Open-access O cuidado de enfermagem em situações de alteração da imagem facial

El cuidado de enfermería en situaciones de alteración de la imagen facial

Nursing care in situations of facial image alteration

Resumos

A pesquisa analisou a percepção de pacientes, acadêmicas de enfermagem e docentes, quanto ao cuidado frente à alteração da imagem facial, suas implicações no processo formativo. Caracterizou-se pela abordagem qualitativa exploratória, realizada em um hospital universitário em Santa Maria, Rio Grande do Sul, entre julho de 2008 e abril de 2009. Participaram seis pacientes com alteração da imagem facial, sete acadêmicas de Enfermagem e cinco docentes. Utilizou-se entrevistas semi-estruturadas e grupo focal. As informações organizadas e submetidas à técnica de análise de conteúdo. Evidenciou-se duas categorias: significado da imagem facial alterada e formação do enfermeiro e o cuidado. O cuidado a esses pacientes é percebido como uma vivência complexa, difícil e impactante constituindo-se oportunidades ímpares para o desenvolvimento das competências necessárias para a formação da enfermeira. Constatou-se a necessidade de inserção de temáticas durante a formação que abordem temas pertinentes às necessidades dos acadêmicos, possibilitando aos mesmos refletirem sobre o vivido no curso.

Cuidados de enfermagem; Imagem corporal; Educação em enfermagem


La investigación analizó la percepción de pacientes, académicas de enfermería y docentes, cuanto al cuidado frente a la alteración de la imagen facial, implicaciones en el proceso de formación. Una abordaje cualitativo exploratorio, en un hospital universitario en Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil, entre julio de 2008 y abril de 2009. Participaron seis pacientes con alteración de la imagen facial, siete académicas y cinco docentes. Utilizaron entrevistas semi estructuradas y grupo focal. Las informaciones organizadas por el técnica de análisis de contenido. Se evidenciaron dos categorías: significado de la imagen facial alterada y formación del enfermero y el cuidado. El cuidado es percibido como una vivencia compleja, difícil e impactante constituyéndose oportunidades impares para el desarrollo de las competencias necesarias para la formación de la enfermera. Se encontró la necesidad de integración de los temas durante la capacitación a los temas relacionados a las necesidades de los académicos y les permite reflexionar sobre su experiencia vivía en el curso.

Atención de enfermería; Imagen corporal; Educación en enfermería


The research analyzed the perception of patients, Nursing undergraduates and professors, as the care faced to the facial image alteration, its implications in the formation process. It was characterized by exploratory qualitative approach, carried out in the university hospital in Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brazil, between July 2008 and April 2009. Six patients with facial image alteration, seven Nursing students and five professors participated. Semi-structured interviews and focal group were used. The data organized underwent the content analysis technique. Two categories were evidenced: meaning of the altered facial image and the nurse care and formation. The care to these patients is noticed as a complex, hard and impacting experience being constituted of odd opportunities for the development of the necessary competences for the nurse formation. It was noted the need for integration of themes during the training that address issues relevant to the needs of undergraduates and enables them to reflect on their experience in the course.

Nursing care; Body image; Education, nursing


ARTIGO ORIGINAL

O cuidado de enfermagem em situações de alteração da imagem facial1

El cuidado de enfermería en situaciones de alteración de la imagen facial

Nursing care in situations of facial image alteration

Sadja Cristina Tassinari de Souza MostardeiroI; Eva Néri Rubim PedroII

IDoutora em Enfermagem, Professora Adjunta do Curso de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil

IIDoutora em Educação, Professora Adjunta da Escola de Enfermagem da UFRGS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço da autora Endereço da autora: Sadja Cristina Tassinari de Souza Mostardeiro Rua Dr. Leovegildo Leal de Moraes, 90, Novo Horizonte 97110-820, Santa Maria, RS E-mail: sadja@smail.ufsm.br

