejas, tendo como novo local de repouso os cemitérios públicos, a céu aberto. Mais adiante, tal novidade, junto a outras medidas de higienização do espaço urbano, repercutiu pelo resto da Europa e do mundo, revestida de um discurso de modernidade, vista como caminho para o progresso.
Assim, a segunda metade do século XIX trouxe grandes mudanças para as práticas de sepultamento e o espaço destinado aos mortos no Brasil. Foi um período de concretização – ou da tentativa – de um modelo de modernidade legitimado pela razão e pela ciência, em uma época que se pautou por novidades tecnológicas e na crença de que o progresso dependia disso. Lapa (2008)Lapa, J. R. (2008). A cidade: os cantos e os antros. Editora da UNICAMP. aponta que, na prática, este ideário significava uma ruptura com séculos de hábitos enraizados no cotidiano das populações, com o apelo de que tal transformação no urbano e civilizado só melhoraria a vida social.
O presente texto busca se concentrar nos esforços para a criação dos espaços cemiteriais de Manaus durante os episódios por ela vividos no período compreendido entre 1854 e 1906. Ou seja, desde que se inaugurou o primeiro cemitério público da cidade, ao qual seguiu-se a construção de mais três, até o momento em que foi feita a desejada reforma no último desses cemitérios construídos, passando a exibir a feição que o caracteriza até hoje como um dos símbolos da Belle Époque da cidade.
O ESPAÇO CEMITERIAL E A URGÊNCIA DA MODERNIDADE: MANAUS, 1854-1906
Instalada a província do Amazonas em 1852, os relatórios e as falas dos presidentes que passaram a se suceder sempre enfatizaram a necessidade premente de conferir à sua capital ares mais modernos. A Cidade da Barra – que viria a receber o nome de Manáos apenas em 1856 – contava, até então, com uma população de aproximadamente 8.500 habitantes (L. Amazonas, 1852Amazonas, L. S. A. (1852). Diccionario topographico, historico, descriptivo da comarca do Alto-Amazonas. Typographia de Meira Henriques.) e, apesar do novo status, mantinha-se um lugar pacato, onde a vida passava mansamente.
A Figura 1 apresenta uma planta da cidade, datada de 1852, que exibe duas pequenas cruzes sinalizando os locais das duas igrejas, a Matriz, dedicada à Nossa Senhora da Conceição da Barra do Rio Negro, e a Capela dos Remédios. Seguindo o costume trazido pelos colonizadores, esses templos eram os locais de referência para sepultamento cristão. A Matriz fora perdida para um incêndio, em 1850, mas o espaço que ela ocupara ainda servia de cemitério, na parte mais central da pequena cidade (Estrella do Amazonas, 13 maio 1854Estrella do Amazonas. (1854, maio 13). Estrella do Amazonas. http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=213420&pesq=&pagfis=1085
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). A prática que tinha sido perfeitamente comum e aceitável por mais de um século era agora tratada com repulsa e figurava como um dos problemas que precisavam ser sanados.
Em 1853, o presidente da província Herculano Ferreira Pena (1811-1867), um liberal com experiência de ter administrado quatro províncias brasileiras anteriormente, enfatizava a urgente necessidade da construção de um cemitério público para a capital (Pena, 1853Pena, H. F. (1853, out. 1). Fala dirigida à Assembleia Legislativa Provincial do Amazonas. Typographia de M. S. Ramos.), pois, prezando pela salubridade pública, não era mais admissível que se continuasse
. . . a repugnante e lamentável prática, que todos os dias observamos, de enterrarem-se os cadáveres no largo da extinta Matriz (um dos lugares mais frequentados da Cidade e que nunca serviu de Cemitério) e nas imediações da Igreja dos Remédios, onde se tem visto restos mortais dos nossos semelhantes espalhados sobre a terra, e expostos sem o menor resguardo a voracidade dos cães e outros animais
(Estrella do Amazonas, 13 maio 1854, p. 7).
O discurso seguia a tendência nacional de combate aos enterramentos eclesiásticos, com influência das teorias miasmáticas, inspiradas em um modelo civilizatório difundido a partir da Europa, especialmente da França. Foucault (2000)Foucault, M. (2000). Microfísica do poder (15. ed.). Edições Graal., ao discutir o surgimento da medicina social no final do século XVIII, aponta que os cadáveres sepultados em grande número no espaço urbano parisiense haviam sido identificados como fonte de propagação de doenças, uma ameaça à salubridade pública que precisava ser combatida. Para receber esses mortos, seriam criados cemitérios fora dos muros das igrejas e das próprias cidades, estabelecendo-se, assim, uma fronteira clara entre a cidade dos vivos e dos mortos.
Silva (2005)Silva, E. M. (2005). O cotidiano da morte e a secularização dos cemitérios em Belém na segunda metade do século XIX (1850/1891) [Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. destaca que o século XIX viu a consolidação dessas mesmas propostas em solo brasileiro. Antes de instituída a província do Amazonas, uma carta régia, em 14 de janeiro de 1801, autorizava o então governador do Pará e Rio Negro, D. Francisco de Sousa Coutinho, a construir cemitérios onde deveriam ser sepultadas todas as pessoas que falecessem.
Uma lei assinada pelo imperador em 1º de outubro de 1828 chegou a atribuir às Câmaras Municipais a responsabilidade por estabelecer cemitérios extramuros, entrando em acordo com as principais autoridades eclesiásticas de cada localidade. No entanto, a referida lei não previa distribuição de verbas para o intento, e isso, juntamente com a forte resistência popular à ruptura com uma tradição tão significativa para a fé católica, fez com que as mudanças fossem postergadas ainda por algumas décadas (Lei Imperial, de 1º de outubro de 1828Lei Imperial. (1828, out. 1). Dá nova forma às Câmaras Municipais, marca suas atribuições, e o processo para a sua eleição, e dos Juízes de Paz. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-1-10-1828.htm
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).
Desde a década de 1830, o combate aos enterramentos em solo eclesiástico se tornara mais fervoroso por parte de uma classe médica que defendia a imposição de regras favoráveis à salubridade do espaço urbano, visando ao progresso de um império que recentemente conquistara independência. Entendia-se que, se quisesse de fato ser grandioso, o Brasil precisava ambicionar a modernidade (Reis, 1991Reis, J. J. (1991). A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. Companhia das Letras.).
Nos anos 1850, principalmente por conta das epidemias que afligiam todo o território, muitos presidentes de província passaram a apoiar vigorosamente, em seus discursos, a criação dos cemitérios públicos (Cymbalista, 2002Cymbalista, R. (2002). Cidades dos vivos: arquitetura e atitudes perante a morte nos cemitérios de São Paulo. Annablume, Fapesp.). Assim, no Brasil, a segunda metade do século XIX marcou a consolidação do novo modelo de espaço cemiterial, com os cemitérios públicos.
