Acessibilidade / Reportar erro

Miragens cartográficas: lugares e narrativas de origem em disputa no alto rio Uaupés, Amazonas, Brasil

Cartographic mirages: places and narratives of origin in dispute on the upper Uaupés river, State of Amazonas, Brazil

Resumo

Este artigo trata da experiência recente dos Kubeo que vivem no alto rio Uaupés brasileiro (noroeste amazônico) na elaboração de mapas. Pretendo mostrar como os mapas e sua produção participam de discussões relativas a reivindicações de lugares e pertencimentos por parte dos grupos envolvidos, e como os mapas estão articulados a conhecimentos narrativos que remetem ao momento da criação da humanidade e conformação do mundo. Para isso, o artigo inicia com uma contextualização da etnografia kubeo, e, na sequência, descreve duas experiências de mapeamento no alto Uaupés que dão sustentação à argumentação desenvolvida, a saber, uma viagem ao lugar de transformação dos grupos kubeo Yuremawa e Yúriwawa, conhecido como Wakaipani e, num segundo momento, a elaboração de um Plano de Gestão Territorial e Ambiental do Alto Rio Negro (PGTA).

Palavras-chave
Rio Uaupés; Kubeo; Narrativas; Mapas

Abstract

This text deals with the recent experience of the Kubeo, who live on the Upper Uaupés River in Brazil (Northwest Amazon), in developing maps. I intend to show how the maps and their production participate in discussions related to claims to places and belongings by the groups involved, and how maps are linked to narrative knowledge referring back to the moment that humanity was created and the world shaped. To support its main argument, the article presents a contextualization of the Kubeo ethnography followed by the description of two experiences of mapping in the Upper Uaupés: the first, a trip to the place of transformation of the groups Yuremawa and Yúriwawa (known as Wakaipani), the second, the development of an Alto Rio Negro Territorial and Environmental Management Plan (Plano de Gestão Territorial e Ambiental do Alto Rio Negro - PGTA).

Keywords
Uaupés River; Kubeo; Narratives; Maps

- Eu levo o barco - se ofereceu um jovem tukano.

- Você já fez essa viagem? - perguntou Casimiro.

- Eu nunca, mas meus primeiros ancestrais fizeram este trajeto na cobra-canoa e eu conheço os wametisé - os lugares por onde a cobra-grande passou, meu avô me contou a história das casas de transformação

(Freire, 2004Freire, J. R. B. (2004, jul. 20). Casimiro, o índio do Mar Báltico. Correio do Brasil. https://e.correiodobrasil.com.br/a/casimiro-o-indio-do-mar-baltico
https://e.correiodobrasil.com.br/a/casim...
).

Neste artigo, descrevo duas experiências de produção de mapas conduzidas pelos Kubeo do alto rio Uaupés brasileiro. A partir da análise desses eventos, argumento que os mapas, num primeiro momento – ao apresentar graficamente os lugares com seus nomes –, parecem ser entendidos pelos Kubeo como uma forma de produção de consenso acerca do território e seus elementos e contornos, consenso este apenas aparente, implodido num segundo momento pela demanda por novos mapas, novas versões cartográficas dos lugares e suas narrativas. Tal movimento, sustento, é semelhante ao que acontece com a publicação de mito-histórias na coleção “Narradores indígenas do rio Negro”1 1 A coleção “Narradores indígenas do rio Negro” consiste em “fenômeno recente entre os grupos indígenas do noroeste amazônico (alto rio Negro): a publicação regular nos últimos dez anos de livros de mitologia e histórias de clãs específicos, tal como ainda hoje contadas por pessoas pertencentes a diversos grupos da região. . . . A edição desses escritos tem sido viabilizada pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN)” (Andrello, 2010, p. 5). Até o ano de 2018, já foram nove volumes publicados na coleção, com histórias de clãs dos povos Desana, Tukano, Tariano e Baniwa. Para uma análise mais detida dessa coleção, além do referido artigo de Andrello (2010), ver o trabalho de Angelo (2016). , ‘onde uma narrativa implica demanda por novas versões’.

Para isso, partindo de uma contextualização etnográfica dos Kubeo no alto Uaupés, descrevo inicialmente uma viagem ao lugar de transformação dos Kubeo, Yuremawa e Yúriwawa, conhecido como Wakaipani, realizada no contexto de projeto de documentação fotográfica, audiovisual e cartográfica, no ano de 2013. Em seguida, analiso alguns episódios do envolvimento dos Kubeo na elaboração de planos de gestão ambiental e territorial, que se deu entre os anos 2014-2015, feita conjuntamente com comunidades kotiria vizinhas. A partir da análise dessas experiências, sustentarei meu argumento acerca do modo como os Kubeo parecem se apropriar da cartografia.

Meu argumento tem como objetivo contribuir para o adensamento de um debate ainda incipiente sobre a prática de mapeamentos no alto rio Negro, e para formulações conceituais mais amplas sobre o que se entende por lugar nessa região, bem como sua relação com as narrativas de origem e deslocamentos.

Com efeito, há mais de duas décadas, Arhem (1998, p. 75)Arhem, K. (1998). Powers of place: territory, landscape and belonging in northwest Amazonia. In N. Lowell (Ed.), Local belonging (pp. 78-102). Routledge. apontava a pouca atenção dada ao tema dos lugares no noroeste amazônico: “. . . notions of landscape, territory and local belonging are, on the whole, little explored in Amazonian ethnography”. Passaram-se os anos e o diagnóstico persistiu, como apontado por Cayón (2013)Cayón, L. (2013). Pienso, luego creo: la teoría makuna del mundo. Instituto Colombiano de Antropología e Historia., ao identificar um ‘vazio etnográfico’ na etnologia regional no que diz respeito ao papel dos lugares, salvo poucas exceções:

De cierta manera, la importancia de los lugares estuvo allí desde el comienzo, pero nadie siguió esse camino com excepción de los trabajos pioneros de Arhem (1998)Arhem, K. (1998). Powers of place: territory, landscape and belonging in northwest Amazonia. In N. Lowell (Ed.), Local belonging (pp. 78-102). Routledge. sobre el conocimiento contenido en los lugares; los de Hill (2002)Hill, J. (2002). Shamanism, colonialism, and the wild woman: fertility cultism and historical dynamics in the Upper Rio Negro Region. In J. Hill & F. Santos-Granero (Eds.), Comparative Arawakan histories. Rethinking language family and culture area in Amazonia (pp. 223-247). University of Illinois Press., Wright (2002)Wright, R. (2002). Prophetic traditions among the Baniwa and other Arawakan peoples of the Northwest Amazon. In J. Hill & F. Santos-Granero (Eds.), Comparative Arawakan histories. Rethinking language family and culture area in Amazonia (pp. 269-293). University of Illinois Press., Vidal (2002)Vidal, S. (2002). Secret religious cults and political leadership: multiethnic confederacies from Northwestern Amazon. In J. Hill & F. Santos-Granero (Eds.), Comparative Arawakan histories. Rethinking language family and culture area in Amazonia (pp. 248-268). University of Illinois Press. y Zucchi (2002)Zucchi, A. (2002). A new model of the Northern Arawakan expansion. In J. Hill & F. Santos-Granero (Eds.), Comparative Arawakan histories. Rethinking language family and culture area in Amazonia (pp. 199- 222). University of Illinois Press., quienes se concentran en los lugares como una forma de leer la historia de las segmentaciones de varios subgrupos arawak, y de mi primer intento por relacionar los lugares con la construcción de las personas por medio del chamanismo

(Cayón, 2013Cayón, L. (2013). Pienso, luego creo: la teoría makuna del mundo. Instituto Colombiano de Antropología e Historia., p. 41).

Acerca dos mapas, encontramos um tratamento mais sistemático em coletânea recente, organizada por Andrello (2012)Andrello, G. (Org.). (2012). Rotas de criação e transformação: narrativas de origem dos povos indígenas do Rio Negro. Instituto Socioambiental., e em informe acerca de projetos de mapeamento no noroeste amazônico, organizado por Scolfaro et al. (2014)Scolfaro, A., Oliveira, A. G., Hernández, N., & Gómez, S. (2014). Cartografia dos sítios sagrados: iniciativa binacional Brasil-Colômbia: salvaguarda do patrimônio cultural imaterial do noroeste Amazônico. Instituto Socioambiental.2 2 Além dessas publicações, o Instituto Socioambiental (ISA) tem coordenado diversas iniciativas de mapeamento junto a comunidades do alto rio Negro, como a coleção cartográfica de 12 mapas da região do baixo rio Uaupés, integrando a série “Cartô Brasil Socioambiental”, resultado de pesquisa colaborativa e intercultural em oficinas realizadas entre 2014 e 2016. Portanto, chamo atenção neste texto para a pouca produção de pesquisas sobre os mapeamentos. . Portanto, estudos sobre lugares e produção de mapas são ainda rarefeitos na literatura etnológica alto-rionegrina, a despeito de um contexto mais amplo caracterizado como de ‘febre’ da técnica dos etnomapeamentos entre populações indígenas (Cardoso, 2013Cardoso, T. M. (2013, set. 24-26). Malhas cartográficas: técnicas, conhecimentos e cosmopolítica do ato de mapear territórios indígenas [Conferência]. Reunião de Antropologia da Ciência e Tecnologia (ReACT). Campinas, São Paulo., p. 2).

Com efeito, Cardoso (2013)Cardoso, T. M. (2013, set. 24-26). Malhas cartográficas: técnicas, conhecimentos e cosmopolítica do ato de mapear territórios indígenas [Conferência]. Reunião de Antropologia da Ciência e Tecnologia (ReACT). Campinas, São Paulo. nos mostra como a cartografia, inicialmente por muito tempo, esteve vinculada à ideia de representação da realidade, uma perspectiva realista na qual cabia ao cartógrafo desenvolver técnicas e ferramentas para reduzir os erros na elaboração de dados espaciais, e que estava assentada nas premissas do “mapa como representação mental do mundo” e, em segundo lugar, “como verdade sobre o mundo como ele é” (Cardoso, 2013Cardoso, T. M. (2013, set. 24-26). Malhas cartográficas: técnicas, conhecimentos e cosmopolítica do ato de mapear territórios indígenas [Conferência]. Reunião de Antropologia da Ciência e Tecnologia (ReACT). Campinas, São Paulo., p. 4).

No século XX, outra perspectiva cartográfica emerge, na qual os mapas são vistos como construções socioculturais, em que “. . . o processo de mapeamento consiste em criar, ao invés de simplesmente revelar, conhecimento. . . . Existiriam, nas diversas culturas, várias imagens mentais sobre o mundo, e os mapas físicos seriam, portanto, o produto de conhecimentos privilegiados e formalizados” (Cardoso, 2013Cardoso, T. M. (2013, set. 24-26). Malhas cartográficas: técnicas, conhecimentos e cosmopolítica do ato de mapear territórios indígenas [Conferência]. Reunião de Antropologia da Ciência e Tecnologia (ReACT). Campinas, São Paulo., p. 6). Desse ponto de vista, que conduziu a chamada “virada cartográfica”, grupos sociais e étnicos “. . . assessorados, dentre outros, por antropólogos, cientistas sociais e geógrafos humanistas, a partir de um contexto legislativo e político favorável, passam a se valer dos mapas para reivindicar direitos e mais recentemente o controle e a gestão territorial” (Cardoso, 2013Cardoso, T. M. (2013, set. 24-26). Malhas cartográficas: técnicas, conhecimentos e cosmopolítica do ato de mapear territórios indígenas [Conferência]. Reunião de Antropologia da Ciência e Tecnologia (ReACT). Campinas, São Paulo., p. 8), conduzindo ao que Cardoso (2013)Cardoso, T. M. (2013, set. 24-26). Malhas cartográficas: técnicas, conhecimentos e cosmopolítica do ato de mapear territórios indígenas [Conferência]. Reunião de Antropologia da Ciência e Tecnologia (ReACT). Campinas, São Paulo. descreve como contexto atual da ‘febre’ das técnicas do etnomapeamento.

Essas duas perspectivas, realista ou científica, e crítica ou sociocultural, serão objeto de análise de Ingold (2005)Ingold, T. (2005). Jornada ao longo de um caminho de vida: mapas, descobridor-caminho e navegação. Religião & Sociedade, 25(1), 76-110.. Com efeito, para esse antropólogo, os mapas como construções socioculturais:

. . . manteriam as duas premissas elementares da cartografia modernista: a ideia de que o conhecimento é algo que está na cabeça, na mente das pessoas, como um mapa mental que pode ser inscrito num mapa físico, e em segundo lugar a manutenção da ideia de que um mapa representa uma realidade do lugar, quando seus aspectos ideológicos são levados em conta. Para Ingold (2000)Ingold, T. (2000). To Journey along a way of life: maps, wayfinding and navigation. In. Autor, The perception of the environment: essays livelihood, dwelling and skill (pp. 219-242). Routledge., pela cartografia moderna e também pelos teóricos do mapa cognitivo, as particularidades locais conseguidas pela observação no chão são encaixadas numa concepção abstrata do espaço para formar uma representação do mundo como se estivéssemos olhando para ele ‘de cima para baixo’

(Cardoso, 2013Cardoso, T. M. (2013, set. 24-26). Malhas cartográficas: técnicas, conhecimentos e cosmopolítica do ato de mapear territórios indígenas [Conferência]. Reunião de Antropologia da Ciência e Tecnologia (ReACT). Campinas, São Paulo., p. 9).

Ingold (2005)Ingold, T. (2005). Jornada ao longo de um caminho de vida: mapas, descobridor-caminho e navegação. Religião & Sociedade, 25(1), 76-110. critica o que chama de ‘ilusão cartográfica’, a saber, uma espécie de apagamento da experiência, das trajetórias, dos percursos, do engajamento de sujeitos na elaboração dos mapas. O ponto aqui é que a ilusão cartográfica entende a estrutura do mundo como fixa: “Um aspecto dessa ilusão reside na suposição de que a estrutura do mundo, tanto quanto a do mapa que pretende representá-la esteja fixa, sem considerar o movimento dos seus habitantes. . .”, e conclui que “. . . uma das características do mapa moderno é a eliminação, ou rasura, das práticas e itinerários que contribuíram para a sua produção” (Cardoso, 2013Cardoso, T. M. (2013, set. 24-26). Malhas cartográficas: técnicas, conhecimentos e cosmopolítica do ato de mapear territórios indígenas [Conferência]. Reunião de Antropologia da Ciência e Tecnologia (ReACT). Campinas, São Paulo., p. 10).

