Resumo
Casamentos interétnicos envolvendo os vários povos do Alto Xingu parecem ter tido, na longa duração, um papel fundamental no desenvolvimento de sistemas terminológicos estruturalmente muito semelhantes (de tipo ‘iroquês’) e na generalização da condição de ‘parente’. Ainda que várias monografias sobre a região tenham dedicado algum espaço ao parentesco e às formas de casamento, são poucos os estudos baseados em dados genealógicos extensos. O objetivo deste artigo é retomar a discussão sobre o lugar dos casamentos na produção da socialidade no Alto Xingu, a partir da análise de uma rede genealógica documentada entre os Kalapalo, um dos povos de língua karib daquela região. Utilizando ferramentas computacionais, foi realizada uma análise exploratória desta rede, focalizando os tipos de circuitos matrimoniais presentes, suas frequências relativas e suas inter-relações. Este exercício tem como objetivos indagar como os resultados obtidos dialogam com modelos já propostos a respeito do sistema de aliança alto-xinguano, e lançar um olhar mais detalhado sobre os casamentos interétnicos e seu lugar na composição de uma rede empírica. Espera-se, assim, oferecer uma visão mais concreta das dinâmicas matrimoniais no Alto Xingu a partir do caso kalapalo e apontar novas possibilidades de pesquisa.
Palavras-chave Parentesco; Redes; Terminologias iroquesas; Métodos de pesquisa; Alto Xingu; Kalapalo
Abstract
Interethnic marriages among the various peoples of the Upper Xingu seem to have played a central role in the development of terminological systems that are structurally very similar (of the ‘Iroquois’ type) and in generalization of the condition of ‘kin’ over the long term. Although several monographs on the region have devoted some space to kinship and marriage, few studies are based on extensive genealogical data. This article resumes discussions on the place of marriages in the production of sociality in the Upper Xingu, based on analysis of a genealogical network documented among the Kalapalo, one of the Carib-speaking peoples of this region. Computational tools are used to conduct an exploratory analysis of this network which focuses on the types of matrimonial circuits present, their relative frequencies, and their intersections. The objective is to investigate how the results might dialog with models already proposed for the Xinguano alliance system, and to more closely examine interethnic marriages and their place in an empirical network. The results from the Kalapalo can be extended to offer a more concrete vision of matrimonial dynamics in the Upper Xingu as well as to indicate new possibilities for research.
Keywords Kinship; Networks; Iroquois terminologies; Research methods; Upper Xingu; Kalapalo
INTRODUÇÃO
Quem quer que já tenha passado algum tempo no Alto Xingu há de ter percebido a centralidade dos laços de parentesco entre os povos daquela região. É praticamente impossível que algum alto-xinguano não tenha relações de parentesco em quase todas as aldeias, independentemente do agrupamento linguístico ao qual pertença. No Alto Xingu, como meus interlocutores me disseram incontáveis vezes, todo mundo é parente. Na escala pessoal, é sempre possível evocar uma relação de parentesco com alguém para pedir algo: uma carona, peixe, objetos. Entre pessoas próximas, os laços de parentesco costumam ser mantidos implícitos, e são destacados quando se quer demonstrar afeto, quando se quer ter uma conversa séria (deixando claro que o assunto deverá ser considerado segundo o ideal de comportamento esperado para a relação), ou quando se quer ‘chorar junto’ a morte de um ente querido. Entre pessoas aparentadas, mas que mantêm uma interação social esporádica, o uso de termos de parentesco costuma ser mais frequente. Em uma festa com convidados de vários povos, é comum encontrar muitos primos, tios, pais, avôs etc. e marcar publicamente o reconhecimento dessas relações por meio do uso dos vocativos apropriados. Em viagens, saber reconhecer parentes distantes pode significar a diferença entre conseguir uma carona ou ter de viajar a pé. Na escala das relações entre os grupos, o parentesco também é chave para organizar as diversas socialidades engendradas nos rituais multicomunitários, que mobilizam imagens distintas da consanguinidade e da afinidade (Novo & Guerreiro, 2020). Em suma, é muito difícil compreender a vida no Alto Xingu sem compreender como o parentesco opera em uma multiplicidade de escalas.
Na história da etnologia xinguana, o parentesco recebeu uma atenção bastante heterogênea. A descrição dos sistemas terminológicos, das práticas matrimoniais e das lógicas residenciais esteve no centro de muitas etnografias, sobretudo da primeira geração de pesquisadores que fizeram campo na área entre os anos 1950 e 1970 (Becker, 1969; Dole, 1969; Galvão, 1979; Gregor, 1977; Murphy & Quain, 1955; Oberg, 1953). Entre o final dos anos 1970 e os anos 1990, os estudos de parentesco na região se transformaram significativamente, sendo progressivamente redefinidos por questões relativas à fabricação da pessoa e ao ritual (Menezes Bastos, 1978, 1990; Seeger et al., 1979; Viveiros de Castro, 1977), com a notável exceção dos trabalhos de Coelho de Souza (1992, 1995) sobre as terminologias xinguanas e seus possíveis correlatos matrimoniais. A partir dos anos 2000, a etnologia alto-xinguana viu uma profusão de monografias sobre os mais diversos temas – artes, rituais, política, xamanismo, saúde, educação, territorialidade –, cada uma delas dialogando com o ‘parentesco’ de maneira mais ou menos pontual (Barcelos Neto, 2002, 2008; Franco Neto, 2010; Mello, 2004; Novo, 2008; Piedade, 2004) – mas, novamente, com algumas exceções que recuperaram a centralidade do parentesco para pensar a política (Fausto, 2005; Guerreiro, 2008, 2011; Heckenberger, 2005). Nos últimos anos, alguns trabalhos voltaram a empreender reflexões mais dedicadas ao tema, desta vez focadas no lugar do parentesco nas filosofias indígenas (Guerreiro, 2015a; Guerreiro & Novo, 2020; Vanzolini, 2015); em práticas rituais (Fausto, 2017; Guerreiro, 2015a, 2015b); em problemas como a gestação, o parto e a socialidade das crianças (Monachini, 2015, 2021; Regitano, 2019); nas relações entre parentesco e monetarização (Novo, 2017); e nas relações entre parentesco e a construção de uma socialidade indígena em espaços urbanos (Horta, 2018). É preciso destacar o trabalho fundamental de Mehinaku (2010), que esclarece importantes ideias a respeito do conceito kuikuro de ‘parente’ e faz uma análise inédita do lugar dos casamentos interétnicos para a ‘mistura de pessoas e línguas’ que caracteriza a região.
Problemas ‘clássicos’ de parentesco, contudo, insistem em não desaparecer. Certa noite, estava deitado em minha rede me preparando para dormir, enquanto um dos homens que vivia na casa onde me hospedo entre os Kalapalo consertava sua motocicleta. Por estar trabalhando perto de minha rede, e talvez por perceber que o barulho das ferramentas tornaria meu sono mais difícil, ele decidiu puxar assunto. “Cunhado”, me disse, “por que os brancos são diferentes?”. Sem entender bem a pergunta, questionei: “diferentes como?”. Para minha surpresa, sua questão evocava um velho problema antropológico: a possibilidade ou a impossibilidade do casamento de primos. “Eu quero saber por que os brancos não se casam com suas primas”, disse ele. “Você sabe que para nós, casar com uma prima é uma coisa boa, mas nós não temos muitas primas com quem podemos nos casar. Vocês, brancos, são diferentes: vocês têm muitas primas, mas não se casam com elas!”.
Meu interlocutor fez questão de esclarecer a raiz do problema, explicando que a dificuldade em encontrar uma prima adequada para se casar está no fato de que muitas mulheres que os brancos chamariam de primas são, para os Kalapalo, irmãs ou são primas ‘muito perto’, ‘igual a irmãs’. Já os brancos, que supostamente poderiam encontrar uma esposa com facilidade entre suas muitas primas, criam para si um novo problema ao evitar esse tipo de casamento e se ver na obrigação de buscar esposas em meio a um mundo de desconhecidos. Éramos dois homens conversando, mas o mesmo tipo de questão afeta as mulheres kalapalo. Aquele mesmo interlocutor me contou que às vezes era preciso analisar com atenção todas as relações ligando duas pessoas que gostariam de se casar, me dando o exemplo de seu próprio casamento. Sua esposa seria, pelo seu lado materno, sua ‘mãe’ (uma prima de sua genitora, de fato), enquanto por seu lado paterno ela seria uma ‘prima mesmo’ (o que os antropólogos chamam de ‘prima cruzada patrilateral’). O parentesco pelo lado materno tornaria o casamento impossível, mas como era uma relação genealogicamente distante, ambos se permitem ler suas relações anteriores ao casamento como relações entre primos, o que torna a união aceitável.
Esta conversa ilustra como problemas relativos a terminologias de parentesco e possibilidades matrimoniais não são meras invenções antropológicas, como poderia sugerir o lugar secundário que esses temas passaram a ocupar na disciplina após as críticas de Schneider (1984). Ao contrário, são questões que atravessam o cotidiano das pessoas, e os Kalapalo manifestam um conjunto de preocupações contemporâneas ligadas a elas: preocupam-se com o impacto do crescimento da população sobre o sistema de casamento, que parece trazer os riscos de uma ‘exogamia exagerada’, marcada pelo enfraquecimento do respeito e da cooperação entre afins; notam os efeitos do dinheiro sobre as escolhas matrimoniais; e temem as transformações das relações de parentesco influenciadas pela vida em espaços urbanos. Em suma, ‘o parentesco’, como quer que seja definido, está longe de ser um tema do passado, sendo para os alto-xinguanos um problema do presente e do futuro, o que é motivo suficiente para que seja revisitado.
Neste artigo, proponho fazer uma análise exploratória das práticas matrimoniais presentes em uma rede genealógica construída a partir dos Kalapalo, um dos povos de língua karib do Alto Xingu. Ainda que os estudos de parentesco atravessem a história da etnologia alto-xinguana, eles são marcados por uma escassez de dados genealógicos. Algumas das principais hipóteses foram elaboradas com base em dados limitados (às vezes impressionistas), ou foram elaboradas com base em dados de terceiros e não puderam ser testadas a fundo. Galvão (1979), Oberg (1953) e Dole (1969, 1984), por exemplo, não apresentam dados genealógicos (apesar de Dole, 1969, 1984) mencionar ter coletado uma genealogia de cinco gerações remontando até 1905); Gregor (1977) traz apenas um ou outro fragmento genealógico a título de ilustração; Zarur (1975) e Viveiros de Castro (1977) apresentam genealogias, mas limitadas pelos efeitos da depopulação (os Aweti, à época, estavam reduzidos a 19 adultos, e os Yawalapíti, a 86 pessoas). Os dados de Becker (1969; Basso, 1973a, 1973b) sobre os Kalapalo são dos poucos que permitem um estudo mais detalhado das práticas matrimoniais, mas ainda assim os fatos de sua genealogia estar segmentada nos grupos domésticos e de nem todas as relações entre as pessoas estarem registradas tornam difícil lidar com os dados. Dos anos 1980 em diante, genealogias vão se tornando cada vez mais raras, com a importante exceção do trabalho de Mehinaku (2010), no qual o autor apresenta uma extensa genealogia da principal aldeia kuikuro. Em suma, em quase um século e meio de etnologia xinguana temos poucos dados genealógicos para realizar análises aprofundadas. Este artigo pretende ajudar a suprir essa lacuna, oferecendo a análise de uma rede que poderá, futuramente, ser submetida à análise de outros pesquisadores e mesmo servir de base para a ampliação de pesquisas genealógicas na região1.