No Amazonas, o Código de Posturas Municipais de 18481
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Os códigos de postura foram consultados por meio da compilação realizada por Sampaio (2016).
já obrigava as Câmaras Municipais a cumprirem o disposto na Lei Imperial e instituírem cemitério público com capela até o fim de 1852, sendo prevista multa de 30 mil réis por cada um de seus membros em caso de não cumprimento (Estrella do Amazonas, 24 jun. 1854Estrella do Amazonas. (1854, jun., 24). Estrella do Amazonas. http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=213420&pesq=cemiterio&pasta=ano%20185&hf=memoria.bn.br&pagfis=1105
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). Na prática, nem mesmo Manaus possuía ainda cemitério público quando da instalação da província.
A despeito da urgência enfatizada na fala do presidente Ferreira Pena, a capital da nova província carecia de recursos para a construção de um novo cemitério com capela para os ofícios fúnebres. Por isso, decidiu-se intervir em local já existente e cercar a área por trás da Igreja dos Remédios para servir de cemitério público provisório. O local era ainda bastante isolado, e alguns sepultamentos já se realizavam ali por conta da proximidade com o templo (Estrella do Amazonas, 13 maio 1854).
Enquanto era preparado o local que serviria de cemitério, a edição de 13 de maio de 1854 do jornal Estrella do Amazonas, único em circulação na capital, chegou a publicar falas de autoridades locais a fim de defender o intento, visto que algumas pessoas estariam se mostrando desgostosas. O jornal não chega a especificar quais seriam essas pessoas, nem qual o motivo exato do descontentamento. Seria por conta do caráter improvisado da obra? Ou o descontentamento vinha, como havia sido comum em outras localidades Brasil afora, da própria ideia de encerrar a prática de enterramento eclesiástico?
Pesquisadores como João José Reis e Cláudia Rodrigues, com estudos cemiteriais respectivamente sobre Salvador e Rio de Janeiro, apontam o modo como as instituições religiosas trabalharam para postergar ao máximo as mudanças nas práticas de sepultamento. Para as confrarias e irmandades religiosas que cuidavam do enterramento de seus membros nos interiores das igrejas, o rompimento com séculos de tradição significava uma ofensa às leis divinas e a perda de poder sobre os fiéis.
Reis (1991, p. 20) apresenta em detalhes um episódio extremo de revolta contra o cemitério ocorrido em Salvador. A “cemiterada” teve lugar no dia 25 de outubro de 1836, um dia antes de entrar em vigor uma lei que proibia os enterros ad sanctus e conferia a uma companhia privada a responsabilidade pelos enterros na cidade. Protestos convocados pelas irmandades promoveram a completa destruição do Campo Santo, cemitério público que estava pronto para ser inaugurado, “nem a capela foi poupada”
(Martins, 2021Martins, C. M. M. A. (2021). Representações na cidade dos mortos: análise iconográfica da escultura tumular em Manaus durante o período da borracha [Dissertação de mestrado, Universidade do Estado do Amazonas]., p. 59).
Espalhada a notícia do evento, ele serviu de alerta para deter o avanço das reformas até se tornar de fato insustentável para a saúde pública a continuação dos enterros eclesiásticos.
As fontes acessadas na realização do presente estudo não mostraram, porém, esse tipo de interferência de organizações religiosas no processo de transição das práticas de sepultamentos em Manaus no recorte temporal estabelecido, o que, enfatiza-se aqui, pode ser simples caso de lacuna nos registros históricos ou de acesso a eles. O próprio ano em que se instituiu a província do Amazonas já encontrava terreno mais propício para a consolidação das mudanças que àquela altura já haviam sido adotadas por outras capitais e grandes cidades. Belém, cidade mais próxima de estabelecer um paralelo em solo amazônico, já contava com cemitério público desde 1850.
É possível que o descontentamento mencionado pelo Estrella do Amazonas se referisse justamente a alguma irmandade atuante na capital. Por outro lado, analisar a própria situação dos templos de Manaus no referido momento pode ajudar a entender o processo. O espaço antes ocupado pela Matriz incendiada já vinha recebendo sepultamentos a céu aberto, e a Capela dos Remédios contava com dimensões bastante modestas para tornar impraticável o enterramento de grande número de pessoas em seu interior. A escolha de espaço contíguo ao terreno desta igreja como primeiro cemitério público em caráter provisório pode, portanto, ter ajudado a suavizar a transição ao uso do espaço cemiterial, à medida que aparentemente ratificava uma prática já estabelecida.
Desse modo, as falas em defesa da construção do cemitério apelavam muito mais para questões de ordem prática, baseando-se nos preceitos médicos repercutidos à época e criticando ainda a indecência dos enterramentos, na maneira como vinham acontecendo. Uma das autoridades a que o jornal recorreu foi o ex-presidente interino da província amazonense e seu atual chefe de polícia, o juiz da Comarca do Amazonas, Manoel Gomes Corrêa de Miranda (1822?-1901):
Me parece que a bem da salubridade pública devem cessar os enterros de cadáveres no lugar e largo da matriz, porque aí se enterram sem que se atenda que esse lugar não oferece garantia de repouso dos finados; e além disso muitas vezes os que fazem as sepulturas não lhe dão a profundidade conveniente, e assim ficam expostos a serem profanados pelos cães, porcos. E por estas e outras razões, como estar este lugar no centro da Cidade, e o continuado vento, que necessariamente há de conduzir os miasmas para os vivos, acho que se deve proibir a continuação dos enterros n’esses lugares
(Estrella do Amazonas, 13 maio 1854, p. 7).
Nesse sentido, o vigário geral da província, cônego Joaquim Gonçalves de Azevedo (1814-1879), reforçou a “inconveniência de continuar a dar-se sepultura aos cadáveres no Largo da Matriz” (Estrella do Amazonas, 13 maio 1854, p. 7).
Assim, Correa de Miranda voltava a se pronunciar na edição de 24 de junho de 1854 do Estrella do Amazonas:
. . . achando-se cercado, e preparado o antigo Cemitério dos Remédios, e competentemente bento o terreno, que se lhe anexou, é o único lugar destinado para o enterramento dos cadáveres, e todos aqueles que sob qualquer pretexto fizerem enterrar cadáveres fora deste recinto serão punidos na forma que se acha prescrita pelo artigo 5º do Código de Posturas Municipais, que se diz assim: - “Logo que haja cemitérios será proibido enterrar-se cadáveres nos templos, ou átrios destes, sob pena de ser multado o infrator em vinte mil réis, ou oito dias de prisão”
(Estrella do Amazonas, 24 jun. 1854, pp. 2-3).