Diante desse quadro, pretendo mostrar o interesse do estudo da produção de mapas para se pensar a questão mais ampla da relação entre narrativas e lugares a partir da perspectiva aberta por Ingold (2005)Ingold, T. (2005). Jornada ao longo de um caminho de vida: mapas, descobridor-caminho e navegação. Religião & Sociedade, 25(1), 76-110. em considerar práticas e itinerários de produção de mapas (Ingold, 2005Ingold, T. (2005). Jornada ao longo de um caminho de vida: mapas, descobridor-caminho e navegação. Religião & Sociedade, 25(1), 76-110.), e avançar no entendimento dos conflitos envolvendo narrativas de origem e afirmações e contestações de prerrogativas pessoais e coletivas, bem como da dinâmica de produção de consensos e desentendimentos entre pessoas e grupos acerca de lugares e pertencimentos. A reflexão sobre processos de mapeamento como os aqui analisados permitirá, em suma, “. . . promover uma reflexão sobre a articulação entre projetos de conhecer distintos, entre múltiplas práticas e processos no ato de produzir um mapa” (Cardoso, 2013Cardoso, T. M. (2013, set. 24-26). Malhas cartográficas: técnicas, conhecimentos e cosmopolítica do ato de mapear territórios indígenas [Conferência]. Reunião de Antropologia da Ciência e Tecnologia (ReACT). Campinas, São Paulo., p. 2), de pensar uma “. . . cosmopolítica da prática de mapeamento” (Cardoso, 2013Cardoso, T. M. (2013, set. 24-26). Malhas cartográficas: técnicas, conhecimentos e cosmopolítica do ato de mapear territórios indígenas [Conferência]. Reunião de Antropologia da Ciência e Tecnologia (ReACT). Campinas, São Paulo., p. 2).

OS KUBEO DO ALTO UAUPÉS BRASILEIRO

Há duas maneiras de se chegar às comunidades kubeo do alto Uaupés brasileiro. O modo mais rápido e relativamente fácil é por via aérea, dado que há um pelotão do exército brasileiro na fronteira com a Colômbia, em Querari – última comunidade do lado brasileiro –, e que é abastecido por aviões provenientes de São Gabriel da Cachoeira que, além de itens e deslocamento de militares para o pelotão, transportam também passageiros civis no percurso. Outra via é a fluvial, pelo rio Uaupés, em viagem que, saindo de São Gabriel da Cachoeira com voadeira de 40HP, se faz em cerca de três dias.

São duas as comunidades kubeo no Uaupés brasileiro e um sítio, onde vivem indígenas de três grupos, os Yuremawa, Yúriwawa e Betówa, sendo que os dois primeiros se reconhecem como tendo uma origem comum, isto é, como partes de um mesmo agrupamento pretérito: os Yúri Parãmena (‘netos de Yúri’). Já os Betówa se afirmam como Kubeo, mas da perspectiva yuremawa e yúriwawa possuem um lugar ambivalente: ora parecem ser aceitos como Kubeo, mas de pouca consideração, ou baixa hierarquia, para usar terminologia consagrada na literatura etnológica regional (Pedroso, 2013Pedroso, D. R. (2013). Quem veio primeiro? Imagens da hierarquia no alto Uaupés (noroeste amazônico) [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/D.8.2013.tde-12022014-122745
https://doi.org/10.11606/D.8.2013.tde-12...
), ora são definidos como um grupo estrangeiro e não Kubeo, proveniente do alto Uaupés colombiano. De seu próprio ponto de vista betówa, afirmam-se e reclamam reconhecimento como Kubeo3 3 Apenas indico aqui a controvérsia que há na região sobre denominações e pertencimentos a coletivos; para uma discussão mais aprofundada sobre esse tema, ver Pedroso (2019). .

Os Kubeo fazem parte da família Tukano Oriental. Esse etnônimo cobre uma vasta nuvem de grupos e comunidades distribuídas pelos rios Uaupés, Querari e Cuduiarí (esses dois últimos já na Colômbia). Na língua, é comum o uso da autodesignação Pamiwa. Os Yuremawa de Querari explicam que usam o termo Pamiwa para referirem-se aos indígenas de modo geral, por oposição à ñaradawi, termo para ‘branco’. Mas Pamiwa tem também um segundo sentido, mais específico e contextual, que ora é usado para designar o conjunto de grupos falantes da língua kubeo, e nesse sentido Pamiwa e Kubeo se sobrepõem, ora numa escala menor, apontando para aqueles falantes de Kubeo que vivem em Santa Cruz (comunidade no alto Uaupés colombiano), e no rio Cuduiarí, como os Hehénewa, e que são designados como ‘Kubeo puros’, ou ainda ‘Kubeo verdadeiros’ – Pamiwa , por oposição àqueles que seriam ‘cópia’ ou ‘imitação’, caso dos Yuremawa e Yúriwawa, que recebem esse qualificativo por falarem uma língua que não é aquela da origem, mas antes apropriada4 4 Contam os Yuremawa e Yúriwawa que a língua falada originalmente pelos Yúri Parãmena se perdeu, e foi substituída por uma língua emprestada, o Kubeo. Para uma análise mais demorada das narrativas de origem Yuremawa e Yúriwawa, e dos temas da apropriação de linguagem e da dicotomia ‘verdadeiro’/‘falso’, ver Pedroso (2019). , o Kubeo. Notamos, assim, certa plasticidade no manejo do nome Pamiwa, uma variação de escala na qual é usado (Pedroso, 2020Pedroso, D. R. (2020). A potência do nome: política onomástica no rio Uaupés (AM). Campos, 21(1), 85-112. http://dx.doi.org/10.5380/cra.v21i1.70269
https://doi.org/10.5380/cra.v21i1.70269...
, p. 87).

Na comunidade de Açaí habitam os Yúriwawa. Contam os velhos moradores dessa comunidade que antigamente os Yúriwawa viviam em uma única maloca próxima ao igarapé Jacundá, mais para o interior da mata, afastados do Uaupés. Com o tempo, alguns dos moradores passaram a construir casas em outros lugares, até se reunirem novamente onde está localizada atualmente Açaí, fato que se deve, em grande parte, ao esforço missionário salesiano5 5 Segundo o relato de Bernardo, um senhor yúriwawa de Açaí que cultivava grande interesse pela história local, os primeiros salesianos chegaram ao alto Uaupés na década de 1960 (Pedroso, 2019). de reunir os indígenas em comunidades. Açaí teve seu auge populacional nos anos 1980 e 1990, mas iniciou um processo de esvaziamento nos anos 2000; contava com apenas oito famílias em 2016.

A comunidade de Querari, por sua vez, com cerca de 24 famílias (em 2016), é composta por maioria Yuremawa, e faz vizinhança com o 2º Pelotão Especial de Fronteira (2º PEF) do exército brasileiro. Essa comunidade tem sua origem no final dos anos 1970, quando, por ocasião da construção do 2º PEF, os então moradores de Pacú-Cachoeira – antiga comunidade yuremawa que se localizava logo abaixo de Querari – se deslocaram para onde vivem atualmente. Querari conta com igreja católica, duas escolas (uma estadual e outra municipal), uma pista de pouso para aviões de pequeno porte e algum apoio disponibilizado pelo 2º PEF, como atendimento médico, odontológico e socorro em emergências que necessitam de remoção para os hospitais de Iauaretê, São Gabriel da Cachoeira ou Manaus.

Por fim, ainda do lado brasileiro, encontramos o sítio de Iauaretê-Ponta, próximo a Açaí, que foi uma comunidade betówa grande. Segundo relatos de alguns de seus ex-moradores, Iauaretê-Ponta teve mais de vinte famílias na década de 1980 e 1990, mas depois sofreu um esvaziamento progressivo, com moradores indo para Querari, Puerto-Colombia (comunidade do lado colombiano do Uaupés) e São Gabriel da Cachoeira, para onde foi a maior parte. Em minha última passagem por esse sítio, em 2016, viviam duas pessoas apenas: uma mãe e seu filho. Além deles, há uma casa que é usada por alguns Betówa moradores de Querari temporariamente, para trabalho na roça, pesca ou, simplesmente, para descansar aos feriados e finais de semana. Abaixo de Iauaretê-Ponta, seguindo o curso do rio Uaupés, inicia-se um longo trecho com várias comunidades Kotiria6 6 Para mais informações sobre os Kotiria, ver o Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) Kotiria e Kubeo (ASEKK, 2020) e Rocha (2012). .

Somam-se às comunidades do lado brasileiro mais três comunidades kubeo próximas, mas do lado colombiano do rio Uaupés, a saber: Puerto-Colombia, onde vivem indígenas betówa, Puerto-Playa e Montenegro, de população yuremawa7 7 Infelizmente, não disponho de dados censitários acerca dessas comunidades kubeo colombianas. .

É a partir desse contexto etnográfico e de minha inserção em campo como pesquisador, assessor de oficinas de mapeamento e de planos de gestão territorial que levanto questões relacionadas à produção de mapas pelos Kubeo. Vejamos.

VIAGEM AO WAKAIPANI

Em maio de 2013, fui a campo fazer minha primeira pesquisa entre os Kubeo como assessor do projeto “Lugares sagrados”, concebido com recursos do Museu do Índio, no Rio de Janeiro, e que consistia na realização de oficinas de capacitação para uso de aparelhos como gravadores de áudio, máquinas fotográficas e filmadora, e tecnologias cartográficas, como uso de GPS, com o propósito de registrar as narrativas de origem dos Yúri Parãmena, bem como visitar o seu lugar de transformação, Wakaipani. O projeto, coordenado por um linguista e assessorado por dois antropólogos8 8 O projeto “Lugares sagrados” foi elaborado e proposto pelo linguista Thiago Chacon, na época pesquisador de pós-doutorado da Universidade da California (EUA), hoje professor da Universidade de Brasília (UNB). Minha participação no projeto deveu-se ao fato de estar então fazendo uma pesquisa de mestrado na Universidade de São Paulo (USP), de caráter bibliográfico, sobre os Kubeo. Ao saber do projeto, entrei em contato com Thiago Chacon, e após algumas conversas fui gentilmente aceito para compor a equipe, ao lado de João Pimenta da Veiga, que então estava concluindo sua graduação em Ciências Sociais na UNB, e interessado em escrever uma monografia de final de curso sobre os Kubeo. , foi desenvolvido pelos alunos do então terceiro ano do ensino médio da escola estadual de Querari, como trabalho de conclusão de curso, e teve ampla participação da comunidade e de moradores de comunidades vizinhas do lado brasileiro e colombiano do Uaupés.

Foram cinco dias de oficinas, com treinamentos, registro de narrativas de origem contadas por velhos conhecedores yuremawa, yúriwawa e betówa e produção de mapas mentais através de seu desenho em papel. Concluída essa etapa, e orientados por velhos yuremawa, yúriwawa e betówa, fizemos uma viagem pelo igarapé Marãkãriya (afluente do rio Uaupés, no lado brasileiro) até Wakaipani, onde os Yúri Parãmena – originários do rio Ayari, como indicam suas narrativas – teriam deixado a forma peixe para assumir a forma humana. O propósito geral da viagem era refazer parte do percurso da Cobra Canoa9 9 O motivo da Cobra Canoa Ancestral é manejado com mais de um sentido pelos Kubeo. Assim, ouvi alguns velhos afirmarem que se tratava mesmo de uma ‘cobra gigante’, no sentido literal, que carregava os Yúri Parãmena; mas já ouvi também outros dizerem não se tratar literalmente de uma cobra, mas sim que a primeira humanidade viajou na forma peixe ‘como se fosse uma cobra’, isto é, dispostos como tal; dizendo ao mesmo tempo que a Cobra Canoa é algo ‘dos Tukano’. Eis um tema que aguarda análises comparativas mais detalhadas. e registrar os seus locais de parada, bem como parte das histórias associadas a esses lugares.

Segundo uma narrativa contada pelo velho senhor Henrique Rodrigues10 10 Henrique Rodrigues é um senhor de vasto conhecimento das tradições narrativas kubeo e muito respeitado na comunidade de Querari e em comunidades vizinhas, reconhecido como ‘tuchaua’. Essa narrativa foi contada durante a oficina de 2013, em Kubeo. Apresento adiante uma tradução preliminar, feita em grande parte por um conjunto de alunos kubeo que participaram das oficinas. É importante lembrar ao leitor que se trata de uma versão condensada, pois, como o próprio senhor Henrique sempre lembrava, ‘a história dos Yúri Parãmena é muito grande’. Aproveito para registrar aqui meus agradecimentos a Henrique Rodrigues e reconhecimento de sua bondade e sua gentileza, sempre disposto a ensinar e conversar sobre as narrativas e conhecimentos kubeo. , filho mais velho do primeiro morador da comunidade de Querari, os Kubeo surgem na cachoeira de Hapuí (Hípana11 11 Hípana é um termo que designa, para os povos arawak, o ‘centro do mundo’. Wright (2014, p. 4) nos diz que: “A noção de ‘centro’ é de importância fundamental no cosmos. Podem existir múltiplos ‘centros’ do mundo, em lugares físicos diferentes dentro de um mapa geográfico, porém todos têm o mesmo nome, que significa ‘centro do mundo’, que é o nome Hípana. Assim, o Hípana do Rio Aiary é conhecido entre todos os Hohodene como o ‘centro do mundo’, tanto no sentido vertical como no horizontal; no entanto, as cachoeiras têm um outro nome, Kupikwam, que diz respeito a um tipo de videira silvestre que se encontra pendendo das árvores na redondeza das cachoeiras. Essa vinha silvestre passou a existir em certo momento no mito de Kuwai. Na região do norte amazônico de língua Aruaque, há vários outros lugares sagrados com o nome de Hípana”. ), no rio Ayari. Seguem viagem reunidos como anaconda até o Içana, depois descem pelo rio Negro até São Gabriel da Cachoeira, lugar já pertencente aos Baré; por conta disso, não podem permanecer nesse local. Então seguem viagem subindo o Uaupés, passando pelos territórios dos Desana, Tukano e Pira-tapuya. Chegam a Iauaretê, que também já tinha dono. Continuam a viagem até a cachoeira de Santa Cruz, no Uaupés colombiano, cujo território pertencia ao grupo Pamiwa, os ‘Kubeo originais’. Voltam pelo Uaupés e entram no igarapé Marãkãriya (próximo a atual comunidade de Açaí), seguindo pelo igarapé Wahuya até sua cabeceira, conhecido como Wakaipani, onde se fixam, conformando o lugar como sua ‘maloca de surgimento’.