É certo que a limitação de dados genealógicos na literatura também se deve a alguns fatores incontroláveis pelos pesquisadores. Para além da proibição dos nomes dos afins e dos mortos recentes apontada por Gregor (1977), que dificulta a pesquisa genealógica, o desastre demográfico das epidemias deixou lacunas de difícil reparação na memória. Há, ainda, uma certa ‘amnésia genealógica’ associada à relativa suficiência do conhecimento de apenas duas gerações ascendentes para traçar relações de parentesco relevantes no dia a dia. Em geral, saber os termos de parentesco que os avós ou pais usam para se referir a outros é suficiente para determinar uma relação sem que seja necessário recontar qualquer caminho genealógico. Mas isso não quer dizer que remontar relações genealógicas não seja importante em diversas situações. Para os parentes mais próximos, conhecer caminhos genealógicos é importante para definir possibilidades de pagamentos por conhecimentos ou atividades especializadas, juntar riquezas para o pagamento de noivados, ou viabilizar a preservação de nomes por meio de sua transmissão. Há ainda os casos em que duas pessoas com laços distantes que queiram se casar precisam fazer alguma ‘desambiguação’ de suas relações para ter certeza de que o casamento é possível. Para os chefes, por fim, a manutenção dessas informações de forma mais detalhada é importante tanto para legitimar sua posição quanto para questionar as pretensões de seus rivais.
Em suma, recolher genealogias em extensão e profundidade no Alto Xingu é um trabalho difícil, mas, ainda assim, frequentemente desperta o interesse das pessoas. Descobrir o motivo pelo qual um parente era primo de seu pai, ou porque alguém tem um irmão distante em um povo onde não possui outros parentes, sempre foi motivo de muita curiosidade dos jovens quando ouviam os mais velhos. Se aplicar os termos de parentesco de forma correta era suficiente para navegar no universo dos parentes, conhecer os caminhos entre os parentes era motivo de excitação, como se fosse um tipo de revelação. Um rapaz uma vez me disse que gostaria de fazer uma genealogia de todo o Alto Xingu para mostrar como todos eram parentes, pois ele achava que isso ajudaria a diminuir as fofocas e as agressões dos feiticeiros. Outro jovem também insistiu que eu devia fazer genealogias “bem completas mesmo”, porque seria uma forma de contar a história de seu povo, “como um documento ou um livro”. Hoje, parece haver um consenso de que as opções de casamento para os jovens estão restritas (V. Monachini, comunicação pessoal, 2022). Os jovens fazem um grande esforço para identificarem entre seus parceiros desejados caminhos genealógicos que tornem um casamento possível, o que não é um exercício muito distante do que faremos a seguir – diferente em método, certamente, mas talvez não em relação à natureza de algumas questões.
A análise dos materiais que se seguem será de cunho exploratório, na medida em que não partirá de perguntas previamente formuladas, mas buscará sistematizar as principais características de uma rede genealógica empírica para, a partir delas, indagar como os dados dialogam com a literatura e elaborar novas questões. O recorte serão as práticas matrimoniais, que serão analisadas tendo em vista suas correlações com a terminologia kalapalo. O modo alto-xinguano de realizar casamentos está na base da formação de grupos locais e de alianças multicomunitárias, e foi fundamental para a própria formação do complexo xinguano, o que faz de sua compreensão detalhada um passo importante para esclarecer aspectos das dinâmicas sociopolíticas do Alto Xingu na longa duração. Além disso, a dinâmica dos casamentos é fundamental para a compreensão de diversos processos contemporâneos, como a organização política de aldeias e conjuntos de aldeias, a distribuição territorial dos grupos locais, os fluxos de pessoas, as dinâmicas rituais e os processos migratórios dentro e fora do TIX.
APARENTES PARADOXOS
As abordagens do parentesco alto-xinguano são marcadas por uma série de incertezas e paradoxos. Galvão (1979) foi o primeiro a descrever em detalhes a terminologia de parentesco de alguns dos povos da região, tendo levantado listas de termos de parentesco para os Aweti, Mehinaku, Trumai, Nahukua, Yawalapíti e Kamayurá. Sua comparação o permitiu incluir o sistema de parentesco entre os principais ‘traços culturais’ do que ele havia definido como uma área cultural, a ‘área do uluri’ (referência à peça de indumentária feminina usada para cobrir o púbis). Como traços gerais da terminologia, Galvão destaca a existência de uma distinção entre parentes paralelos e cruzados em G+1, mas que seria anulada em Gø: tanto primos paralelos quanto os cruzados seriam chamados de ‘irmãos’ e ‘irmãs’. O cruzamento seria reintroduzido em G-1, com filhos de primos cruzados de mesmo sexo sendo chamados de ‘filhos e filhas’ e filhos de primos cruzados de sexo oposto chamados de ‘sobrinhos e sobrinhas’, o que estaria em consonância com a assimilação de primos cruzados a germanos observada em Gø. Esta característica de Gø levou Galvão (1979, p. 39) a considerar a terminologia kamayurá e alto-xinguana como do tipo ‘havaiano’, a despeito do cruzamento em G+1 e G-1.
Também trabalhando entre os Kamayurá, e tendo coletado terminologias para os Aweti, Kalapalo, Kuikuro, Wauja, Yawalapíti e Trumai, Oberg (1953, p. 43) define as terminologias de parentesco alto-xinguanas2 como de “fusão bifurcada”, apontando: a ocorrência de termos consanguíneos para todos os parentes de G+2 (avôs e avós) e G-2 (netos e netas); a existência de termos distintos para parentes paralelos e cruzados em G+1, Gø e G-1; e a importância da distinção entre irmãos mais velhos e mais novos em Gø. Para Oberg (1953), diferentemente de Galvão (1979), a diferença entre paralelos e cruzados não se anularia em Gø.
A questão se complexifica quando Dole (1969) apresenta uma descrição da terminologia Kuikuro, na qual reencontra características dos sistemas de fusão bifurcada em conjunto com a assimilação de primos cruzados a germanos. Diante deste aparente paradoxo, Dole (1969) propõe classificar a terminologia kuikuro como um novo tipo, o de ‘geração bifurcada’, para o qual ela apresenta uma explicação histórica. Um suposto sistema de exogamia local, regulado pelo casamento de primos, teria implodido pela depopulação ocorrida desde os primeiros contatos com os não indígenas. A redução populacional teria produzido um novo padrão endogâmico, fazendo ruir uma suposta diferença original entre primos cruzados/estrangeiros e consanguíneos/corresidentes. Com isso, a própria distinção entre parentes paralelos e cruzados teria se tornado obsoleta (Dole, 1969, p. 113).
Basso, trabalhando entre os Kalapalo, foi a primeira a fazer um estudo mais detalhado de um sistema de parentesco xinguano, discutindo aspectos da terminologia, do sistema de atitudes, das práticas matrimoniais e apresentando os primeiros dados genealógicos mais robustos (Becker, 1969; Basso, 1973a, 1973b, 1975, 1984). Indo além do rótulo genérico de ‘sistemas de fusão bifurcada’, ela descreveu a terminologia kalapalo como sendo de tipo dravidiano, pois, além da distinção entre parentes paralelos e cruzados nas três gerações centrais, alguns dos termos para parentes cruzados seriam também aplicados aos afins (havendo um único vocativo para ‘tio materno’ e ‘sogro’ e outro para ‘tia paterna’ e ‘sogra’). Ela reconhece, porém, que, diferentemente dos sistemas dravidianos clássicos, os Kalapalo possuem termos separados de afinidade, e que primos cruzados próximos tendem a se chamar de ‘irmãos’.
Zarur (1975), entre os Aweti, e Gregor (1977), entre os Mehinaku, identificaram terminologias com as mesmas características gerais. Zarur (1975) descreve uma terminologia parecida com a dos Kamayurá, mas discorda de Galvão (1979) quanto à assimilação de primos cruzados a irmãos. Zarur (1975) insiste na importância de se distinguir entre uma terminologia de referência, na qual a distinção entre primos paralelos e cruzados existe de forma inequívoca, e uma terminologia vocativa, na qual a distinção é apagada pelos vocativos para ‘irmão’ e ‘irmã’. Com isso, sugere que a terminologia Aweti (e possivelmente dos demais alto-xinguanos) não devesse ser enquadrada no tipo ‘havaiano’, como faz Galvão (1979), mas no tipo ‘iroquês’ – sem, contudo, detalhar as razões da escolha deste rótulo, ao invés de, por exemplo, ‘dravidiano’ (Zarur, 1975, p. 16). Gregor (1977), junto aos Mehinaku, descreve uma terminologia parecida à identificada por Zarur (1975), na qual a existência de termos de referência específicos para primos cruzados é eclipsada pelo uso dos vocativos para irmão e irmã (Gregor, 1977, p. 267).
Esta oscilação entre a marcação e o eclipsamento do cruzamento na geração de Ego, ou entre terminologias de ‘fusão bifurcada’ ou ‘geracionais’, dravidianas ou iroquesas, esteve associada a uma confusão de mesmas proporções com relação às práticas matrimoniais. Tanto Oberg (1953, p. 44) quanto Galvão (1979, p. 28) registraram entre os Kamayurá um ideal de casamento de primos cruzados, mas que raramente se realizaria na prática3. Dole (1984, p. 45) apresenta uma visão bastante negativa do sistema kuikuro, no qual, segundo ela, as pessoas não conseguiriam, ou sequer se esforçariam, para manter alianças entre famílias ou grupos de parentesco pelo casamento, e descreve um estado de “discordância geral sobre as regras de casamento” (Dole, 1984, p. 48). A única ideia mais ou menos consensual, a respeito do alto valor da exogamia local, contrastaria com seus próprios dados, que revelam uma forte tendência à endogamia (cerca de 75% dos casamentos seriam endogâmicos com relação à aldeia; Dole, 1984, p. 49). A única regra existente seria proscritiva: não se deve casar com pessoas da família nuclear, primos paralelos de primeiro grau, germanos dos pais, filhos de germanos, avós ou netos. Dole (1984, p. 59) conclui que, na ausência de categorias fixas de doadores e receptores de cônjuges, os Kuikuro sequer possuiriam um sistema de aliança de casamento.