Este primeiro cemitério público de Manaus, criado em condição improvisada, denominava-se Cemitério dos Remédios, ou ainda Cemitério da Cruz – por conta do cruzeiro que ali permaneceu, mesmo após sua desativação, conforme é possível visualizar na Figura 2.
Vista de Manaus a partir do bairro dos Remédios, com o cruzeiro do antigo Cemitério dos Remédios à direita, em terreno tomado por vegetação.
O Cemitério foi feito como uma obra provisória, mas não lhe falta a decência e segurança necessária a tais lugares, e desde a sua conclusão cessou o triste e repugnante espetáculo dos enterramentos sem resguardo algum no Largo da antiga Matriz, e em outras paragens da Cidade igualmente frequentadas.
Achando-se hoje isolado, poderá ele em poucos anos perder essa essencial condição, se progredir rapidamente a construção de prédios nas ruas que se dirigem á Igreja de N. Senhora dos Remédios; verificada porém esta hipótese, também se apressará o governo a fazer construir outro em lugar que pareça mais azado
(Pena, 1854Pena, H. F. (1854, ago. 1). Fala dirigida à Assembleia Legislativa Provincial do Amazonas. Typographia de M. S. Ramos., pp. 15-16).
Um novo espaço cemiterial não tardou a se fazer necessário após duas epidemias sucederem-se na capital. Primeiro de cólera, em junho de 1855 (Miranda, 1856Miranda, M. G. C. (1856, jan. 28). Exposição feita ao presidente da província do Amazonas, na passagem da administração. Typographia de F. J. da Silva Ramos.), depois uma mais severa, de febre amarela, em fevereiro do ano seguinte. Até junho daquele ano, dois terços da população da cidade haviam sido infectados, sendo 142 as vítimas fatais. Com o alto número de mortos, os enterramentos nos Remédios precisaram ser encerrados às pressas, abrindo-se novo cemitério, mesmo este não estando devidamente preparado (Vieira, 1856Vieira, J. P. D. (1856, jul. 8). Relatório apresentado à Assembleia Legislativa Provincial do Amazonas. Acervo Digital do Arquivo Público do Amazonas, Manaus.).
Um terreno na estrada da Cachoeira Grande já vinha sendo apontado por autoridades da saúde como ideal para a construção de um cemitério público. Ainda na Figura 1, pode-se observar o igarapé homônimo paralelamente ao qual corria a estrada, em local mais afastado do pequeno núcleo urbano. Com a construção da necrópole, essa estrada veio a ser chamada popularmente de estrada do Cemitério. Sem cerca ou capela, o Cemitério de São José, que viria a ser conhecido também como Cemitério da Saudade, começou a receber sepultamentos em 7 de março de 1856. Já no ano seguinte, o diretor interino de obras públicas da província, José Wilkens de Mattos (1822-1889), denunciava o estado precário em que o espaço se achava:
O terreno, na estrada da Cachoeira Grande, destinado para o repouso dos mortos até o dia do julgamento final, foi mandado roçar, e, em parte, destocar; mas, entregue a si, está hoje todo coberto de mato, exceto em uma pequena área, que tem sido ocupada pelas sepulturas.
Sem muro, cerca, ou outra qualquer obra, que evite os animais de o invadirem, estão as sepulturas cobertas de pisadas e estrume de gado, que pasta sobre elas! . . . Os cadáveres têm por abrigo, antes de descerem aos seus jazigos, um roto e imundo palheiro! O sinal da Redenção está mutilado! E tem havido uma tal desordem nos enterramentos, que mui poucas são as sepulturas que não estejam confundidas.
É para deplorar-se um tal indiferentismo!
. . . É uma das obras de urgente necessidade a esta capital.
Uma pequena capela, onde possam ser depositados, e encomendados os cadáveres, e uma cerca segura, enquanto não for possível levantar-se um muro, é tudo quanto de pronto se poderá fazer sem grande dispêndio.
Depois um regulamento contendo disposições indispensáveis a evitar a confusão que existe atualmente nos enterramentos, um pouco de zelo, e mesmo de caridade, será bastante para melhorar o lastimoso estado em que jaz o lugar que tanta veneração deve merecer a todo cristão
(Amaral, 1857Amaral, A. T. (1857, out. 1). Fala dirigida à Assembleia Legislativa Provincial do Amazonas (Anexo n. 5). Typographia Universal de Laemmert., p. 3).
A cerca e a capela começaram a ser construídas em 1858 e foram concluídas em 1859, na gestão de Francisco Furtado (1818-1870), que, em 6 de maio daquele ano, participou da solenidade de inauguração junto a outras autoridades locais. Na ocasião, foi realizado o traslado de uma imagem de São José à capela da necrópole que levava seu nome.
Concluiu-se o Cemitério público desta Capital.
Cercado todo de achas de acariquara, muito bem pregadas e com simetria, promete longa duração.
Também está prontificada a respectiva Capela, em que o Snr. Major Diretor das obras públicas soube unir à simplicidade própria do seu destino o asseio compatível com o decoro de Deus.
Na entrada do Cemitério sobre o portão se acha a seguinte inscrição em caracteres de ouro – Feito na Presidência do Exm. Snr. Dr. Francisco José Furtado – 1859
(Estrella do Amazonas, 1859Estrella do Amazonas. (1859, maio 11). Estrella do Amazonas. http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=213420&pesq=&pagfis=1872
http://memoria.bn.br/DocReader/docreader... , p. 3).
Buscando garantir a aplicação da disciplina positivista esperada para o novo modelo cemiterial, também se aprovou o Regulamento do Cemitério Público da Capital (“Regulamento”, 1859Regulamento. (1859, jul. 27). Estrella do Amazonas. http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=213420&pagfis=1908
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). Ali, eram instituídas regras como a numeração das sepulturas, o tamanho que deveriam ter e a distância a manter entre uma e outra. Previam-se ainda maiores cuidados com os mortos vítimas de epidemias, que não podiam ser exumados antes de cinco anos. Para as sepulturas perpétuas e hereditárias, havia a possibilidade da construção de mausoléus, que poderiam ter a ‘solidez que aprouvesse aos concessionários’, desde que seu desenho fosse previamente apresentado e aprovado na Câmara Municipal.