É no Wakaipani que a avó Huredanaçu passa a nomear os grupos, oito no total: Meaçiwida, Kahetaremi, Kaporedo, Makawedo, Wiana Mamaramu, Kaiwarido, Takari e Betoku, sendo Meaçiwida o irmão maior, e Betówa o último da série; os Yúriwawa, nessa versão das narrativas, ocupam uma posição intermediária. Em seguida, esses grupos se dispersam, ocupando lugares específicos ao longo do Uaupés, sendo que os grupos dos irmãos mais velhos ocupam posições a jusante, e os irmãos mais novos ocupam posições a montante do rio. Segue a narrativa de origem contada pelo senhor Henrique Rodrigues (comunicação pessoal, maio 2013):

Nós nascemos na cachoeira de Hípana (Hapuí). Ayari se chama este rio. Lá nós surgimos, todos éramos peixes. Ali estava aquele que nos estava puxando para fora. Também existia nossa avó, chamada Huredanaçu. Ela estava pensando na gente, e atrás dela estava o Yúri. Existe uma pedra muito parecida a uma pessoa (representa o Yúri). Ele tinha um tabaco sagrado, estava fumando. Puxava os peixes pelas mãos para que se transformassem em gente. Tem uma laje de pedra bonita ali, onde os peixes estavam para se transformar. “Pronto, já os fiz como peixes”, disse Yúri para a gente. Depois de haver terminado soprou com tabaco. Pronto, já havia feito a criação, “agora vamos olhar este rio”, disse. Baixaram pelo rio até o ‘rio Caba’ (Içana), onde desemboca o rio Ayari. Baixaram pelo rio Caba, subimos e depois baixamos novamente para ir para São Gabriel. Aí apareceu a canoa de peixes, a canoa dos Yuremawa, que era a canoa que nos estava guiando. Então o dono desta terra nos disse: “não é assim, eu sou dono deste território, este território é meu”, disse o Baré, aquele que é propriamente de São Gabriel. “Está bem, então!”, dissemos e regressamos. Vimos subindo por este rio (Uaupés). Havia muitas pessoas nesta parte do território. Vimos muitas pessoas: Desanos, Tucanos, Pira-tapuyos... O território era deles.

Continuaram subindo e bateram em Iauaretê. Lá também já havia dono. Passaram subindo por Iauaretê, essa canoa de peixes subindo, sendo guiados pelo Jirau de Turi de Jibóia. Olha, Waracapuri (Santa Cruz) se chama cachoeira de Hĩparari. Ali chegamos batendo na cachoeira. Era território do grupo Pamiwa (os Kubeo originais). Não nos aceitou o de aí, “este território é meu” nos disse.

Voltamos baixando, olhe, este igarapé Açaí é grande. Aí entrou a canoa de transformação. Agora foram subindo, até o igarapé Wahuya, entrando até sua cabeceira. Aí neste lugar nos fixamos. Lá está nossa maloca de surgimento. Aí nós nos dispersamos. Nossa avó Huredanaçu nos disse “já os tenho guiado até aqui”. Então ela passou a nomear os grupos. Nós fomos chamados de Yuremawa. Havia nosso irmão mais velho, chamado de Meaçiwida. Abaixo dele veio o Kahetaremi. Depois veio o Kaporedo. Abaixo dele vem o Makawedo. Meus irmãos mais velhos, que estão acima da gente. Depois vem a gente, Wiana mamaramu. Depois vem Kaiwarido. Por último vem o Takari, ele é o neto do Pato (Bedebo), nosso irmão mais novo. Tem ainda este que era uma criancinha, o Betoku. Assim somos nós. O Yúriwaku é um grupo do meio. Um dia dissemos: “Não temos nosso cunhado, que há com vocês? Hoje nós vamos nos encontrar (vamos ser cunhados)”, disse. Este é o Yúriwaku.

Eles já haviam surgido e voltamos à mesma casa no rio Ayari. Então nos deixaram em lugares específicos e vieram: “Você vai ficar aqui, você vai ficar ali...” até na cabeceira onde fomos ficar. Ficamos em três grupos: Yawakabo (parte de baixo da ilha), acima está o lugar chamado Pedra de Quati, lá onde nos estabelecemos. Nós somos o grupo do meio, nossos irmãos mais velhos ficaram abaixo de nós.

Depois da criação viveram muito bem por um tempo. Quando começaram as guerras nos perseguiram até a selva. Agora já descemos para viver em nosso território. Em Pacú, havia o Marakãriku, o chamado Wanano. Ele nos deu este território, Pacú-Cachoeira. Já havíamos nos encontrado com a filha do Wanano. Nos deram a filha (nos tornamos cunhados) e depois nos deram o território, nossa terra saborosa, com seus igarapés, onde pescamos, e fazemos quantas outras coisas mais!

Até Poço Tucunaré, acima da comunidade de Açaí, onde está a ponta da praia. Até aí nos limitaram. Ficamos com este pedacinho, então voltou até aqui (foz do rio Querari), onde começa o território dos Biówa. Porém, eles não têm território. Os meus parentes se encontraram com eles e vivem agora na área dos Biówa como se fosse território nosso. Assim é, este é o correto. Isto foi como aconteceu antigamente, assim falaram nossos antepassados.

Os Yuremawa ocupam um território originalmente pertencente aos Kotiria (Wanano). Marakãriku, um personagem das narrativas de criação kotiria12 12 Para os Kotiria, este herói é conhecido pelo nome Kené, e sua ‘casa’ fica próxima à comunidade de Jacaré-Cachoeira, no rio Uaupés. O nome do ‘igarapé sagrado dos Yúri’, como me explicaram, deriva do nome deste ancestral, pois o próprio igarapé teria se formado quando Marãkãriku adentrou a floresta em direção ao Wakaipani, remetendo àquela dialética conteúdo-continente destacada por S. Hugh-Jones (2014), segundo a qual o conteúdo forma o continente. e considerado chefe desse povo13 13 Certa vez, conversando com Gabriel Saldanha (comunicação pessoal, maio 2013), Yúriwawa de Açaí, ouvi a expressão “Marãkãriku é chefão dos Wanano”. , deixou que os Yúri Parãmena se estabelecessem no lugar, tornando-se cunhado dos Yuremawa. Essa, em linhas gerais, é uma versão da história de surgimento dos Yuremawa e Yúriwawa. Voltemos ao contexto da viagem ao Wakaipani.

Antes da viagem, durante as oficinas, reunimos alguns velhos moradores de Querari e Açaí para gravar narrativas de origem e deslocamentos, bem como produzir mapas da região, com interesse sobretudo no igarapé Marãkãriya. Osvaldo, um Yúriwawa que vive atualmente em Querari (ex-morador de Açaí), caçador reconhecidamente habilidoso que faz constantes incursões para caça e pesca no igarapé Marãkãriya, assumiu a frente na elaboração do mapa desse igarapé por suas habilidades de desenho e conhecimento dos rios e caminhos da região, mas foi todo o tempo auxiliado e guiado por velhos yuremawa, yúriwawa e betówa. A oficina resultou assim em mapa detalhado de igarapés, seus nomes em Kubeo e indicação de lugares considerados importantes (Figura 1).

Figura 1
Oficina de elaboração de mapas.

Três pontos merecem destaque acerca do período de oficinas. Em primeiro lugar, os mapas foram desenhados por jovens orientados pelos mais velhos, num esquema semelhante ao do registro de livros da coleção “Narradores indígenas do rio Negro” (cf. Andrello, 2010Andrello, G. (2010). Falas, objetos e corpos: autores indígenas no alto rio Negro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 25(73), 5-26. https://doi.org/10.1590/S0102-69092010000200001
https://doi.org/10.1590/S0102-6909201000...
; Angelo, 2016Angelo, S. R. F. (2016). Transmissão e circulação de conhecimentos e políticas de publicação dos Kumua do noroeste amazônico [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2016.tde-12092016-123926
https://doi.org/10.11606/T.8.2016.tde-12...
), onde as mãos dos mais jovens – sejam as que manipulam o gravador ou o lápis/pincel – são guiadas pelas narrativas e pelos conhecimentos dos mais velhos.

Em segundo lugar, a participação das mulheres. Enquanto os mapas eram desenhados, algumas mulheres mais velhas também se manifestavam sobre a localização dos lugares, os contornos dos igarapés e seus nomes, colocando-se como conhecedoras dos lugares e de suas histórias. Além disso, durante os preparativos para a viagem, uma das questões discutidas era se as mulheres iriam ou não ao Wakaipani, pois tratava-se de visitar o lugar de transformação dos Yúri Parãmena, isto é, de rememorar um conhecimento geralmente reconhecido como próprio dos homens. A decisão foi de que as mulheres também iriam, mas tomariam todos os cuidados necessários tais como fazer os benzimentos de proteção e observar as restrições indicadas pelos mais velhos.

Por fim, notei que o trabalho de mapeamento começou com o registro de narrativas, depois a indicação de trajetos e lugares em mapa. Tal ordenamento de eventos nos remete à prevalência da narrativa e ao trabalho da memória feito antes de fixar os lugares nos mapas geográficos, algo já indicado por Andrello (2013, p. 510) no contexto de oficina de produção de mapas para registro da Cachoeira de Iauaretê como patrimônio imaterial.

Depois das oficinas, durante a preparação dos materiais para a viagem, eu e outros dois participantes não indígenas (antropólogo e linguista) fomos protegidos com benzimento por meio de buçibu (‘tabaco’) benzido, e pintura com muhã (‘carajuru’) misturado com çipe – um tipo de resina –, desenhando uma pequena cruz no peito, e outras duas na sola dos pés. Tal proteção era contra possível ataque de animais, tais como cobras, e dos hokuwu (‘espíritos da mata’), risco ao qual nós, não indígenas, por sermos estranhos e não termos passado pelos cuidados que um Kubeo passa ao longo da vida, estávamos particularmente expostos. Em seguida, partimos para o Wakaipani. Aqui, faz-se necessária uma digressão.

Os Yúriwawa e Yuremawa de Açaí e Querari comumente falam de ‘seres invisíveis’14 14 Notei, no português nativo, o uso de um conjunto de termos para designar tais entidades: ‘seres invisíveis’, ‘seres espirituais’, ‘espíritos ou seres da natureza’ ou apenas ‘espíritos’. ou ‘seres espirituais’ que habitam as matas e os rios. Esses seres são referidos quando se contam histórias de doenças, de caça e pesca, ou mesmo episódios durante o trabalho na roça. Há dois termos gerais em Kubeo para designar tais seres: hokuwu (‘espíritos da mata’), usado para se referir aos seres que habitam o espaço da mata; e moawu (‘espíritos da água’), aqueles que habitam o ambiente aquático. Geraldo Edson (comunicação pessoal, nov. 2014), Yuremawa de Querari, explicou da seguinte maneira:

Já esses que eu falei, esses hokuwu, moawu, são espíritos do mato, da água; são invisíveis. Tem os espíritos concretos e outros são abstratos, visível e não visível. Esses moawu e hokawu não dá para ver, a gente só vê quando aparece dor, doença, a gente diz “esse espírito que fez assim para a gente”, a partir daí que a gente consegue descobrir; ver a gente não consegue ver, vamos sentir só as consequências. Aí precisa de benzimento para curar, pajé mesmo, tudo isso aí. Tem o pajé para chupar isso aí, tem outro, o kumu, que faz cigarro. Tem que ir com o kumu, benzedor, já falando “a situação é assim”, dali ele benze já.

Esses espíritos da mata e da água não podem ser vistos, contudo, sabe-se da presença deles mediante alguns elementos como sons, cheiros e doenças. Os Kubeo me disseram muitas vezes que há vários tipos de hokuwu, e que é difícil precisar quantos tipos existem e quais são, uma vez que eles não são vistos. Entre esses seres invisíveis, abuhuku (plural abuhuwa) designa o mais conhecido. Tal termo é traduzido como ‘espírito’, ‘demônio’ e mesmo ‘diabo’15 15 No dicionário kubeo organizado por Chacon (n.d.), encontramos também a tradução ‘ser da floresta’. , termos esses provenientes do vocabulário cristão introduzido pelos missionários. Abuhuku é dito um ‘ser invisível’, no sentido, se bem entendi as explicações que os Kubeo me forneceram, não de terem a invisibilidade como atributo de sua constituição, mas antes de que eles não se deixam ver; assim, poderíamos dizer de forma mais precisa que são ‘seres visíveis’ que não se deixam ver16 16 Um paralelo pode ser feito com os instrumentos jurupari: do ponto de vista feminino, são ‘invisíveis’, isto é, não podem ser vistos, apenas o som é escutado. , podemos apenas ouvir, sentir o cheiro ou ser alvo de seus ataques. Ver um desses seres é um infortúnio. Se isso acontecer, a pessoa sofrerá as consequências disso, como a história do Yúriwawa Jaime de Açaí que me foi contada certa vez por um Yuremawa de Querari, e também pelo próprio Jaime.

Jaime é referido como abuhuku, seu apelido (yahui amiya), e isso se deve à história do encontro entre ele e um abuhuku na mata. Conta-se que, certa vez, Jaime saiu para caçar. Achou um jacu, atirou e a ave caiu alguns metros à sua frente. Quando chegou para ver, a ave já estava em outro lugar. Nesse momento, sentiu um abraço de algo como um ‘homem gigante’, do qual ele não conseguiu ver o rosto, mas afirma que era um demônio. Acordou no dia seguinte, no mesmo lugar onde estava durante o encontro, sujo, arranhado. Voltou para casa nesse estado. Ficou um mês sem falar, ‘como se estivesse com o pensamento em outro lugar’, segundo seu próprio relato. Apenas depois desse tempo recuperou a fala e então contou o episódio, mas não se não lembrava o que exatamente tinha acontecido. Eis um caso de encontro com abuhuku e suas consequências.

Mas isso não é tudo. Há muitos tipos de abuhuwa (makarõku abuhuku17 17 O dicionário kubeo de Chacon (n.d., p. 48) traduz makarõ como ‘floresta’, e como ‘terra/lugar’; assim, poderíamos traduzir makarõku abuhuku como ‘espírito da floresta’ ou também ‘espírito da terra/lugar’. ): Kuinaraðo abuhuku (‘diabo de um pé’), Nũo abuhuku (‘diabo da raiz’), Ñama abuhuku (‘diabo do veado’); Burucutu abuhuku; Haruru abuhuku; Awawaku/awawako (‘curupira’), Kuina opeko (feminino para curupira), Kuina opeku (masculino para curupira) (cf. Chacon, n.d., p. 48).