Entre os Aweti, Zarur (1975) descreve os primos cruzados como cônjuges preferidos, mas afirma que esta seria uma definição ‘frouxa’. Dada a expansividade das classificações de parentesco, além dos primos cruzados ‘de fato’, outros cônjuges possíveis seriam primos cruzados classificatórios, pessoas que se consideram primos cruzados em função de alguma relação de parentesco ‘fictícia’ entre seus pais, e pessoas não aparentadas, as quais, pelo fato de todos serem por princípio parentes de algum tipo, seriam consideradas primos cruzados (Zarur, 1975, p. 23).
Entre os Mehinaku, segundo Gregor (1977, p. 268), as pessoas dizem que primos cruzados de primeiro grau são “parentes reais”, e, portanto, próximos demais para se casar. Além disso, o marido de uma prima cruzada torna-se um cunhado, evidenciando que primos próximos devem idealmente tratar-se como irmãos. Primos cruzados próximos seriam apenas ‘um pouquinho’ elegíveis para o casamento. Gregor (1977, p. 275) também nota que uma forma ideal de casamento seria a troca de irmãs, pois geraria um equilíbrio entre os grupos de germanos e seria possível contornar o peso das relações assimétricas de afinidade.
Novamente, Basso é quem oferece uma visão mais complexa das relações entre o sistema terminológico e as práticas matrimoniais. Segundo ela, a aplicação de uma ou outra grade classificatória (de ‘fusão bifurcada’, com cruzamento nas três gerações centrais, ou ‘geracional’, anulando o cruzamento) dependeria da distância social (Becker, 1969; Basso, 1973b, 1975, 1984). Segundo Basso, os Kalapalo teriam uma preferência pelo casamento com parentes distantes, que manifestariam maior potencial para estabelecer relações de afinidade, ou affinibility. Ego poderia consanguinizar seus parentes, usando uma terminologia ‘geracional’ que marca a falta de affinibility, ou revelar sua posição cruzada, sugerindo um potencial para a aliança. Com isso, Basso demonstra que não há duas terminologias distintas, nem contradição entre os registros etnográficos anteriores, e que tampouco seria necessário recorrer a uma história conjectural para explicar este aparente paradoxo. Tanto a classificação geracional quanto a de fusão bifurcada seriam expressões de um mesmo sistema matrimonial, o qual favorece uniões entre parentes distantes e permite reclassificações contextuais das relações. Os cônjuges preferenciais seriam pessoas situadas na periferia da parentela de Ego, e a forma ideal de casamento seria a troca de irmãs, aliando dois casais de germanos de forma simétrica.
O argumento de Basso sobre os Kalapalo foi fundamental para o desenvolvimento dos debates sobre a afinidade na Amazônia a partir dos anos 1990. Viveiros de Castro (1993a, 2002) propôs que os sistemas de parentesco amazônicos seriam variações de sistemas dravidianos, isto é, sistemas egocentrados baseados na oposição entre consanguíneos e afins e na transmissão de relações de afinidade. Porém, diferentemente dos sistemas simétricos do sul da Índia descritos por Dumont (1975), os sistemas amazônicos seriam concêntricos, e a oposição entre consanguinidade e afinidade estaria submetida a um princípio hierárquico fundado em noções de distância social. No polo da maior proximidade social, a consanguinidade englobaria as relações de afinidade, enquanto no polo da maior distância social, a afinidade seria o termo englobante. Neste polo mais distante não estariam os afins reais (que tendem a ser atraídos para o polo da consanguinidade pela proximidade social), mas os ‘outros’, os estrangeiros, os inimigos, os representantes de uma ‘afinidade sem afins’ (Viveiros de Castro, 2002). A meio caminho entre estes dois polos é que estariam aqueles que poderiam vir a ser transformados em afins de fato. O resultado da aplicação desse gradiente de distância é uma fratura na afinidade, que se divide entre a afinidade real (produzida pelo casamento e que, pela proximidade social, é atraída para o polo da consanguinidade); a afinidade virtual (ou afinidade terminológica); e a afinidade potencial (a afinidade pura, que ao mesmo tempo em que é exterior ao parentesco, o engloba). Esta lógica explicaria a tendência de algumas terminologias amazônicas a aplicar termos de consanguinidade a afins efetivos e afins virtuais (parentes cruzados), ou até mesmo (como parece ser o caso alto-xinguano) utilizar terminologias geracionais. Nesse último caso, seria possível distinguir entre variações ‘fortes’ (exprimindo alguma forma de exogamia) e ‘fracas’ (que restringem a ‘havaianização’ a uma parcela do campo terminológico, conservando o cruzamento em certas posições ou contextos, e continuam permitindo o casamento de primos). Isso a princípio explicaria o potencial das terminologias alto-xinguanas para assimilar primos cruzados a irmãos, a baixa ocorrência de casamentos entre primos cruzados próximos e a tendência a buscar afins nos limites externos da parentela.
Os sistemas alto-xinguanos para os quais temos mais dados (Kalapalo, Kuikuro, Mehinaku e Kamayurá) claramente apresentam terminologias iroquesas, com distinções importantes em relação às dravidianas4. Nas terminologias dravidianas, filhos de primos cruzados de mesmo sexo são cruzados, enquanto nas terminologias iroquesas filhos de primos cruzados de mesmo sexo são paralelos. Segundo Trautmann e Barnes (1998), nas terminologias dravidianas, ou com ‘cálculo de cruzamento tipo A’, tais classificações derivam da existência de uma regra positiva de casamento entre primos cruzados bilaterais. Em sistemas iroqueses, ou com cálculos do ‘tipo B’, a regra de casamento de primos seria violada por essas classificações e não poderia estar presente. A classificação de filhos de primos cruzados de sexo oposto como ‘sobrinhas’ e ‘sobrinhos’ implica que, de fato, primos cruzados de primeiro grau são tratados como equivalentes a germanos. Assim, terminologias dravidianas e iroquesas poderiam ser vistas como tipos distintos, em função da presença ou da ausência de uma regra de casamento de primos cruzados. Além disso, mais do que apenas manifestar uma ‘falta’, as terminologias iroquesas apresentam algo que Trautmann (2012, p. 41) identifica como uma de suas características-chave: a efetiva neutralização da oposição entre paralelos e cruzados em diferentes posições da grade terminológica, produzindo um conjunto de variantes de terminologias com cálculo ‘tipo B’.
Tanto Coelho de Souza (1992, 1995) quanto Viveiros de Castro (1993a, 1998) argumentaram que os sistemas alto-xinguanos poderiam ser enquadrados no dravidianato amazônico, apesar de possuírem cálculos de cruzamento de ‘tipo B’. Este argumento se baseia, em grande parte, no trabalho comparativo de Taylor (1989) entre os povos Achuar, Aguaruna e Kandoshi da Amazônia peruana, em que ela demonstra a existência de um grupo de transformações no qual terminologias dravidianas, com cálculo ‘tipo A’ (Achuar), e terminologias iroquesas, de ‘tipo B’ (Aguaruna e Kandoshi), coexistem entre grupos próximos. Ela também demonstra como as terminologias iroquesas são capazes de transmitir relações de afinidade. Enquanto primos cruzados de primeiro grau seriam assimilados a germanos, seus filhos (entre os Aguaruna) ou netos (entre os Kandoshi) seriam cônjuges ideais, posto que suficientemente ‘distantes’. Tais sistemas operariam a partir de uma oposição sociológica entre consanguíneos e afins, enquanto nos sistemas dravidianos esta oposição é, também, terminológica. Sistemas como o Aguaruna e Kandoshi (o qual ela compara diretamente aos alto-xinguanos) seriam ‘sistemas dravidianos de fórmula rica’, que transmitem relações de afinidade, mas adiam o redobramento de alianças em uma ou mais gerações.
Sistemas de aliança como o dos Aguaruna seriam o que Viveiros de Castro (1998, p. 357) chamou de “Type B restricted exchange systems”. Segundo ele, tais sistemas funcionariam a partir da troca de irmãs em gerações não consecutivas e, por seu caráter egocentrado,
. . . seriam sistemas de troca multibilateral, no qual cada ‘unidade’ vê todas as outras distribuídas como afins reais ou potenciais, de modo que em um sistema deste tipo a circularidade dravidiana desaparece e aliados de aliados podem ser, também, aliados de Ego
(Viveiros de Castro, 1998, p. 356 citado em Guerreiro, 2008, p. 101).
Considerando as práticas de noivado documentadas entre os Kalapalo e Kuikuro, e informações de Gregor (1977) sobre os Mehinaku, que parecem todas favorecer a união entre filhos de primos cruzados de sexo oposto, Coelho de Souza (1995) sugere que o sistema de aliança alto-xinguano poderia ser enquadrado neste modelo hipotético. Como já observei em outra ocasião, seria então plausível tentar aproximar sistemas como os Mehinaku, Kuikuro e Kalapalo à variante Aguaruna, tal como descrita por Taylor (1989, 1998). Porém, esta aproximação seria ainda parcial, pois desconsidera os casamentos não arranjados entre parentes, bem como os casamentos entre pessoas não aparentadas, que parecem ser a maioria. Além disso, apesar desta hipótese ter sido formulada nos anos 1990, ela ainda não pôde ser testada com dados robustos, e pouco conhecemos sobre as características concretas de uma rede de parentesco alto-xinguana.
Como se vê, há muitas questões em aberto sobre os aspectos mais elementares do sistema de parentesco alto-xinguano. Tomando como ponto de partida a prevalência de terminologias iroquesas, qual é, concretamente, o lugar do casamento de primos em uma rede genealógica empírica? É possível confirmar a hipótese de que o sistema privilegiaria o casamento de filhos de primos cruzados de sexo oposto? Haveria alguma ‘distância ideal’ entre os cônjuges, explicitada estatisticamente? É possível observar a ‘aliança iroquesa’, tal como concebida por Viveiros de Castro (1998), em operação concreta? Qual o lugar dos casamentos interétnicos nessa rede, e o que ela nos permite apreender da posição dos Kalapalo em relação a seus vizinhos?