Logo, apesar da solidez com que contava, a simples cerca de madeira do Cemitério de São José já não era considerada compatível com um espaço da importância do Cemitério Público da capital. Então, em 1866, o mestre de obras Raymundo José de Souza foi contratado para realizar a construção de um muro (“Amazonas”, 1866Amazonas. (1866, out. 24). Amazonas. http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=164992&pesq=&pagfis=20
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). A obra parece ter sido rapidamente adiantada (Ferreira, 1866Ferreira, G. A. R. (1866, set. 5). Relatório apresentado à Assembleia Legislativa Provincial do Amazonas. Typographia do Amazonas.), de modo a estar concluída em algum momento entre 1866 e 1867.
O aspecto da necrópole deve ter ficado mais parecido com o que se vê na ilustração encontrada na obra “Le Pays des Amazones”, do Barão de Sant’Anna Nery, datada da década de 1880 (Figura 3). Para Martins (2021, p. 66)Martins, C. M. M. A. (2021). Representações na cidade dos mortos: análise iconográfica da escultura tumular em Manaus durante o período da borracha [Dissertação de mestrado, Universidade do Estado do Amazonas].:
Estrada da Cachoeira Grande (popularmente conhecida como estrada do Cemitério), onde se avistam os muros e grades do Cemitério São José.
Essa obra ressalta não só o valor que a Manaus dos mortos vinha adquirindo para o cotidiano da urbe, mas também o estado da renda pública, que vinha se avolumando a cada ano, permitindo gradualmente a ampliação dos melhoramentos urbanos para a capital.
Em duas décadas, a população da capital dobrara das 8.500 pessoas (L. Amazonas, 1852Amazonas, L. S. A. (1852). Diccionario topographico, historico, descriptivo da comarca do Alto-Amazonas. Typographia de Meira Henriques.), por volta do ano de instalação da província, para 17.686, em 1872 (Brasil, [1874?]Brasil. [1874?]. Recenseamento do Brazil de 1872. Typographia G. Leuzinger. https://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-catalogo?id=225477&view=detalhes
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), contingente aumentado pelas migrações internas e pelo início da exploração econômica da região. Tal motivo talvez já tivesse sido suficiente para ver a superlotação do cemitério e a renovação da questão problemática dos sepultamentos em Manaus, mas, em novembro desse mesmo ano, a cidade foi outra vez vitimada por uma epidemia, agora de varíola (Peixoto, 1874Peixoto, D. M. (1874, mar. 25). Fala dirigida à Assembleia Provincial do Amazonas. Typographia do Commercio do Amazonas.).
Para tentar evitar o contágio na capital, o presidente Domingos Monteiro Peixoto (c. 1838-1895) criou uma enfermaria no chamado Morro do Seminário, na margem direita do igarapé da cachoeira Grande. Acreditava-se que esse largo curso d’água, interpondo-se entre os variolosos e a cidade, manteria distante a doença, mas novas vítimas continuavam a chegar em vapores que aportavam em Manaus. Assim, a epidemia se instalou. Uma outra enfermaria foi erguida no Largo de São Sebastião, então localizado no limite norte da cidade. Apenas nesses dois lugares foram registrados 332 entradas e 160 mortos em 1873. Em 1874, o relatório presidencial já admitia estar o Cemitério de São José completamente ocupado, mas nenhuma medida foi tomada naquele momento (Peixoto, 1874Peixoto, D. M. (1874, mar. 25). Fala dirigida à Assembleia Provincial do Amazonas. Typographia do Commercio do Amazonas.).
A varíola passou a ser uma ameaça epidêmica constante. Em 1878, um novo surto da doença atingia Manaus, vitimando principalmente as colônias de imigrantes próximas à cidade. Para evitar contato com os doentes dali, foi construída uma estrada ligando uma das colônias, a de Maracaju, ao lazareto, então reativado com duas enfermarias. Um cemitério também foi acrescido a oeste das instalações no ano de 1879 (Maracajú, 1879Maracajú, B. (1879, mar. 29). Fala dirigida à Assembleia Legislativa da Província do Amazonas. Typographia do Amazonas.).
Tais medidas de controle epidemiológico retardaram a deliberação sobre a construção do novo cemitério público para a cidade por alguns anos. Somou-se a isso um impasse acerca do local que essa nova necrópole ocuparia. Ainda em 1878, uma comissão nomeada pelo presidente da província havia designado
. . . o lugar limitado pelo igarapé da Castelhana, Deposito de Artigos Bélicos, e um outro igarapé que nasce junto a uma das faces do cemitério atual, é o mais apropriado, embora hajam desapropriações a fazer, por isso que além de estar a distancia conveniente da capital, é o seu terreno argiloso e um pouco arenoso, e acha-se, em relação aos ventos reinantes, situado do modo mais vantajoso à mesma capital oferecendo proporções para no futuro, se já não for julgado acertado, estender-se sem prejuízo da salubridade publica, preenchendo todas as condições necessárias ao estabelecimento de um grande cemitério
(Maracajú, 1878Maracajú, B. (1878, ago. 25). Fala dirigida à Assembleia Legislativa da Província do Amazonas. Typographia do Amazonas., p. 23).
No entanto, quando se inicia, por fim, a construção de um novo cemitério, em 1884, a área de 300 m2 em que ele foi erguido ficava mais ao norte, ao fim da estrada de Epaminondas, próximo de onde começava a estrada de Maracaju (“Amazonas”, 1883Amazonas. (1883, out. 3). Amazonas. http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=164992&pesq=&pagfis=3
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). Possivelmente, a Santa Casa de Misericórdia, a quem cabia a administração do cemitério desde 1880, mudou a obra para local mais afastado por conta da rápida expansão urbana de Manaus, mas o espaço nunca viria a entrar em funcionamento por estar próximo a uma caixa d’água, que começara a ser construída em fevereiro daquele mesmo ano (Figura 4) (Ferreira Junior, 1885Ferreira Junior, J. J. (1885, set. 21). Exposição apresentada na passagem da administração da província do Amazonas (Anexos). Typographia do Commercio do Amazonas.).
Em 1883, o Cemitério de São José contabilizava mais de 200 enterramentos por ano, sendo que, no período entre agosto de 1880 e fevereiro de 1883, recebeu um total de 676 novas sepulturas (Paranaguá, 1883Paranaguá, J. L. C. (1883, mar. 25). Relatório apresentado à Assembleia Legislativa Provincial do Amazonas. Typographia do Amazonas.). Tal situação já oferecia risco à salubridade pública e se tornou mais preocupante com um forte novo surto de varíola, entre 1884 e 1885. Foram mais de 337 enterramentos no Cemitério de São José em 1885, e, para ser possível receber mais mortos, já não se estavam mais respeitando os prazos estabelecidos para as exumações (Chaves, 1886Chaves, E. A. V. (1886, mar. 25). Relatório apresentado à Assembleia Legislativa Provincial do Amazonas (Anexos). Typographia do Jornal do Amazonas.).