Aqui, cabe lembrar que esses ‘espíritos da natureza’ constituem categoria distinta dos ‘espíritos de mortos’, os quais têm um lugar de destino: Abuhuñami, casa ou lugar aonde vão os espíritos dos mortos18 18 Chacon (n.d., p. 1), no dicionário kubeo, registra como abuhuyami, e traduz por ‘casa dos espíritos’. que, segundo me indicaram os Yuremawa, fica numa serra próxima ao rio Querari, na Colômbia.

Os ‘espíritos de mortos’ são designados em Kubeo pelo termo põe dekoku, que é comumente glosado em português também como ‘fantasma’. Vale notar que o termo dekoku é também usado para designar ‘sombra’, ‘fotografia’ e imagem, de modo geral. Assim, ouvi algumas vezes os Kubeo usarem a expressão ‘dekokure hađomakõ pe ãrohãwi mu’, que pode ser traduzida como ‘parece que você viu fantasma’. Dito isso, voltemos à viagem ao Wakaipani.

Seguimos de canoa pelo rio Uaupés e entramos no igarapé Marãkãriya. À medida que adentrávamos esse igarapé, a viagem se tornava mais difícil, pois havia muitos troncos de árvores caídos no meio do rio e galhos boiando, que podiam quebrar os motores dos botes; além disso, em muitos trechos e curvas do igarapé o nível da água era muito baixo, tendo que passar com cuidado ou até mesmo sem do preciso empurrar as embarcações.

Dada a crescente dificuldade para avançar pelos igarapés, em determinado momento da viagem, encostamos os botes e seguimos por trilhas na mata. Antes de seguir caminhando, enquanto ainda arrumávamos as bolsas que levaríamos pelas trilhas, Marcela (Yuremawa de Querari) pediu que eu passasse levemente as folhas de uma planta (pinu pinu) nas pernas e nos pés, com os olhos fechados, para proteção contra picada de cobra. Os cuidados de proteção, como se vê, se deram antes da partida e durante o trajeto.

Caminhamos por aproximadamente cinco horas até chegar ao Wakaipani, viagem prolongada por pausas para descanso, onde tomávamos chibé, a bebida feita a partir da mistura de água e farinha, e por alguns momentos de dificuldade para encontrar o caminho, dado que, por conta de não ser mais um caminho frequentado pelos Kubeo, ficou oculto na mata, coberto pela vegetação, e exigiu certo trabalho para ser encontrado e aberto a golpes de terçado.

Ao longo do percurso, o velho Jaime, Yúriwawa de Açaí e respeitado conhecedor das narrativas de origem e ‘ritualizações’, como dizem os Kubeo, tomou a frente da pequena expedição, mostrando os lugares de parada, enunciando seus nomes e contando as histórias associadas a esses lugares. Além de seu conhecimento, Jaime era reconhecido também como morador legítimo da região, filho dos Yúriwawa que viviam no interior da mata, antes de se reunirem em Açaí. O reconhecimento tácito da consideração e respeito que lhe eram devidos se mostrou no fato de Jaime assumir a frente da pequena expedição sem contestação aparente. Notei também que Jaime, considerado o irmão mais velho, falava e apontava, e os outros velhos que nos acompanhavam se limitavam a fazer gestos, confirmando a história e repetindo fragmentos dessas falas em voz baixa.

Ao chegar ao lugar de transformação, Wakaipani (Figura 2), uma imensa laje de pedra coberta por petróglifos, Jaime iniciou uma apresentação formal dirigida aos ‘donos’ e ‘cuidadores do local’. Seu objetivo era anunciar a nossa chegada da maneira correta, para que tudo corresse bem durante a nossa estadia. Como mostrou Cayón (2013)Cayón, L. (2013). Pienso, luego creo: la teoría makuna del mundo. Instituto Colombiano de Antropología e Historia., em sua pesquisa com os Makuna, os lugares sagrados dos povos tukano são locais de poder muito importantes e constituem a base do trabalho xamânico. Cada sítio ou lugar tem sua própria história de formação que fundamenta seus poderes, bem como possui espíritos cuidadores ou animais protetores que podem fazer muito mal a pessoas indesejadas que adentrem o local, em situações em que certa ética não seja observada pelo visitante. Sendo assim, para realizar atividades em Wakaipani era necessária uma mediação com estes ‘espíritos donos’; foi o que Jaime fez.

Figura 2
Wakaipani, maloca ancestral kubeo. Foto: Autor não registrado (2013).

Ao lado de outros dois velhos, Pedro (Yuremawa) e José Abelardo (Betówa), com voz alta e firme, num tom solene e formal, o olhar dirigido para baixo, em direção ao chão, Jaime apresentou ao dono do lugar as pessoas que estavam chegando ao Wakaipani, dizendo que se tratava dele e de seus parentes. Elencou um a um o nome de cada velho presente, isto é, o pupui amiya19 19 Pupui amiya é comumente traduzido como ‘nome de benzimento’, e diz respeito a um dos nomes que a criança recebe por meio de benzimento, proveniente de um estoque de nomes próprios a cada grupo. Para uma análise mais detalhada da noção de pupui amiya, cf. Pedroso (2019). , e se referiu aos mais jovens como sendo os seus netos. Apresentou os três membros não indígenas da comitiva pelo nome que foi dado em eventos anteriores e disse: “eles vieram subindo junto com a gente, ver nosso território. Amanhã, juntos, veremos tudo da melhor maneira” (Jaime, comunicação pessoal, maio 2013). Depois de apresentar quem estava chegando, Jaime ressaltou que não iríamos perturbar o local ficando nele por muito tempo e que até a metade do dia seguinte já teríamos partido. Segue a fala de Jaime (comunicação pessoal, maio 2013):

Aqui na casa de criação, vieram estas pessoas e eu, com meus filhos e netos, Manunda e Kapiakani. Agora estes, meus parentes: Manua, seu irmão Kaiwarida... Yuré, todo o grupo. Esses nossos filhos e este aqui, o Páturi, todos nós aqui chegamos, porém não vamos perturbar esse lugar ficando aqui por muito tempo. Amanhã, por volta do meio-dia, já estará tudo terminado. Por isso pedimos para que não chova aqui na tua casa. Piada, Kawa, Wekó... Todos que estão chegando; eles vieram subindo, junto com a gente, ver nosso território. Amanhã, juntos, veremos tudo da melhor maneira. Isso é tudo por agora20 20 Essa fala foi gravada em Kubeo e traduzida por alunos do terceiro ano do ensino médio da Escola de Querari. Registro aqui o devido reconhecimento ao trabalho desses alunos, assim como a tradução da narrativa feita por Henrique Rodrigues já citada. .

Além dessa fala de apresentação, outras restrições foram explicitadas por Jaime: certo trecho da cachoeira não podia ser pisado por mulheres; alguns lugares no Wakaipani e em suas proximidades deveriam ser evitados por pessoas estranhas, no caso, os três brancos que acompanhavam a viagem, pois o dono do lugar ou os espíritos da mata podiam nos agredir, dado que não nos conheciam. Também não era permitido fazer muito barulho, isto é, o comportamento tinha que ser moderado. Outra restrição foi a de não derramar sangue de animal de caça na laje do Wakaipani, e essa restrição foi enunciada quando um dos indígenas que seguiam na viagem conseguiu caçar um jacaré na cachoeira, para comermos. Ao jogar o corpo do animal no chão, com o sangue de seu ferimento escorrendo, foi imediatamente advertido pelos mais velhos de que isso não era permitido. Retirou o animal do lugar para ser preparado para o cozimento e limpou o sangue do chão jogando água. Em certo momento, no final do dia, já acampados no lugar, os mais velhos circularam um cigarro benzido, para proteção.

Alguns dias após o retorno, a viagem foi comemorada com a realização de uma festa de caxiri na maloca da comunidade Açaí com a presença de seus moradores Yúriwawa, os Yuremawa de Querari e os Betówa de Puerto-Colombia que participaram da oficina e da viagem. A certa altura da festa, alguns velhos betówa e seus filhos iniciaram uma discussão com velhos yuremawa acerca da necessidade de se fazer outra expedição, mas dessa vez para contar a história ‘verdadeira’, e não aquela versão, segundo eles ‘errada’, da chegada dos Kubeo ao Wakaipani. Alguns Yúriwawa, considerados irmãos menores daqueles que tomaram a frente na viagem, também manifestaram interesse em outra viagem, na qual pretendiam expor a versão ‘verdadeira’ da narrativa de origem, o que implicava refazer os mapas desenhados nas oficinas antes da expedição. Lembro que, durante a discussão, um jovem betówa batia no peito com violência e afirmava ‘sou betoku, sou betoku’, afirmando ser merecedor de respeito, e como tal dizia conhecer a ‘verdade’, afirmava que embora muitos nomes de lugares estivessem corretos no relato Yúri Parãmena, bem como as indicações dos rios e seus percursos no mapa (Figura 1), as histórias associadas não estavam todas corretas, isto é, questionava o conhecimento narrativo condensado nos nomes de lugares21 21 A ideia de que nomes condensam conhecimento narrativo provém de Ingold (2011, pp. 245-248). . Essa discussão será central para meu argumento apresentado na análise a seguir.

Feita a descrição do episódio, passemos à sua análise mais minuciosa. Em primeiro lugar, lembremos que a chegada ao Wakaipani foi precedida de uma fala do velho Jaime dirigida ao ‘dono’ do lugar. Essa fala tinha como objetivo esclarecer os motivos de nossa presença ali e pedir permissão para pernoitar no referido trecho de igarapé. Para isso, a primeira etapa consistiu em nos tornarmos conhecidos, isto é, fomos apresentados ao dono do Wakaipani por meio dos nomes, da enunciação do pupui amiya de cada um. Mesmo os não indígenas presentes foram apresentados por meio dos respectivos nomes22 22 No meu caso, fui apresentado como Wekó (‘papagaio’). O motivo de tal escolha não ficou claro; o nome me foi atribuído sem mais explicações. O senhor Abelardo foi quem escolheu o nome para mim. Nesse sentido, penso que se passou comigo algo muito comum entre os Kubeo, isto é, o apelido é assunto dos outros, não daquele que o recebe. Meu amigo, também antropólogo, foi apresentado como Kawá (‘urubu’). Ambos os nomes eram yahui amiya (apelido), portanto. . Portanto, o pupui amiya opera certa aproximação entre visitante e anfitrião, e penso não estar equivocado ao usar tal matriz relacional23 23 Uso tal termo no sentido que lhe é dado por Perrone-Moisés (2015), em sua análise da festa como chave para a socialidade ameríndia. (anfitrião/convidado), sobretudo pelo evidente paralelo que podemos estabelecer com o início de uma festa na comunidade, que iniciava com a chegada dos convidados, e sua apresentação diante do anfitrião (C. Hugh-Jones, 1979Hugh-Jones, C. (1979). From the Milk River: spatial and temporal processes in northwest Amazonia. Cambridge University Press.). Tal enunciação do pupui amiya opera também como proteção, um modo de garantir que o dono do lugar não ataque os visitantes por serem desconhecidos24 24 Também Pereira (2013, p. 55) destaca esse aspecto protetivo do nome diante de donos de lugares ao falar do benzimento de nominação em sua dissertação sobre a produção de pessoas waikhana: “É através do nome recebido no nascimento que um indivíduo é protegido. O nome é de fundamental importância para quando formos viajar para lugares fora de nosso ambiente, porque as viagens são consideradas deslocamentos para outras casas e elas têm donos, por isso é preciso apresentar-se aos donos da casa para que não ocorra estranhamento, ou seja, é através dos nossos nomes que recebemos proteção para a vida toda”. . Aqui, vemos certo jogo onomástico kubeo de enunciação e ocultamento: se em outros momentos o pupui amiya não é enunciado, por ser de conhecimento pessoal e restrito, e como evitação de um possível uso maléfico do nome, aqui se passa justamente o contrário, é a enunciação do pupui amiya que garante a proteção, evidenciando certa etiqueta da relação entre anfitrião e convidado, que aproxima e demonstra confiança por meio de um gesto amistoso, dado que, ao expor o nome, a pessoa se coloca numa situação de vulnerabilidade por abrir espaço para possíveis ataques xamânicos. Sigamos com a análise.

Notei que, durante a viagem, os Betówa e outros velhos repetiam e confirmavam a todo o momento a fala do velho Yúriwawa, não houve discordância. Mas na festa de caxiri, já embriagados, a disposição era outra, tratava-se de reclamar um conhecimento ‘verdadeiro’ acerca dos lugares e de suas histórias, bem como inscrever os Betówa na narrativa do Wakaipani, reclamação essa que foi expressa pela afirmação repetida do nome ‘Betówa’; ‘sou betoku, sou betoku’, repetia a referida pessoa que havia iniciado o conflito. Vemos nesse gesto uma diferenciação que se dá por meio do nome, aqui criando agrupamentos, em operação semelhante à descrita por Wagner (2010)Wagner, R. (2010). Existem grupos sociais nas terras altas da Nova Guiné? Cadernos de Campo, (19), 237-257. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v19i19p237-257
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133....
, em sua análise dos nomes na Nova Guiné.

Lembremos que os Betówa são tidos pelos Yuremawa e Yúriwawa como outra gente, não Kubeo25 25 Cito uma situação que evidencia esse conflito entre os Yúri Parãmena e os Betówa: em 2016, durante um levantamento de dados familiares para a composição do PGTA do alto rio Negro, visitei, acompanhado de um Yuremawa que estava na condição de pesquisador indígena do PGTA, o sítio de Yauaretê-Ponta, para entrevistar a família que vivia nesse lugar. Uma das perguntas consistia na identificação da ‘etnia’ do entrevistado. Nesse momento, notei que o pesquisador yuremawa me perguntou como proceder, pois no questionário a ser preenchido não constava ‘Betówa’; contudo, havia ‘Kubeo’, ou seja, o pesquisador reconhecia ali que aquela família betówa não era kubeo. . Ouvi algumas vezes, em contexto de conflito e outros de zombaria em festas de caxiri, o uso da expressão ‘gente makú’ para referir-se a eles, ou ainda ‘makusito’, categorias essas, tal como as usaram os Yuremawa e Yúriwawa nesses contextos particulares, de diminuição do outro, de supressão de relações de consideração e respeito.

