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Nominações yuhupdeh: geração, cuidado e fortalecimento do nome-sopro-de-vida

Yuhupdeh nominations: engenderment, care and strenghthening of the breath-of-life name

Resumo

A proposta deste artigo é fazer uma discussão a respeito do que é denominado na região do alto rio Negro de ‘nome sagrado’, a partir da experiência etnográfica junto ao povo Yuhupdeh e tomando o benzimento de nominação como ponto de partida. Os ‘nomes sagrados’ são nomes próprios dados após o nascimento, escolhidos a partir de um estoque específico correspondente a cada grupo e conforme um princípio de senioridade que estabelece uma escala orientada pela ordem de nascimento – do irmão maior para o irmão menor. Ao mesmo tempo, eles também são designados de sopro de vida (na língua Yuhup, se diz hãg-wäg) e devem ser cuidados e protegidos para que possam crescer junto com as pessoas que os carregam. Mais do que abordar os nomes apenas como categorias classificatórias de parentesco ou prerrogativas – que determinam posições entre as pessoas através do gradiente da senioridade –, pretende-se abordá-los a partir daquilo que ativam, fazem e associam.

Palavras-chave
Nominação; Pessoa; Alto rio Negro; Yuhupdeh; Sopro de vida

Abstract

The aim of this paper is to discuss what is known in the region of the Upper Rio Negro as ‘sacred name.’ The discussion is based on ethnographic experience with the Yuhupdeh people, taking blessing through naming as a starting point. The ‘sacred name’ is a personal name given after birth, chosen from an ensemble specific to each group and according to a principle of seniority based on order of birth – from the eldest to youngest. At the same time, sacred names are also considered the breath of life (in the yuhup language it is called hãg-wäg) and must be cared for and protected so that they can grow together with people who carry them. Rather than approaching names only as categories of kinship or prerogatives – which determine positions among people through the gradient of seniority – they are approached from the perspective of what they activate, do and associate.

Keywords
Nomination; Person; Upper Rio Negro; Yuhupdeh; Breath of life

APRESENTAÇÃO

Num belo final de tarde, Laureano, um velho yuhup, estava em sua casa – na comunidade de São Martinho, no igarapé Cunuri –, sentado num banco, preparando um cigarro de tabaco com o qual iria fazer um benzimento de nominação para sua neta. Após terminar de enrolar o cigarro, ele se serviu de uma porção de ipadu e, em seguida, começou a assoprar em direção ao tabaco um som de vagido e cujo ritmo se alterava conforme prosseguia com o benzimento, ao mesmo tempo que era acompanhado por uma gesticulação dos braços e das mãos. De quando em quando, ele parava de soprar e gesticular para consumir mais uma porção de ipadu que lançava, com uma pequena colher, para o interior de sua boca. A sequência se repetiu mais algumas vezes, quando Laureno, finalmente, se deteve e falou que o cigarro estava pronto para ser usado. Ele, então, se aproximou da rede onde repousava, adormecida, sua neta, acendeu o cigarro e começou a assoprar a fumaça do tabaco em direção ao peito da criança, cujos pais se encontravam ao lado. A cena transcorreu num típico final de tarde na comunidade, enquanto os outros moradores realizavam suas tarefas cotidianas: crianças jogavam bola no pátio comum; algumas mulheres ralavam mandioca para preparar o beiju; um homem encontrava-se em frente de sua casa dando manutenção para o motor de sua rabeta; um casal desembarcava de sua canoa com um cesto cheio de mandioca; e, ainda, alguns jovens se reuniam em torno de um aparelho de som para ouvir música.

INTRODUÇÃO

Os Yuhupdeh são um dos 23 povos que habitam a região do alto rio Negro. Mais antigamente, eram conhecidos sob o termo ‘Maku’ e denominados de índios do mato, por viverem nas regiões mais a montante, serem exímios caçadores e grandes conhecedores dos caminhos. Atualmente, os grupos reivindicam que sejam reconhecidos como povo Yuhupdeh, já que o termo Maku carrega um sentido pejorativo1 1 Para um estudo mais aprofundado sobre o sentido pejorativo do termo ‘Maku’, ver Lolli (2016) e Marques e Ramos (2019). – a tradução mais comum que encontramos na literatura para Maku é ‘gente sem fala’, sendo de origem aruak, onde ma é uma partícula privativa e aku significa ‘fala’. Sob a autodenominação Yuhupdeh, encontramos atualmente 22 nomes de grupos2 2 A literatura convencionou chamar esses grupos de clã. , que se distribuem em três grandes zonas regionais: uma localizada na região da calha do rio Apapóris, em território colombiano, e outras duas localizadas na região da calha do rio Tiquié, uma no baixo rio – igarapé Cunuri e igarapé Ira – e outra no médio rio – igarapé Castanha.

Laureano é o homem mais velho que vive na comunidade de São Martinho, localizada no igarapé Cunuri, pequeno afluente do baixo rio Tiquié. Ele é do grupo denominado de yãam uy-reh (gente-onça) e é em torno dele, e de seus filhos, suas filhas e agregados(as), que a comunidade se organiza. É também um reputado conhecedor e benzedor, não só em sua comunidade, mas também nas comunidades vizinhas, seja naquelas formadas por grupos yuhupdeh, seja nas formadas por grupos tukano, pira-tapuia e tuyuka. Com isso, é o principal responsável por fazer o benzimento de nominação dos recém-nascidos de São Martinho.

O benzimento de nominação (mih d­¯­i¯­in teg hat) é uma prática amplamente seguida pelos diversos povos que compõem o sistema social multilinguístico e cultural da região do alto rio Negro, sejam eles da família linguística Tukano oriental, sejam da Aruak, sejam da Naduhup3 3 Mais recentemente, alguns trabalhos de linguística (Epps & Bolaños, 2017) propuseram esse novo nome para a família linguística classicamente referida como Maku, para se afastar do sentido pejorativo associado a este termo. . O benzimento de nominação constitui o momento em que é atribuído um nome para o recém-nascido e fixado o sopro vital em seu peito/coração. A noção em yuhup é hãg-wäg e comumente traduzida como ‘alma’, ‘coração’ ou ‘princípio vital’. Neste artigo, entretanto, preferimos traduzir essa noção como nome-sopro-de-vida.

Ao executar o benzimento de nominação, o benzedor faz uma viagem do lago de leite até a casa de transformação onde o primeiro ancestral do grupo surgiu e onde todos os nomes do grupo estão guardados. Refaz-se aqui a viagem da cobra-canoa da transformação, tema fundamental difundido por quase toda rede de relações do alto rio Negro4 4 A quantidade de versões registradas sobre a viagem da cobra-canoa de transformação excede em muito qualquer tentativa de resumir os acontecimentos narrados, ainda mais se levarmos em consideração que muitas versões continuam sendo produzidas à medida que uma geração conta à outra. Faço, entretanto, um breve esquema de partes da armação que interessam ao argumento em questão. Em determinado momento da história um grupo de pessoas que estavam no lago de leite embarcam numa cobra-canoa e seguem viagem ao longo do rio Negro e seus diversos afluentes. Neste percurso, uma série de episódios vai se sucedendo nas chamadas casas de transformação, e as pessoas vão aprendendo a viver naquela terra – aprendem cantos, cultivos, danças, benzimentos, onde caçar, onde pescar etc. Em determinado lugar da viagem, classicamente identificado à cachoeira de Ipanoré, acontece um episódio capital para a constituição do sistema social alto-rionegrino. As pessoas deixam de falar a mesma língua (engendrando as diferenças entre os nomes e os grupos atuais) e ocorre a ordenação das posições conforme a ordem de saída da embarcação, o primeiro sendo o irmão maior e o último, o irmão menor. .

A partir dessa viagem é que se retira o hãg-wäg escolhido da casa de transformação da primeira geração ancestral, cercando-o e conduzindo-o até alocá-lo no corpo do recém-nascido, refazendo o percurso das viagens dos ancestrais, da casa de surgimento até o local onde se encontra a atual geração, atravessando rios, serras, lagos etc.

Muitos autores chamam esse nome de ‘sagrado’, pois é o primeiro nome que a pessoa recebe – sua força de vida no plano terrestre – que lhe confere pertencimento a um determinado grupo. Conforme descrito em seu clássico artigo sobre nomes entre os grupos tukano (S. Hugh-Jones, 2002Hugh-Jones, S. (2002). Nomes secretos e riqueza visíveis: nominação no Noroeste Amazônico. Mana, 8(2), 45-68. https://doi.org/10.1590/S0104-93132002000200002
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, pp. 50-51), mas válido também para os Yuhupdeh, cada grupo exogâmico possui um estoque próprio de nomes pessoais, masculinos e femininos, que confere sua especificidade em relação ao conjunto. Além disso, cada conjunto se organiza por um princípio de senioridade a partir do qual a transmissão dos nomes pessoais se dá pela ordem de nascimento/aparecimento, estabelecendo uma escala, que vai do irmão maior (primogênito) até o irmão menor (caçula). Em muitos casos, o nome do ancestral do grupo é o nome principal do estoque de nomes, sendo atribuído ao filho mais velho. Com isso, o princípio de senioridade se replica tanto no nível dos nomes de grupo quanto dos nomes pessoais.