Dois anos depois, em 1887, providências para a construção de um novo cemitério começavam a ser tomadas. Um terreno no Morro do Seminário, ao lado do Cemitério dos Variolosos, havia sido eleito pelo corpo médico da cidade como o local mais adequado. Por ordem do então vice-presidente em exercício, Clementino Guimarães (1828-1906), uma parte do local começou a ser preparada de forma emergencial enquanto não se dispunha de verba para obras definitivas (Guimarães, 1887Guimarães, C. J. P. (1887, mar. 10). Exposição apresentada à Assembleia Legislativa Provincial do Amazonas (Anexos). Acervo Digital do Arquivo Público do Amazonas, Manaus.).
Não obstante, Conrado Niemeyer (1831-1905), que assumiu a presidência da província no ano seguinte, decidiu por aumentar o espaço do Cemitério de São José ao norte, para que ele pudesse ainda ser usado por alguns anos. O presidente alegou não haver orçamento suficiente para a construção de uma nova capela, além de uma ponte sobre o igarapé da Cachoeira Grande, que separava o Morro do Seminário da capital. Aquele espaço deveria continuar a receber apenas as vítimas de epidemias.
Tal decisão desagradou o provedor da Santa Casa, que escreveu em seu relatório:
. . . resolveu a presidência que os enterramentos continuassem a ser feitos no antigo cemitério, e para esse fim mandou cercar uma rua ao lado mesmo onde presentemente se faz as inumações.
Este local é impróprio não só pela insignificância da área que já está repleta de cadáveres como porque fecha uma rua já em parte edificada, privando assim os proprietários de suas casas. A província tem preparado o terreno para o novo cemitério no local já indicado e é de suma necessidade a sua mudança
(Bittencourt, 1888Bittencourt, F. P. R. (1888, set. 5). Anexo nº 6. In J. C. Andrade, Relatório apresentado à Assembleia Legislativa Provincial do Amazonas. Typographia do Commercio do Amazonas., p. 4).
De todo modo, em 1º de dezembro de 1888, o local indicado passou a funcionar como cemitério público, sendo denominado São Raymundo Nonato, pois ali havia igreja consagrada ao santo (Duarte, 2009Duarte, D. (2009). Manaus, entre o passado e o presente. Mídia Ponto Comm.). Mas nenhuma decisão parecia prescindir de conflito e, dessa vez, a localização e a topografia do novo espaço cemiterial eram o alvo das críticas.
A escolha deste local só tem um lado plausível ao pé de tantos senões.
Fora a orientação comparada com a situação geográfica da cidade, nada mais justifica a preferência daquele sitio para recinto dos mortos.
Terreno pedregoso, acesso difícil nos dias de sol ou de chuva, separado da cidade por um largo e profundo igarapé, tornam insuportável o serviço de transporte, inumação e visita
(Machado, 1889Machado, J. O. (1889, jun. 2). Relatório apresentado à Assembleia Legislativa Provincial do Amazonas. Typographia do Commercio do Amazonas., p. 41).
Mais uma vez, as obras cemiteriais – neste caso, o melhoramento do acesso – foram interrompidas pela necessidade de contenção de gastos. As más condições do terreno deviam ser de tal ordem que, em meio ao impasse, já se acreditava ser mais interessante a construção de outra necrópole em local que oferecesse características mais adequadas do que investir na melhoria daquele.
E foi o que de fato aconteceu. A Intendência Municipal, por meio de uma resolução assinada em 11 de julho de 1890, autorizou a desapropriação de outro terreno escolhido para novo cemitério, agora uma área de 22.500 m2, localizada no bairro do Mocó, atual Nossa Senhora das Graças, nos arrabaldes do espaço urbano de Manaus. A partir daí, as obras correram rapidamente. Em 3 de março de 1891, já sob a égide republicana, o mandatário municipal João Carlos Antony (1833-1918) comunicou, em sessão ordinária da Intendência Municipal, que o espaço já se achava todo destocado e cercado (“Intendência Municipal”, 1891Intendência Municipal. (1891, mar. 5). Diário de Manáos. http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=716642&pesq=&pagfis=291
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).
O Cemitério Municipal de São João foi, então, inaugurado em 5 de abril de 1891 (Duarte, 2009Duarte, D. (2009). Manaus, entre o passado e o presente. Mídia Ponto Comm.). Dias antes, em 2 de abril desse mesmo ano, os sepultamentos nos cemitérios de São José e de São Raymundo foram proibidos por decreto assinado pelo governador Eduardo Ribeiro (Decreto n. 95, de 2 de abril de 1891Decreto n. 95. (1891, abr. 2). Proíbe inumação nos cemitérios de S. José e S. Raymundo Nonato, manda que os enterramentos sejam feitos no novo cemitério e dá outras providências a respeito. Diário Oficial do Amazonas.), atendendo a avisos do provedor da Santa Casa e do inspetor da Higiene Pública. Ainda assim, as vítimas de epidemias continuaram a ser sepultadas no Cemitério de São Raymundo (Figura 5) até a década de 1920. A própria Higiene Pública solicitou, em 1897, que os enterramentos de variolosos não fossem mais realizados no Cemitério São João, restringindo-se apenas ao São Raymundo, onde o maior prazo para exumação ajudaria a diminuir o risco de contágio.
O mesmo decreto de 2 de abril de 1891 também devolvia a administração dos cemitérios públicos à municipalidade, em concordância com o decreto do governo provisório federal n. 789, de 27 de setembro do ano anterior, que, por sua vez, estava alinhado à conjuntura da recém-formada república, de separação entre Igreja e Estado (Decreto n. 789, de 27 de setembro de 1890Decreto n. 789. (1890, set. 27). Estabelece a secularização dos cemitérios. In Coleção de Leis do Brasil (Fasc. IX, pp. 2454). https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-789-27-setembro-1890-552270-publicacaooriginal-69398-pe.html#:~:text=Estabelece%20a%20secularisa%C3%A7%C3%A3o%20dos%20cemiterios,cumprimento%20ao%20disposto%20no%20art
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/dec...
).
Apesar das práticas religiosas terem continuado muito fortes no espaço cemiterial, essa ruptura significou que, ao contrário dos que o precederam, o Cemitério de São João já surgia como um cemitério secular. Uma novidade dos cemitérios seculares foi garantir direito universal de sepultamento, enquanto anteriormente ainda vigoravam as regras dos sepultamentos eclesiásticos, as quais ditavam que, para proceder a inumação, era necessário comprovar que o falecido tinha direito de receber sepultura cristã.