RESUMO

A pesquisa analisou a percepção de pacientes, acadêmicas de enfermagem e docentes, quanto ao cuidado frente à alteração da imagem facial, suas implicações no processo formativo. Caracterizou-se pela abordagem qualitativa exploratória, realizada em um hospital universitário em Santa Maria, Rio Grande do Sul, entre julho de 2008 e abril de 2009. Participaram seis pacientes com alteração da imagem facial, sete acadêmicas de Enfermagem e cinco docentes. Utilizou-se entrevistas semi-estruturadas e grupo focal. As informações organizadas e submetidas à técnica de análise de conteúdo. Evidenciou-se duas categorias: significado da imagem facial alterada e formação do enfermeiro e o cuidado. O cuidado a esses pacientes é percebido como uma vivência complexa, difícil e impactante constituindo-se oportunidades ímpares para o desenvolvimento das competências necessárias para a formação da enfermeira. Constatou-se a necessidade de inserção de temáticas durante a formação que abordem temas pertinentes às necessidades dos acadêmicos, possibilitando aos mesmos refletirem sobre o vivido no curso.

Descritores: Cuidados de enfermagem. Imagem corporal. Educação em enfermagem.

RESUMEN

La investigación analizó la percepción de pacientes, académicas de enfermería y docentes, cuanto al cuidado frente a la alteración de la imagen facial, implicaciones en el proceso de formación. Una abordaje cualitativo exploratorio, en un hospital universitario en Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil, entre julio de 2008 y abril de 2009. Participaron seis pacientes con alteración de la imagen facial, siete académicas y cinco docentes. Utilizaron entrevistas semi estructuradas y grupo focal. Las informaciones organizadas por el técnica de análisis de contenido. Se evidenciaron dos categorías: significado de la imagen facial alterada y formación del enfermero y el cuidado. El cuidado es percibido como una vivencia compleja, difícil e impactante constituyéndose oportunidades impares para el desarrollo de las competencias necesarias para la formación de la enfermera. Se encontró la necesidad de integración de los temas durante la capacitación a los temas relacionados a las necesidades de los académicos y les permite reflexionar sobre su experiencia vivía en el curso.

Descriptores: Atención de enfermería. Imagen corporal. Educación en enfermería.

ABSTRACT

The research analyzed the perception of patients, Nursing undergraduates and professors, as the care faced to the facial image alteration, its implications in the formation process. It was characterized by exploratory qualitative approach, carried out in the university hospital in Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brazil, between July 2008 and April 2009. Six patients with facial image alteration, seven Nursing students and five professors participated. Semi-structured interviews and focal group were used. The data organized underwent the content analysis technique. Two categories were evidenced: meaning of the altered facial image and the nurse care and formation. The care to these patients is noticed as a complex, hard and impacting experience being constituted of odd opportunities for the development of the necessary competences for the nurse formation. It was noted the need for integration of themes during the training that address issues relevant to the needs of undergraduates and enables them to reflect on their experience in the course.

Descriptors: Nursing care. Body image. Education, nursing.

INTRODUÇÃO

O cuidado a pacientes com imagem facial alterada surgiu da trajetória profissional de uma das autoras enquanto docente em prática supervisionada em um hospital-escola, junto a acadêmicos do 4º semestre do Curso de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Rio Grande do Sul. Este hospital caracteriza-se por desenvolver atividades de ensino, pesquisa e assistência onde inúmeros acadêmicos e profissionais de diversas áreas da saúde compartilham o espaço para o desenvolvimento e aperfeiçoamento do processo de aprender e de cuidar. Como laboratórios de ensino, os hospitais universitários devem primar pela qualidade do conhecimento, ali difundido, para acadêmicos e profissionais de saúde, de forma a fazerem jus à referência em assistência que ostentam.

No desenvolvimento das atividades de supervisão de alunos na unidade cirúrgica do Hospital dessa Universidade, deparou-se com inúmeros pacientes, internados, com o objetivo de realizarem cirurgias que alteraram, significativamente, sua imagem corporal: originadas de queimaduras, amputação de membros, cirurgias na cabeça e no pescoço, enxertos, entre outras. No exercício do cuidado junto deles, foi possível perceber a necessidade para além do cuidado meramente técnico, pois precisavam mais do que isso.