A transmissão dos nomes sagrados segue através da linha paterna, e o mais comum é que se repita o nome de um pai do pai – real ou classificatório – para homens e o nome de uma irmã do pai do pai – real ou classificatório – para as mulheres. Além do nome sagrado, cada pessoa tem um apelido e, ainda, um nome em português ou espanhol, que também estão associados a determinados grupos. S. Hugh-Jones (2002, p. 51)Hugh-Jones, S. (2002). Nomes secretos e riqueza visíveis: nominação no Noroeste Amazônico. Mana, 8(2), 45-68. https://doi.org/10.1590/S0104-93132002000200002
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destaca que, nesse sistema, um mesmo nome pode ser portado por mais de uma pessoa viva. Andrello (2019)Andrello, G. (2019). Relatório de pesquisa do projeto “Nominações: pessoas, objetos, hierarquia e parentesco no alto rio Negro”. Processo 2016/05996-5. FAPESP. também ressalta que encontrou um mesmo nome sendo usado por vários grupos, embora mantenham a diferenciação através de um apelido que se adere ao nome pessoal. No caso dos Yuhupdeh, também encontramos nomes pessoais repetidos tanto entre pessoas vivas do mesmo grupo quanto entre pessoas de grupos diferentes. Com isso, é importante atentarmos para o fato de que, embora cada estoque de nomes confira a distinção de cada grupo, isso não significa que o estoque é fixo e acabado. Quando seguimos os nomes, constatamos que há uma intensa circulação deles, que se dá à medida que as gerações se sucedem e recebem algum nome do estoque, o que nos leva a conferir um caráter aberto aos estoques dos nomes.

Não podemos deixar de notar também que no alto rio Negro há uma relação muito particular entre nomes pessoais e nomes dos grupos, a ponto de S. Hugh-Jones (2002, p. 47)Hugh-Jones, S. (2002). Nomes secretos e riqueza visíveis: nominação no Noroeste Amazônico. Mana, 8(2), 45-68. https://doi.org/10.1590/S0104-93132002000200002
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sugerir que “qualquer discussão sobre os nomes pessoais tukano deve incluir, necessariamente, alguma referência aos nomes dos grupos e dos clãs exogâmicos”, porque os nomes próprios são, em muitos casos, derivados dos nomes de ancestrais que dão origem aos grupos (Jackson, 1983Jackson, J. (1983). The fish people: linguistic exogamy and tukanoan identity in Northwest Amazonia. Cambridge University Press., p. 72; C. Hugh-Jones, 1979Hugh-Jones, C. (1979). From the milk river: spatial and temporal processes in North-West Amazonia. Cambridge University Press., p. 26) e também em razão de os nomes dos grupos também se desdobrarem em nomes sagrados, apelidos e nomes de estrangeiro (Andrello, 2016Andrello, G. (2016). Nomes, posições e (contra) hierarquia: coletivos em transformação no Alto Rio Negro. Ilha − Revista de Antropologia, 8(2), 57-97. https://doi.org/10.5007/2175-8034.2016v18n2p57
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; Rodrigues, 2019Rodrigues, R. (2019). Descendo o rio: memórias, trajetórias e nomes no baixo Uaupés (AM) [Tese de doutorado, Universidade Federal de São Carlos]. https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/12050?show=full&locale-attribute=pt_BR
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). Desse modo, subsumir os nomes pessoais aos nomes do grupo numa relação entre parte e todo nunca foi uma operação simples no alto rio Negro.

Um dos corolários dessa crítica foi a revisão da definição clássica da estrutura social como um sistema que se caracteriza por uma subdivisão interna em patri-clãs exogâmicos e hierarquizados entre si. Diante desses questionamentos, S. Hugh-Jones (1993Hugh-Jones, S. (1993). Clear descent or ambiguous houses? A re-examination of Tukanoan social organization. L’Homme, 33(126-128), 95-120. https://www.persee.fr/doc/hom_0439-4216_1993_num_33_126_369631
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, 1995)Hugh-Jones, S. (1995). Inside-out and back-to-front: the androgynous house in Northwest Amazonia. In J. Carsten & S. Hugh-Jones (Eds.), About the house: Lévi-Strauss and beyond (pp. 226-252). Cambridge University Press. propôs abordar a estrutura social dos grupos a partir da noção de casa5 5 Não podemos deixar de mencionar a importante coletânea organizada por Carsten e S. Hugh-Jones (1995). . A inspiração da proposta tem seu fundamento na discussão empreendida por Lévi-Strauss (1979Lévi-Strauss, C. (1979). La Voie des Masques. Plon., 1984)Lévi-Strauss, C. (1984). Paroles Données. Plon., que procurou dar uma amplitude teórica para esta noção. Segundo este autor, tal noção não se restringe somente à construção arquitetônica, mas também a um grupo de pessoas relacionadas através de várias formas de laços de parentescos, reais ou fictícios, e possuidoras de um conjunto de riquezas materiais e imateriais que se mantém ao longo do tempo através de sua transmissão para as gerações seguintes.

A noção de casa se mostra interessante no alto rio Negro, pois permite que se pense o estoque e a transmissão dos nomes, seja o da pessoa singular seja o da pessoa coletiva, para além apenas da linha paterna como classicamente definido, incluindo, no conjunto, nomes transmitidos por linha materna, via casamento, sobretudo aqueles entre homens brancos e mulheres indígenas, e nomes adquiridos via adoção, guarda ou roubo. Além disso, a nosso ver, a noção consegue tratar de maneira mais ampliada a dimensão dos nomes pessoais enquanto posse de um grupo específico, colocando-o não só como parte de um conjunto mais vasto de nomes, como também parte do conjunto das riquezas materiais e imateriais. Como ressalta S. Hugh-Jones (2002, p. 49)Hugh-Jones, S. (2002). Nomes secretos e riqueza visíveis: nominação no Noroeste Amazônico. Mana, 8(2), 45-68. https://doi.org/10.1590/S0104-93132002000200002
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Além de seu próprio nome sagrado e do(s) nome(s) de seu ancestral, cada grupo tem, assim, nomes para os ancestrais de seus clãs componentes, nomes para os clãs em si, nomes para os instrumentos sagrados e nomes para os seus componentes humanos vivos.

O que dá distinção a uma casa em relação a outra não é, portanto, apenas os nomes próprios das pessoas, transmitidos de pai para filhos e irmã do pai para filha, nem os nomes ancestrais coletivos, mas um conjunto de ‘riquezas’ associado à casa e que varia conforme a história de uma casa. Ainda que, geração após geração, as casas permaneçam, quando as seguimos no espaço e no tempo constatamos que a composição do conjunto dos nomes se transforma por uma série de contingências históricas – casamentos, nascimentos, mortes, guerras, conflitos, roubos, trocas etc.

Desse modo, as casas possuem uma coleção-mistura de nomes que faz parte do que S. Hugh-Jones (2013)Hugh-Jones, S. (2013). Pandora’s box. In P. Epps & K. Stenzel (Eds.), Upper Rio Negro. Cultural and linguistic interaction in Northwestern Amazonia (pp. 53-80). Museu Nacional, Museu do Índio, FUNAI. denominou de “caixa de pandora”, abarcando também os ornamentos, os instrumentos do Jurupari, as danças, os cantos e os mitos, e que, em seu conjunto, é o corpo extensional das casas, podendo ser destacado, trocado por outras casas, e acoplado a elas, através das trocas matrimoniais, rituais e de bens. É através desses circuitos de trocas que os nomes são ativados. A dinamicidade transformacional do conjunto de nomes de determinada casa se mostra ainda mais evidente quando deixamos de abordar os nomes apenas como categorias classificatórias de parentesco e/ou títulos honoríficos – em suma, prerrogativas – que determinam posições entre as pessoas através do gradiente da senioridade, para abordá-los também a partir daquilo que os nomes fazem.

Refletir sobre os nomes no alto rio Negro deve passar, portanto, não somente pela compreensão acerca do que são, quais são e a quem pertencem os nomes6 6 Para uma lista mais detalhada dos nomes, ver Silva e Silva (2012) e Junio Felipe (2018). , mas também, e sobretudo, pelas questões de saber como se ativa um nome, o que fazem os nomes e como se associam. E tratamos de pensá-las não a partir de uma noção de eficácia simbólica que pressupõe – ainda que sub-repticiamente – um mundo concreto e mais ‘real’, mas através dos processos de constituição da pessoa.

Nesse sentido, procuramos seguir a proposta de Chernela (2018)Chernela, J. (2018). Language in an ontological register: embodied speech in the Northwest Amazon of Colombia and Brazil. Language & Communication, 63, 23-32. https://doi.org/10.1016/j.langcom.2018.02.006
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para pensar a questão da língua na região do alto rio Negro – mais especificamente, ela se refere às línguas da família Tukano oriental – a partir de sua materialidade e da constituição da pessoa, contrapondo-nos, assim, a uma abordagem que trata a língua como uma propriedade imaterial e como uma representação de um mundo ‘real’. Como afirma a autora, “language is a consubstantial, metaphysical product – a ‘substance’ in the development of the person” (Chernela, 2018Chernela, J. (2018). Language in an ontological register: embodied speech in the Northwest Amazon of Colombia and Brazil. Language & Communication, 63, 23-32. https://doi.org/10.1016/j.langcom.2018.02.006
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, p. 23).