A mudança figurava no Decreto Estadual n. 7, de 18 de outubro de 1892Decreto n. 7. (1892, out. 18). Promulga regulamento para os cemitérios do estado do Amazonas. Diário Oficial do Amazonas., que deu novo regulamento para os cemitérios públicos de todo o Amazonas. O documento foi assinado pelo governador Eduardo Ribeiro, porque ainda não se encontrava regulamentada a situação das intendências municipais (Amazonas, 1892Amazonas. (1892, out. 19). Amazonas. http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=164992&pesq=&pagfis=5
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). Tal regulamento explica o nome do novo cemitério e, diferindo de seus predecessores, mandava adotar o termo ‘público’ ou ‘municipal’ às necrópoles do estado.
Nova querela se acenderia em 1897, quando se cogitou encerrar os sepultamentos no Cemitério de São João, por este estar localizado próximo às nascentes dos igarapés da Castellana, do Aterro e de Manáos. Essas águas eram utilizadas por ribeirinhos e poderiam ser contaminadas pelo necrochorume vindo do subsolo, conforme foi apontado pelo engenheiro-chefe da hoje extinta Comissão de Saneamento de Manaus. Para piorar a situação, temia-se que também a água que abastecia a cidade corresse risco de contaminação: “Os tubos que conduzem as aguas para o reservatório do Mocó passam por baixo do cemitério, o que constitui um perigo para a salubridade; urge, pois, que sejam mudados”, dizia o governador Silvério Nery em mensagem aos deputados estaduais em 1901 (Nery, 1901Nery, S. J. (1901, jul. 10). Mensagem lida perante o congresso dos representantes. Typographia da Livraria Ferreira Pena., pp. 199-200).
Em maio daquele mesmo ano, chegou a ser autorizado o fechamento do cemitério para a construção de outro mais distante da cidade, mas ela não chegou a ser executada. Uma hipótese é que a Higiene Pública tenha considerado suficiente para conter os riscos garantir a proibição ao sepultamento de vítimas de epidemias e doenças contagiosas no cemitério de São João (Duarte, 2009Duarte, D. (2009). Manaus, entre o passado e o presente. Mídia Ponto Comm.).
Mas, ainda assim, vez ou outra o assunto voltava à tona, levantando dúvidas sobre a segurança sanitária da cidade:
O reservatório (do Mocó) é sólido e muito bem construído, mas não podiam-no colocar em pior logar.
Uma caixa d’agua a cavaleiro de um cemitério é realmente esquisito, e é muito parecido com a tal cousa de colocar-se o pote d’agua ao lado da sentina.
É vulgar que o ar das necrópoles é impuro, e que a poeira é nociva.
Sendo a superfície líquida, facilmente suscetível a ambos, data-se naturalmente o perigo da vizinhança;
Reservatório e cemitério são incompatíveis, um dos dois deve ser mudado para bem long
(“Saneamento de Manáos”, 1904Saneamento de Manáos. (1904, ago. 18). Jornal do Commercio. http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=170054_01&pasta=ano%20190
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A cidade não parara de crescer, nem as epidemias cessaram de afligi-la. Em 1904, o Cemitério de São João também já se encontrava lotado e não comportava mais novas inumações. O governo do estado chegou a oferecer à Intendência Municipal um terreno na margem direita da Cachoeira Grande para construção de outro cemitério, sendo ainda adquirido terreno contíguo ao Cemitério de São João para servir de anexo, mas este logo estava também totalmente ocupado. O superintendente municipal achou mais vantajoso investir no melhoramento do cemitério já existente em vez de construir um novo. Iniciaram-se, então, exumações dos cadáveres mais antigos da necrópole de São João (“Melhoramentos municipaes”, 1904Melhoramentos municipaes. (1904, maio 29). Jornal do Commercio. http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=170054_01&pasta=ano%20190
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).
Duas cartas cadastrais, datadas de 1895 e 1906, apresentadas respectivamente nas Figuras 6 , permitem visualizar a expansão do espaço correspondente ao Cemitério de São João, identificado nas duas como ‘cemitério novo’. De um registro para outro, a própria forma do terreno, inicialmente mais parecida com um quadrado, tornou-se retangular.
Carta cadastral da cidade de Manaus e arrabaldes, levantada por João Miguel Ribas na administração de Eduardo Ribeiro, 1895, com o Cemitério Municipal de São João destacado por círculo vermelho (grifo dos autores).
Planta de Manaus e arrabaldes datada de 1906, com a área ampliada do Cemitério Municipal de São João, destacada por círculo vermelho (grifo dos autores).
Há quem conjecture que a permanência do Cemitério de São João, apesar dos inconvenientes e das ameaças de ser desativado, se explique porque poderia ter sido apropriado pela elite manauara emergente como importante espaço de afirmação social e cívica, em vista do patrimônio monumental e da coincidência temporal com o auge do período de prosperidade econômica que a cidade vivia, devido à extração de borracha silvestre (Nagel, 2011Nagel, C. M. O. (2011, jul.). A morte e o morrer na Paris dos Trópicos. In Anais Eletrônicos do XXVI Simpósio Nacional de História, Associação Nacional de História, São Paulo. http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300854249_ARQUIVO_AMorteeoMorrernaParisdosTropicossemresumoeabstract.pdf
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).
Mas é forçoso admitir que essa apropriação por indivíduos mais abastados, que providenciaram túmulos mais elaborados para seus familiares, se deu ao longo de um período mais dilatado e foi, de certa maneira, diluída no contingente de sepultamentos ali abrigados. Na verdade, o Cemitério de São João demorou mais tempo para se estabelecer como necrópole à altura das demandas estéticas daquela sociedade crescentemente ávida pelos ares da modernidade, até porque ainda existia o mais conveniente espaço do Cemitério de São José. Este, agora situado em localização privilegiada e de acesso mais cômodo, uma vez que a cidade crescera e dele se aproximara, continuou pelo menos até as primeiras décadas do século XX a receber missas em sua capela, havendo também sempre mobilizações sociais buscando garantir melhoramentos ao espaço.
Ao contrário disso, o Cemitério Municipal de São João ia acumulando críticas quanto ao mau estado em que se encontrava, o que fez com que o assunto alcançasse as contendas políticas dos grupos que se antagonizavam pelo poder no Amazonas. A Figura 8 constitui uma foto da necrópole em 1903, com seu simples cercado em madeira, constante alvo de críticas. Já em 1899, foram publicadas no jornal Commercio do Amazonas várias denúncias sobre a ausência parcial da cerca do novo cemitério da capital, que estava sendo invadido por animais que ali iam pastar. A culpa por tal abandono era atribuída ao superintendente municipal, acusado de ter dado prioridade a gastos de melhoramentos no mercado público, negligenciando o cemitério (“Ainda o cemitério”, 1899Ainda o cemiterio. (1899, maio 21). Commercio do Amazonas. http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=301337&pesq=&pagfis=1403
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).