Recordemos ainda que, na narrativa de origem citada acima, os Betówa são mencionados como o último grupo a ser nomeado pela avó Huredanaçu, e referidos como ‘criancinhas’. São considerados pelos Yúriwawa e Yuremawa como ‘forasteiros’ nesse trecho do Uaupés, ‘estrangeiros’, gente que chegou recentemente e, portanto, que não aparecia nas narrativas dos Yúri Parãmena como ocupante legítima daquele trecho de rio, mas antes pertencia às cabeceiras, região, segundo o código hidrográfico compartilhado pelos povos tukano, dos grupos ditos de baixa hierarquia26 26 Essa ideia, compartilhada pelos povos tukano de modo geral, consiste em afirmar que a ocupação do rio pelos ancestrais a medida que saem da Cobra Canoa se dá segundo a seguinte disposição: grupos de alta hierarquia/regiões próximas à foz; grupos de baixa hierarquia/regiões próximas à cabeceira. Esse código hidrográfico foi formulado por Goldman (1963) a partir do primeiro trabalho realizado junto aos Bahúkiwa, em 1939, e desenvolvido por C. Hugh-Jones (1979) a partir de seu campo junto aos Barasana do Pirá-Paraná, em 1968. . Essa perspectiva é veementemente contestada pelos Betówa, que se consideram Kubeo e ocupantes legítimos do trecho onde vivem os Yúriwawa e Yuremawa.

Portanto, retomando o episódio da festa de caxiri evocado acima, vemos que afirmar o nome ‘Betówa’, tornando, assim, o agrupamento visível27 27 “Os termos são nomes, não são as coisas nomeadas. Eles diferenciam ao dizer: ‘Estes são os do rio; aqueles são os da montanha’, ou ‘Estes são provenientes de Weriai; aqueles, de Daie’, e são significativos não por causa da forma como descrevem algo, mas por causa da forma como o contrastam com os outros” (Wagner, 2010, p. 246); mais adiante, o mesmo autor nos diz: “. . . um nome, não um grupo; é uma forma de distinguir, de incluir e excluir; é, pois, meramente um dispositivo para estabelecer fronteiras” (Wagner, 2010, p. 247). Essa formulação de Wagner (2010) é bastante pertinente para a análise aqui conduzida, com a ressalva de que, no alto rio Negro, nomes parecem também fazer outras coisas além de serem ‘meramente um dispositivo para estabelecer fronteiras’, como vimos no uso para proteção na mata e estabelecimento de relações com os donos dos lugares, para citar apenas alguns exemplos. Portanto, o nome faz fronteira, mas é também um dispositivo potente, que possui poder e se insere numa dinâmica de manejo de forças/energias (cf. Pedroso, 2019), para uma análise mais profunda do nome como potência. , distinguindo-se dos Yúri Parãmena ao mesmo tempo que reclamavam um conhecimento ‘verdadeiro’ da narrativa de origem, insere-se, sobretudo, nessa disputa pelo reconhecimento de sua presença nesse trecho de rio, reconhecimento esse que pareceu aos Betówa possível de ser obtido por meio da participação na elaboração de mapas da região. Isso pode ser observado, por exemplo, no fato de que o capitão e membros de Puerto-Colombia voluntariamente participaram das oficinas com grande interesse e empenho; tratava-se de colocar a comunidade no mapa, de afirmar o reconhecimento do trecho onde vivem os Betówa como pertencentes a eles; dito de outro modo, tratava-se de afirmar e escrever o nome no papel, delimitando, assim, a região pertencente ao grupo em questão.

Devo acrescentar que, nessa região, não há apenas um conflito entre os Yúri Parãmena e os Betówa, mas há também entre Betówa e Kotiria. Segundo as narrativas de origem, como vimos, o trecho ocupado pelos Yúri foi cedido por Marãkãriku, chefe dos Kotiria. Contudo, os Betówa, segundo a versão contada pelos Yúri Parãmena, não receberam o espaço cedido por Marakariku. Detalho um pouco mais esse episódio para esclarecer esse ponto.

Jaime, ao longo da viagem, foi nos guiando e narrando que antigamente o grupo de Marãkãriku, atraído pelo som que escutou vindo do interior da mata, foi subindo através do curso do igarapé Marãkãriya e adentrou a área de Wakaipani. Jaime aponta uma pedra no curso do rio como sendo o herói kotiria, isto é, ela marca a primeira posição de Marãkãriku destacada na narrativa. A história prossegue com Jaime mostrando um pouco mais acima de outra pedra, signo do local do primeiro encontro entre Marãkãriku e os Yúri Parãmena. A partir desse momento, à medida que Marãkãriku vai realizando a sua subida em direção a Wakaipani, Jaime narra uma série de bloqueios que os Yúri Parãmena fizeram para tentar conter o avanço de Marãkãriku,

Eles não queriam que Marãkãriku subisse o rio e chegasse a maloca ancestral de seu povo, erigida em Wakaipani. Marãkãriku era um desconhecido com o qual os Yuri Parãmena não haviam estabelecido alianças e, portanto, era um possível inimigo. Vários sítios pelos quais passou Marãkãriku e seu grupo têm nomes próprios que marcam a trama que se desenvolveu no local

(Veiga Neto, 2014Veiga Neto, J. P. (2014). Wakaipani, a grande Maloca Ancestral: processos de diferenciação entre os Yúriwawa e Yuremawa dentro do conjunto Kubeo no Uaupés brasileiro [Trabalho de conclusão de curso, Universidade de Brasília]., p. 79).

Marãkãriku vai, contudo, vencendo todas as tentativas de bloqueio dos Yúri Parãmena. João Veiga Neto, que também acompanhou a viagem como assessor e pesquisador, analisando esse momento da narrativa, sustenta que

A subida de Marãkãriku segue os passos de um ritual de Jurupari. Desde o início, os Yuremawa e os Yúriwawa explicam que o que motivou a ida de Marãkãriku até o local foi o fato de que este escutou o som de flautas de Jurupari vindo do interior da floresta. Ao chegar ao local, o invasor28 28 Aqui, é necessário um comentário à análise de Veiga Neto (2014): Marãkãriku não é propriamente um ‘invasor’, dado que é dono do território; ao contrário, são os Yúri Parãmena que, em outro momento da narrativa, receberão autorização dos Kotiria para permanecer na região. wanano é recebido pelos ancestrais Yúri Parãmena e inicia a participação no ritual que estava em curso. É por isso que Marãkãriku recebe doses de ayahuasca e depois precisa se preparar para a disputa de surra. Estas disputas são realizadas dentro de uma maloca com dois homens travando um combate armados com longos chicotes. É importante ressaltar que o local em que Marãkãriku parou para se recuperar se chama Umebo, este termo possui um significado relacionado a vitalidade, a respiração. . . . Já no fim do avanço final, muito próximo da grande laje rochosa de Wakaipani, existem diversas marcas de rasgos esculpidos nas rochas que formam o leito do curso do igarapé, “foi assim que fizeram com o corpo dele, deixando as marcas das chicotadas do Jurupari. Estes são os lugares sagrados, onde está a nossa origem, como diziam nossos anciãos que já se foram com todo o seu conhecimento”

(Veiga Neto, 2014Veiga Neto, J. P. (2014). Wakaipani, a grande Maloca Ancestral: processos de diferenciação entre os Yúriwawa e Yuremawa dentro do conjunto Kubeo no Uaupés brasileiro [Trabalho de conclusão de curso, Universidade de Brasília]., p. 8).

Em certo momento da festa, acontece um desentendimento entre alguns de seus participantes, o que conduz a uma divisão do grupo ancestral dos Yúri Parãmena em dois: os Yúriwawa e os Yuremawa (Figura 3). Marãkãriku, ao final do processo de separação, estabelece relações distintas com cada grupo: irmão dos Yúriwawa e cunhado dos Yuremawa (Veiga Neto, 2014Veiga Neto, J. P. (2014). Wakaipani, a grande Maloca Ancestral: processos de diferenciação entre os Yúriwawa e Yuremawa dentro do conjunto Kubeo no Uaupés brasileiro [Trabalho de conclusão de curso, Universidade de Brasília]., pp. 88-89). Voltemos agora ao tema das relações entre Yúri Parãmena, Kotiria e Betówa.

Figura 3
Marcas da surra no Marãkãriku durante o Jurupari. Foto: Autor não registrado (2013).

É comum ouvir em brigas acusações de ‘você não é daqui’, ‘volte para sua comunidade’. ‘Ser de outro lugar’ aparece, portanto, como categoria de acusação. Episódios nos quais se manejam tais acusações são comuns no dia a dia das comunidades. Segue um episódio que exemplifica isso: o Yúriwawa Osvaldo me contou que, certa vez, durante preparativos para um jogo de futebol, ouviu de um Yuremawa, sobrinho do velho Henrique Rodrigues, que ele não podia ocupar a posição de capitão do time de futebol, ou mesmo se comportar como tal, pois não era de Querari (lugar do jogo), ‘próprio de Querari’, e sim da comunidade Açaí, portanto devia jogar futebol em Açaí. Osvaldo ficou muito bravo, mas se conteve, não cedeu à acusação, e assim o conflito não terminou em briga. O lugar é, portanto, uma categoria de acusação em disputas; ao longo de meu trabalho de campo, registrei muitas situações de acusações ou de conflitos – como a descrita – baseadas nas noções de ‘ser do lugar’ e ‘não ser do lugar’. Os Betówa, desse modo, são considerados como ‘estrangeiros’ pelos Yúri Parãmena e também pelos Kotiria, que constantemente afirmam que, no episódio acima narrado por Jaime, Marãkãriku permite que os Yúri Parãmena se estabeleçam na região, não os Betówa.

O conflito se estende também para o nome Pamiwa, pois, como vimos, os Yuremawa e Yúriwawa são Pamiwa, mas não verdadeiros Pamiwa, ‘Kubeo próprios’, como eles dizem, mas antes ‘imitações’, ‘cópias’ dos ‘Kubeo verdadeiros’. Recordemos que, em certo momento da narrativa de origem contada pelo senhor Henrique Rodrigues, os Yúri Parãmena seguem viagem até a cachoeira de Santa Cruz, no Uaupés colombiano, cujo território pertencia ao grupo Pamiwa, os ‘Kubeo originais’; voltam então pelo Uaupés até o igarapé Marãkãriya.

Os Betówa29 29 O leitor notará aqui que me demoro mais na análise dos pontos de vista yuremawa e yúriwawa. Caberiam também considerações e análises mais detidas do ponto de vista betówa, sobretudo de suas mito-histórias, pesquisa ainda por ser feita. , por sua vez, da perspectiva Yúri Parãmena, não seriam nem ‘Kubeo próprio’ nem ‘imitações’, mas antes outra gente, outro ‘clã’ ou ‘etnia’, para usar o vocabulário nativo corrente; um ‘clã’ que se estabeleceu no trecho do Uaupés onde vivem os Yúri Parãmena tempos depois da chegada desses. Aqui, lembremos o que dizia S. Hugh-Jones (2012, pp. 162-163)Hugh-Jones, S. (2012). Escrever na pedra, escrever no papel. In G. Andrello (Org.), Rotas de criação e transformação: narrativas de origem dos povos indígenas do Rio Negro (pp. 138-167). Instituto Socioambiental.:

A mito-história do alto rio Negro é uma história política em um duplo sentido. Por um lado, fazendo referência a estrangeiros, as narrativas de todos os grupos da região remetem uma longa história de resistência à dominação externa e servem para legitimar reivindicações indígenas pelo território. Por outro lado, histórias particulares servem também para legitimar reivindicações pelo território, bem como o status de um grupo particular em face aos demais.

A mito-história como história política fica evidente também ao observarmos com mais atenção o mapa elaborado pelos Kubeo (Figura 1), onde notamos uma preocupação sobretudo com a localização de lugares nas dobras e percursos dos rios. Podemos observar a indicação, com uso de setas, dos nomes dos lugares ao longo dessas dobras. Isso nos remete ao regime de conhecimento dos lugares manejado pelos Kubeo, a saber, conhecem com detalhes os movimentos e percursos dos rios, e sabem identificar os lugares ao longo desses rios. Mas não basta saber os nomes, é preciso conhecer as histórias e toda a cosmopolítica que esses lugares condensam, e é tal conhecimento narrativo e cosmopolítico que parece estar em disputa na região. Assim, participar da elaboração de mapas parece antes estar relacionado ao reconhecimento de narrativas, de quem narra e das reclamações de lugares.

Esse conflito virá à tona novamente em um segundo episódio relacionado à elaboração de mapas e à discussão de territórios no contexto do movimento recente de elaboração de planos de gestão ambiental e territorial no alto rio Negro, os chamados PGTA, elemento novo que se insere nessa teia de conflitos, descrita a partir do caso da viagem ao Wakaipani. Vejamos.

FAZENDO PLANOS DE GESTÃO AMBIENTAL E TERRITORIAL NO ALTO UAUPÉS

A partir de uma série de discussões conduzidas por associações indígenas, membros do movimento indígena e instituições como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) acerca de problemas relacionados aos usos do território em terra indígena demarcada, foi assinado, em 2012, pela então presidente Dilma Rousseff o Decreto n. 7.747 (2012)Decreto n. 7.747 (2012, jun. 5). Institui a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas – PNGATI, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/decreto/d7747.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
que instituiu a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), a qual é definida, em seu artigo primeiro, como tendo por objetivo:

. . . garantir e promover a proteção, a recuperação, a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais das terras e territórios indígenas, assegurando a integridade do patrimônio indígena, a melhoria da qualidade de vida e as condições plenas de reprodução física e cultural das atuais e futuras gerações dos povos indígenas, respeitando sua autonomia sociocultural, nos termos da legislação vigente.

(Decreto n. 7.747, 2012).

Dentre as possibilidades de implementação de tal decreto nas terras indígenas, tem se difundido no Brasil a elaboração dos conhecidos PGTA como instrumentos de diagnóstico e proposição de soluções, seja na escala intercomunitária, por meio de acordos, seja na relação com o Estado, através da sugestão de políticas públicas. No contexto nacional, é bastante desigual o estágio da elaboração de PGTA pelas populações indígenas. Há desde grupos que já contam com plano de gestão elaborado e publicado, até aqueles que estão se familiarizando recentemente com a PNGATI e seus instrumentos. No caso do alto rio Negro, há registros de oficinas e discussões sobre o tema desde o ano da assinatura do decreto.