Mais recentemente, ao retomar essa discussão de Chernela (2018)Chernela, J. (2018). Language in an ontological register: embodied speech in the Northwest Amazon of Colombia and Brazil. Language & Communication, 63, 23-32. https://doi.org/10.1016/j.langcom.2018.02.006
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, S. Hugh-Jones (2023)Hugh-Jones, S. (2023). Vaupés multilingualism and the substance of language. Tipití: Journal of the Society for the Anthropology of Lowland South America, 19(2), 294-304. https://digitalcommons.trinity.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1392&context=tipiti
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ressaltou a importância de nos atentarmos à respiração para pensarmos sobre a materialidade da linguagem-idioma. Esta afirmação foi importante para nossas análises, pois permitiu que retomássemos o sentido de sopro e de respiração associado à noção de hãg-wäg. O próprio S. Hugh-Jones (2023)Hugh-Jones, S. (2023). Vaupés multilingualism and the substance of language. Tipití: Journal of the Society for the Anthropology of Lowland South America, 19(2), 294-304. https://digitalcommons.trinity.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1392&context=tipiti
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faz a relação direta, ao afirmar que a noção hãwäg da língua hup é a correspondente ao termo tukano ehêri p˜ora e ao termo barasana üsü. A respiração, o sopro vital, é o que insufla uma vida, um modo de existência, e dá corpo a ela. E isso conforma uma materialização do pensamento-benzimento-nome em sopro-respiração de um corpo, que gera, entre outras coisas, a fala. Chernela (2018, p. 30)Chernela, J. (2018). Language in an ontological register: embodied speech in the Northwest Amazon of Colombia and Brazil. Language & Communication, 63, 23-32. https://doi.org/10.1016/j.langcom.2018.02.006
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afirma que, para os Kotiria, “aqueles que compartilham uma língua compartilham um corpo”. A importância dos benzimentos e dos discursos nos processos de fabricação da pessoa já foi destacada e aqui volta a aparecer na discussão sobre a linguagem.

Essa abordagem também tem se preocupado em colocar o problema da linguagem falada a partir não do ponto de vista de uma teoria da linguagem científica fundamentada nas clássicas distinções – natureza e cultura, mundo e mente, fato e representação, palavras e coisas –, mas sim de um diálogo entre essa teoria e as teorias elaboradas por diversos intelectuais indígenas7 7 Para uma discussão ainda recente sobre esse tema, destaco o dossiê editado por Heurich e Hauck (2018). . Com isso, o problema se coloca de maneira crítica em relação a uma semiótica baseada na teoria da representação. Retomando o debate a partir do mundo ameríndio, Walker (2018)Walker, H. (2018). On logophagy and truth: Interpretation through incorporation among Peruvian Urarina. Language & Communication, 63, 15-22. https://doi.org/10.1016/j.langcom.2018.03.003
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aponta os limites de uma “teoria representacional da verdade”, quando pensada em relação a determinadas concepções de linguagem nas filosofias ameríndias. Apoiado em trabalhos como o de Witherspoon (1977)Witherspoon, G. (1977). Language and art in the Navaho universe. University of Michigan Press., sobre os Navajo, o de Course (2009Course, M. (2009). Why Mapuche sing. Journal of the Royal Anthropological Institute, 15(2), 295-313. https://doi.org/10.1111/j.1467-9655.2009.01554.x
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, 2012Course, M. (2012). The birth of the word: language, force, and Mapuche ritual authority. HAU - Journal of Ethnographic Theory, 2(1), 1-26. https://doi.org/10.14318/hau2.1.002
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, 2018)Course, M. (2018). Words beyond meaning in Mapuche language ideology. Language & Communication, 63(2018), 9-14. https://doi.org/10.1016/j.langcom.2018.03.007
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, sobre os Mapuche, entre outros, ele afirma que os fenômenos mentais e os fenômenos físicos não são claramente separáveis, e nem os fenômenos mentais são uma representação dos fenômenos físicos (Walker, 2018Walker, H. (2018). On logophagy and truth: Interpretation through incorporation among Peruvian Urarina. Language & Communication, 63, 15-22. https://doi.org/10.1016/j.langcom.2018.03.003
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, pp. 15-16). Para os Urarina, com os quais fez etnografia, a fala é muito mais uma espécie de substância material do que uma representação imaterial da substância. E, de modo homólogo à região do alto rio Negro, na concepção urarina, é a respiração (raka) que expressa a substancialidade da fala e está intimamente associada às energias vitais (Walker, 2018Walker, H. (2018). On logophagy and truth: Interpretation through incorporation among Peruvian Urarina. Language & Communication, 63, 15-22. https://doi.org/10.1016/j.langcom.2018.03.003
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, p. 17). A centralidade do sopro-respiração como força vital está longe de ser uma especificidade dos povos indígenas da região do alto rio Negro e dos Urarina, e se estende para muitas outras áreas etnográficas (Hill & Chaumeil, 2011Hill, J., & Chaumeil, J.-P. (Eds.). (2011). Burst of breath: indigenous wind instruments in Lowland South America. University of Nebraska Press., p. 11).

Não temos pretensão de pensar uma teoria da linguagem para a região do alto rio Negro, pois, de fato, há mais de uma teoria, e a maioria delas é elaborada pelos próprios intelectuais indígenas da região. Interessa-nos partir dessa crítica à teoria da representação que questiona os dualismos entre ‘palavras’ e ‘coisas’, ‘real’ e ‘representação’, ‘corpo’ e ‘espírito’.

Ao nos afastarmos dessa semiótica, também nos distanciamos de uma abordagem que compreende a fala estritamente a partir de uma perspectiva de figuras representacionais de linguagem – metonímia, metáfora, sinédoque etc. Isso permitiu que abandonássemos a distinção entre eficácia simbólica e eficácia material. Desse modo, ganhou força a análise e a descrição dos processos de metamorfoses que são ativados na execução dos benzimentos e cujo efeito é o engendramento, o crescimento e o envelhecimento de corpos-pessoas no mundo, em suma, a constituição das linhas de vida.

Ainda que adotemos uma postura crítica em relação a uma teoria semiótica representacional, isso não significa que não seja importante levar em consideração a expressão articulada em palavras dos benzimentos e as inúmeras análises feitas a respeito do material dos benzimentos sob esse prisma. Como se verá logo adiante, registrar em áudio os benzimentos em língua Yuhup e traduzi-los posteriormente para o português foi crucial para que se evidenciassem as ações que os benzedores realizam na execução do benzimento de nominação e se pudesse esmiuçar os efeitos e as transformações engendrados pela execução desse benzimento.

O NOME-SOPRO-DE-VIDA EM MOVIMENTO

O problema dos nomes se mostra, desse modo, muito complexo e, portanto, não seria possível, neste texto, fazer uma listagem exaustiva dos conjuntos de nomes dos grupos yuhupdeh, nem um exame minucioso deles. O objetivo aqui é mais modesto, mas ainda difícil, e tem como foco seguir parte das trajetórias dos nomes-sopro-de-vida pessoais a partir dos benzimentos de nominação, do parto, do primeiro banho e da comida.

No início, destacamos que o benzimento de nominação é o momento em que o recém-nascido recebe um nome-sopro-de-vida, que será fixado em seu coração/peito. Neste momento, para prosseguir com nossa análise, gostaríamos de retomar o ponto para destacar que, uma vez fixado em determinado corpo, o hãg-wäg crescerá conforme o desenvolvimento da pessoa ou poderá diminuir – dispersando-se – em caso de adoecimento ou envelhecimento. O hãg-wäg pode ser entendido como uma individuação da força dääw-wág, que podemos traduzir como ‘vida do cosmos’ ou como a força que dá origem à vida em geral. A noção também se liga etimologicamente à respiração, pois, em língua Yuhup, respirar se diz hãg sak. Há, portanto, um vínculo inextricável entre a força de vida, a respiração, o ato de assoprar, o benzimento e os nomes8 8 Aspecto amplamente difundido no mundo ameríndio, como afirmam Hill e Chaumeil (2011, p. 19) a respeito dos instrumentos aerofones: “. . . to explain the predominance of aerophones rather than other families of instruments, we must turn to indigenous understandings of breath and breathing as expressions of life force. . .”. .

Mas isso não é tudo, pois a esse conjunto podemos acrescentar os próprios atos de fala na medida em que não há voz se não há força de vida, respiração, sopro e benzimento. A relação entre fala e benzimento se dá também etimologicamente. A começar que a palavra em Yuhup para fala – diid – é encontrada na expressão linguística para benzimento – mih-diid tëg. Se levarmos em consideração ainda que o termo diid também é usado para designar uma língua-idioma, então constatamos que benzimento, pensamento, língua e nome são também transformação um do outro9 9 Parece haver um termo na língua Makuna muito próximo semanticamente e que é oka. Cayón (2011, p. 160) define esse termo como ‘palavra’, ‘história’, ‘língua’. .