Como o atrito tinha motivação política, a réplica veio pelas páginas do concorrente jornal A Federação, com matéria em defesa do superintende municipal. Nela, lê-se que o mandatário não só estava preocupado com o estado do cemitério, como atribuía as omissões da sua conservação ao seu antecessor no cargo, que não teria repassado ao contratante das obras necessárias os 100 contos de réis providenciados pelo governo do estado para a resolução do problema.
O sr. dr. superintendente não é e nem podia ser indiferente à morada dos mortos, tanto assim que a ela se referiu em seu relatório, tanto assim que procurou os desenhos que deviam presidir à construção do muro e gradil da face principal e que, conforme declarou o sr. dr. Filgueiras, não foi encontrado pelo mesmo ao assumir o lugar de engenheiro da municipalidade.
O sr. dr. superintendente, repetimos, não é indiferente às obras do Cemitério, porque já ordenou ao atual engenheiro da Intendência que, sobre os alicerces feitos, projete novo muro e gradil, de conformidade com o contrato firmado para as ditas obras.
O sr. dr. superintendente já providenciou no sentido de ser colocado na entrada principal do Cemitério um antigo portão que por lá andava atirado, e que o sr. engenheiro já deu ordem de serviço afim de que seja vedada a entrada de animais, nos lugares que tal ingresso era permitido, o que já foi feito
(“O cemiterio de S. João”, 1899O cemiterio de S. João. (1899, jun. 13). A Federação. http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=223573&pesq=&pagfis=1160
http://memoria.bn.br/DocReader/docreader... , p. 1).
Desaprovando a falta de uma ação mais eficiente para solucionar o problema, o Commercio do Amazonas passou a mobilizar a população para constranger o poder público, pois chegou a organizar uma arrecadação em prol das obras necessárias na necrópole.
AO POVO
Um óbolo justo!
Em prol do cemitério
Deixemos de pilheria.
É tempo de tratarmos seriamente do cemitério público da nossa capital. Lá repousam os restos mortais de pessoas amadas e queridas: mães, pais, filhos, esposos, irmãos, amigos. . .
O dr. Superintendente Municipal = arquivemos o seu nome: Arthur Cesar Moreira de Araujo, = não ligou importância as queixas do povo, ás reclamações da Imprensa. O cemitério continua abandonado: os animais pastam nas sepulturas, o mato cresce, o lugar santo está convertido em verdadeiro campo.
Apelamos para o povo amazonense: pedimos-lhe um óbolo em favor das obras do cemitério
(“Ao povo”, 1899Ao povo. (1899, jun. 13). Commercio do Amazonas. http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=301337&pesq=&pagfis=1459
http://memoria.bn.br/DocReader/docreader... , p. 1).
O dinheiro arrecadado pela campanha, 1:775$000, foi encaminhado pelo jornal ao superintendente com um requerimento de autorização para erguer uma cerca provisória enquanto não se providenciava o muro do cemitério (Commercio do Amazonas, 1899Commercio do Amazonas. (1899, jun. 28). Commercio do Amazonas. http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=301337&pesq=&pagfis=1499
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). Considerando aquilo uma provocação, o superintendente municipal Arthur Araújo recusou o requerimento, e a parte da quantia arrecadada que não foi reclamada pelos doadores acabou sendo doada aos pobres (“A Federação”, 1899A Federação. (1899, jul. 8). Commercio do Amazonas. http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=301337&pesq=&pagfis=1527
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).
Ainda sem ter sido providenciado o muro, o Commercio do Amazonas voltou à carga no ano seguinte, publicando relato de um visitante que esteve no Cemitério de São João e detalhava um quadro decepcionante e desolador no dia de finados:
Prescindimos de tudo quanto ali devia haver e que não vimos: sepulturas bem alinhadas, ruas internas, por onde pudessem perpassar os visitantes; catacumbas (carneiros) para quem, tendo posse, nelas preferisse encerrar os restos mortais dos que lhes foram caros em vida; arborização interna com casuarinas e ciprestes, arvores da morte e da dor; tudo isto circundado por muros e grades de ferro, bem fechados, como se fora um cofre a guardar aquelas relíquias sagradas.
. . .
Não descreve a nossa pobre pena espetáculo contristador ali desenvolvido: um grande número de pessoas de todas as classes e condições sociais, tendo nas faces os traços de desgosto, de dor, da aflição, pediam informações e tinham a mesma sorte que a desídia e ignorância dos encarregados daquela necrópole nos reservara.
. . .
Em todos os países adiantados os cemitérios não ficam entregues aos ignorantes, antes têm uma administração capaz de compreender o que eles significam e representam no mundo civilizado
(“Uma visita ao cemitério S. João”, 1900Uma visita ao cemitério S. João. (1900, nov. 5). Commercio do Amazonas. http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=301337&pagfis=2046
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader... , p. 1).
Os trechos acima destacados foram extraídos de um longo relato em que se percebe claramente que havia uma expectativa estética específica voltada para o espaço cemiterial. Com os discursos oficiais, isso nem sempre fica evidente, uma vez que ali são priorizadas as preocupações de ordem mais prática, mas o fato é que se esperava que os cemitérios públicos incluídos em um projeto de modernidade funcionassem como uma espécie de espelho das cidades dos vivos, nas palavras de Ariès (2017, p. 76)Ariès, P. (2017). História da morte no ocidente: da idade média aos nossos dias. Nova Fronteira., “. . . mais que o inverso, sua imagem, e sua imagem intemporal”. A evidente inspiração eram os grandes cemitérios europeus, aqueles dos países ditos ‘adiantados’, que proliferavam no período.
O cemitério público secularizado tornou-se ‘uma instituição cultural’, além de religiosa. Faz parte da invenção moderna, compartilha da reestruturação da sociedade que, de agora em diante, trabalha com o confronto dialético de duas realidades conceituais de vida: ‘a cidade dos mortos e a cidade dos vivos’. Com referência à ‘cidade dos vivos’, a burguesia preocupou-se com novos modelos gerais de urbanização e com novas tipologias de serviços, como residências, escolas, teatros, hospedarias e fábricas. As construções, numa primeira instância, visavam ao bem-estar coletivo e ao progresso, advindos da Revolução Industrial. Quanto à ‘cidade dos mortos’, a burguesia sentiu-se no direito de construir uma arquitetura funerária que expressasse seu gosto e suas pequenas fantasias. Repropôs, em miniatura, os tipos arquitetônicos da cidade ideal
(Borges, 2002Borges, M. E. (2002). Arte funerária no Brasil (1890-1930): ofício de marmoristas italianos em Ribeirão Preto. C/Arte., p. 130).