Entre os anos de 2016 e 2019, foi elaborado um plano de gestão para as terras indígenas do alto rio Negro, fruto de uma parceria entre o Instituto Socioambiental (ISA), a FUNAI e a FOIRN30 30 Para mais informações, ver ISA (2015). Na época (2016), estava fazendo trabalho de campo junto aos Kubeo de Querari e Açaí, para minha tese de doutorado em antropologia, e fui convido pelo ISA para fazer parte da equipe de pesquisadores que fariam o levantamento de dados para o PGTA do alto rio Negro. . No caso dos Kubeo, além da participação nesse plano recente, já tinham iniciado, em 2014, o trabalho de discussão e elaboração de um PGTA menor, englobando apenas os Kubeo e Kotiria do Uaupés brasileiro, com recursos do então Projeto Demonstrativo de Povos Indígenas (PDPI)31 31 O PDPI, que funcionou durante anos como importante fonte de recursos para realização de projetos por comunidades indígenas, cessou em 2013. O leitor interessado pode encontrar um histórico do PDPI, bem como enunciação de seus objetivos no site do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (n.d.). Eu também participei como pesquisador e assessor desse projeto de levantamento e processamento de dados para elaboração de PGTA Kotiria e Kubeo. A coordenação do projeto estava sob responsabilidade do linguista Thiago Chacon (UNB), e do antropólogo Pedro Rocha (UFMG). Os resultados da pesquisa foram publicados na forma de livro e mapa (ASEKK, 2020). . Detenho-me brevemente na consideração de algumas demandas relativas a mapas que se apresentaram nesse primeiro PGTA Kubeo e Kotiria.

A elaboração desse PGTA, conduzida por uma equipe de pesquisadores kubeo e kotiria ao longo de um ano (entre 2014 e 2015), consistiu na realização de diversas tarefas: oficinas de discussões sobre termos da PNGATI como ‘território’, ‘gestão’ e ‘ambiente’, buscando apreender essas noções dentro dos modos de pensar kubeo e kotiria; registro de narrativas de origem e deslocamento de grupos e famílias; elaboração de mapas mentais de comunidades, roças e trechos de rios e igarapés em folhas de papel cartolina. As oficinas foram seguidas de viagens para registros fotográficos e de GPS dos lugares e de seus nomes, tais como roças, lugares de pesca e caça, de antigas comunidades, rios, igarapés e seus elementos (praias, poços, pedras etc.). Duas questões se manifestaram com frequência nas oficinas e viagens, que destaco a seguir.

Ainda durante a produção de mapas mentais (Figura 4), surgiu o tema das fronteiras entre os dois países (Brasil e Colômbia). Dado que as comunidades no rio Uaupés estão arranjadas de outra maneira que não exclusivamente segundo uma divisão do Estado brasileiro, isto é, organizam-se fundamentalmente com base em relações de parentesco e sociocosmológicas entre famílias e pessoas que abarcam comunidades dos dois lados da fronteira, se coloca a questão de como representar esses elementos em mapa. Sendo o PGTA um instrumento da PNGATI, que, por sua vez, diz respeito ao Brasil apenas, qual noção de fronteira deve ser observada, a local ou a do Estado?

Figura 4
Mapa mental do trecho de Querari (Kubeo) até Taína (Kotiria). Mapa: a autoria foi coletiva (2014).

O que se mostrou relevante e de interesse dos participantes nas oficinas foi a noção local de limites, entendidos como espaços onde os grupos podem habitar e se movimentar em suas roças, lugares de caça, pesca e coleta fundamentados nas mito-histórias32 32 Os Kubeo possuem categorias diversas para apreender o espaço, isto é, aquilo que na língua se diz hoborõ, termo que abrange as noções de ‘mundo’, ‘terra’, ‘espaço’; portanto, o termo inclui tanto uma ideia mais ampla de ‘mundo’, quanto uma mais localizada de ‘terreno’ – os Kubeo falam, por exemplo, para designar o espaço onde exercem algum tipo de atividade, ‘hí hoborõ’ (‘minha terra, meu terreno’) –; o mesmo termo é usado para traduzir ‘território’, como na expressão ‘Pamiwai hoborõ’ (‘território dos Kubeo’). Além desse termo, também se usa a palavra hãrãwu, que tanto significa ‘mundo’, como também ‘dia’, ‘estação’ e ‘tempo’, o que aponta para uma associação entre noções de espaço e tempo no pensamento kubeo. . No mapa elaborado (Figura 4), notamos a centralidade do rio Uaupés, a atenção em indicar seus vários igarapés, com seus contornos e dobras (cuidado esse que também se mostrou central no outro mapa analisado, cf. Figura 1), e vemos também que o interesse foi a indicação da distribuição de vegetação e animais ao longo do Uaupés, isto é, os espaços percorridos e de conhecimento dos Kubeo e Kotiria. Vale notar que esses rios estão todos identificados por seus respectivos nomes, os quais, como vimos, apontam para um conhecimento narrativo e do lugar próprio das pessoas que estão elaborando o mapa. Assim, durante a produção desses mapas, a preocupação era com a indicação de limites, isto é, perguntava-se até onde se estenderia o trecho Yuremawa, o trecho Yúriwawa, e onde começava o território kotiria. Os Betówa presentes reclamavam também a delimitação do trecho pertencente a eles. Nesse momento, o desenho dos mapas era conduzido pela explicação dada pelos Yuremawa e Yúriwawa mais velhos, respeitados conhecedores das narrativas de origem e deslocamentos, bem como dos limites de cada comunidade. Dito de outro modo, parece se passar nesse episódio de produção de mapas algo semelhante à oficina de 2013. Esse interesse e as discussões que suscitava parecem apontar para algumas hipóteses de apreensão do envolvimento recente dos Kubeo na elaboração de mapas. Vejamos.

Nesses eventos analisados, o mapa parece ser entendido pelos Kubeo e Kotiria, sobretudo no contexto do PGTA, como espécie de panaceia, isto é, uma solução dos conflitos, um modo de representar os limites das comunidades fundamentados no conhecimento espacial e mito-histórico, e amparado num decreto do Estado e, portanto, que deve ser observado por todos, dado seu caráter ‘oficial’. Em outros termos, a inscrição de lugares e nomes no papel produziria consenso ao estabelecer limites e pertencimentos, e por se apresentar como um documento passível de ser manejado e exibido sempre que desentendimentos relativos a lugares se apresentassem. Lembro que, durante uma das oficinas realizadas em Querari, um morador kotiria de Taracuá-Ponta fez o seguinte comentário: “agora sim, com o mapa cada um vai saber seu território, e respeitar”; e desenvolveu, lembrando que os Yuremawa e Yúriwawa têm o espaço deles fundamentado na narrativa de origem segundo a qual, como já mencionado, os Kotiria, legítimos moradores da região, cederam parte dela aos Yúri Parãmena. Mas os Betówa seriam ‘forasteiros’ na região, daí a importância dos mapas para esclarecer ‘de vez’ a quem pertence o lugar. Assim, esses mapas parecem ser vistos como a possibilidade de resolução de conflitos acerca dos lugares, que, nas narrativas de origem e deslocamentos, permanecem em constante disputa.

Estamos, portanto, diante de regimes distintos de conhecimento, entre os quais se encontram: regime das narrativas de origem, mito-histórico, com seus códigos e operadores já estabelecidos – pessoa que narra, as relações de consideração (a dita hierarquia), o parentesco e conhecimento acerca dos lugares, seus nomes e narrativas associadas – e o regime dos mapas, uma tecnologia do branco33 33 Aqui, ao colocar os mapas como ‘tecnologia do branco’, refiro-me à cartografia como conjunto de técnicas e tecnologias de representação do espaço e geoprocessamento, tal como o uso de softwares e GPS, entre outras. , com seus códigos ainda sendo apreendidos pelos Kubeo, e que parecem ser apropriados como desdobramentos das mito-histórias e inscrição em papel dos conhecimentos espaciais kubeo e kotiria.

Mapas, portanto, numa primeira apreensão pelos Kubeo e Kotiria, indicariam os limites dos territórios, o fim de debates sobre pertencimentos. Contudo, como já vimos no episódio das discussões ensejadas por ocasião da viagem ao Wakaipani, esse consenso é aparente e provisório, uma miragem produzida pelos mapas. Não demora muito, depois de feitos os mapas, para reclamações de produção de novos mapas e viagens surgirem aqui e ali. Dito de outro modo, encontramos aqui um paralelo entre os mapas e as narrativas registradas em livros na coleção “Narradores indígenas do rio Negro”, a saber, a proliferação de versões34 34 O termo ‘versão’, comum na literatura regional, necessita de alguns esclarecimentos quanto ao seu uso, pois pode dar margem a pensar que há uma verdade substancial: uso o termo tal como Lévi-Strauss (2004) fala em ‘versões’ ou ‘variantes’ ao se referir aos mitos, isto é, como transformações uns dos outros. , como já foi indicado por Andrello (2013)Andrello, G. (2013). Origin narratives, transformation routes: heritage, knowledge and (a)symmetries on the Uaupés river. Vibrant, 10(1), 495-528. https://doi.org/10.1590/S1809-43412013000100020
https://doi.org/10.1590/S1809-4341201300...
no contexto de produção de mapas visando o registro da Cachoeira de Iauaretê como patrimônio imaterial:

To a large extent indigenous writings feed off one another. Written versions of the origin narratives that have begun to circulate over the last two decades have stimulated each other: in other words, each new published book provokes amendments, evaluations, corrections, one or several responses. . . ., a process that I think has been equally well exemplified by the debates on the registration of the Iauaretê Falls described above

(Andrello, 2013Andrello, G. (2013). Origin narratives, transformation routes: heritage, knowledge and (a)symmetries on the Uaupés river. Vibrant, 10(1), 495-528. https://doi.org/10.1590/S1809-43412013000100020
https://doi.org/10.1590/S1809-4341201300...
, p. 520).

Tal como um volume da coleção “Narradores indígenas do rio Negro” estimula a publicação de outros volumes (Andrello, 2010Andrello, G. (2010). Falas, objetos e corpos: autores indígenas no alto rio Negro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 25(73), 5-26. https://doi.org/10.1590/S0102-69092010000200001
https://doi.org/10.1590/S0102-6909201000...
), a produção de mapas estimula novos mapas, novas versões ou desdobramentos cartográficos das narrativas.

Mapas, em suma, são tecnologias manejadas no conflito de narrativas entre grupos acerca de lugares e seus pertencimentos. Apreendidos inicialmente pelos Kubeo (e Kotiria) como potenciais produtores de consenso, como algo que cessaria discussões em torno dos limites de território, condensando, assim, as versões das narrativas de origem em uma única versão, ‘oficial’, respaldada pelo Estado brasileiro e pelo trabalho coletivo (as oficinas), mostram-se na verdade apenas como miragens, pois as disputas por novos mapas se impõem, bem como projetos de refazer viagens e a busca pela ‘versão correta’, ou seja, por novas enunciações narrativas e novos mapas como desdobramentos dessas narrativas. O conflito, num primeiro momento aparentemente solucionado, se recoloca no centro mesmo das discussões sobre lugares; mapas, portanto, tal como parece ser entendido pelos Kubeo (e Kotiria), são desdobramentos de conhecimentos mito-históricos acerca dos lugares, versões, portanto, e sempre questionadas numa dinâmica de conflitos e disputas mito-históricas relativa a lugares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

À guisa de conclusão, me parece apropriado citar um evento referente ao conhecimento dos lugares, apresentado por Iubel (2015)Iubel, A. F. (2015). Transformações políticas e indígenas: movimento e prefeitura no alto rio Negro [Tese de doutorado, Universidade Federal de São Carlos]. https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/7663?show=full
https://repositorio.ufscar.br/handle/ufs...
em sua tese: José Ribamar Bessa Freire, num texto escrito em homenagem ao Padre Casimiro Béksta por ocasião de seu falecimento, em 2015, fala de certo episódio que remete à importância do conhecimento mito-histórico das rotas percorridas pelas anacondas ancestrais e do território. Escreve Iubel (2015, p. 33):

O cronista narrou uma história vivida por Casimiro e alguns indigenistas no alto Uaupés em 1978. Consta que, na ocasião, presenciaram uma criança ser mordida por uma cobra. A criança precisava ser transportada para um hospital em São Gabriel da Cachoeira, em uma viagem que custaria três dias de navegação em trechos encachoeirados, onde eram frequentes naufrágios e mortes. Havia um pequeno barco disponível, mas não havia quem o pilotasse, pois os índios especialistas estavam ausentes. Um jovem tukano se ofereceu para conduzir o barco. Casimiro então lhe perguntou se ele já havia feito essa viagem. E o jovem respondeu: “Eu nunca, mas meus primeiros ancestrais fizeram este trajeto na cobra-canoa e eu conheço os wametisé – os lugares por onde a cobra-grande passou, meu avô me contou a história das casas de transformação”. Ocorreu que, a partir da narrativa mítica, que registra as referências geográficas, as marcas e os sinais nas pedras, praias, serras e ilhas, o jovem passou por todas as cachoeiras e guiou o barco até São Gabriel.

Cayón (2013)Cayón, L. (2013). Pienso, luego creo: la teoría makuna del mundo. Instituto Colombiano de Antropología e Historia., ao descrever uma viagem entre Manaus e São Gabriel da Cachoeira, também destaca sua admiração com o conhecimento de lugares demonstrado por indígenas que nunca estiveram nos ditos lugares:

Mientras avanzábamos en el viaje, me dejaba perplejo, como al resto de los acompañantes de la expedición, el hecho de que los chamanes supieran tantas cosas sobre lugares que nunca habían visitado, al menos fisicamente, y que todos estábamos viendo por primera vez. Recuerdo especialmente una bella playa antes de llegar a Santa Isabel, llamada Sẽme da Wi (Maloca de Paca), donde los chamanes nos avisaron al menos com un día de anticipación que el próximo lugar importante que encontraríamos sería una playa que era la maloca de los buegeos. Efectivamente, cuando llegamos a la playa encontramos una gran cantidad de delfines

(Cayón, 2013Cayón, L. (2013). Pienso, luego creo: la teoría makuna del mundo. Instituto Colombiano de Antropología e Historia., p. 40).

Esses episódios, bem como os demais descritos ao longo deste texto, apontam que ‘narrar é conhecer’, como ouvi de alguns velhos Yuremawa durante as oficinas de PGTA; nomes de lugares condensam narrativas de feitos e eventos pretéritos, e seu conhecimento fornece balizas para as práticas atuais de habitar esses lugares. Mapear parece, por sua vez, um desdobramento de conhecimentos mito-históricos e espaciais, mais um operador nas disputas entre versões narrativas. No contexto fornecido pelos eventos que descrevi de mapeamento, de trabalho coletivo em oficina, amparado por políticas públicas governamentais, no caso do PGTA, a escrita de/em mapas parece ser entendida pelos Kubeo e Kotiria como uma forma de estabilizar, condensar diferentes versões em consenso, indicar limites territoriais, mas a ideia do mapa como produtor de consenso é aparente, pois eles mesmos reconhecem que os mapas são ‘falhos’, ao menos os mapas dos outros; tal como se passa com o registro escrito de narrativas de origem e deslocamentos, mapas demandam novos mapas, novas versões. O consenso é aparente e provisório, e carrega em seu interior o desentendimento.