Como procuraremos demonstrar mais adiante, seguir o que faz o benzedor evidenciou o que fazem os nomes-sopros-de-vida e como são ativados através do benzimento. Nesse sentido, foi de suma importância a colaboração do velho Laureano, que ensinou uma versão de benzimento de nominação. Além de gravar uma versão do benzimento para registro, também colaborou, junto com dois filhos – Felipe e Samuel – e um neto – Luís –, na tradução da versão em Yuhup para a escrita em português realizada. Foi nesse contexto que se evidenciaram os conteúdos das ações realizadas pelo benzedor. O que se segue é uma apresentação parcial desse material e que nos servirá como solo etnográfico nesse momento10 10 Para uma apresentação e uma análise mais aprofundada e detalhada, ver Junio Felipe (2018), cujo material nos serve como base aqui. .

A viagem empreendida através do benzimento de nominação, por parte do benzedor, tem início no Lago de Leite, referenciado como sendo localizado onde hoje é o Rio de Janeiro. Desde aí, a viagem segue rio acima, passando pelos rios Amazonas, Negro e Uaupés, bem como pelos igarapés Ira e Miriti. Ao longo da jornada, o benzedor conduziu o nome e a criança em um cesto e passou por 112 casas de transformação, nomeadas sequencialmente. Não será possível explorar toda a riqueza do material, mas, de modo a dar uma dimensão mais concreta da complexidade e da riqueza dele, reproduzimos, ao menos, a lista de todas as casas, ainda que isso sobrecarregue um pouco o texto.

Casas nomeadas – Benzimento de Nominação

LAGO DE LEITE: São Paulo, Brasília.

RIO AMAZONAS: Belém, Manaus.

RIO NEGRO: Barcelos; Tapuruquara (Santa Isabel); Casa de Gavião (abaixo da atual comunidade de Maçarabi); Casa do Jacaré; Casa do Rio Marié (Foz do Marié); Casa de Camanaus (São Gabriel); Casa da Praia (São Gabriel); Casa Pau de Aboiar (São Gabriel); Casa de Buiquara (Cachoeira São Miguel); Casa do Matupiri; Casa do Jurupari; Casa do Macaco; Casa do Carangueijo; Casa de Tauá; Casa da Ilha das Flores.

RIO UAUPÉS: Casa do Tamanduá; Casa do Carrapato; Casa do Bauari; Casa Ilha de Sororoca (em frente à comunidade de Monte Cristo); Casa de Micura Ponta; Casa de Tapira Ponta; Casa de Uá (acima do sítio do Cesário); Casa de Itapenima (casa de Saah Saw); Casa de Jaci Pau (na Ilha do Sol, próxima à comunidade atual de Trovão); Casa de Juí; Casa de Pituna (Casa da Noite); Casa de Miraponta; Casa do Corocum (atual Cunuri do Uaupés); Casa de São Pedro; Casa de Bela Vista (Sítio do Manduca); Casa do Jacaré (Ilha do Jacaré); Casa de Cojubi; Casa da Serra da Bacia; Casa de Urupema (no Lago de Peneira); Casa de Açaí (na atual comunidade de Açaí); Casa do Miriti; Casa de Arara; Casa de Tupanoneruka; Casa de Espinho; Casa da Flecha; Casa do Ingá (abaixo de Ananás); Cada de Rãzinha (abaixo de Ananás); Casa de Ananás (na atual comunidade do Ananás); Casa de Japurá (no Igarapé Japurá); Casa do Espinho (acima do Igarapé Japurá); Casa de Tauá; Casa do Urucum (no Igarapé

Gafanhoto); Casa do Cheira Cheira; Casa do Dari Dari; Casa de Mandi; Casa de Warimi; Casa da Ilha do Rabo de Arara (Foz do Tiquié); Casa Ponta de Taracuá (atual comunidade de Taracuá); Casa de Tamandauí (acima de Taracuá); Casa de Tuiuquaquara; Casa de Piaba (Igarapé Piaba, abaixo de Ipanoré); Casa de Urucum; Casa de Sussuaca (Mohoy yu); Casa de Goma (Ilha de Goma); Casa de Anta; Casa de Samaúma (Igarapé Samaúma no Uaupés); Casa de Cumatá; Casa Buraco de Manjuba; Casa de Urubuquara (na Comunidade de Pinu Pinu); Casa de Maniuara; Casa de Iauareté (Casa de Onça, atual comunidade de Iauaretê); Casa do Igarapé Preto (Rio Papuri); Casa do Peixe Boca Torta; Casa de Mitu.

RIO TIQUIÉ: Casa de Mussum (Foz do Tiquié); Casa de Goma (no Lago de Goma); Casa de Coró Coró; Casa da Onça (próximo do Lago de Piranha, foz do Ira).

IGARAPÉ IRA: Casa de Gavião (Lago de Gavião); Casa de Jurupari (acima do Gavião Paraná); Casa de Virapoca (no Lago de Virapoca); Casa de Jacu (no Igarapé Jacu); Casa de Anujá (no Lago de Anujá); Casa de Socó (no Lago de Socó); Casa de Papagaio (na boca do Igarapé onde o papagaio voou); Casa de Boh Wah (Toco de Sal, no Igarapé Toco de Sal); Casa de Kog moh (no Lago de Kog); Casa de Mutum; Casa de Aracu (no Aracu Paraná); Casa de Ingá (no Igarapé Ingá); Casa de Saúva; Casa do Igarapé Jenipapo; Casa de Tauá; Casa de Espinho (no Igarapé Espinho); Casa de Jararaca; Casa de Piracema; Casa do Lago Branco; Casa do Igarapé Flor; Casa do Lago de Açaí; Casa de Rã (na Cachoeira de Rã); Casa do Igarapé Miriti; Casa de Kama Weri; Casa do Igarapé Gafanhoto; Casa do Bebedouro da Anta; Casa do Chavascal do Tamanduá; Casa do Igarapé Pedra; Casa da Cachoeira de Abiu; Casa de Tucum (Igarapé Tucum); Casa do Buraco de Mutum; Casa da Serra do Bacurau; Casa do Pequiá Cachoeira; Casa de Esteio (no Igarapé Esteio); Casa do Igarapé Miriti

(Junio Felipe, 2018Junio Felipe, H. (2018). Falas, lugares e transformação: os yuhupdeh do baixo rio Tiquié [Tese de doutorado, Universidade Federal de São Carlos]. https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/10651?show=full
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, pp. 154-155).

Assim, vislumbramos em detalhes a afirmação de que o benzimento de nominação, e, portanto, o nome-sopro-de-vida, perfaz uma viagem em que as casas são nomeadas em uma sequência que segue a ordem do trajeto da viagem da Cobra Canoa. Laureano, Samuel, Felipe e Luís, tentando explicar um pouco a viagem realizada através do benzimento de nominação, usaram a imagem de um fio de espuma que flutua na água e produz uma linha que dá o traçado dos caminhos dos cursos dos rios da região. Cada casa de transformação constitui um momento de parada da viagem, onde o benzedor deve passar para realizar determinadas ações para que o processo de nominação vá se materializando. De maneira a dar maior concretude para essas ações, examinaremos algumas delas, já que não é possível fazer o escrutínio de todas as ações realizadas em cada casa, haja vista a grande quantidade de casas11 11 Para uma análise mais pormenorizada, remetemos também ao trabalho de Junio Felipe (2018). .

No Lago de Leite, o benzedor nomeia os instrumentos de vida e transformação – banco, cuia de ipadu, enfeite de canela, bastão cerimonial, forquilha de cigarro – do ancestral yuhup. Neste local, também existe uma casa chamada de ‘Casa de Respiração’, aqui o benzedor ativa o nome-sopro-de-vidas (hãg-wäg) sobre seu próprio peito para dar início ao trajeto que realizará, em seguida, rio acima. Abaixo, segue a transcrição em português de algumas ações realizadas pelo benzedor nesse trecho da viagem:

Vou12 12 Utilizaremos aqui a primeira pessoa, pois é desse modo que Laureano narrou. ao Lago de Leite. Coloco a criança no bati do patinho dentro do Lago de Leite (deh puh deh hoy); espalho o fio de miçanga de algodão do patinho no corpo da criança; vou com a criança seguindo o fio de espuma umbigo da água; vou na Casa de Respiração, abro o nariz da criança; espalho o fio de miçanga de algodão do patinho no corpo da criança; dou a cuia de ipadu (soho) do cupim para a criança; sento a criança no banco de transformação, dou à ela o instrumento de pedra yam baah paç; fumo tabaco, como ipadu; falo fio de sentimento, aperto firme esse fio; falo arame branco, arame vermelho, arame preto (para a espinhaça da criança ficar firme); falo veia de jiboia, carne de jiboia, ponho na batata da perna da criança para ficar firme; falo carne coxa de rã, espalho o fio de miçanga da rã no corpo da criança; levo a criança subindo com o bati do patinho, seguindo o fio de espuma umbigo da água; falo carne, jenipapo preto, jenipapo vermelho, espalho no corpo da criança para ela crescer forte como o pé de jenipapo; escolho o nome da criança; penso (pãh key yap) se ela vai crescer bem, se vai pegar doença, benzo para ela não pegar doença, fumo tabaco, como ipadu; aperto o fio de sentimento (pãh key tit), amarro e deixo firme.