Observava-se que as reações, as atitudes e os sentimentos desses pacientes da clínica de cabeça e pescoço transitavam entre a rejeição, a vergonha, a exclusão, o isolamento, a submissão e a passividade, tornando-os estigmatizados pela sua alteração física.

A vivência, nessa realidade, levou-nos as reflexões como, por exemplo, a forma de atuação enquanto ser humano, enfermeiras, cuidadoras e educadoras; as inquietações dos acadêmicos em relação à maneira de cuidar desses pacientes; o significado dessa experiência para todos os envolvidos com a problemática entre outras.

Essas inquietações sobre o cuidar de pacientes com alteração da imagem corporal, em especial a imagem facial, fizeram e fazem-nos refletir sobre o processo de formação da cuidadora/enfermeira. Percebendo que a alteração da imagem como algo que mutila, desfigura, transforma a imagem do corpo como um todo, portanto interferindo na identidade do indivíduo, propôs-se o desafio de buscar respostas, por meio dos próprios pacientes, dos acadêmicos e dos docentes na tentativa de conhecer e descobrir estratégias de cuidado que possibilitem exercer esta arte com qualidade.

Salienta-se que não se deve subestimar a importância da beleza e da feiura reais em nossas vidas. A beleza pode ser uma promessa de satisfação completa ou levar a tal satisfação. A própria beleza ou feiura não contarão apenas para a imagem que temos de nós mesmos, mas também, para que os outros construam esta beleza a nosso respeito. A imagem corporal ou mesmo facial de um indivíduo é resultado da vida social. A beleza e a feiura não são fenômenos do indivíduo isolado, mas fenômenos sociais da maior importância(1).

Todos os pacientes que são submetidos a uma cirurgia sofrem alguma alteração na imagem corporal; a cicatriz cirúrgica é uma forma dessa apresentação. A cicatriz é uma forte característica para se rotular um paciente como cirúrgico e, consequentemente, para caracterizá-lo como tendo uma imagem corporal alterada(2). No caso de cirurgias envolvendo cabeça e pescoço, os procedimentos geralmente são invasivos podendo causar lesões estéticas irrecuperáveis além de poder limitar ou comprometer algumas funções (perda da voz ou visão, movimentos dos ombros limitados, perda do sentido olfativo, impossibilidade de imersão em líquidos). Em função disto, qualquer tipo de cirurgia necessitará de readaptações por parte do doente e da sua família e conseqüente suporte emocional para adaptação à imagem corporal alterada(3).

As alterações estéticas e funcionais decorrentes do tratamento da região de cabeça e pescoço podem trazer repercussões no desempenho específico do papel social, expressão emocional, comunicação e as mudanças na anatomia funcional podem ter consequências devastadoras em várias áreas na vida do paciente(4).

A definição da nova imagem pelo próprio indivíduo dependerá de suas experiências da adaptação a ela e da imagem corporal normal. O modo como o indivíduo reagirá à imagem corporal alterada dependerá das estratégias de enfrentamento, origem da alteração, da importância da nova imagem para o seu futuro e, dos tipos e possibilidades de apoio que o paciente até ajustar-se a nova imagem.

As respostas dos indivíduos podem variar: alguns negam o problema ou negligenciam a sua importância; outros tentam compartilhar o problema com amigos e familiares e desenvolvem estratégias positivas(5).

Partindo- se dessas premissas, percebe-se a necessidade da abordagem da temática do cuidado a pacientes com alteração da imagem facial, em discussões e reflexões no processo formativo do enfermeiro tendo em vista a probabilidade de encontros com esses pacientes no dia-a-dia desse profissional.

Observa-se que os contextos de trabalho delineiam os perfis de atuação dos profissionais a partir das exigências do mercado. Isso requer que os enfermeiros, para ingressar num mercado pautado pela competitividade, apresentem requisitos que demonstrem além do seu conhecimento científico, outras tantas habilidades, as quais mostrem uma atualização contínua e uma predisposição interna quanto a mudar no sentido de sintonizar-se às novas expressões de comportamentos e valores(6).