  • 1
    A coleção “Narradores indígenas do rio Negro” consiste em “fenômeno recente entre os grupos indígenas do noroeste amazônico (alto rio Negro): a publicação regular nos últimos dez anos de livros de mitologia e histórias de clãs específicos, tal como ainda hoje contadas por pessoas pertencentes a diversos grupos da região. . . . A edição desses escritos tem sido viabilizada pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN)” (Andrello, 2010Andrello, G. (2010). Falas, objetos e corpos: autores indígenas no alto rio Negro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 25(73), 5-26. https://doi.org/10.1590/S0102-69092010000200001
    https://doi.org/10.1590/S0102-6909201000...
    , p. 5). Até o ano de 2018, já foram nove volumes publicados na coleção, com histórias de clãs dos povos Desana, Tukano, Tariano e Baniwa. Para uma análise mais detida dessa coleção, além do referido artigo de Andrello (2010)Andrello, G. (2010). Falas, objetos e corpos: autores indígenas no alto rio Negro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 25(73), 5-26. https://doi.org/10.1590/S0102-69092010000200001
    https://doi.org/10.1590/S0102-6909201000...
    , ver o trabalho de Angelo (2016)Angelo, S. R. F. (2016). Transmissão e circulação de conhecimentos e políticas de publicação dos Kumua do noroeste amazônico [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2016.tde-12092016-123926
    https://doi.org/10.11606/T.8.2016.tde-12...
    .
  • 2
    Além dessas publicações, o Instituto Socioambiental (ISA) tem coordenado diversas iniciativas de mapeamento junto a comunidades do alto rio Negro, como a coleção cartográfica de 12 mapas da região do baixo rio Uaupés, integrando a série “Cartô Brasil Socioambiental”, resultado de pesquisa colaborativa e intercultural em oficinas realizadas entre 2014 e 2016. Portanto, chamo atenção neste texto para a pouca produção de pesquisas sobre os mapeamentos.
  • 3
    Apenas indico aqui a controvérsia que há na região sobre denominações e pertencimentos a coletivos; para uma discussão mais aprofundada sobre esse tema, ver Pedroso (2019)Pedroso, D. R. (2019). O que faz um nome? Etnografia dos Kubeo do alto Uaupés (AM) [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2019.tde-29072019-115635
    https://doi.org/10.11606/T.8.2019.tde-29...
    .
  • 4
    Contam os Yuremawa e Yúriwawa que a língua falada originalmente pelos Yúri Parãmena se perdeu, e foi substituída por uma língua emprestada, o Kubeo. Para uma análise mais demorada das narrativas de origem Yuremawa e Yúriwawa, e dos temas da apropriação de linguagem e da dicotomia ‘verdadeiro’/‘falso’, ver Pedroso (2019)Pedroso, D. R. (2019). O que faz um nome? Etnografia dos Kubeo do alto Uaupés (AM) [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2019.tde-29072019-115635
    https://doi.org/10.11606/T.8.2019.tde-29...
    .
  • 5
    Segundo o relato de Bernardo, um senhor yúriwawa de Açaí que cultivava grande interesse pela história local, os primeiros salesianos chegaram ao alto Uaupés na década de 1960 (Pedroso, 2019Pedroso, D. R. (2019). O que faz um nome? Etnografia dos Kubeo do alto Uaupés (AM) [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2019.tde-29072019-115635
    https://doi.org/10.11606/T.8.2019.tde-29...
    ).
  • 6
    Para mais informações sobre os Kotiria, ver o Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) Kotiria e Kubeo (ASEKK, 2020Associação da Escola Kotiria Kh_um_uno W_u’_u (ASEKK). (2020). Água, terra e gente: primeiros passos para um plano de gestão territorial e ambiental do Alto Uaupés. Pedro Rocha de Almeida e Castro.) e Rocha (2012)Rocha, P. A. C. (2012). Antes os brancos não existiam: corporalidade e política entre os Kotiria do Alto Uaupés (AM) [Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional]. https://minerva.ufrj.br/F/?func=direct&doc_number=000780959&local_base=UFR01
    https://minerva.ufrj.br/F/?func=direct&d...
    .
  • 7
    Infelizmente, não disponho de dados censitários acerca dessas comunidades kubeo colombianas.
  • 8
    O projeto “Lugares sagrados” foi elaborado e proposto pelo linguista Thiago Chacon, na época pesquisador de pós-doutorado da Universidade da California (EUA), hoje professor da Universidade de Brasília (UNB). Minha participação no projeto deveu-se ao fato de estar então fazendo uma pesquisa de mestrado na Universidade de São Paulo (USP), de caráter bibliográfico, sobre os Kubeo. Ao saber do projeto, entrei em contato com Thiago Chacon, e após algumas conversas fui gentilmente aceito para compor a equipe, ao lado de João Pimenta da Veiga, que então estava concluindo sua graduação em Ciências Sociais na UNB, e interessado em escrever uma monografia de final de curso sobre os Kubeo.
  • 9
    O motivo da Cobra Canoa Ancestral é manejado com mais de um sentido pelos Kubeo. Assim, ouvi alguns velhos afirmarem que se tratava mesmo de uma ‘cobra gigante’, no sentido literal, que carregava os Yúri Parãmena; mas já ouvi também outros dizerem não se tratar literalmente de uma cobra, mas sim que a primeira humanidade viajou na forma peixe ‘como se fosse uma cobra’, isto é, dispostos como tal; dizendo ao mesmo tempo que a Cobra Canoa é algo ‘dos Tukano’. Eis um tema que aguarda análises comparativas mais detalhadas.
  • 10
    Henrique Rodrigues é um senhor de vasto conhecimento das tradições narrativas kubeo e muito respeitado na comunidade de Querari e em comunidades vizinhas, reconhecido como ‘tuchaua’. Essa narrativa foi contada durante a oficina de 2013, em Kubeo. Apresento adiante uma tradução preliminar, feita em grande parte por um conjunto de alunos kubeo que participaram das oficinas. É importante lembrar ao leitor que se trata de uma versão condensada, pois, como o próprio senhor Henrique sempre lembrava, ‘a história dos Yúri Parãmena é muito grande’. Aproveito para registrar aqui meus agradecimentos a Henrique Rodrigues e reconhecimento de sua bondade e sua gentileza, sempre disposto a ensinar e conversar sobre as narrativas e conhecimentos kubeo.
  • 11
    Hípana é um termo que designa, para os povos arawak, o ‘centro do mundo’. Wright (2014, p. 4)Wright, R. (2014). Mitagens e seus significados no noroeste amazônico. In M. S. C. Martins (Org.), Ensaios em interculturalidade: literatura, cultura e direitos de indígenas em época de globalização (Vol. 1, pp. 133-172). Mercado de Letras. nos diz que: “A noção de ‘centro’ é de importância fundamental no cosmos. Podem existir múltiplos ‘centros’ do mundo, em lugares físicos diferentes dentro de um mapa geográfico, porém todos têm o mesmo nome, que significa ‘centro do mundo’, que é o nome Hípana. Assim, o Hípana do Rio Aiary é conhecido entre todos os Hohodene como o ‘centro do mundo’, tanto no sentido vertical como no horizontal; no entanto, as cachoeiras têm um outro nome, Kupikwam, que diz respeito a um tipo de videira silvestre que se encontra pendendo das árvores na redondeza das cachoeiras. Essa vinha silvestre passou a existir em certo momento no mito de Kuwai. Na região do norte amazônico de língua Aruaque, há vários outros lugares sagrados com o nome de Hípana”.
  • 12
    Para os Kotiria, este herói é conhecido pelo nome Kené, e sua ‘casa’ fica próxima à comunidade de Jacaré-Cachoeira, no rio Uaupés. O nome do ‘igarapé sagrado dos Yúri’, como me explicaram, deriva do nome deste ancestral, pois o próprio igarapé teria se formado quando Marãkãriku adentrou a floresta em direção ao Wakaipani, remetendo àquela dialética conteúdo-continente destacada por S. Hugh-Jones (2014)Hugh-Jones, S. (2014). Caixa de Pandora: estilo alto-rio-negrino. Revista de Antropologia da UFSCar, 6(1), 155-173. https://doi.org/10.52426/rau.v6i1.115
    https://doi.org/10.52426/rau.v6i1.115...
    , segundo a qual o conteúdo forma o continente.
  • 13
    Certa vez, conversando com Gabriel Saldanha (comunicação pessoal, maio 2013), Yúriwawa de Açaí, ouvi a expressão “Marãkãriku é chefão dos Wanano”.
  • 14
    Notei, no português nativo, o uso de um conjunto de termos para designar tais entidades: ‘seres invisíveis’, ‘seres espirituais’, ‘espíritos ou seres da natureza’ ou apenas ‘espíritos’.
  • 15
    No dicionário kubeo organizado por Chacon (n.d.)Chacon, T. C. (n.d.). Dicionário enciclopédico Kubeo Multilingue [Versão de trabalho, 1. Rascunho]., encontramos também a tradução ‘ser da floresta’.
  • 16
    Um paralelo pode ser feito com os instrumentos jurupari: do ponto de vista feminino, são ‘invisíveis’, isto é, não podem ser vistos, apenas o som é escutado.
  • 17
    O dicionário kubeo de Chacon (n.d., p. 48)Chacon, T. C. (n.d.). Dicionário enciclopédico Kubeo Multilingue [Versão de trabalho, 1. Rascunho]. traduz makarõ como ‘floresta’, e como ‘terra/lugar’; assim, poderíamos traduzir makarõku abuhuku como ‘espírito da floresta’ ou também ‘espírito da terra/lugar’.
  • 18
    Chacon (n.d., p. 1)Chacon, T. C. (n.d.). Dicionário enciclopédico Kubeo Multilingue [Versão de trabalho, 1. Rascunho]., no dicionário kubeo, registra como abuhuyami, e traduz por ‘casa dos espíritos’.
  • 19
    Pupui amiya é comumente traduzido como ‘nome de benzimento’, e diz respeito a um dos nomes que a criança recebe por meio de benzimento, proveniente de um estoque de nomes próprios a cada grupo. Para uma análise mais detalhada da noção de pupui amiya, cf. Pedroso (2019)Pedroso, D. R. (2019). O que faz um nome? Etnografia dos Kubeo do alto Uaupés (AM) [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2019.tde-29072019-115635
    https://doi.org/10.11606/T.8.2019.tde-29...
    .
  • 20
    Essa fala foi gravada em Kubeo e traduzida por alunos do terceiro ano do ensino médio da Escola de Querari. Registro aqui o devido reconhecimento ao trabalho desses alunos, assim como a tradução da narrativa feita por Henrique Rodrigues já citada.
  • 21
    A ideia de que nomes condensam conhecimento narrativo provém de Ingold (2011, pp. 245-248)Ingold, T. (2011). Nomear como contar histórias: falando de animais entre os Koyukon do Alasca. In Autor, Estar vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição (pp. 127-143). Editora Vozes..
  • 22
    No meu caso, fui apresentado como Wekó (‘papagaio’). O motivo de tal escolha não ficou claro; o nome me foi atribuído sem mais explicações. O senhor Abelardo foi quem escolheu o nome para mim. Nesse sentido, penso que se passou comigo algo muito comum entre os Kubeo, isto é, o apelido é assunto dos outros, não daquele que o recebe. Meu amigo, também antropólogo, foi apresentado como Kawá (‘urubu’). Ambos os nomes eram yahui amiya (apelido), portanto.
  • 23
    Uso tal termo no sentido que lhe é dado por Perrone-Moisés (2015)Perrone-Moisés, B. (2015). Festa e guerra [Tese de livre-docência, Universidade de São Paulo]. https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4913252/mod_resource/content/1/Festa%20e%20Guerra%20rev%2009.18.pdf
    https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p...
    , em sua análise da festa como chave para a socialidade ameríndia.
  • 24
    Também Pereira (2013, p. 55)Pereira, R. F. (2013). Criando gente no alto rio Negro: um olhar Waíkhana [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Amazonas]. https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/2868
    https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/286...
    destaca esse aspecto protetivo do nome diante de donos de lugares ao falar do benzimento de nominação em sua dissertação sobre a produção de pessoas waikhana: “É através do nome recebido no nascimento que um indivíduo é protegido. O nome é de fundamental importância para quando formos viajar para lugares fora de nosso ambiente, porque as viagens são consideradas deslocamentos para outras casas e elas têm donos, por isso é preciso apresentar-se aos donos da casa para que não ocorra estranhamento, ou seja, é através dos nossos nomes que recebemos proteção para a vida toda”.
  • 25
    Cito uma situação que evidencia esse conflito entre os Yúri Parãmena e os Betówa: em 2016, durante um levantamento de dados familiares para a composição do PGTA do alto rio Negro, visitei, acompanhado de um Yuremawa que estava na condição de pesquisador indígena do PGTA, o sítio de Yauaretê-Ponta, para entrevistar a família que vivia nesse lugar. Uma das perguntas consistia na identificação da ‘etnia’ do entrevistado. Nesse momento, notei que o pesquisador yuremawa me perguntou como proceder, pois no questionário a ser preenchido não constava ‘Betówa’; contudo, havia ‘Kubeo’, ou seja, o pesquisador reconhecia ali que aquela família betówa não era kubeo.
  • 26
    Essa ideia, compartilhada pelos povos tukano de modo geral, consiste em afirmar que a ocupação do rio pelos ancestrais a medida que saem da Cobra Canoa se dá segundo a seguinte disposição: grupos de alta hierarquia/regiões próximas à foz; grupos de baixa hierarquia/regiões próximas à cabeceira. Esse código hidrográfico foi formulado por Goldman (1963)Goldman, I. (1963). The Cubeo: Indians of the Northwest Amazon. The University of Illinois Press. a partir do primeiro trabalho realizado junto aos Bahúkiwa, em 1939, e desenvolvido por C. Hugh-Jones (1979)Hugh-Jones, C. (1979). From the Milk River: spatial and temporal processes in northwest Amazonia. Cambridge University Press. a partir de seu campo junto aos Barasana do Pirá-Paraná, em 1968.
  • 27
    “Os termos são nomes, não são as coisas nomeadas. Eles diferenciam ao dizer: ‘Estes são os do rio; aqueles são os da montanha’, ou ‘Estes são provenientes de Weriai; aqueles, de Daie’, e são significativos não por causa da forma como descrevem algo, mas por causa da forma como o contrastam com os outros” (Wagner, 2010Wagner, R. (2010). Existem grupos sociais nas terras altas da Nova Guiné? Cadernos de Campo, (19), 237-257. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v19i19p237-257
    https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133....
    , p. 246); mais adiante, o mesmo autor nos diz: “. . . um nome, não um grupo; é uma forma de distinguir, de incluir e excluir; é, pois, meramente um dispositivo para estabelecer fronteiras” (Wagner, 2010Wagner, R. (2010). Existem grupos sociais nas terras altas da Nova Guiné? Cadernos de Campo, (19), 237-257. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v19i19p237-257
    https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133....
    , p. 247). Essa formulação de Wagner (2010)Wagner, R. (2010). Existem grupos sociais nas terras altas da Nova Guiné? Cadernos de Campo, (19), 237-257. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v19i19p237-257
    https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133....
    é bastante pertinente para a análise aqui conduzida, com a ressalva de que, no alto rio Negro, nomes parecem também fazer outras coisas além de serem ‘meramente um dispositivo para estabelecer fronteiras’, como vimos no uso para proteção na mata e estabelecimento de relações com os donos dos lugares, para citar apenas alguns exemplos. Portanto, o nome faz fronteira, mas é também um dispositivo potente, que possui poder e se insere numa dinâmica de manejo de forças/energias (cf. Pedroso, 2019Pedroso, D. R. (2019). O que faz um nome? Etnografia dos Kubeo do alto Uaupés (AM) [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2019.tde-29072019-115635
    https://doi.org/10.11606/T.8.2019.tde-29...
    ), para uma análise mais profunda do nome como potência.
  • 28
    Aqui, é necessário um comentário à análise de Veiga Neto (2014)Veiga Neto, J. P. (2014). Wakaipani, a grande Maloca Ancestral: processos de diferenciação entre os Yúriwawa e Yuremawa dentro do conjunto Kubeo no Uaupés brasileiro [Trabalho de conclusão de curso, Universidade de Brasília].: Marãkãriku não é propriamente um ‘invasor’, dado que é dono do território; ao contrário, são os Yúri Parãmena que, em outro momento da narrativa, receberão autorização dos Kotiria para permanecer na região.
  • 29
    O leitor notará aqui que me demoro mais na análise dos pontos de vista yuremawa e yúriwawa. Caberiam também considerações e análises mais detidas do ponto de vista betówa, sobretudo de suas mito-histórias, pesquisa ainda por ser feita.
  • 30
    Para mais informações, ver ISA (2015)Instituto Socioambiental (ISA). (2015, 18 nov.). Povos Indígenas do Rio Negro avançam na construção dos Planos de Gestão de seus territórios. https://www.socioambiental.org/tags/plano-de-gestao-territorial-e-ambiental-pgta
    https://www.socioambiental.org/tags/plan...
    . Na época (2016), estava fazendo trabalho de campo junto aos Kubeo de Querari e Açaí, para minha tese de doutorado em antropologia, e fui convido pelo ISA para fazer parte da equipe de pesquisadores que fariam o levantamento de dados para o PGTA do alto rio Negro.
  • 31
    O PDPI, que funcionou durante anos como importante fonte de recursos para realização de projetos por comunidades indígenas, cessou em 2013. O leitor interessado pode encontrar um histórico do PDPI, bem como enunciação de seus objetivos no site do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (n.d.)Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. (n.d.). http://www.mma.gov.br/apoio-a-projetos/povos-ind%C3%ADgenas
    http://www.mma.gov.br/apoio-a-projetos/p...
    .
    Eu também participei como pesquisador e assessor desse projeto de levantamento e processamento de dados para elaboração de PGTA Kotiria e Kubeo. A coordenação do projeto estava sob responsabilidade do linguista Thiago Chacon (UNB), e do antropólogo Pedro Rocha (UFMG). Os resultados da pesquisa foram publicados na forma de livro e mapa (ASEKK, 2020Associação da Escola Kotiria Kh_um_uno W_u’_u (ASEKK). (2020). Água, terra e gente: primeiros passos para um plano de gestão territorial e ambiental do Alto Uaupés. Pedro Rocha de Almeida e Castro.).
  • 32
    Os Kubeo possuem categorias diversas para apreender o espaço, isto é, aquilo que na língua se diz hoborõ, termo que abrange as noções de ‘mundo’, ‘terra’, ‘espaço’; portanto, o termo inclui tanto uma ideia mais ampla de ‘mundo’, quanto uma mais localizada de ‘terreno’ – os Kubeo falam, por exemplo, para designar o espaço onde exercem algum tipo de atividade, ‘hí hoborõ’ (‘minha terra, meu terreno’) –; o mesmo termo é usado para traduzir ‘território’, como na expressão ‘Pamiwai hoborõ’ (‘território dos Kubeo’). Além desse termo, também se usa a palavra hãrãwu, que tanto significa ‘mundo’, como também ‘dia’, ‘estação’ e ‘tempo’, o que aponta para uma associação entre noções de espaço e tempo no pensamento kubeo.
  • 33
    Aqui, ao colocar os mapas como ‘tecnologia do branco’, refiro-me à cartografia como conjunto de técnicas e tecnologias de representação do espaço e geoprocessamento, tal como o uso de softwares e GPS, entre outras.
  • 34
    O termo ‘versão’, comum na literatura regional, necessita de alguns esclarecimentos quanto ao seu uso, pois pode dar margem a pensar que há uma verdade substancial: uso o termo tal como Lévi-Strauss (2004)Lévi-Strauss, C. (2004). O cru e o cozido. Cosac & Naify. fala em ‘versões’ ou ‘variantes’ ao se referir aos mitos, isto é, como transformações uns dos outros.
  • Pedroso, D. R. (2024). Miragens cartográficas: lugares e narrativas de origem em disputa no alto rio Uaupés, Amazonas, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 19(1), e20230033. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0033