MATERIAIS E MÉTODOS
O método aqui utilizado combina pesquisa genealógica em campo, revisão e sistematização de dados genealógicos publicados, e o uso de dois softwares gratuitos, o Puck e o Gephi. O primeiro é uma ferramenta para o armazenamento e processamento de dados de parentesco (Hamberger et al., 2009), enquanto o segundo é uma ferramenta para a visualização e análise de redes (Bastian et al., 2009). O Puck foi utilizado para extrair informações básicas da rede e realizar um censo matrimonial, segundo critérios que permitissem identificar possíveis padrões de casamento. O censo produzido pelo Puck foi, então, exportado em um formato capaz de ser lido pelo Gephi, o qual foi utilizado para manipular as possibilidades de agrupamento das variáveis e, desta forma, permitir a visualização de propriedades estruturais da rede.
O uso de ferramentas computacionais para a descrição e a análise de sistemas de parentesco é uma metodologia amplamente documentada (Hamberger, 2011; Hamberger et al., 2009, 2014; Héritier, 1981; White et al., 1999). Métodos informatizados vêm sendo usados por pesquisadores brasileiros há algum tempo, tendo como base a MaqPar (‘Máquina do Parentesco’), um software desenvolvido por Marcio Silva e João Dal Poz com a finalidade de identificar e classificar os vários tipos de anéis matrimoniais existentes em uma rede genealógica (Bueno, 2015; Dal Poz & Silva, 2008, 2009; Ferreira et al., 2014; Pires, 2009; Ramires, 2015; Silva, 2004, 2016, 2017). Para este trabalho, o Puck foi escolhido por algumas razões: permitir um refinamento e redução dos dados logo na etapa de produção do censo matrimonial; simplificar o diálogo entre o banco de dados e diferentes softwares de manipulação e visualização de redes; exportar diretamente redes de interesse para a análise, como redes de aliança e redes de intersecção de circuitos; e também por funcionar em múltiplos sistemas operacionais, facilitando a realização de comparações com este mesmo banco de dados, ou outros, por pesquisadores trabalhando em diferentes plataformas.
O corpus genealógico que embasa este artigo é resultado, ao mesmo tempo, de um trabalho contínuo de pesquisa de campo que desenvolvo na aldeia kalapalo Aiha desde 2006, e da compilação de dados genealógicos disponíveis em outras fontes, sendo: a tese de doutorado de Ellen Becker Basso, onde a autora publicou genealogias completas das unidades residenciais de Aiha coletadas no final dos anos 1960 (Becker, 1969); uma genealogia produzida por Marina Cardoso com dados coletados em Aiha entre 1999 e 2004, que Marina Pereira Novo e eu ajudamos a sistematizar (M. Cardoso et al., 2007); uma genealogia levantada por Diogo Henrique Cardoso na aldeia kalapalo Apangakigi entre 2016 e 2017 (D. Cardoso, 2018); e um censo demográfico de todo o Alto Xingu realizado por agentes indígenas de saúde em 2017 (SESAI, 2017). A partir deste censo, foi possível extrair genealogias de quase todas as aldeias kalapalo atuais e, em seguida, foi realizado um processo de fusão destas genealogias em um único banco de dados.
Os dados primários registram relações de filiação e casamento, sendo as demais relações (como germanidade, por exemplo) derivadas das primeiras. A rede foi organizada em uma planilha, dividida em duas pastas. Uma delas, chamada ‘Kinship Relationships’, lista cada indivíduo, seu gênero, seus pais e seus cônjuges. Cada indivíduo recebe um número único, e seus pais e cônjuges são também identificados por seus respectivos números. A outra pasta, chamada ‘Attributes’, contém uma lista de todos os números de identificação e associa, a cada um deles, um conjunto diverso de atributos não genealógicos, como a condição de estar vivo ou já ser falecido, o povo ao qual é identificado, aldeias onde residia em diferentes momentos do levantamento dos dados, a casa na aldeia onde residia em um dado ano, se é chefe ou não, entre outros. Ao final, os dados foram anonimizados. As Figuras 1 e 2 ilustram o modo de organização dos dados em cada uma das pastas.
Para que o arquivo seja lido pelo Puck, ele precisa ser salvo no formato ‘NOME_DO_ARQUIVO.bar.xls’. Após ser importado para o Puck, o software apresentará o banco de dados segundo ‘indivíduos’ ou ‘famílias’, exibindo as relações existentes entre as entradas e os atributos vinculados a cada pessoa. Inicialmente, foi solicitado ao software um relatório para identificar possíveis lacunas e vieses no corpus, como a distribuição dos sexos, a completude genealógica da rede e a taxa relativa de ascendentes agnáticos, uterinos ou cognáticos conhecidos a cada geração. Estas informações permitem conhecer algumas das limitações do corpus, passo importante para evitar que as interpretações dos dados sejam distorcidas por vieses decorrentes de propriedades do próprio material.
Em seguida, foi realizado um censo matrimonial, buscando identificar, contar e classificar circuitos matrimoniais. Para quaisquer duas pessoas (Ego e Alter) entre as quais exista uma relação, há pelo menos um caminho genealógico. Quando o caminho entre Ego e Alter é ‘fechado’ por uma relação de casamento, e é composto exclusivamente por relações de cognação ou afinidade, temos um circuito matrimonial (Hamberger et al., 2014, p. 569). O interesse pelos circuitos matrimoniais se deve a seus possíveis efeitos sobre a rede. Enquanto cada nova relação de filiação aumenta a quantidade de pessoas de uma rede, mas não aumenta necessariamente sua conectividade, cada nova relação de casamento amplia a conectividade da rede e tem, portanto, impacto em sua estrutura. E assim como cada escolha matrimonial é influenciada pela posição de cada pessoa na rede em um dado momento, cada novo casamento impacta em possíveis escolhas matrimoniais futuras, sendo este, portanto, um dos principais motores da capacidade autogerativa de uma rede de parentesco (Hamberger et al., 2014).
Dois critérios elementares para a classificação de circuitos matrimoniais são ordem e profundidade (Hamberger, 2011). A ordem define o número de relações de casamento que compõem um circuito. Assim, circuitos de ordem 1 possuem apenas um casamento, como na união de um homem com sua MBD5 ou de uma mulher com seu FZS; os de ordem 2 possuem duas relações de casamento, como na união de um homem com sua BWZ ou de uma mulher com seu ZHB; e assim por diante. Os circuitos de ordem 1 conectam cognatos6; já os circuitos de ordem 2 representam redobramentos de aliança, isto é, o religamento de dois grupos de consanguíneos previamente aliados entre si (casamentos com o consanguíneo de um afim); os de ordem 3 representam o religamento, pelo casamento, de três grupos consanguíneos (ou o casamento com o ‘consanguíneo do afim de um afim’), e assim por diante.
Todo circuito também tem uma profundidade, que se refere ao número máximo de gerações das cadeias consanguíneas do circuito. Assim, circuitos com profundidade máxima 1 ligam indivíduos conectados por parentes de até uma geração ascendente, como nos casamentos com a MBD ou o FZS; circuitos com profundidade 2, ligam indivíduos conectados por parentes de até duas gerações ascendentes, como nos casamentos com MFBSD ou FFBDS; e assim sucessivamente.
Para o censo, pedimos ao Puck que listasse apenas os circuitos de ordens 1 e 2, com as respectivas profundidades de 4 e 2. Para circuitos de ordem 1, que ligam cognatos, é interessante investigar a maior profundidade genealógica possível. Como esses circuitos tendem a ser menos numerosos que os demais, analisá-los com uma maior profundidade e detalhamento é factível e, em um contexto como o Kalapalo, no qual se privilegia o casamento entre parentes distantes, a comparação entre os diferentes tipos de circuitos de ordem 1 e suas respectivas profundidades genealógicas é algo relevante. Já os circuitos de ordem 2 são muito mais numerosos, e por razões práticas devem ser restringidos por sua profundidade geracional. Um censo que buscasse circuitos de ordem 2 com profundidade maior do que duas gerações produziria um resultado imenso, dificultando o tratamento dos dados. Por fim, a busca por circuitos de ordem 3 foi deixada de lado neste momento porque, sendo muito numerosos e complexos, produziriam um volume de dados que não poderia ser analisado aqui.
Também foi solicitado ao Puck que gerasse algumas redes a partir do censo para serem manipuladas no Gephi: a) uma sub-rede na qual os povos são tratados como unidades sociais, a fim de investigar a densidade das relações de parentesco entre eles; e b) uma rede de intersecção dos circuitos matrimoniais (Hamberger et al., 2014), a fim de investigar relações de interdependência entre os circuitos encontrados no censo. As seções seguintes apresentam os resultados da aplicação dessa metodologia.
OS DADOS7
A rede possui 1.107 indivíduos, sendo 580 homens e 518 mulheres. Alguns indivíduos de sexo desconhecido (9) foram inseridos para representar relações genealógicas que não puderam ser completamente reconstruídas. O conjunto dos dados apresenta 320 casamentos, dos quais pelo menos 285 (89,06%) geraram filhos (mas este número é certamente maior, pois vários casais – especialmente os falecidos, ou que vivem em aldeias fora do escopo desta pesquisa – podem ter filhos que não foram documentados). A rede possui uma densidade matrimonial de 2,61% e uma densidade de filiação8 de 15%. Ela possui uma profundidade genealógica de sete gerações9, mas a completude genealógica diminui consideravelmente a partir da quarta geração ascendente (Figura 3).
A completude genealógica geral (isto é, o percentual de pais e mães conhecidos) para a primeira e a segunda gerações ascendentes é de 96,36% e 88,01% respectivamente, caindo para 67,99% na terceira. Na quarta geração, ela diminui ainda mais (40,35%), atingindo níveis muito baixos para a quinta (14,92%), sexta (1,64%) e sétima (0,06%). A memória genealógica dificilmente se estende além da geração dos avós, o que significa que as informações mais completas vão até os bisavós da geração mais jovem da rede. Dali em diante, a maior parte das informações que possuímos é sobre chefes e suas famílias, que por razões políticas tendem a manter uma memória genealógica mais detalhada.
Como descrito anteriormente, foi realizado um censo matrimonial para identificar circuitos de ordem 1 e 2, com profundidade de quatro e duas gerações respectivamente. Conforme a Tabela 1, foram encontrados 396 circuitos no total, compreendendo pouco mais da metade dos casais da rede (51,56%). Destes, cerca de um quarto é de circuitos entre cognatos (24,49%), com a grande maioria (75,51%) sendo de circuitos de ordem 2.