O mercado de trabalho não comporta mais profissionais limitados apenas aos aspectos inerentes à profissão. É preciso que estejam preparados para a vida e sejam capazes de mobilizar e articular conhecimentos, valores e habilidades na tomada de decisões diante de qualquer problema ou situação. Além disso, as Diretrizes Curriculares da formação do profissional enfermeiro chamam a atenção para a valorização das dimensões éticas e humanísticas, desenvolvendo no aluno e no enfermeiro atitudes e valores orientados para a cidadania e para a solidariedade(7).

Resgata-se aqui o conceito do cuidado de enfermagem como um processo dinâmico e intencional para atender às necessidades humanas, um valor que pressupõe sensibilidade, afetividade, zelo, atenção, solidariedade e compromisso entre o ser cuidador e o ser cuidado, fundamentado no conhecimento da Enfermagem(8).

Portanto, trabalhar temas, que de alguma maneira causem impacto nos acadêmicos, principalmente os relacionados às questões que envolvem a ética, a imagem, a cultura, os valores, a morte e outros tantos aspectos, considera-se realmente um desafio, principalmente porque é difícil, levar os futuros profissionais a desenvolver habilidades e competências que antes de tudo têm a ver com a sensibilidade, empatia, auto-conceito e desprendimento para aceitar e cuidar do outro. Além disso, é necessário que os professores e seus acadêmicos, identifiquem o cuidado como um valor, explorando seus significados; oferecendo um ambiente de cuidado, aceitando mudanças. Os professores devem se dispor a aprender com os acadêmicos, a trocar experiências, a fim de fazer emergir as potencialidades de cada um, para que possam tornar-se profissionais do cuidado conscientes, criativos e sensíveis. Assim, quando todos sentirem-se envolvidos no processo de aprendizagem do cuidado, serão todos estimulados às novas descobertas e construção de novos conhecimentos(9).

A partir dessas considerações a investigação teve como objetivo analisar a percepção de pacientes, acadêmicos de enfermagem e de docentes, quanto ao cuidado a indivíduos com alteração da imagem facial e as implicações de situações impactantes no processo formativo da enfermeira.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo exploratório descritivo com uma abordagem qualitativa. Os participantes da pesquisa foram seis pacientes portadores de algum tipo de alteração na imagem facial, sete acadêmicas do sétimo semestre do Curso de Enfermagem da UFSM e cinco docentes do mesmo curso.

Os critérios de inclusão para os participantes foram: pacientes- apresentar alteração da imagem facial há pelos menos seis meses, estar internado na Unidade Cirúrgica do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM) no período entre julho e outubro de 2008, ser maior de 18 anos, de ambos sexos, estar lúcido e ter capacidade de expressar-se verbalmente ou por escrito. Em relação aos acadêmicos: estar cursando o sétimo semestre do Curso de Enfermagem da UFSM no período 2008/2, e quanto aos docentes: ser docente efetivo lotado no departamento de enfermagem do Curso de Enfermagem da UFSM, desenvolver atividades teórico-práticas na graduação no primeiro semestre de 2009, independente do campo de aula prática. A escolha por acadêmicos do sétimo semestre deve-se ao fato de entendermos que nesta etapa final da formação, os mesmos tenham tido mais oportunidades de contato nas aulas práticas com os pacientes alvos da pesquisa, o que, acredita-se, facilita uma manifestação mais fidedigna de suas percepções a cerca da temática.

As considerações éticas forma respeitadas e todos os participantes foram informados sobre os objetivos da investigação, sua forma de participação e convidados a assinar o Termo de Consentimento Livre e Informado (TCLI). Foi assegurado ainda o anonimato dos participantes, os quais foram codificados pela letra inicial seguida de um algarismo numérico para diferenciá-los entre si: paciente 1 (P1), acadêmico 1 (A1), docente 1 (D1) sucessivamente.

O Projeto foi encaminhado e aprovado pelo Conselho de Ensino e Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria, sob o nº 23081.007436/2008-38, de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(10).

A entrevista semi-estruturada foi o instrumento para a coleta das informações, tanto para os pacientes como para os acadêmicos A própria pesquisadora entrevistou os pacientes na unidade cirúrgica. Quanto às acadêmicas, devido aos seus horários disponíveis, cinco foram entrevistadas nas dependências do Curso e duas em suas residências.