Vou até a casa de São Paulo. Apago o fogo dessa casa (o calor dessa casa faz a criança chorar). Demoro com a criança nessa casa.

Vou até a casa de Brasília, apago o fogo dessa casa. Entro com ela no colo, demoro com a criança nessa casa. Falo fio de cores dessa casa e afasto para a criança não chorar (as cores são como a miragem do caapi que faz a criança chorar).

Vou até a casa de Belém. Eu me demoro um pouco nessa casa com a criança. Eu falo fio de cores dessa casa e escondo para a criança não ter medo e chorar. Eu falo fruta dëh min (fruta que nasce na beira do rio), falo pé de fruta dëh min, coloco a criança no oco dessa árvore (a água dessa fruta protege). Eu dou banho na criança. Eu falo pé de breu preto, passo fumaça de breu no corpo da criança. Eu falo pé de auacanã branco, pé de auacanã preto, pé de auacanã vermelho. Eu derramo o suco do auacanã no corpo da criança. Espalho o fio de miçanga (algodão) do patinho no corpo da criança. Eu levo a criança no bati do marreco, seguindo o fio de espuma umbigo da água

(Junio Felipe, 2018Junio Felipe, H. (2018). Falas, lugares e transformação: os yuhupdeh do baixo rio Tiquié [Tese de doutorado, Universidade Federal de São Carlos]. https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/10651?show=full
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, pp. 158-159).

A parada em cada casa corresponde a um bloco enunciativo em que as ações do benzedor visam manipular afecções de pessoas e partes de pessoa13 13 Para uma análise mais aprofundada sobre o trabalho de manipulação das afecções de partes de pessoa e de pessoa, remeto aos trabalhos de Lolli (2010, 2013, 2014). Aqui, apenas destacamos que pessoas incluem humanos e não humanos. de forma a fortalecer o nome-sopro-de-vida que será fixado no corpo do recém-nascido. É o caso de quando o benzedor transforma o nome-sopro-de-vida em fio de miçanga, em fio de pluma do patinho e em cordão umbilical, para fazer crescer sua força de vida; ou, ainda, quando a recém-nascida é chamada de filha do leite (púd deh tog). Assim, o processo de nominação envolve uma série de metamorfoses que o recém-nascido deve passar para prepará-lo para receber e fixar o nome-sopro-de-vida. São transformações operadas pelo benzedor através de ações realizadas em pensamento (pah-këy) e em diversos planos-casa do multiverso. Como Lolli (2010, p. 72)Lolli, P. (2010). As redes de trocas rituais dos Yuhupdeh no igarapé Castanha, através dos benzimentos e das flautas Jurupari [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2010.tde-07122010-144829
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afirma:

O que gostaria de frisar é que pah-këy me sugere ao mesmo tempo uma distinção entre planos distintos de atuação e a possibilidade de atravessar os planos, conectando-os, já que se age alhures para agir aqui: através de pah-këy, a atuação em um plano é também uma atuação em outros planos.

Agir em pensamento é, portanto, colocar em sincronia os diversos planos que integram o multiverso e, ao mesmo tempo, interferir nas ações que acontecem em cada plano-casa (Lolli, 2010Lolli, P. (2010). As redes de trocas rituais dos Yuhupdeh no igarapé Castanha, através dos benzimentos e das flautas Jurupari [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2010.tde-07122010-144829
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, p. 87), de modo a conduzir as metamorfoses a uma direção em que a força de vida aumente, e não diminua.

Assim, em grande parte, as ações do benzedor visam proteger o recém-nascido das afecções existentes em cada casa de transformação que potencialmente podem afetá-lo de maneira nociva, evitando que haja uma identificação entre o recém-nascido e os habitantes de cada casa. Para elaborar um pouco mais o ponto, prossigamos com mais algumas passagens do benzimento registrado por Junio Felipe (2018, pp. 163-164)Junio Felipe, H. (2018). Falas, lugares e transformação: os yuhupdeh do baixo rio Tiquié [Tese de doutorado, Universidade Federal de São Carlos]. https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/10651?show=full
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:

(11) Apago o fogo dessa casa (o calor dessa casa faz a criança chorar, ter febre) (Casa 2)

(12) Falo fio de miçanga de enfeite de Jurupari, branco, preto, roxo. Afasto esse fio de enfeite da criança (Casa 16)

(13) Nessa casa eu entro. Falo caapi de hop uy reh. Afasto essa cuia (para a criança não beber o caapi dele) (Casa 24)

(14) Vou até o Igarapé Flor. Eu falo água de flor (para a criança engordar). Falo água de fruta sad (espécie de uva), água de sorva e lavo a criança. Eu venho trazendo a criança no fio de espuma umbigo da água, benzendo (Casa 97)

(15) Vou até a casa de Piaba (no Igarapé Piaba, abaixo de Ipanoré). Eu saio com a criança para a terra (lá, o povo peixe vê a criança como parente). Eu falo corpo de hop uy reh, olho de hop uy reh, sentimento de hop uy reh. Eu afasto o fio de cores dessa casa, eu fecho a porta dessa casa (Casa 45)

(16) Vou até a ilha de Mandi. Falo cuia de caapi do mandi. Eu viro essa cuia. Falo fio de cores da casa do Mandi. Afasto da criança (Casa 55)

(17) Vou até a casa de Brasília. Apago o fogo dessa casa. Entro com ela no colo, demoro com a criança nessa casa. Falo fio de cores dessa casa e afasto para a criança não chorar (as cores são como a miragem do caapi que faz a criança chorar) (Casa 3)

(20) Vou até a casa de Jararaca. Falo bacia de gordura da Jararaca (quando a criança pisa, a Jararaca morde). Escondo essa bacia, viro para baixo e escondo a gordura para ela não morder a criança (Casa 94).

Encontramos, nessas passagens, uma série de ações de proteção realizada pelo benzedor e na qual gostaríamos de nos deter um pouco, para examiná-la à luz das conversas com Laureano e os tradutores a respeito desse assunto. Segundo esses interlocutores, quando o benzedor afasta o fio de cores e a cuia do caapi (12, 13, 15, 16 e 17), ele impede que o recém-nascido tenha as ‘miragens’ que são produzidas pela bebida, algo para o qual ele não está preparado. Ao apagar o fogo da cozinha (11), faz com que a criança não sofra com o calor e não tenha febre. Ao entornar e ocultar a bacia de gordura da jararaca (20), impede que o recém-nascido seja atacado pela jararaca. Ao lavar o corpo do recém-nascido com suco de frutas doces, fortalece o corpo e ajuda a não dar febre no recém-nascido (14).

Observamos, desse modo, que, ao longo da viagem realizada através do benzimento de nominação, há inúmeros riscos inerentes às ações das pessoas que habitam cada casa de transformação por onde se passa e contra os quais o benzedor tem que agir, de modo a evitar tais ações e proteger o nascituro. Nesse sentido, o benzimento de nominação é também o início de um “percurso de socialização” (Ramos, 2018Ramos, D. P. (2018). Círculos de coca e fumaça. Hedra.), que continua ao longo da vida, quando a pessoa se insere nos trabalhos cotidianos – roça, pesca, caça, coleta etc. – e nos conhecimentos sobre as narrativas míticas e rituais. Com isso, como Ramos (2018)Ramos, D. P. (2018). Círculos de coca e fumaça. Hedra. chama a atenção para os Hupd’äh, o benzedor não só prepara o corpo do recém-nascido para receber e portar o nome, mas também para assumir uma perspectiva humana em meio a outros possíveis regimes de percepção que existem no cosmos.

A viagem do benzedor carregando o nome-sopro-de-vida ancestral pelas casas de transformação ao longo dos rios corresponde, assim, a uma série de metamorfoses engendrada a partir da interação com os habitantes de cada casa nomeada. As casas de transformação determinam distintas perspectivas que são ativadas à medida que o benzedor passa por cada uma delas, ao mesmo tempo que vai situando a perspectiva do corpo do recém-nascido a partir e através do nome que irá receber. Desse modo, é fundamental, para o êxito do benzimento, que o benzedor tenha um conhecimento detalhado da ontogênese dessas casas de transformação para ter a habilidade necessária para agir em cada uma (Lolli, 2010Lolli, P. (2010). As redes de trocas rituais dos Yuhupdeh no igarapé Castanha, através dos benzimentos e das flautas Jurupari [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2010.tde-07122010-144829
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) e para fixar a perspectiva do nome no corpo do recém-nascido. Isso garante que se evite o perigo de o recém-nascido ser capturado por uma perspectiva outra que não a do nome que carregará; no caso etnográfico que estamos aqui discutindo, trata-se de adquirir a perspectiva da casa de transformação do grupo yaam uy-reh. Como afirma Junio Felipe (2018, pp. 165-166)Junio Felipe, H. (2018). Falas, lugares e transformação: os yuhupdeh do baixo rio Tiquié [Tese de doutorado, Universidade Federal de São Carlos]. https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/10651?show=full
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,

Na mesma medida, essas ações articulam o conhecimento que orienta as práticas de vida yuhupdeh em sua trajetória. De fato, a ação do benzedor é, ainda, complementada com uma série de prescrições aos pais sobre os cuidados (dietas, resguardos, evitações) a serem tomados em relação à criança, sob risco de os cuidados xamânicos se tornarem inócuos e ela adoecer. Nesses momentos de transição, como o nascimento e a doença, o corpo está especialmente fragilizado e sujeito à ação extraordinária das outras gentes que povoam o cosmos, o que torna o controle sobre essas forças sobre as quais o benzedor e sua especialidade operam um aspecto absolutamente central na vida social yuhupdeh.