CIRCUITOS DE ORDEM 1: CASAMENTOS ENTRE COGNATOS
O limite de quatro gerações para o mapeamento dos circuitos entre cognatos foi definido em razão dos seguintes fatores: o ideal kalapalo de que primos ‘próximos’ não devem se casar; uma pesquisa anterior ter sugerido a possibilidade da prevalência de casamentos de primos de segundo grau (Guerreiro, 2008, 2011); e a completude genealógica da quarta geração ascendente em diante ser baixa. Nessas condições, uma profundidade de quatro gerações parece ideal para construir um censo suficientemente confiável, compreendendo casamentos entre primos de primeiro, segundo e terceiro grau.
O censo encontrou 97 circuitos de ordem 1, divididos em 43 tipos. Eles compreendem 62 casais, sendo 19,38% de todos os casais do corpus e 37,58% dos casais do censo. Há apenas 12 casamentos entre primos cruzados de primeiro grau, representando 3,75% do total de casamentos e 12,37% dos circuitos entre cognatos (Figura 4). Isso confirma os relatos etnográficos anteriores que sugerem que casamentos entre primos próximos seriam pouco frequentes.
Casamentos entre primos de primeiro grau, de acordo com a notação posicional exportada pelo Puck. HF()HF equivale ao casamento de um homem com sua MBD, e HH()FF ao casamento de um homem com sua FZD. Para detalhes sobre a posição notacional, ver Barry (2004) e Hamberger et al. (2009).
Todos os 12 casamentos entre primos de primeiro grau ocorreram entre primos cruzados, e há uma notável discrepância entre o número de casamentos com a MBD (10) e com a FZD (2). Comparando esses números com quantas cadeias de cada tipo existem, há uma ‘taxa de preferência’10 consideravelmente mais alta para o circuito MBD (3,56%) comparada com a taxa do circuito FZD (0,97%), o que sugere que tal discrepância não deve ser aleatória. Isso estaria em acordo com as ideias dos Kalapalo sobre os casamentos de primos cruzados, segundo as quais, quando um homem se casa com uma prima, a filha do tio materno seria preferida. Essa ideia é particularmente marcada nos casamentos arranjados, nos quais uma mulher arranja para seu filho a união com a filha de um irmão ou primo (Basso, 1984; Guerreiro, 2011). Outros grupos parecem preferir a prima cruzada patrilateral (como os Kamayurá e Kuikuro, segundo Galvão, 1979, e C. Fausto, comunicação pessoal), mas não há dados disponíveis para comparação.
Casamentos entre primos de segundo grau são mais frequentes, totalizando 33 circuitos – 34% dos circuitos entre cognatos (Tabela 2).
Circuitos matrimoniais entre primos de segundo grau. Legendas: IROQ - cálculo de cruzamento segundo as terminologias iroquesas; # - cruzado; = - paralelo.
A Tabela 2 lista cada tipo de circuito, seus números absolutos e relativos, sua taxa de preferência e quantos casais da rede esses circuitos compreendem, os quais também são indicados como cruzados (#) ou paralelos (=), segundo o cálculo iroquês. Entre primos de segundo grau, casamentos com primas matrilaterais são mais frequentes, ocorrendo 19 vezes e representando 19,58% dos circuitos de ordem 1. O tipo mais frequente de circuito é o casamento com uma MMZSD, uma prima cruzada matrilateral. Com oito ocorrências, ela tem a taxa de preferência mais alta, de 6,67%. Ele é seguido por dois outros circuitos (MMBSD e MFBSD), que também correspondem a casamentos com primas cruzadas matrilaterais, ocorrendo, respectivamente, cinco e quatro vezes, com taxas de preferência de 3,4% e 2,99%. O casamento com a MFZSD é menos frequente, ocorrendo apenas duas vezes, com uma taxa de preferência de 1,92%. Casamentos com primas cruzadas patrilaterais são menos frequentes no geral, contabilizando sete circuitos de três tipos, representando apenas 7,21% dos circuitos de ordem 1. A maioria desses casamentos foi com a FMBDD (quatro ocorrências, com taxa de preferência de 2,37%), a FFBDD (duas ocorrências, com taxa de preferência de 1,92%) e com a FFZDD (uma ocorrência, com taxa de preferência de 1,79%).
Se agruparmos os circuitos ligando filhos de primos cruzados, de um lado, e filhos de primos paralelos de outro, nota-se 12 casamentos do primeiro tipo e 14 do último, o que parece uma distribuição razoavelmente equivalente. Isso sugere que, talvez, primos cruzados de sexo oposto, de fato, desempenhem um papel estrutural similar a germanos com relação à criação de possibilidades matrimoniais para seus filhos.
Também deve-se notar a ocorrência de sete circuitos (7,21%), agrupados em quatro tipos, que representam casamentos entre parentes paralelos, de acordo com o cálculo iroquês. Estes casos serão discutidos mais adiante.
Também há vários circuitos de casamentos oblíquos: 15 circuitos (15,46% dos circuitos de ordem 1), agrupados em 11 tipos, nos quais Ego masculino se casa com uma mulher da primeira geração descendente, e seis circuitos (6,18%) de três tipos, nos quais Ego se casa com uma mulher da primeira geração ascendente.
Há nove circuitos de sete tipos, nos quais os casamentos ocorreram com mulheres classificadas como ‘sobrinhas’ (FFBDDD, FMZDDD, FFZDDD, MFBSDD, FMBSDD, FMZSDD e MMBDDD, todas terminologicamente equivalentes a ZD). Nenhum deles é particularmente frequente, mas o casamento com a MMBDDD possui uma taxa de preferência maior que os demais (5%). Eles são dignos de nota em função do modo como os Kalapalo consideram esse tipo de união. O casamento com uma ZD ‘de verdade’ é proibido, mas o casamento com parentes mais distantes classificadas como ZD é possível em certas condições. Ele é considerado um ‘casamento ruim’, pois, segundo os Kalapalo, ‘bagunça as coisas’ com relação às classificações de parentesco: eles consideram ‘errado’ que uma irmã ou prima se torne uma sogra. Ainda assim, se um homem deseja se casar com uma ZD classificatória, é possível buscar o consentimento da futura sogra para saber se ela não se incomodaria. Em alguns casos, esse tipo de casamento é visto explicitamente como alternativa a um casamento entre primos cruzados que não foi possível pela diferença de idade entre os parceiros ideais. Assim, se um homem tem uma prima cruzada muito mais velha do que ele, a filha dela pode ser vista como uma esposa em potencial. Nesses casos, ocorre uma torção geracional ad hoc, com a mulher mais nova (uma sobrinha) passando a ser chamada também de ‘prima’.
Quando passamos a observar circuitos entre cognatos (Tabela 3) com uma maior profundidade geracional, parece haver uma frequência ligeiramente maior de casamentos entre parentes paralelos: seis tipos de circuitos representam uniões entre parentes cruzados, e oito entre parentes paralelos. Casamentos entre primos cruzados de terceiro grau não são muito frequentes e são ultrapassados pelo total de casamentos entre parentes paralelos (8 versus 20). Um dos tipos de circuito mais frequentes (MMFBSDD) e com maior taxa de preferência (5,49%) representa justamente o casamento com uma prima paralela.
Circuitos entre cognatos, três gerações ascendentes. Legendas: IROQ - cálculo de cruzamento segundo as terminologias iroquesas; # - cruzado; = - paralelo.
Parece que, a essa profundidade genealógica, o cruzamento perde sua centralidade. De fato, a terceira geração ascendente é mais ou menos quando o reconhecimento de relações genealógicas começa a se tornar mais rarefeito, e as pessoas se consideram como ‘parentes de longe’ ou mesmo não parentes.
Nesse ponto, é importante introduzir o conceito de ‘rede de intersecção de circuitos’ como um meio de tentar compreender como os vários tipos de circuito estão relacionados e o que pode estar em jogo nos casamentos com parentes paralelos. Uma rede de intersecção de circuitos trata cada tipo de circuito como um nó, e as relações entre dois nós implica o fato de que ao menos uma relação de casamento é compartilhada entre ambos. Quando circuitos se cruzam, podemos compreender como casos aparentemente estranhos se inserem, e podem ser esclarecidos, em um contexto mais amplo, difícil de apreender a olho nu. A intersecção frequente de alguns circuitos pode revelar a existência de circuitos englobantes ou tendências intergeracionais da rede (Hamberger et al., 2014). A rede de intersecção dos nossos circuitos de ordem 1 pode ser representada pela Figura 5.
Nós vermelhos e verdes representam circuitos cruzados e paralelos respectivamente, seguindo o cálculo iroquês da terminologia kalapalo. A rede pode ser dividida em sete componentes independentes, cada um sendo um agrupamento de circuitos conectados uns aos outros (mas não conectados aos circuitos dos demais componentes). A diferença entre os componentes é significativa, havendo um componente principal (canto superior esquerdo) que agrega 13 tipos de circuitos, enquanto os demais componentes reúnem cinco tipos ou menos. O maior componente também compreende quase todos os tipos mais frequentes de circuitos (nós maiores), exceto MMZSD (núcleo do segundo maior componente), e possui uma maioria de circuitos cruzados (7). Curiosamente, quatro dos circuitos paralelos que o compõem se cruzam com o circuito MBD. Em contraste, o circuito FZD aparece sozinho e não se cruza com nenhum outro, assim como outros três circuitos que equivalem, terminologicamente, ao casamento com uma FZD. O número de circuitos paralelos ‘desconectados’ da rede também é mais alto com relação aos circuitos cruzados sem conexões.
Nota-se que alguns dos circuitos paralelos se conectam a circuitos cruzados de menor profundidade geracional. Tomemos como exemplo os dois circuitos paralelos FMBSD da Tabela 2. Ainda que os homens tenham casado com mulheres que chamariam de ‘irmãs’ seguindo esse caminho genealógico, quando se analisa esses casamentos em detalhes, vemos que ambos os circuitos se cruzam com circuitos MBD, mostrando que essas esposas também são primas cruzadas matrilateriais do ponto de vista de seus maridos. Para que ambos os tipos de circuitos se cruzem, é preciso que haja uma tendência intergeracional: essa intersecção só é possível caso um homem e seu pai tenham se casado com uma MBD de primeiro grau.
Entre os três circuitos MFBDD (casamentos com uma ‘irmã’), dois se cruzam com outros. Um deles se cruza com MMZSD (casamento com uma prima cruzada matrilateral de segundo grau) e outro com FFZDD (casamento com uma prima cruzada patrilateral de segundo grau). Apenas um não se cruza com outros na rede, mas isto pode ser o efeito de lacunas nos dados. Sobre a única ocorrência com uma FMZSD (=Z), este circuito se cruza com outros três: MFBSDD (=ZD), MFZDSD (=D) e FMMBSDD (=FZD). Essas intersecções demonstram que ao menos alguns casamentos entre parentes que, seguindo um dado caminho, são paralelos, podem ser vistos como casamentos entre parentes cruzados, segundo um caminho alternativo.