A técnica de grupo focal foi escolhida como a forma para coletar das informações junto aos docentes. Optou-se por esta técnica por sua dinamicidade, proporcionando momentos ricos de reflexões e discussões entre os participantes a cerca da temática. A pesquisadora foi a coordenadora do grupo e uma enfermeira docente foi a observadora. Os discursos de todos os participantes foram gravados em um media player 10 (MP10) e, posteriormente, foram transcritos com a maior fidedignidade possível. Também foram analisados os registros feitos por escrito pela observadora durante a realização dos grupos.

Para a análise das informações utilizou-se a técnica de análise de conteúdo(11). A triangulação deu-se a partir do cruzamento das informações geradas pelas entrevistas e as discussões no grupo focal. Esta estratégia metodológica oferece uma riqueza de oportunidades de análise e aprofundamento do estudo, indo além da busca da fidedignidade(12).

APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após a análise das informações coletadas, evidenciou-se duas categorias, com suas subcategorias e temas respectivamente como ilustra o Quadro 1 a seguir:

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Apresentaremos a seguir os temas que consideramos mais relevantes para esta reflexão. A categoria percepções da imagem facial alterada originou duas subcategorias convivência com a alteração da imagem e enfrentamento da situação. Surgiu do agrupamento dos temas que foram evidenciados pelos pacientes, acadêmicos e docentes em que relataram como é para eles a convivência com as mudanças ocasionadas pelas alterações. Foi possível perceber que para os pacientes vários foram os sentimentos que apareceram os quais denominamos de negativos, tendo em vista, as características dos mesmos, enquanto que para os docentes e para os alunos apareceram aspectos relacionados ao modo de perceber o outro e como tratar e cuidar do outro. E, "são os sentimentos que nos dizem quando alguma coisa é dolorosa e machuca, porque os sentimentos são o machucado"(13).

No tema vivência impactante, as acadêmicas referiram suas percepções, lembrando de quando realizaram o cuidado junto a esses pacientes. O discurso a seguir ilustra:

É extremamente chocante, assim pra gente, extremamente! [...] a dor que a gente sente em ver alguém assim! Então essas cicatrizes, essas lesões que ficam aqui geralmente. Eu penso muito. A gente quer fugir! Faz esse curativo ai, e quer fugir (A1).

As possíveis alterações da aparência física e a funcionalidade do rosto que acontecem após uma intervenção cirúrgica na face constituem uma ameaça à auto-imagem do indivíduo, à sua identidade e, em especial, à forma de viver e de se relacionar com as pessoas. Por sua vez, o processo do enfrentamento da mudança corporal leva à angústia, tanto o paciente como a sua família e quem com ele convive(14).

Pode-se reconstruir a imagem corporal. Pode-se olhar no espelho e projetar a imagem do espelho em nós. Também se pode estudar a mudança de atitude dos outros e transferi-la para nossa imagem corporal(8). A nova imagem interfere na qualidade de vida e gera desconforto no paciente que tenta entender as atitudes dos outros em relação a seu rosto(1).

A enfermagem é reconhecida mundialmente como uma profissão estressante. É alvo de diferentes pesquisas por diversos focos de atenção e por outros profissionais. Alguns autores detectaram a existência de várias características evidenciáveis de estresse em discentes de enfermagem, algumas em maior, outras em menor intensidade(15).

Neste sentido resgata-se um estudo americano realizado na Universidade de Western Michigan, no qual as autoras descrevem que, nessa instituição, os acadêmicos são estimulados a cuidar de si enquanto aprendem a cuidar do outro, desafiando-os a criarem estratégias para um estilo de vida saudável(16).

Outro tema surgido foi o apoio espiritual. A espiritualidade é uma dimensão importante da existência do ser humano, como identificado no discurso a seguir:

[...] eu não considero uma coisa normal, mas se foi uma coisa que Deus mandou pra mim, eu tenho que aceitar ela de boa vontade (P3).