O nome-sopro-de-vida é uma força vital que, ao ser fixada em determinado corpo através do benzimento de nominação, inicia um processo de renovação da casa ancestral que ocorre com o nascimento, o crescimento, o envelhecimento e a morte do novo corpo gerado. Como os yuhupdeh afirmam, a força do nome-sopro-de-vida cresce junto com o corpo da pessoa, do mesmo modo que diminui quando o corpo adoece ou quando o corpo começa a envelhecer, e, por fim, abandona o corpo da pessoa com a morte, retornando para sua casa de transformação14 14 Goldman (2004) também destaca, entre os Cubeo, esse aspecto dos nomes como um processo vital. .

Assim, como mencionamos, os cuidados para manter o nome-sopro-de-vida ativo e forte não se limitam à execução do benzimento de nominação. Há benzimentos que são realizados antes, durante o trabalho de parto, após o parto e no momento do primeiro banho, que corresponde ao fim do período de reclusão dos pais e do recém-nascido – que são fundamentais para preparar o corpo do recém-nascido para receber o nome-sopro-de-vida. Há outros benzimentos realizados depois da nominação – sobretudo os benzimentos das comidas –, imprescindíveis para que o nome-sopro-de-vida se mantenha concentrado e fixado no corpo da pessoa, de modo que a força vital não se disperse pelos diversos planos-casa do multiverso e isso acarrete um enfraquecimento da força de vida e, consequentemente, o adoecimento da pessoa ou, em casos extremos, a morte.

FIXAÇÃO E DISPERSÃO DOS NOMES-SOPRO-DE-VIDA

Consideremos, neste momento, alguns excertos desses benzimentos que estão intimamente associados ao benzimento de nominação. O material a ser apresentado, neste caso, foi registrado por Lolli junto a Justino, velho yuhup do grupo boók uy-reh, morador da comunidade de São Joaquim, no igarapé Castanha, e um reconhecido benzedor dessa área15 15 Além da participação de Justino, a tradução também contou com a contribuição de Nonato, um jovem yuhup que, naquela ocasião, era a pessoa mais letrada em português da comunidade. .

A começar pelo benzimento que antecede o parto. A execução deste benzimento visa iniciar o processo de preparação do corpo da mãe e do bebê para o parto. Destaco um pequeno trecho do benzimento em que isso aparece e cujas ações visam o corpo da parturiente:

Fala barriga suco de frutas, barriga sem doença. (Isso fortalece a barriga).

Lava os alimentos que a grávida comeu. (Esse banho fortalece a grávida).

Esfria a casa da grávida e o banco em que senta. (O calor da casa e do banco dificultam o nascimento da criança).

Fala grávida sapinho pequeno (bóh). (Isso faz a dor na hora do parto diminuir, pois esses sapinhos não sofrem na hora do parto).

Fala corpo de inambu, sangue de inambu. (Isso ajuda a diminuir a dor na hora do parto, pois o inambu não sofre na hora do parto).

Fala lugar sem doença. (Isso protege o lugar onde a mulher dará à luz).

Abre a porta do corpo da grávida. (Isso faz que o bebê consiga sair, pois a grávida tem uma porta pela qual o bebê sairá, se ela estiver fechada aquele terá dificuldade de sair).

Fala porta suco de fruta. (Isso ajuda o bebê a sair da barriga da mãe, pois a grávida possui uma porta que deve estar aberta na hora do nascimento)

(Lolli, 2010Lolli, P. (2010). As redes de trocas rituais dos Yuhupdeh no igarapé Castanha, através dos benzimentos e das flautas Jurupari [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2010.tde-07122010-144829
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, p. 154).

O corpo do feto também é preparado para que o nascimento ocorra sem problemas, como se evidencia em outro trecho:

Fala cheiro de rato, cheiro de cutiuaia. (Isso espanta as doenças do bebê, pois o corpo do bebê fica fedendo, pois o cheiro do rato e da cutiuaia são muito fedidos).

Fala corpo de gavião. (Isso protege o corpo do bebê de ataques).

Esconde o bebê debaixo das asas do passarinho. (Isso protege o bebê para nenhuma doença pegá-lo).

Enche o balaio com penas de aves. (Isso para poder esconder o bebê).

Esconde o bebê no balaio.

Esconde o bebê no tronco de árvore. (Isso protege o bebê).

Esconde o bebê no lago de transformação. (Isso protege o bebê).

Lava o bebê dentro da barriga de sucuri preta (meeh pög saah), da sucuri branca (meeh pög baag) e da sucuri vermelha (meeh pög hëj). (Esse banho fortalece o bebê).

Cerca o recém-nascido com pari. (Isso protege o bebê)

(Lolli, 2010Lolli, P. (2010). As redes de trocas rituais dos Yuhupdeh no igarapé Castanha, através dos benzimentos e das flautas Jurupari [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2010.tde-07122010-144829
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, p. 155).

Quando está próximo do momento do nascimento, a mulher grávida se dirige ao mato, nos arredores da comunidade. Ela é acompanhada por outra mulher mais velha e com vasta experiência em parto. A acompanhante é preferencialmente a mãe, mas pode ser também a sogra. Muitos homens yuhupdeh dizem que esse momento do parto é o Jurupari das mulheres. Isto é, os homens são proibidos de ver o recém-nascido saindo da mulher, assim como as mulheres o são de ver os instrumentos de sopro do Jurupari. Em trabalho recente, Ramos (2018)Ramos, D. P. (2018). Círculos de coca e fumaça. Hedra. nota a mesma relação entre os Hupd’äh em sua primorosa análise sobre a experiência do parto16 16 Ver Oliveira (2016), que faz uma análise do parto na qual destaca a relação entre benzedor e parteira. .

Enquanto a parturiente está fora da casa para parir o novo rebento, o benzedor permanece na casa dos pais, sentado em um pequeno banco, fumando tabaco, comendo ipadu e fazendo um benzimento de proteção da casa para receber de volta a parturiente e a(s) mulher(es) que acompanharam o parto com o bebê. Destaco um trecho:

Cerca a grávida com pari de inajá, pari de bak (madeira de zarabatana), pari de pedra. (Isso protege a grávida. Ela senta no meio do cercado de pari dentro de um balaio).

Fala pari suco de frutas, pari sem doença. (Isso fortalece a proteção do pari)...

Retira todos os pequenos insetos da rede em que a mulher dorme. (Esses bichinhos fazem a mulher e o bebê ficarem doentes).

Esfria o fogo do cipó usado para fazer a amarração das vigas das casas. (Esse cipó tem caapi e faz o olho da criança arder).

Fala casa suco de frutas. (Isso protege a casa depois que a mulher volta do parto).

Fala cobertura de palha suco de fruta. (Isso protege a cobertura depois que a mulher volta do parto).

Apaga o fogo da cozinha para acabar com a fumaça. (A fumaça do fogo possui pimenta e caapi por isso faz arder muito).

Fala fogo suco de frutas. (Isso para a fumaça não arder os olhos do recém-nascido, pois esse fogo é o utilizado para fazer a comida da casa)

(Lolli, 2010Lolli, P. (2010). As redes de trocas rituais dos Yuhupdeh no igarapé Castanha, através dos benzimentos e das flautas Jurupari [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2010.tde-07122010-144829
https://doi.org/10.11606/T.8.2010.tde-07...
, pp. 155-156).

Após fazer a proteção da casa, as mulheres voltam com o recém-nascido para este local. A partir daí, mãe, pai e recém-nascido devem obedecer a um resguardo de alguns dias. Eles não podem sair de casa. Ferramentas – como flecha, terçado, machado, ralo de mandioca, cumatá etc. – são retiradas do ambiente, pois carregam um fogo muito potente cuja força pode ser nociva se tiver contato com o corpo do bebê. De modo a proteger e fortalecer os corpos, os pais seguem uma dieta restrita à caldo de peixe, maniquera e beiju, e evitam completamente alimentos gordurosos. Toda comida ingerida pelos pais deve ser rigorosamente benzida, a fim de extrair as potências que podem trazer algum mal. O bebê deve ficar o máximo de tempo no colo da mãe.