A rede de intersecção de circuitos também ajuda a esclarecer alguns dos casamentos oblíquos. Alguns deles se cruzam com outros circuitos, que são às vezes preferidos pelos casais como um meio de classificar sua relação antes do casamento. Por exemplo, os casamentos com MFBSDD (1) e FMBSDD (1) também são casamentos entre primos cruzados: com uma FMMBSDD (=FZD) no primeiro caso, e com uma MMFBDSD (=MBD) no segundo. Há alguns casamentos com mulheres classificadas como ‘filhas’, mas ao menos um deles se cruza com um circuito terminologicamente adequado: o casamento com a FFZDSD (=D) é também o casamento com uma FFBDD (=FZD). Por fim, há alguns casamentos de um homem com uma mulher da primeira geração ascendente, e todos se cruzam com outros circuitos que revelam relações cruzadas entre os cônjuges: dois casamentos com uma FMMBSD (FZ) são casamentos com uma MFBSD (=MBD); três casamentos com uma MMMBDD (=M) são casamentos com uma MMZSD (=MBD)11; e o casamento com uma MMMZDD (=M) é também o casamento com uma MFBSD (=MBD). Os demais circuitos oblíquos não se cruzam com outros circuitos de ordem 1, e uma análise mais aprofundada de suas relações com circuitos de outras ordens seria necessária, mas está além do escopo deste artigo.
Agora vamos focar nos casamentos entre primos paralelos de terceiro grau da Tabela 3. Dos seis casamentos com uma FMMZSSD, uma ‘irmã’, dois deles são também casamentos com uma MBD, e outro com uma MFBSD (=MBD). Os outros três apenas se cruzam com circuitos paralelos de ordem 1 (MMFBSDD=Z e MMMZSDD=Z), e não possuo dados para investigá-los mais a fundo. Deve-se notar que alguns dos circuitos paralelos também apresentam intersecções com circuitos cruzados mais curtos, como FMMZDSD (=Z) e MFZSD (=MBD). Isso sugere que a maior parte dos casamentos representados por tais circuitos deve ser mais bem compreendida da perspectiva dos circuitos de menor profundidade geracional com os quais mantêm intersecções, e que, talvez, os casamentos entre primos cruzados de segundo grau sejam de fato os mais relevantes ao se considerar os casamentos entre cognatos.
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CIRCUITOS DE ORDEM 2: REDOBRAMENTO DE ALIANÇAS
O censo dos circuitos de ordem 2 com profundidade 2 encontrou 299 circuitos (75,51% do total), distribuídos entre 81 tipos (65,32% do total). Quase todos os casais que são parte de algum circuito participam de pelo menos um circuito de ordem 2. Comparado com os 37,58% dos casais participando de circuitos de ordem 1, fica claro que o redobramento de alianças forma a maior parte da rede analisada12. O tipo mais frequente é o casamento com a irmã da esposa (WZ), contabilizando 7% dos circuitos. Ele também tem a maior taxa de preferência, de 5,72%. Em segundo lugar, vem a repetição do casamento do irmão, ou seja, o casamento com uma irmã da esposa do irmão (BWZ; 4%), e a taxa de preferência deste circuito não é particularmente alta (2,25%). Contudo, olhar apenas para a frequência de cada tipo de circuito não seria a melhor estratégia, pois vários podem ser considerados como equivalentes pela terminologia e do ponto de vista indígena. Se tomarmos todos os casamentos terminologicamente equivalentes a BWZ, o número quase dobra (21 casamentos; 10%). Se também decidirmos tratar todos os primos de primeiro grau como germanos, como parece usual, os números seriam ainda maiores (60 casamentos, ou 23,07%).
Entre os circuitos de ordem 2, é importante olhar mais de perto o que é considerada o tipo de aliança mais comum na Amazônia, a troca restrita em uma série de formas. De acordo com Viveiros de Castro (1993b, 2002; Viveiros de Castro & Fausto, 1993), as formas mais comuns de aliança na região seriam o casamento com a FZD e a troca de irmãs. Ambas apresentam grande variação, mas podem ser vistas como tendências da troca restrita em contextos nos quais o número de parceiros não é redutível a dois, como descrito originalmente por Lévi-Strauss (2003). Entre sociedades que favorecem a troca de irmãs, algumas permitem, ou mesmo preferem, a repetição desse tipo de casamento a cada geração, fazendo com que ele se sobreponha ao casamento de primos cruzados. Outras, porém, preferem a troca de irmãs com parentes distantes ou não parentes, dissociando essa forma de aliança do casamento de primos. No Alto Xingu, as etnografias já notaram como a troca de irmãs é uma forma valorizada de casamento, independentemente de ser ou não articulada ao casamento de primos (Becker, 1969; Coelho de Souza, 1992; Viveiros de Castro, 1977).
Os Kalapalo possuem um termo para descrever a relação entre homens que se casam com a irmã um do outro, que é togopitsohoi13. Ficar togopitsohoi significa ‘ficar quites’ e também pode ser usado para falar de pessoas que trocaram objetos, que quitaram uma dívida, ou que tiveram uma agressão compensada por um pagamento. A raiz da palavra é ogopi, ‘voltar’, ‘retornar’, também relacionada a opi, ‘devolver’, ‘responder’, ‘pagar’, ‘virar’, ‘alternar’. Ainda que o termo possa ser usado para se referir a um par de mulheres casadas com os irmãos uma da outra, as mulheres kalapalo não o utilizam. Os homens também consideram esse possível uso como inapropriado, pois, de acordo com eles, ‘o homem é quem faz o casamento’.
O circuito ZHZ em si mesmo não é o mais frequente: ele ocorre sete vezes (2,34% dos circuitos), e não possui uma taxa de preferência alta (1,28%). Porém, os números mudam se seguirmos a terminologia kalapalo e tratarmos em conjunto vários outros tipos de casamento que deixam os homens togopitsohoi. Há quatro tipos de circuitos que, ainda que sejam genealogicamente distintos, são diretamente equivalentes a ZHZ (MZDHZ, FBDHFBD, MZDHFBD e MZDHMZD). Juntos, eles contabilizam 19 circuitos (6,34%), mas os números podem aumentar ainda mais se considerarmos algo específico da terminologia kalapalo (também notado por Gregor, 1977, entre os Mehinaku): o marido da prima cruzada de um homem é, também, um cunhado (assim como o inverso se passa, na perspectiva feminina). Este é um efeito da neutralização contextual do cruzamento em G∅ que caracteriza a terminologia, fazendo com que homens casados com as primas cruzadas um do outro se considerem togopitsohoi, do mesmo modo como aqueles que trocaram irmãs. Em outras palavras, primos cruzados que medeiam esse tipo de relação são convertidos em germanos. Se tomarmos o conjunto desses circuitos como a expressão de uma forma mais complexa, ‘iroquesa’, da troca restrita derivada do modelo da troca de irmãs, ela contabilizaria 15,04% dos circuitos (Tabela 4).
Outros tipos de circuito também parecem sugerir alguma relação com o princípio da troca restrita, mas por meios distintos (Tabela 5).
O circuito mais frequente na Tabela 5 é o casamento com a ZDHZ. Considerando que cônjuges de sobrinhos e sobrinhas são afins (noras e genros), isto representa um casamento com a irmã de um genro. Esse circuito pode ser pensado em relação aos casamentos com FBDHZD e MZDHZD (a filha de um cunhado), e com MBDHZD (a sobrinha de um cunhado). Em todos esses casos, os homens também podem se considerar togopitsohoi, mostrando que tais relações podem ser vistas como ‘alternativas intergeracionais’ à troca de irmãs e suas variações (assim como o casamento com uma ZD pode ser uma alternativa ao casamento com uma prima cruzada). O que todos eles têm em comum é serem casamentos entre um homem e uma consanguínea próxima de um afim de mesmo sexo.
Ainda há um conjunto de circuitos que não parecem estar diretamente ligados a nenhum princípio de troca restrita, mas que merecem atenção, como mostra a Tabela 6.
Em todos eles, temos dois pares de germanos inicialmente ligados por um casamento, e então religados na geração seguinte por um casamento entre os filhos dos germanos não aliados na geração anterior, como evidencia a Figura 6.
Parece que essa forma religa dois pares de germanos em gerações consecutivas, mas com a condição de que os cônjuges responsáveis pelo religamento não sejam descendentes do casal original. Seria necessário realizar um censo com maior profundidade geracional para investigar se esse tipo de aliança se repete em intervalos maiores de tempo.
Tendo chegado até aqui, seria desejável analisar a rede de intersecção entre os circuitos de ordem 1 e 2, a fim de investigar como estes circuitos que gravitam em torno da troca restrita ‘à moda iroquesa’ se conectam aos casamentos entre cognatos. Porém, não haveria espaço para esta análise, que deve ser feita no futuro.
CASAMENTOS E RELAÇÕES INTERÉTNICAS
Apesar de todas as descrições desde Von den Steinen (1940, 1942) chamarem a atenção para a existência de casamentos interétnicos, há poucos dados concretos sobre o assunto. O único trabalho a lidar com o tema em profundidade é a dissertação de mestrado de Mehinaku (2010), que discute questões macro e micropolíticas, bem como afetivas e pragmáticas, implicadas nos casamentos interétnicos, tomando como base os casamentos do avô materno e dos pais do próprio autor. Mehinaku (2010) demonstra a centralidade desse tipo de casamento para produção de um Alto Xingu ‘misturado’ (tetsualü), no qual tais casamentos foram, e seguem sendo, os principais caminhos para a circulação de pessoas, línguas e conhecimentos. Na literatura mais antiga, Sutherland (1968) tentou compilar os dados dispersos a fim de produzir uma imagem global de um conjunto de ‘trocas intertribais’ das quais os casamentos seriam parte. Ela sintetizou em tabelas o que havia disponível sobre os Kamayurá, Aweti, Wauja, Yawalapíti, Mehinaku, Kuikuro e Trumai, e formulou a hipótese de que, enquanto os casamentos intraétnicos tenderiam à aliança simétrica, os casamentos interétnicos manifestariam uma tendência à assimetria (Sutherland, 1968, p. 161). Dreyfus (2020 [1970]) também chegou a perguntar se seria possível identificar, a partir das terminologias e das práticas de casamento, a existência de alguma estrutura global de alianças interétnicas, mas acabou reconhecendo que não haveria condições de investigar a questão naquele momento (Dreyfus, 2020 [1970], p. 270).