Muitos pacientes, aparentemente, dizem aceitar este acontecimento como algo normal, porque essa é uma forma de negar, ou fugir da nova realidade que passará a viver após a alteração na sua imagem facial, e das alterações que esta acarretará na sua vida.

Entretanto, é possível constatar a emergência desse conceito em algumas correntes de natureza sociológica que encontraram um esgotamento do sentido da vida numa sociedade pós-materialista, surgindo alguns sintomas especialmente nas novas gerações, de um cansaço e de um esgotamento desse modelo de sociedade materialista, sendo um dos meios a procura e o desejo do espiritual(17). Para alguns dos pacientes do estudo, aceitar as alterações nas suas faces é aceitar a Deus, encontrar nele as respostas que não pode ter ao pensar na sua doença.

A categoria a formação da enfermeira e o cuidado originou a subcategoria processo de aprendizagem do cuidado, um dos temas que destacamos é a importância da flexibilização do currículo durante a formação do profissional enfermeiro. A vivência das aulas práticas possibilita, ou não, aos acadêmicos aplicar os conhecimentos teóricos adquiridos, estabelecer relações com as disciplinas de semestres anteriores e, de sua experiência de vida. Dessa forma, esse momento de cuidar passa a ser, para o acadêmico, um momento integrador de crescimento e amadurecimento tanto profissional como pessoal. O cuidar configura-se então em uma situação complexa, visto a sua inexperiência, e ao desgaste emocional inerentes a sua condição de aluno, sendo necessário repensar os conteúdos e as estratégias de ensinar na formação acadêmica.

Como formadores deve-se tentar despertar nos acadêmicos a consciência de refletir sua prática e suas vivências para que possam amadurecer e fortificar a qualidade do seu ato de cuidar. Essa consciência deve ser estimulada desde sua formação acadêmica, implicando a busca contínua de subsídios teóricos e filosóficos, associados a sua prática profissional. Necessitando ainda aprofundar conhecimentos filosóficos, antropológicos e éticos do cuidar/cuidado(18).

Nesse aspecto, percebe-se também o quão difícil deve ser para os profissionais da saúde, docentes e acadêmicos ajudarem esses pacientes em relação à aceitação de si. Que mecanismos precisam ser estudados e mesmo aprofundados para que se possa realizar essa ação de cuidado? Refletindo de maneira empática, como aceitar uma nova imagem que compromete a minha própria identidade?

Na perspectiva de promover as reflexões sobre a temática alguns discursos indicam a necessidade de flexibilizar o currículo, compartilhar vivências, na tentativa de ampliar as discussões que envolvem o cuidado:

Acho que de repente deveria ser trabalhado em aula esses aspectos que o paciente está sentindo, que poderá sentir, pra ti de repente já chegar mais preparada. [...] acho que trabalhar mais essas questões emocionais, pra gente quando chegar lá, já preparada (A4).

[...] nós ainda temos uma preocupação com aquilo que nós temos que ensinar, com o conteúdo a ser dado. Eu acho que nós temos uma carga horária bem extensa, ainda com conteúdo, eu acho que ninguém muda uma caminhada!Estamos tentando [...] (D3).

Estes discursos identificam que as acadêmicas sentem necessidade de ampliar/inserir conteúdos que lhes forneçam subsídios para melhor atuar junto aos pacientes com alteração da imagem facial. Não avançar nas discussões no sentido de contemplar as necessidades dos acadêmicos é perpetuar um modelo dissociado com a realidade de uma formação comprometida com o seu crescimento pessoal/profissional e sua autonomia.

Evidencia-se neste sentido a adequação às diretrizes quando referem que o currículo do Curso de Graduação em Enfermagem deve incluir aspectos complementares de perfil, habilidades, competências e conteúdos, de forma a considerar a inserção institucional do curso, a flexibilidade individual de estudos e os requerimentos, demandas e expectativas de desenvolvimento do setor saúde na região(6).

Pois a contemporaneidade exige profissionais enfermeiros que tenham garantido em sua formação um perfil, que lhe permita desenvolver competências e habilidades gerais,voltadas para atenção à saúde; tomada de decisões; comunicação; liderança; administração e educação permanente, conforme prevêem as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem(19).