No caso específico de Manaus, a cidade dos mortos, em suas várias configurações ao longo das décadas que se seguiram à instituição da província, foi acompanhando os esforços de modernização da nova capital. À medida que se estabelecia o monopólio da borracha amazônica, beleza e requinte passaram a figurar entre as prioridades, ao lado de necessidades mais objetivas. Nas palavras de Rodrigues (2020, p. 47)Rodrigues, P. A. C. (2020). Duas faces da morte: corpo e alma do Cemitério Soledade. Editora Appris. acerca do que ocorria com grande semelhança em Belém, “. . . o dinheiro da economia da borracha refletia na casa dos vivos e dos mortos”.
Com reformas executadas na administração do superintendente Adolpho Lisboa (1862-1913) em 1906, o Cemitério Municipal de São João se aproxima do ideal estético almejado (Figura 9). Os gradis de ferro em estilo art nouveau e a capela em estilo neogótico, com materiais importados da Escócia e da França, se tornariam elementos icônicos de sua visualidade, fazendo do espaço um dos símbolos da Belle Époque manauara.
Para além dos aparatos estruturais, pode-se destacar também a presença de exemplares arquitetônicos e escultóricos sobre as sepulturas. Isso evidencia não só o que disse Borges (2002)Borges, M. E. (2002). Arte funerária no Brasil (1890-1930): ofício de marmoristas italianos em Ribeirão Preto. C/Arte. sobre a expressão do gosto e pequenas fantasias burguesas na cidade dos mortos, mas também que Manaus contava com meios de suprir tal demanda com a oferta de serviços específicos típicos de cidades modernizadas. Segundo Martins (2021)Martins, C. M. M. A. (2021). Representações na cidade dos mortos: análise iconográfica da escultura tumular em Manaus durante o período da borracha [Dissertação de mestrado, Universidade do Estado do Amazonas]., a aquisição de monumentos tumulares em Manaus foi sendo facilitada nas últimas décadas do século XIX, primeiro com a inauguração da Oficina de Mármores de Martin & Backus em Belém, no ano de 1879, que disponibilizava agentes para receber encomendas na capital amazonense, depois, em 1898, era inaugurada em Manaus a Marmoraria Ítalo-Amazonense, responsável pela produção de vários exemplares presentes no Cemitério de São João até os dias atuais. No ano seguinte à finalização das reformas no São João, Adolpho Lisboa, partindo em uma viagem para a Europa, era homenageado na primeira página do Jornal do Commercio por ter proporcionado à cidade um “. . . belo conjunto de melhoramentos materiais”. Segundo o periódico, ele transformara um cemitério “. . . toscamente primitivo em necrópole moderna, enriquecida de uma capela luxuosa e cercada de gradis primorosos” (“Coronel Adolpho Lisboa”, 1907Coronel Adolpho Lisboa. (1907, abr. 29). Jornal do Commercio. http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=170054_01&pesq=&pagfis=4222
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, p. 1).
O superintendente também realizou, no ano de 1906, uma série de reformas no bairro do Mocó. Essas reformas começaram com o nivelamento e o calçamento da avenida Constantino Nery, via direta até lá, e incluíram alinhamento das ruas, arborização, calçamento e iluminação, além da retificação de edifícios que se encontravam em aspecto precário (“O município”, 1906O município. (1906, ago. 26). Jornal do Commercio. http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=170054_01&pesq=&pagfis=3632
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). Por fim, em 1908, a Lei n. 510Lei n. 510. (1908, maio 30). Autoriza os melhoramentos das Praças 5 de Setembro e Benjamin Constant bem como o início do calçamento do Boulevard Amazonas., de 30 de maio autorizou o calçamento do Boulevard Amazonas, para onde se abria uma das entradas da necrópole. Tais melhoramentos certamente contribuíram para valorizar o aspecto estético do Cemitério de São João e tornaram seu entorno mais elitizado.
CONCLUSÃO
A segunda metade do século XIX trouxe grandes mudanças para a cidade de Manaus. Alçada a capital da recém-criada província do Amazonas, o lugar pacato e isolado passava a requerer medidas emergentes na tentativa de adequá-lo a um modelo de modernidade. As transformações, a princípio lentas e não muito expressivas, foram sendo impulsionadas à medida que avultavam nos cofres públicos os lucros obtidos com a exportação da borracha silvestre amazônica.
Os espaços cemiteriais eram ponto importante do referido modelo de modernidade. Cidades que se queriam modernas precisavam estabelecer limites claros entre o espaço dos vivos e o dos mortos, em favor da salubridade urbana. Diante disso, o crescimento urbano e populacional em Manaus nas últimas décadas dos 1800 significou constante preocupação no sentido de tentar atender a uma demanda que se avolumava, especialmente por conta do perigo constante das epidemias.
No entanto, além das necessidades práticas, os cemitérios, no contexto das sociedades modernas, também exigiam necessidades estéticas, precisando se adequar a um ideal romântico burguês. Os cemitérios, transformados em verdadeiras ‘instituições culturais’, deveriam expressar, por meio de sua arquitetura, o imaginário burguês em relação à morte, ajudando a prestar culto à memória dos falecidos.
O Cemitério Municipal de São João, inaugurado em 1891, veio a se tornar, depois de anos de denúncias acerca de sua má conservação, um símbolo manauara do espaço cemiterial idealizado para as grandes metrópoles modernas e da cultura fúnebre da Belle Époque na cidade.
Hoje, numa cidade de 2 milhões e 200 mil habitantes, o Cemitério São João ainda está de pé e em funcionamento, recebendo novos enterros apenas em jazigos perpétuos, mas agora com a importante dimensão de patrimônio histórico em que se transformou.
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Os códigos de postura foram consultados por meio da compilação realizada por Sampaio (2016)Sampaio, P. M. (Org.). (2016). Posturas municipais Amazonas (1838-1967). EDUA..
AGRADECIMENTOS
Esta pesquisa foi realizada com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM).
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Martins, C., & Páscoa, M. (2023). A Manaus dos mortos: o espaço cemiterial na busca pela modernidade (1854-1906). Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 18(2), e20220038. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2022-0038.
REFERÊNCIAS
- A Federação. (1899, jul. 8). Commercio do Amazonas http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=301337&pesq=&pagfis=1527
» http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=301337&pesq=&pagfis=1527 - Ainda o cemiterio. (1899, maio 21). Commercio do Amazonas. http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=301337&pesq=&pagfis=1403
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
23 Jun 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
06 Jul 2022 -
Aceito
16 Nov 2022