Esta seção pretende aprofundar tal discussão a partir da genealogia kalapalo. É importante frisar que os dados que se seguem não devem ser tomados como representativos dos Kalapalo como um todo (pois a pesquisa de campo em mais aldeias certamente traria mais relações à tona), e tampouco podem ser extrapolados para todo o Alto Xingu. Meu objetivo aqui é oferecer uma imagem empírica e mensurável de como, no curso das gerações que compõem esta genealogia em particular, um segmento expressivo da população kalapalo construiu relações de parentesco com pessoas de outros grupos.
A grande maioria das pessoas da rede é identificada como Kalapalo, compondo 73,89٪ do corpus. Não há informações sobre 33 indivíduos, 2,98% do total. Do restante, os povos de língua karib são os mais presentes: 9,94% de kuikuro, 4,43% de matipu e 4,43% de nahukua, ou 18,8% do total. Em seguida, vêm os Yawalapíti e Mehinaku, com 20 e 12 indivíduos respectivamente (representando apenas 1,81% e 1,08% do total). Os Kalapalo contam que possuem relações antigas com os Mehinaku, pois seus territórios tradicionais já foram próximos e alguns mestres de histórias dizem que o território kalapalo foi, de fato, cedido a eles por aqueles falantes de arawak. Já a relação com os Yawalapíti passa por pelo menos dois caminhos principais. De um lado, a aliança dos Kuikuro com os Yawalapíti teve impactos sobre as possibilidades matrimoniais dos Kalapalo, e muitas vezes é o parentesco dos Kalapalo com seus aliados karib que os leva a buscar esposas naquele povo arawak. De outro, o casamento de duas mulheres kalapalo com o grande chefe Aritana Yawalapíti (que tragicamente faleceu, vítima da covid-19) abriu um ciclo de casamentos de alguns kalapalo com mulheres daquele povo que parecem gravitar em torno dessa aliança.
A participação de outros grupos na rede é muito menor. Ainda do mundo karib, estão presentes os Angaguhütü (seis pessoas, 0,54%), um grupo que quase foi extinto nos anos 1920, se refugiou entre os Kalapalo e só recentemente voltou a ser reconhecido como um povo; e os Hukuingi (uma pessoa, 0,09%), um grupo karib próximo dos Nahukua, representado como antropófago em narrativas e sobre o qual se sabe muito pouco (Guerreiro, 2015a). Os Kamayurá, Wauja e Aweti compõem, juntos, apenas 0,81% da rede.
Esta distribuição demográfica se replica, como seria de se esperar, quando olhamos para os casamentos interétnicos (Tabela 7).
Como se vê, a rede é majoritariamente endogâmica do ponto de vista étnico (75,42% dos casamentos), mas, ainda assim, cerca de um quarto dos casamentos (24,58%) ocorrem com pessoas de outros povos14. A grande maioria dos casamentos interétnicos ocorre com os Kuikuro (35,96%), Matipu (22,47%) e Nahukua (22,47%), representando 80,9% das alianças dos Kalapalo com outros povos. Esta rede de alianças pode ser representada pela Figura 7.
Os nós representam povos e as linhas representam relações de casamento. A espessura de cada linha indica seu peso relativo no conjunto da rede, isto é, linhas mais espessas indicam relações matrimoniais mais frequentes. Os números indicam a quantidade de mulheres de um povo casadas em outro, e as cores das linhas indicam sua origem étnica. Tomemos, por exemplo, a relação entre Kalapalo e Nahukua expressa em duas linhas, uma vermelha (cor do nó ‘Kalapalo’) e uma amarela (cor do nó ‘Nahukua’). Vemos que 18 mulheres kalapalo se casaram com homens nahukua (linha vermelha), e 16 mulheres nahukua se casaram com homens kalapalo (linha amarela).
Fica clara a existência de um ‘subsistema karib’ (Franchetto, 1998, 2017) interconectado por relações de casamento, ao qual se ligam com certa proximidade povos como os Yawalapíti e Mehinaku. Os demais povos orbitam na periferia deste núcleo, mas deve-se lembrar que estas posições são relativas apenas à rede: a existência de mais dados coletados em outras aldeias kalapalo ou junto a estes povos certamente produziria outro cenário.
Por fim, também cabe analisar o fluxo de esposas entre estes povos de um ponto de vista quantitativo. Considerando o ‘núcleo karib’ em torno dos Kalapalo, é interessante notar que a maioria das relações entre os povos parece tender a um certo equilíbrio, com uma exceção notável: há um fluxo bem maior de esposas dos Kalapalo em direção aos Kuikuro do que o contrário. Os Kuikuro são os karib mais distantes dos Kalapalo do ponto de vista linguístico e, na política regional, possuem rivalidades marcadas, raramente se aliando nos rituais intercomunitários (ao contrário do que ocorre com os Matipu e Nahukua, que frequentemente participam de festas junto aos Kalapalo como se formassem um único povo). É possível imaginar que a tensão desta relação política e a assimetria nas relações matrimoniais possam ter algum tipo de relação, mas não possuo elementos para examinar essa hipótese no momento.
É preciso dizer que esta forma de enxergar as relações é um tanto arbitrária. Ainda que as pessoas muitas vezes falem dos casamentos interétnicos por meio das referências aos povos de origem dos cônjuges, é provável que esta aparente exogamia encubra, na verdade, uma certa ‘endogamia de parentela’, expressa na busca de cônjuges entre parentes distantes, ou no redobramento de uma aliança interétnica de parentes próximos. Para investigar até que ponto este é ou não o caso, seria preciso realizar uma análise detalhada dos casamentos interétnicos, identificando se participam de circuitos matrimoniais, de que tipos são e, ainda, se diferem ou não daqueles prevalentes nos casamentos entre pessoas do mesmo povo.
Em todo caso, fica claro que o que chamamos de ‘genealogia kalapalo’ só o é até certo ponto. Esta rede genealógica, apesar de suas limitações, é quase um microcosmos do mundo alto-xinguano. Ao mesmo tempo, também fica clara a importância da língua na formação de um ‘nexo endogâmico’ entre os falantes de karib. É difícil precisar as razões, mas os dados também sugerem que as relações de casamento entre os grupos tendem ao equilíbrio, com uma marcada exceção entre os Kalapalo e Kuikuro, que ocupam posições de fortes rivais no subsistema karib.
DISCUSSÃO
A análise dos dados permite fazer algumas considerações gerais sobre o sistema de parentesco kalapalo (e possivelmente alto-xinguano) e levantar questões para aprofundamento futuro. Em primeiro lugar, fica claro que o casamento de primos cruzados de primeiro grau é, de fato, minoritário. Também fica evidente que, dentre os casamentos envolvendo cognatos, são mais frequentes os casamentos entre primos de segundo grau, com uma presença significativa de casamentos de filhos de primos cruzados de sexo oposto. Estes resultados parecem confirmar a hipótese de que terminologias iroquesas, como a kalapalo, seriam compatíveis com um sistema de casamento de primos cruzados distantes, e que a evitação do casamento de primos de primeiro grau estaria associada ao fato de que estes podem operar como germanos. Casamentos entre primos de terceiro grau também estão presentes, mas o número de casamentos entre parentes paralelos é superior, o que sugere que a esta distância genealógica o cruzamento talvez já não seja mais tão importante – primos de terceiro grau já são considerados ‘parentes de muito longe’, ou mesmo não parentes. Ainda em relação aos casamentos de primos, vale notar a prevalência de casamentos com primas cruzadas matrilateriais, tanto entre os primos de primeiro quanto de segundo grau. Casamentos com primas cruzadas patrilaterais estão presentes, mas, além de serem menos numerosos, estes aparecem mais isolados quando observamos a rede de intersecção de circuitos matrimoniais – ou seja, parecem ter uma relação de interdependência menor em relação a outros circuitos e, portanto, um impacto mais limitado sobre a estrutura da rede. A compreensão de suas implicações estruturais demandaria uma análise aprofundada, no futuro, nas intersecções entre circuitos de ordem 1 e 2.
Contudo, os casamentos entre cognatos não formam o conjunto mais numeroso de circuitos identificados em nosso censo, que são os circuitos de ordem 2 – isto é, o redobramento de alianças. Os dados sobre estes tipos de casamentos oferecem uma visão mais complexa sobre o que a literatura costuma chamar de ‘troca de irmãs’, e a ‘troca restrita’ de modo geral. Além das formas comuns de casamentos entre dois pares de irmão e irmã, incluindo aí primos paralelos, o conceito de togopitsohoi pelo qual os Kalapalo expressam esse tipo de aliança se estende a relações de casamento envolvendo pares de primos cruzados de sexo oposto. Isso, mais uma vez, deixa claro como primos cruzados podem funcionar como germanos no sistema de aliança, e não somente quando consideramos os casamentos entre cognatos. Cada casamento abre um universo expressivo de possibilidades matrimoniais para homens e mulheres, pois as primas e primos cruzados de seus cunhados e cunhadas tornam-se cônjuges possíveis. É como se a troca restrita expressa nesse tipo de aliança operasse em um regime expansivo: afins virtuais/terminológicos de afins efetivos tornam-se afins potenciais entre si.
É possível imaginar que esta característica do sistema deve ter tido um papel importante na formação de alianças interétnicas e, consequentemente, na ampliação da escala das relações de parentesco que caracterizam o complexo alto-xinguano. Um único casamento entre duas pessoas de povos diferentes é capaz de fazer com que os afins virtuais/terminológicos de cada um dos cônjuges passem a ver uns aos outros como possíveis aliados matrimoniais. Essa perspectiva, por sua vez, cria possibilidades de novas relações em diferentes planos: num plano egocentrado, novos casamentos, em que os homens buscam ‘ficar togopitsohoi’ por meio de novos casamentos interétnicos; e, num plano coletivo, convites para rituais nos quais os afins potenciais desempenham papéis-chave como convidados.
