Open-access Sinais inflamatórios e crise epiléptica em pacientes admitidos em unidade de emergência

RESUMO

Objetivo:  Avaliar os sinais inflamatórios registrados em prontuários de pacientes com diagnóstico principal de crise epiléptica, admitidos em unidade de emergência.

Método:  Estudo transversal, retrospectivo. Amostra composta por 191 prontuários de pacientes pediátricos, adolescentes, adultos e idosos, com diagnóstico clínico de crise epiléptica, admitidos entre junho de 2016 a junho de 2017, na unidade de emergência de um hospital de Porto Alegre/RS.

Resultados:  Prevalência do relato de taquipneia (33,5%) e/ou febre (27,2%) como sinais inflamatórios, estando febre relacionada à leucocitose (P=0,030). Crianças/adolescentes tiverem crises menos frequentes (P=0,010) ede origem febril (P=0,000). Adultos apresentaram maior número de eventos (P=0,006), provocados por medicações/intoxicações (P=0,000). Nos idosos, crises ocorreram por distúrbios metabólicos/circulatórios (P=0,000), com menor ocorrência de febre (P=0,005).

Conclusão:  Crises epilépticas estão relacionadas à presença de febre e taquipneia, apresentando diferentes etiologias conforme faixa etária, com maior frequência de ocorrência entre adultos. Febre está relacionada à leucocitose, independentemente da idade.

Palavras-chave: Convulsões; Enfermagem em emergência; Inflamação; Serviços médicos de emergência

ABSTRACT

Objective:  To evaluate inflammatory signs presented in medical records of patients with a main diagnosis of epileptic seizures, admitted in an emergency unit.

Method:  Cross-sectional and retrospective study. The sample was composed of 191 medical records, from children, adolescents, adults, and elders, with a clinical diagnosis of epileptic seizures, admitted between June 2016 and June 2017 at the emergency unit of a hospital in Porto Alegre/RS.

Results:  The prevalent inflammatory signs were tachypnea (33.5%) and/or fever (27.2%) associated with leukocytosis (P=0.030). Children/adolescents had seizures less frequently (P=0.010) and these were due to fever (P=0.000). Adults presented seizures more frequently (P=0.006), which were related to medication/intoxication (P=0.000). In elders, seizures occurred due to metabolic or circulatory abnormalities (P=0.000), less often due to fever (P=0.005).

Conclusion:  Seizures are related to fever and tachypnea, being caused by different etiologies according to age, being more frequent in adults. Fever is related to leukocytosis, regardless of age.

Keywords: Seizures; Emergency nursing; Inflammation; Emergency medical services

RESUMEN

Objetivo:  Evaluar signos inflamatorios registrados en prontuarios de pacientes con diagnóstico principal de crisis epilépticas, admitidos en unidad de emergencia.

Método:  Estudio transversal, retrospectivo. Muestra compuesta por 191 prontuarios de pacientes pediátricos, adolescentes, adultos y ancianos, diagnosticados con crisis epilépticas, admitidos entre junio de 2016 a junio de 2017 en unidad de emergencia de un hospital de Porto Alegre/RS.

Resultados:  Prevalencia del taquipnea (33,5%) y/o fiebre (27,2%) como signos inflamatorios, fiebre relacionada a leucocitosis (P=0,030). Niños/adolescentes tienen crisis menos frecuentes (P=0,010) de origen febril (P=0,000). Los adultos presentaron mayor número de eventos (P=0,006), provocados por medicamentos/intoxicaciones (P=0,000). En ancianos, crisis ocurrieron debido a disturbios metabólicos/circulatorios (P=0,000),menor ocurrencia de fiebre (P=0,005).

Conclusión:  Crisis epilépticas están relacionadas a fiebre y taquipnea, presentando diferentes etiologías según grupo de edad, con mayor ocurrencia entre adultos. Fiebre relacionada con el leucocitosis, independientemente de la edad.

Palabras clave: Convulsiones; Enfermería de urgencia; Inflamación; Servicios médicos de urgencia

INTRODUÇÃO

A epilepsia é uma doença neurológica que acomete cerca de cinquenta milhões de pessoas em todo mundo. As crises epilépticas são caracterizadas por uma alteração paroxística de função cerebral, resultante de descargas elétricas anormais dos neurônios. Clinicamente, podem se manifestar de várias formas: alteração ou perda de consciência, atividade motora anormal, alterações comportamentais, distúrbios sensoriais, manifestações autonômicas ou outras, de acordo com a área do cérebro afetada. As seguintes condições são citadas como etiologia das crises epilépticas: acidente vascular cerebral isquêmico, doenças parasitárias, traumatismos crânio-encefálicos, neoplasias, malformação vascular cerebral, inflamação, entre outras causas1.