O resguardo tem duração variável. Conforme Justino, é necessário obedecer ao resguardo por pelo menos dois dias. Esse período se caracteriza, como bem notou Ramos (2018)Ramos, D. P. (2018). Círculos de coca e fumaça. Hedra., como o início do processo de consubstancialização em que a dieta, o tato, o cheiro e o olhar informam os corpos e inserem o recém-nascido numa comunidade de substância. O final desse período é marcado pelo primeiro banho do recém-nascido. Nesse momento, o benzedor executa o benzimento para o seu primeiro banho. Pai, mãe e recém-nascido saem da casa. À frente, o benzedor guia-os até o rio. Em suas mãos, leva um pedaço de breu aceso, fazendo a defumação ao longo do caminho. Quando chegam na beira, o xamã dá o breu para a mãe, que o joga no rio antes de entrarem na frente, com o breu, e profere em pensamento o benzimento. Segue trecho:

Esfria o calor do rio. (O rio tem pimenta e caapi que produzem doença nos pais e no recém-nascido no primeiro banho pós-nascimento)...

Cerca com pari o pai, a mãe e o bebê...

Fala corpo, sangue e coração de ariranha; corpo, sangue e coração de boto. (Isso protege o corpo do pai, quando este volta a pescar pela primeira vez depois do parto, e impede que esses peixes ataquem-no).

Fala toco amigo, maniua amiga, calango da roça. (Isso protege o corpo da mãe quando ela volta à roça pela primeira vez depois do parto, e impede que sofra algum tipo de ataque)

(Lolli, 2010Lolli, P. (2010). As redes de trocas rituais dos Yuhupdeh no igarapé Castanha, através dos benzimentos e das flautas Jurupari [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2010.tde-07122010-144829
https://doi.org/10.11606/T.8.2010.tde-07...
, p. 157).

Os pais retornam para casa sob proteção do xamã. A partir daí, todos podem sair de casa e retomar as atividades cotidianas. A volta à vida comunitária, entretanto, se dá de forma gradual e sempre com muitos cuidados. As mulheres esperam alguns dias para ir à roça. Os homens também não saem imediatamente para pescar e/ou caçar. Mesmo quando retomam essas atividades, são necessários cuidados: instrumentos como caniço, terçado, machado, espingarda, cesto, ralo, cumatá etc. devem ser benzidos. De modo concomitante, a restrição da dieta alimentar é gradualmente abrandada, até que as comidas mais gordurosas possam ser ingeridas novamente.

Os perigos envoltos no parto exigem que se adote uma série de cuidados e a execução de várias ações xamânicas de forma a proteger e neutralizar as ações potencialmente patogênicas que se encontram distribuídas pelo ambiente. O primeiro parto sempre é o mais problemático, visto que os corpos do pai, da mãe e do recém-nascido encontram-se mais vulneráveis às ações maléficas de outros. Os cuidados e as precauções devem ser seguidos à risca, e os benzimentos devem ser assoprados várias vezes. Uma vez que o primeiro nascimento ocorra sem problemas, não será necessário obedecer rigorosamente a todos os procedimentos de cuidado, precaução e proteção, porque entende-se que os corpos do pai e da mãe se encontram já capacitados para engendrar um nascimento.

O trabalho de proteção, de neutralização e de construção dos corpos dos pais e do recém-nascido realizado pelo benzedor é fundamental. Mais abstratamente, diríamos que o benzimento para o parto opera uma transformação que exterioriza um corpo interiorizado – o feto – no plano-casa/corpo-mulher, ou seja, ele prepara o feto para realizar a passagem entre o plano-casa/corpo-mulher e o plano-casa terrestre. O benzimento para o primeiro banho faz uma operação homóloga na medida que exterioriza um corpo interiorizado – mãe, pai e recém-nascido – na casa, ou seja, ele prepara mãe, pai e recém-nascido, feitos um só corpo, para realizar a passagem entre o plano-casa maloca e o plano-casa comunidade.

Essas preparações dos corpos são fundamentais para que o nome possa ser guardado no peito-coração, pois elas ajudam a endurecer o corpo ainda muito mole do recém-nascido para poder suportar o peso do nome-sopro-de-vida escolhido para ele. Uma vez realizados esses benzimentos e, em seguida, o benzimento de nominação, o bebê está preparado para ser inserido na comensalidade cotidiana do mundo ao redor, o que não significa que o processo de fixação do nome-sopro-de-vida esteja completo. São necessários ainda muitos cuidados para que o nome-sopro-de-vida não se disperse do corpo para os diversos planos-casa do multiverso. A preocupação principal desta fase é em relação à alimentação e todas as comidas ingeridas são benzidas.

Os benzimentos consistem na retirada das afecções potencialmente maléficas contidas nos alimentos que podem dispersar a força do nome-sopro-de-vida para fora do corpo da criança, fazendo diminuir sua potência de vida. Assim, por exemplo, o benzedor, quando benze a comida, fala:

Retira o Tí’ de mandi branco, de mandi preto, de yóp da cutiuaia, o tatu, da paca, da cutia, do queixada.

Pisa nos Tí’ de peixe mandi branco e mandi preto, de yóp, de acutiuaia, de tatu, de paca, de cutia e de quexada.

Envia para rio Umari (pej dëh) e para casa de Trovão (pẽy mõy) os Tí’ de mandi branco, de mandi preto, de yóp, de cutiuaia, de tatu, de paca, de cutia, de quexada.

Fala corpo sem gosto, corpo cogumelo päm, corpo cogumelo säsäy, corpo fruta cuia. (Isso espanta as pessoas que enviam doença para a criança).

Fala menino filho do leite do peito, menina filha do leite do peito. (Isso fortalece a criança)

(Lolli, 2010Lolli, P. (2010). As redes de trocas rituais dos Yuhupdeh no igarapé Castanha, através dos benzimentos e das flautas Jurupari [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2010.tde-07122010-144829
https://doi.org/10.11606/T.8.2010.tde-07...
, p. 159).

Todas essas ações são extremamente necessárias e constituem técnicas de cuidado, proteção e fortalecimento do nome-sopro-de-vida, de forma que a criança não só possa crescer e se desenvolver, como também adquirir uma determinada perspectiva – a de seu grupo que é o portador desse nome-sopro-de-vida – e fabricar concomitantemente, desse modo, um corpo habilitado aos afazeres humanos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste texto, procuramos abordar a questão dos nomes no alto rio Negro a partir dos nomes-sopro-de-vida e de certos benzimentos yuhup – pré-parto, parto, pós-parto, do primeiro banho, dos alimentos e de nominação. Em vez de privilegiarmos uma análise que trata esses nomes como categorias classificatórias de parentesco, ou como um componente imaterial da pessoa, ou, ainda, como prerrogativas sociais, buscamos examiná-los como uma força vital ligada a uma casa de transformação específica que individua a pessoa e lhe confere determinadas posições, perspectivas e capacidades ao longo da vida.

Ao adotarmos uma abordagem antirrepresentacional dos nomes, fomos levados a enfatizar as afecções associadas ao nome-sopro-de-vida em sua relação com a fabricação de um corpo específico, em detrimento do caráter prescritivo e sua relação com a diferenciação assimétrica entre irmãos menores e irmãos maiores. Com isso, mais do que nos perguntarmos ‘O que é um nome?’, tratamos de nos inquirir sobre ‘O que faz um nome?’.

Procuramos, com isso, também não tomar os nomes-sopro-de-vida ao pé da letra, de modo a não cair na armadilha de nos aprisionarmos em sua literalidade. Mostramos que o processo de nominação é dinâmico na medida em que, mesmo antes e após o benzimento de nominação, são necessários esforços contínuos para a fixação, o crescimento do nome-sopro-de-vida e a constituição da pessoa.

A importância dos nomes para se pensar a fabricação da pessoa e do corpo17 17 Como Sáez (2018, p. 23) faz notar “O xamanismo tem papel importante nos processos de constituição e transformação do corpo e da pessoa (Cayón, 2009; López, 2006; Pissolato, 2007; Ramo y Afonso, 2007; Angarita, 2014)”. não é uma novidade e pode ser atestada por uma produção antropológica recente feita por indígenas da região do alto rio Negro que tem reforçado o ponto, como fica evidente. Mais recentemente, uma produção antropológica feita por indígenas da região do alto rio Negro tem reforçado o ponto, como fica evidente na passagem em que Barreto (2021, p. 46)Barreto, J. P. L. (2021). Kumuã na kahtiroti-ukuse: uma “teoria” sobre o corpo e o conhecimento-prático dos especialistas indígenas do Alto Rio Negro [Tese de doutorado, Universidade Federal do Amazonas]. https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/8289
https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/828...
afirma:

Os Kihti ukũse, os bahsese18 18 Equivalente ao termo yuhup mih-diin. e os bahsamori são também chamados de mahsã kahtise, pois são considerados conhecimentos e práticas imprescindíveis para construção de pessoa e para o cuidado da pessoa.

Desse modo, nossa abordagem dos benzimentos de nominação não os tomou como apenas um ato de discurso a partir do qual se institui uma separação radical entre o nome e o corpo do nominado, entre uma parte imaterial e outra material, mas como processos de composição da pessoa onde os nomes são também suas partes componentes, tanto quanto os órgãos que integram um corpo, de modo que nos esforçamos para não aplicarmos as distinções material/imaterial e natural/artificial para pensar a diferença entre os nomes e os vários componentes da pessoa.