Apesar da frequência do casamento entre filhos de primos cruzados, não foi possível observar o ‘modelo mínimo’ da aliança iroquesa em operação, com quatro pares de germanos se aliando de forma simétrica em gerações não consecutivas (Viveiros de Castro, 1998) – ao menos não nos limites da profundidade genealógica investigada. Em compensação, foi possível identificar várias formas de aliança que são consideradas, de um ponto de vista conceitual indígena, como ‘troca restrita’ (isto é, deixam os homens togopitsohoi, ‘quites’), mas que expandem, a cada geração, o conjunto de aliados: uma troca restrita que não se contenta com dois, sempre supondo um terceiro aliado. Estamos, ao que parece, no universo da ‘troca restrita inclusiva’ (Viveiros de Castro, 1993a; Viveiros de Castro & Fausto, 1993). Esse impulsionamento da aliança para o exterior provoca um alto grau de indeterminação do sistema, que dificilmente poderia ser caracterizado como um sistema elementar. Talvez seja mais adequado caracterizar o sistema alto-xinguano como um sistema semicomplexo, ao menos por duas características já levantadas por Lévi-Strauss (2003): uma seria a coexistência de uma diversidade de fórmulas elementares; e outra seria a aparente preeminência de uma interdição (o casamento entre parentes próximos) que, uma vez superada, abriria um universo de escolhas amplo, no qual a troca restrita parece ser um ideal, mas operando em uma lógica que se recusa a qualquer modelagem mecânica. Ou, ainda, talvez caiba pensá-lo segundo a distinção entre estruturas e regimes proposta por Viveiros de Castro (1993b, pp. 134-135): a estrutura é elementar (a troca restrita), mas o regime de sua operação não, graças à introdução do tempo (e os elementos de indeterminação que ele traz) como um fator indispensável para a dinâmica do sistema.
No panorama sul-americano, o caso Kalapalo apresenta semelhanças com outros sistemas de terminologia iroquesa. Assim como entre os Aguaruna, há uma clara importância do casamento entre filhos de primos cruzados; e, assim como entre os Kandoshi, também há uma presença significativa de casamentos de primos de terceiro grau, mas sem que o cruzamento pareça desempenhar um papel tão importante (Taylor, 1998, pp. 206-207). Também há semelhanças com a ‘fórmula virtuosa’ do casamento entre os Enawenê-Nawê, para os quais ‘afins residuais’ (netos de afins efetivos ligados por uma troca de irmãs) poderiam arranjar os casamentos de seus filhos – ou seja, haveria um ideal de casamento de primos de terceiro grau (Silva, 2022). Contudo, como nota Silva (2022, p. 14), seus dados não permitem verificar a eventual recorrência dessa fórmula, dada a grande escassez de casamentos entre cognatos – apenas oito, dos quais três seriam casamentos entre primos cruzados de terceiro grau. Os Kalapalo também possuem uma fórmula virtuosa, na qual uma mulher escolhe, para seu filho, uma esposa que seja filha de um homem que ela chama de ‘irmão’ ou ‘primo’, configurando-se, assim, como uniões entre primos cruzados de, no mínimo, segundo grau. Porém, trata-se de uma prática em desuso e possuo poucos dados sobre ela. Em todos esses casos, confirma-se que formas de neutralização da oposição entre paralelos e cruzados (Trautmann, 2012) vêm acompanhadas de um alargamento do intervalo de tempo que uma dada aliança pode se replicar entre os descendentes produzidos pela relação original. São sistemas que se abrem de forma enfática para o tempo e para a multiplicação de parceiros.
Mas ainda há muitas lacunas e caminhos a perseguir. Seria importante investigar em detalhes se há variáveis que interferem nas escolhas matrimoniais, como a condição de chefe dos cônjuges ou seus pais, e se há padrões diferentes nos casamentos interétnicos. Também seria importante investigar se os padrões identificados até aqui entre os Kalapalo se replicam entre outros grupos da região. Ainda que não seja possível dar estas respostas agora, o que foi apresentado neste artigo pode oferecer um ponto de partida para aprofundamentos futuros nos estudos de parentesco na região.
Além disso, a metodologia aqui utilizada pode ser adaptada para a investigação de outros problemas. Por exemplo, seria possível utilizar este banco de dados como base para documentar e mapear relações de transmissão de conhecimentos especializados (como cantos, rezas e discursos cerimoniais), e investigar como eles se cruzam com relações de parentesco diversas; para identificar como as dinâmicas do parentesco influenciam nas atuais dinâmicas territoriais, em que assistimos a uma rápida proliferação de pequenas aldeias; para avaliar eventuais relações entre parentesco e certas dimensões da política regional, como a ocupação de cargos; investigar as relações entre parentesco, padrões residenciais e o multilinguismo; ou, ainda, as tendências identificadas podem ser úteis para se compreender as questões atuais que afligem os jovens quando pensam em seu futuro conjugal e familiar. Saindo do Alto Xingu, seria importante realizar dois movimentos comparativos. Um que permita aprofundar os pontos de encontro e divergência entre os sistemas iroqueses sul-americanos; e outro que permita comparar as práticas matrimoniais concretas destes sistemas com as encontradas em redes empíricas de sistemas dravidianos, a fim de aprimorar o entendimento de suas diferenças. Ainda há, em suma, muito trabalho pela frente.
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1
O banco de dados em que este artigo se baseia será, futuramente, disponibilizado para acesso online no Repositório de Dados de Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (REDU). O repositório pode ser acessado em REDU (n. d.).
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Oberg (1953, p. 7) define o sistema de parentesco alto-xinguano – no singular – como um dos “traços não materiais da cultura [de] toda a área do uluri”.
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Esta preferência do casamento entre primos cruzados poderia parecer contraditória, segundo a terminologia coletada por Galvão (1979), que transforma primos cruzados em germanos. Porém, como ele mesmo nota, essas uniões seriam possíveis – ainda que muito raras – porque haveria um ‘reconhecimento’ do cruzamento da primeira geração ascendente dos cônjuges.
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4
Não cabe retomar aqui o debate sobre as semelhanças e diferenças entre esses tipos terminológicos. Para uma discussão aprofundada, ver Trautmann e Barnes (1998), Viveiros de Castro (1998) e Silva (2010).
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5
Este artigo utiliza a notação inglesa para a descrição de relações de parentesco, na qual os marcadores de cada posição relativa correspondem à primeira letra dos termos equivalentes em inglês, sendo: F = father (pai), M = mother (mãe), S = son (filho), D = daughter (filha), B = brother (irmão), W = wife (esposa), H = husband (marido). A exceção é o marcador para ‘irmã’ (Z = sister), alterado para evitar ambiguidade com o marcador para ‘filho’ (S). Os marcadores compostos devem ser lidos da esquerda para a direita, como em: FB = father’s brother (irmão do pai), FZ = father’s sister (irmã do pai), FZD = father’s sister’s daughter (filha da irmã do pai), e assim sucessivamente.
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6
Trato como ‘cognatos’ as pessoas com ascendência comum para evitar possíveis mal-entendidos com relação à classificação dos parentes pelos Kalapalo, já que nem todos os cognatos são necessariamente classificados como consanguíneos (como os parentes cruzados em determinados contextos em que podem ser ‘afinizados’, ou os afins efetivos que resultam do casamento entre parentes: primas e primos transformados em cônjuges, tios e tias transformados em sogros/as etc.). A ênfase na cognação chama atenção para o dado genealógico, cuja relação com as classificações indígenas coloca um problema adicional para a análise das relações matrimoniais e seus efeitos sobre a organização social.
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7
Por se tratar de uma sociedade de pequena escala e da rede em análise possuir, como todo objeto dessa natureza, lacunas e vieses, os dados e suas interpretações devem ser sempre tomados com cautela. Há um conjunto de técnicas de simulação voltadas ao controle de dados desse tipo (Menezes et al., 2016), mas que são ainda experimentais e, por serem baseadas em pressupostos e procedimentos distintos, produzem resultados muito diversos, dificultando a construção de controles objetivos. A exploração de tais métodos excederia em muito os limites deste artigo, por isso optei por realizar uma leitura dos dados restrita às características mais salientes da rede. Pesquisas futuras podem trazer contribuições relevantes ao explorar as possibilidades de controle do material a partir das técnicas de simulação computacional disponíveis. A futura comparação de redes construídas entre povos com sistemas terminológicos semelhantes também pode oferecer recursos empíricos de controle, para além das simulações.
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Os valores de ‘densidade matrimonial’ e ‘densidade de filiação’ são obtidos, respectivamente, a partir da divisão do número de casamentos ou relações de filiação pelo total de relações possíveis entre dois indivíduos. Tais valores representam a prevalência relativa das relações matrimoniais e de filiação na composição da rede como um todo.
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Se considerarmos que o intervalo médio entre duas gerações é compreendido entre 20 e 25 anos, podemos supor que esta genealogia remonta até o início do século XX ou o final do século XIX.
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Esta taxa, chamada também de ‘taxa de fechamento’ (closure rate), representa o percentual de uniões que efetivamente ocorrem com relação ao total de caminhos genealógicos de um dado tipo identificado pelo censo. Assim, uma taxa de preferência de 3,57% significa que, de todos os caminhos ligando um homem a uma MBD ou uma mulher a um FZS existentes na rede, 3,57% são ‘fechados’ com uma relação de casamento entre Ego e Alter, formando um circuito matrimonial (Hamberger et al., 2009).
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Este caso se refere a um homem casado com três irmãs. Como a poligamia sororal é vista como a repetição de uma aliança, as três uniões foram tratadas como um único caso.
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Com efeito, esta é possivelmente uma propriedade geral das redes de parentesco, e não apenas desta rede específica.
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13
Seria possível segmentar a palavra da seguinte forma: t-ogopi-tsoho-i, RFL-retornar-INSTNR-COP (seguindo Santos, 2007). A raiz ‘retornar’ (ogopi) é antecedida por um prefixo reflexivo (RFL) (t-), seguida de um sufixo nominalizador instrumental (INSTNR) (-tsoho) e uma cópula (COP) (-i).
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14
É preciso reconhecer que a identificação das pessoas a um dado povo pode sofrer variações, pois muitas delas se consideram, ou são consideradas por outros, como ‘misturadas’ (para uma discussão detalhada desse tema, ver Mehinaku, 2010). Porém, para os fins deste artigo, foram consideradas as identificações obtidas em campo ou presentes em outros documentos etnográficos.
AGRADECIMENTOS
Este artigo resulta de pesquisas financiadas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), por meio dos processos 18/22219-8 e 18/25900-8. Agradeço a Vanessa Lea pela leitura e pelos comentários a uma versão preliminar deste artigo. Este trabalho foi inicialmente apresentado no seminário “Antropologia, arqueologia e linguística do Alto Xingu: pesquisas recentes”, organizado por Aristoteles Barcelos Neto e Luísa Valenini, a quem agradeço pelo convite e pelos comentários. Agradeço, ainda, aos colegas do projeto “Redes de circulação ameríndias: tratamento computacional do parentesco e temas conexos”, coordenado por Adriana Queiroz Testa, Marcio Silva e Márnio Teixeira-Pinto, que têm mantido um espaço de debates estimulante, no qual também pude apresentar alguns dos dados e argumentos desenvolvidos aqui. Todas as falhas são, evidentemente, de minha inteira responsabilidade.
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Editado por
-
Responsabilidade editorial: Jorge Eremites de Oliveira
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Nov 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
16 Dez 2022 -
Aceito
08 Ago 2023