REFERENCES

  • Andrello, G. (2010). Falas, objetos e corpos: autores indígenas no alto rio Negro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 25(73), 5-26. https://doi.org/10.1590/S0102-69092010000200001
    » https://doi.org/10.1590/S0102-69092010000200001
  • Andrello, G. (Org.). (2012). Rotas de criação e transformação: narrativas de origem dos povos indígenas do Rio Negro Instituto Socioambiental.
  • Andrello, G. (2013). Origin narratives, transformation routes: heritage, knowledge and (a)symmetries on the Uaupés river. Vibrant, 10(1), 495-528. https://doi.org/10.1590/S1809-43412013000100020
    » https://doi.org/10.1590/S1809-43412013000100020
  • Angelo, S. R. F. (2016). Transmissão e circulação de conhecimentos e políticas de publicação dos Kumua do noroeste amazônico [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2016.tde-12092016-123926
    » https://doi.org/10.11606/T.8.2016.tde-12092016-123926
  • Arhem, K. (1998). Powers of place: territory, landscape and belonging in northwest Amazonia. In N. Lowell (Ed.), Local belonging (pp. 78-102). Routledge.
  • Associação da Escola Kotiria Kh_um_uno W_u’_u (ASEKK). (2020). Água, terra e gente: primeiros passos para um plano de gestão territorial e ambiental do Alto Uaupés Pedro Rocha de Almeida e Castro.
  • Cardoso, T. M. (2013, set. 24-26). Malhas cartográficas: técnicas, conhecimentos e cosmopolítica do ato de mapear territórios indígenas [Conferência]. Reunião de Antropologia da Ciência e Tecnologia (ReACT) Campinas, São Paulo.
  • Cayón, L. (2013). Pienso, luego creo: la teoría makuna del mundo Instituto Colombiano de Antropología e Historia.
  • Chacon, T. C. (n.d.). Dicionário enciclopédico Kubeo Multilingue [Versão de trabalho, 1. Rascunho].
  • Decreto n. 7.747 (2012, jun. 5). Institui a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas – PNGATI, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/decreto/d7747.htm
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/decreto/d7747.htm
  • Freire, J. R. B. (2004, jul. 20). Casimiro, o índio do Mar Báltico. Correio do Brasil https://e.correiodobrasil.com.br/a/casimiro-o-indio-do-mar-baltico
    » https://e.correiodobrasil.com.br/a/casimiro-o-indio-do-mar-baltico
  • Goldman, I. (1963). The Cubeo: Indians of the Northwest Amazon The University of Illinois Press.
  • Hill, J. (2002). Shamanism, colonialism, and the wild woman: fertility cultism and historical dynamics in the Upper Rio Negro Region. In J. Hill & F. Santos-Granero (Eds.), Comparative Arawakan histories. Rethinking language family and culture area in Amazonia (pp. 223-247). University of Illinois Press.
  • Hugh-Jones, C. (1979). From the Milk River: spatial and temporal processes in northwest Amazonia Cambridge University Press.
  • Hugh-Jones, S. (2012). Escrever na pedra, escrever no papel. In G. Andrello (Org.), Rotas de criação e transformação: narrativas de origem dos povos indígenas do Rio Negro (pp. 138-167). Instituto Socioambiental.
  • Hugh-Jones, S. (2014). Caixa de Pandora: estilo alto-rio-negrino. Revista de Antropologia da UFSCar, 6(1), 155-173. https://doi.org/10.52426/rau.v6i1.115
    » https://doi.org/10.52426/rau.v6i1.115
  • Ingold, T. (2000). To Journey along a way of life: maps, wayfinding and navigation. In. Autor, The perception of the environment: essays livelihood, dwelling and skill (pp. 219-242). Routledge.
  • Ingold, T. (2005). Jornada ao longo de um caminho de vida: mapas, descobridor-caminho e navegação. Religião & Sociedade, 25(1), 76-110.
  • Ingold, T. (2011). Nomear como contar histórias: falando de animais entre os Koyukon do Alasca. In Autor, Estar vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição (pp. 127-143). Editora Vozes.
  • Instituto Socioambiental (ISA). (2015, 18 nov.). Povos Indígenas do Rio Negro avançam na construção dos Planos de Gestão de seus territórios. https://www.socioambiental.org/tags/plano-de-gestao-territorial-e-ambiental-pgta
    » https://www.socioambiental.org/tags/plano-de-gestao-territorial-e-ambiental-pgta
  • Iubel, A. F. (2015). Transformações políticas e indígenas: movimento e prefeitura no alto rio Negro [Tese de doutorado, Universidade Federal de São Carlos]. https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/7663?show=full
    » https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/7663?show=full
  • Lévi-Strauss, C. (2004). O cru e o cozido Cosac & Naify.
  • Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. (n.d.). http://www.mma.gov.br/apoio-a-projetos/povos-ind%C3%ADgenas
    » http://www.mma.gov.br/apoio-a-projetos/povos-ind%C3%ADgenas
  • Pedroso, D. R. (2013). Quem veio primeiro? Imagens da hierarquia no alto Uaupés (noroeste amazônico) [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/D.8.2013.tde-12022014-122745
    » https://doi.org/10.11606/D.8.2013.tde-12022014-122745
  • Pedroso, D. R. (2019). O que faz um nome? Etnografia dos Kubeo do alto Uaupés (AM) [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2019.tde-29072019-115635
    » https://doi.org/10.11606/T.8.2019.tde-29072019-115635
  • Pedroso, D. R. (2020). A potência do nome: política onomástica no rio Uaupés (AM). Campos, 21(1), 85-112. http://dx.doi.org/10.5380/cra.v21i1.70269
    » https://doi.org/10.5380/cra.v21i1.70269
  • Pereira, R. F. (2013). Criando gente no alto rio Negro: um olhar Waíkhana [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Amazonas]. https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/2868
    » https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/2868
  • Perrone-Moisés, B. (2015). Festa e guerra [Tese de livre-docência, Universidade de São Paulo]. https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4913252/mod_resource/content/1/Festa%20e%20Guerra%20rev%2009.18.pdf
    » https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4913252/mod_resource/content/1/Festa%20e%20Guerra%20rev%2009.18.pdf
  • Rocha, P. A. C. (2012). Antes os brancos não existiam: corporalidade e política entre os Kotiria do Alto Uaupés (AM) [Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional]. https://minerva.ufrj.br/F/?func=direct&doc_number=000780959&local_base=UFR01
    » https://minerva.ufrj.br/F/?func=direct&doc_number=000780959&local_base=UFR01
  • Scolfaro, A., Oliveira, A. G., Hernández, N., & Gómez, S. (2014). Cartografia dos sítios sagrados: iniciativa binacional Brasil-Colômbia: salvaguarda do patrimônio cultural imaterial do noroeste Amazônico Instituto Socioambiental.
  • Veiga Neto, J. P. (2014). Wakaipani, a grande Maloca Ancestral: processos de diferenciação entre os Yúriwawa e Yuremawa dentro do conjunto Kubeo no Uaupés brasileiro [Trabalho de conclusão de curso, Universidade de Brasília].
  • Vidal, S. (2002). Secret religious cults and political leadership: multiethnic confederacies from Northwestern Amazon. In J. Hill & F. Santos-Granero (Eds.), Comparative Arawakan histories. Rethinking language family and culture area in Amazonia (pp. 248-268). University of Illinois Press.
  • Wagner, R. (2010). Existem grupos sociais nas terras altas da Nova Guiné? Cadernos de Campo, (19), 237-257. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v19i19p237-257
    » https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v19i19p237-257
  • Wright, R. (2002). Prophetic traditions among the Baniwa and other Arawakan peoples of the Northwest Amazon. In J. Hill & F. Santos-Granero (Eds.), Comparative Arawakan histories. Rethinking language family and culture area in Amazonia (pp. 269-293). University of Illinois Press.
  • Wright, R. (2014). Mitagens e seus significados no noroeste amazônico. In M. S. C. Martins (Org.), Ensaios em interculturalidade: literatura, cultura e direitos de indígenas em época de globalização (Vol. 1, pp. 133-172). Mercado de Letras.
  • Zucchi, A. (2002). A new model of the Northern Arawakan expansion. In J. Hill & F. Santos-Granero (Eds.), Comparative Arawakan histories. Rethinking language family and culture area in Amazonia (pp. 199- 222). University of Illinois Press.

Editado por

Responsabilidade editorial: Márcio Couto Henrique

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2023
  • Aceito
    16 Out 2023
MCTI/Museu Paraense Emílio Goeldi Coordenação de Pesquisa e Pós-Graduação, Av. Perimetral. 1901 - Terra Firme, 66077-830 - Belém - PA, Tel.: (55 91) 3075-6186 - Belém - PA - Brazil
E-mail: boletim.humanas@museu-goeldi.br