  • 1
    Para um estudo mais aprofundado sobre o sentido pejorativo do termo ‘Maku’, ver Lolli (2016)Lolli, P. (2016). A plasticidade Maku. Ilha, 18(2), 177-198. e Marques e Ramos (2019)Marques, B., & Ramos, D. (2019). Dissoluções necessárias: a perspectiva dos Hupd’äh nas relações do “sistema regional do alto rio Negro”. Espaço Ameríndio, 13(2), 104-131. https://doi.org/10.22456/1982-6524.93602
    https://doi.org/10.22456/1982-6524.93602...
    .
  • 2
    A literatura convencionou chamar esses grupos de clã.
  • 3
    Mais recentemente, alguns trabalhos de linguística (Epps & Bolaños, 2017Epps, P., & Bolaños, K. (2017). Reconsidering the ‘Makú’ family of northwest Amazonia. International Journal of American Linguistics, 83(3), 467-507. https://doi.org/10.1086/691586
    https://doi.org/10.1086/691586...
    ) propuseram esse novo nome para a família linguística classicamente referida como Maku, para se afastar do sentido pejorativo associado a este termo.
  • 4
    A quantidade de versões registradas sobre a viagem da cobra-canoa de transformação excede em muito qualquer tentativa de resumir os acontecimentos narrados, ainda mais se levarmos em consideração que muitas versões continuam sendo produzidas à medida que uma geração conta à outra. Faço, entretanto, um breve esquema de partes da armação que interessam ao argumento em questão. Em determinado momento da história um grupo de pessoas que estavam no lago de leite embarcam numa cobra-canoa e seguem viagem ao longo do rio Negro e seus diversos afluentes. Neste percurso, uma série de episódios vai se sucedendo nas chamadas casas de transformação, e as pessoas vão aprendendo a viver naquela terra – aprendem cantos, cultivos, danças, benzimentos, onde caçar, onde pescar etc. Em determinado lugar da viagem, classicamente identificado à cachoeira de Ipanoré, acontece um episódio capital para a constituição do sistema social alto-rionegrino. As pessoas deixam de falar a mesma língua (engendrando as diferenças entre os nomes e os grupos atuais) e ocorre a ordenação das posições conforme a ordem de saída da embarcação, o primeiro sendo o irmão maior e o último, o irmão menor.
  • 5
    Não podemos deixar de mencionar a importante coletânea organizada por Carsten e S. Hugh-Jones (1995)Carsten, J., & Hugh-Jones, S. (Eds.). (1995). About the house: Lévi-Strauss and beyond. Cambridge University Press..
  • 6
    Para uma lista mais detalhada dos nomes, ver Silva e Silva (2012)Silva, C., & Silva, E. (2010). A língua dos Yuhupdeh. Pró-Amazônia, AECIP. e Junio Felipe (2018)Junio Felipe, H. (2018). Falas, lugares e transformação: os yuhupdeh do baixo rio Tiquié [Tese de doutorado, Universidade Federal de São Carlos]. https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/10651?show=full
    https://repositorio.ufscar.br/handle/ufs...
    .
  • 7
    Para uma discussão ainda recente sobre esse tema, destaco o dossiê editado por Heurich e Hauck (2018)Heurich, G. H., & Hauck, J. D. (2018). Language in the Amerindian Imagination. Language & Communication, 63, 1-88. https://www.sciencedirect.com/journal/language-and-communication/vol/63/suppl/C
    https://www.sciencedirect.com/journal/la...
    .
  • 8
    Aspecto amplamente difundido no mundo ameríndio, como afirmam Hill e Chaumeil (2011, p. 19)Hill, J., & Chaumeil, J.-P. (Eds.). (2011). Burst of breath: indigenous wind instruments in Lowland South America. University of Nebraska Press. a respeito dos instrumentos aerofones: “. . . to explain the predominance of aerophones rather than other families of instruments, we must turn to indigenous understandings of breath and breathing as expressions of life force. . .”.
  • 9
    Parece haver um termo na língua Makuna muito próximo semanticamente e que é oka. Cayón (2011, p. 160)Cayón, L. (2011). Penso, logo crio: a teoria makuna do mundo [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]. http://www.realp.unb.br/jspui/handle/10482/7815
    http://www.realp.unb.br/jspui/handle/104...
    define esse termo como ‘palavra’, ‘história’, ‘língua’.
  • 10
    Para uma apresentação e uma análise mais aprofundada e detalhada, ver Junio Felipe (2018)Junio Felipe, H. (2018). Falas, lugares e transformação: os yuhupdeh do baixo rio Tiquié [Tese de doutorado, Universidade Federal de São Carlos]. https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/10651?show=full
    https://repositorio.ufscar.br/handle/ufs...
    , cujo material nos serve como base aqui.
  • 11
    Para uma análise mais pormenorizada, remetemos também ao trabalho de Junio Felipe (2018)Junio Felipe, H. (2018). Falas, lugares e transformação: os yuhupdeh do baixo rio Tiquié [Tese de doutorado, Universidade Federal de São Carlos]. https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/10651?show=full
    https://repositorio.ufscar.br/handle/ufs...
    .
  • 12
    Utilizaremos aqui a primeira pessoa, pois é desse modo que Laureano narrou.
  • 13
    Para uma análise mais aprofundada sobre o trabalho de manipulação das afecções de partes de pessoa e de pessoa, remeto aos trabalhos de Lolli (2010Lolli, P. (2010). As redes de trocas rituais dos Yuhupdeh no igarapé Castanha, através dos benzimentos e das flautas Jurupari [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2010.tde-07122010-144829
    https://doi.org/10.11606/T.8.2010.tde-07...
    , 2013Lolli, P. (2013). Sopros de vida e destruição: composição e decomposição de pessoas. Revista de Antropologia, 56(2), 365-396. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2013.82473
    https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.20...
    , 2014)Lolli, P. (2014). Atravessando pessoas no noroeste amazônico. Mana, 20(2), 281-305. https://doi.org/10.1590/S0104-93132014000200003
    https://doi.org/10.1590/S0104-9313201400...
    . Aqui, apenas destacamos que pessoas incluem humanos e não humanos.
  • 14
    Goldman (2004)Goldman, I. (2004). Cubeo Hehenawa religious thought: metaphysics of a Northwestern Amazonian people. Edited by Peter J. Wilson. Afterword by Stephen Hugh-Jones. Columbia University Press. também destaca, entre os Cubeo, esse aspecto dos nomes como um processo vital.
  • 15
    Além da participação de Justino, a tradução também contou com a contribuição de Nonato, um jovem yuhup que, naquela ocasião, era a pessoa mais letrada em português da comunidade.
  • 16
    Ver Oliveira (2016)Oliveira, M. (2016). Sobre casas, pessoas e conhecimentos: uma etnografia entre os Tukano Hausirõ e Ñahuri porã, do médio rio Tiquié, noroeste amazônico [Tese de doutorado, Universidade Federal de Santa Catarina]. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/167903
    https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle...
    , que faz uma análise do parto na qual destaca a relação entre benzedor e parteira.
  • 17
    Como Sáez (2018, p. 23)Sáez, O. C. (2018). Xamanismo nas terras baixas: 1996-2016. BIB - Revista Brasileira De Informação Bibliográfica Em Ciências Sociais, (87), 15-40. https://bibanpocs.emnuvens.com.br/revista/article/view/457
    https://bibanpocs.emnuvens.com.br/revist...
    faz notar “O xamanismo tem papel importante nos processos de constituição e transformação do corpo e da pessoa (Cayón, 2009Cayon, L. (2009). La persona makuna: más allá del interior y el exterior. Boletín de Antropología Universidad de Antioquia, 23(40), 279-300.; López, 2006López, E. (2006). Noções de corporalidade e pessoa entre os Jodï. Mana, 12(2), 359-388. https://doi.org/10.1590/S0104-93132006000200005
    https://doi.org/10.1590/S0104-9313200600...
    ; Pissolato, 2007Pissolato, E. (2007). A duração da pessoa: mobilidade, parentesco e xamanismo mbya (guarani). Unesp, Nuti.; Ramo y Afonso, 2007Ramo y Affonso, A. M. (2014). De pessoas e palavras entre os Guarani Mbya [Tese de doutorado, Universidade Federal Fluminense].; Angarita, 2014Angarita, A. A. S. (2014). La constitución de naüne (cuerpo) entre los yunatügü (tikuna). Mundo Amazónico, 5, 327-356.)”.
  • 18
    Equivalente ao termo yuhup mih-diin.

AGRADECIMENTOS

Esta pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, processo 2016/05996-5).

  • Lolli, P., & Junio Felipe, H. (2024). Nominações yuhupdeh: geração, cuidado e fortalecimento do nome-sopro-de-vida. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 19(1), e20230031. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0031

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Editado por

Responsabilidade editorial: Jorge Eremites de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    18 Abr 2023
  • Aceito
    22 Fev 2024
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