Cabe lembrar que o currículo do Curso não pode ser uma limitação na formação da enfermeira, porque ele envolve o processo de ensinar e aprender a ser e fazer Enfermagem. Quando o currículo é flexível, o professor tem a possibilidade de trabalhar o que emerge da vivência e da realidade dos alunos. Nesse sentido, o professor ao preocupar-se com a presença da sensibilidade, realiza o planejamento da disciplina contemplando um espaço para as situações vivenciadas pelos seus acadêmicos(20).

A crescente exigência no mercado de trabalho requer que o docente de enfermagem faça um esforço para não perder de vista a concepção humanitária da profissão na formação de seus acadêmicos. Precisa-se contar com inúmeras ferramentas que dêem conta de uma aprendizagem com qualidade, pois ferramentas adequadas e sofisticadas não garantem se as competências dos enfermeiros serão suficientes, também somente aprender a observar não garante uma boa interpretação e ainda saber interpretar não garante a decisão(21).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A temática abordada no estudo, entre outras conclusões, permitiu-nos evidenciar a complexidade de uma situação que envolve uma variedade de emoções e sentimentos por parte de quem cuida e quem é cuidado. A mudança na imagem facial é uma das grandes dificuldades enfrentadas pelos pacientes, acadêmicos e docentes conforme a maioria dos pesquisados relataram. Cada paciente tem um modo particular de enfrentar a doença e o tratamento. Isso varia de acordo com sua personalidade, seus princípios, seu contexto familiar e social, seus valores, suas crenças entre outros. A religiosidade, a fé em um ser superior representa uma das formas de enfrentamento para os pacientes.

Foi possível concluir que o cuidado a pacientes com a imagem facial alterada, durante a formação da enfermeira, é percebido como uma vivência complexa, difícil e impactante tanto para os pacientes, como para os acadêmicos e docentes. Sinaliza-se que essas vivências, sejam elas de qualquer natureza e, nesse estudo, representada pela alteração da imagem facial, constituem oportunidades ímpares para o desenvolvimento das competências necessárias para a formação da enfermeira no decorrer da trajetória acadêmica. Desta forma a abordagem da competência, na perspectiva dialógica, supõe a articulação do ensino ao mundo do trabalho na saúde, cenário cotidiano no qual o acadêmico constrói a sua prática profissional, desenvolvendo atributos enquanto se depara com situações reais complexas e diversas(20).

As docentes destacaram a necessidade de fundamentação, através da flexibilização do currículo, para trabalhar com os acadêmicos vivências impactantes, compartilhando saberes e práticas. Também as acadêmicas consideraram que há falta de conteúdos durante a graduação assim como a necessidade de sua flexibilização. Referiram a importância destes conteúdos lhes darem suporte teórico para poder atuar junto a esses pacientes nas aulas práticas, conteúdos que tragam à tona a subjetividade do ser humano e o cuidado.O que é compreensível, pois sempre o acadêmico quer mais conteúdo, e o que se almeja é que além dele aprender a buscar, que ele desenvolva as condições necessárias para aprender e compreender as situações que lhes aparecem e exercitem o verdadeiro cuidado.

A partir das análises e reflexões dos dados obtidos considera-se pertinente a criação de espaços para os acadêmicos exteriorizarem situações impactantes, conflitantes vividas durante sua formação nos diferentes espaços de convivência e cenários acadêmicos. Assim como a inserção de temáticas que abordem temas pertinentes às necessidades dos acadêmicos, possibilitando aos mesmos refletirem sobre o vivido no curso, aulas teóricas e práticas envolvendo o ser humano numa perspectiva filosófica, sociológica e antropológica.

Recebido em: 17/06/2010

Aprovado em: 11/11/2010

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  • Endereço da autora:
    Sadja Cristina Tassinari de Souza Mostardeiro
    Rua Dr. Leovegildo Leal de Moraes, 90, Novo Horizonte
    97110-820, Santa Maria, RS
    E-mail:
  • 1
    Extraído da tese de Doutorado apresentada em 2010 na Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      17 Jun 2010
    • Aceito
      11 Nov 2010
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