A Commission on Classification and Terminology, pertencente à International League Against Epilepsy (ILAE) tem classificado formas de crises epilépticas e de epilepsia. Atualmente, a classificação simplificada adotada pela ILEA segmenta as crises epiléticas em crises de início focal, início generalizado, início desconhecido ou crise não classificada1.

Tanto na epilepsia como em outras doenças neurológicas como Doença de Parkison, Alzheimer, escleroses e isquemia cerebral há evidência de elevada quantidade de mediadores inflamatórios em tecidos cerebrais, mostrando o papel da inflamação na fisiopatologia de tais injúrias2. Inflamação é todo o complexo de alterações teciduais sofridas pelo organismo devido a alguma lesão causada por bactérias, traumas, agentes químicos ou qualquer outro fenômeno. Essas alterações envolvem a liberação de diversas substâncias pelos tecidos danificados, as quais são capazes de provocar alterações nos tecidos adjacentes não lesionados3.

São várias as manifestações clínicas do processo inflamatório, sendo a febre o primeiro sinal de inflamação sistêmica, podendo ocorrer também aumento da frequência cardíaca (>90 batimentos/min) e da frequência respiratória (>20 movimentos/min ou Pressão parcial de dióxido de carbono - PaCO2<32 mmHg)4.

A observação dos sinais e sintomas típicos do processo inflamatório e a realização de exames laboratoriais são de grande importância para a avaliação do processo convulsivo, tanto no acompanhamento do paciente diagnosticado com epilepsia, como para aquele que sofre o primeiro episódio convulsivo. Os exames laboratoriais auxiliam na tomada de decisão clínica, especialmente quando a crise epiléptica ocorreu em ambiente extra-hospitalar, não sendo observada por profissionais habilitados. A contagem de leucócitos e mensuração da Proteína C Reativa (PCR) são frequentemente utilizadas para monitorar o perfil inflamatório do organismo e a efetividade da terapia anti-inflamatória. Outros exames como a Velocidade de Hemossedimentação (VHS) e níveis séricos de Ferritina e Ferro são influenciados pela presença do processo inflamatório. A hemocultura, quando positiva, pode indicar o fator etiológico responsável pelo aumento do perfil inflamatório no paciente5.

Clinicamente, na epilepsia e nas crises epilépticas, o papel da inflamação na fisiopatologia é hipotético; entretanto o processo inflamatório pode atuar tanto no início de uma crise como na manutenção de um processo epileptogênico. Evidências palpáveis da existência de uma relação entre crises epilépticas e processo inflamatório já foram encontradas, tais como: boa resposta clínica ao uso de fármacos anti-inflamatórios como terapia coadjuvante nos casos de epilepsia refratária aos tratamentos convencionais; presença de marcadores inflamatórios em tecidos cerebrais de pacientes; vínculo de respostas imunes anormais com convulsões; e o fato de que febre e infecções comuns podem gerar crises epilépticas6.

Não há estudos que especifiquem os sinais e sintomas relacionados ao processo inflamatório em pacientes com histórico de crise epiléptica, sendo esta uma lacuna a ser explorada. Deste modo, conhecer as manifestações clínicas e laboratoriais e os processos indutores de crises epilépticas pode favorecer a realização de ações assistenciais que atendam às necessidades dos pacientes, com base nas suas queixas clínicas, evidências laboratoriais e história clínica prévia.

Considerando que o entendimento dos sinais e sintomas relacionados ao processo inflamatório em pacientes com histórico de crise epiléptica possibilita a assistência de enfermagem qualificada, este estudo se norteou pela pergunta: como se manifestam os sinais inflamatórios em pacientes em crise epiléptica?

Pata tanto, este estudo teve como objetivo avaliar os sinais inflamatórios registrados em prontuários de pacientes com diagnóstico principal de crise epiléptica, admitidos em unidade de emergência.

MÉTODO

Estudo transversal, quantitativo e retrospectivo. A população do estudo se constituiu pela listagem de 270 pacientes admitidos no setor de emergência de um hospital geral da região Sul do Brasil, no período de junho de 2016 a junho de 2017, com diagnóstico principal de crise epiléptica. Tal listagem foi concedida pelo setor de informática do referido hospital. Os critérios de inclusão foram: pacientes pediátricos, adolescentes, adultos e idosos, com diagnóstico clínico de crise epiléptica (conforme diagnósticos médicos), e que possuíam registro eletrônico da evolução do enfermeiro ou do médico como primeiro atendimento no setor de emergência.

Para o cálculo amostral, considerou-se erro de 4%, intervalo de confiança de 95% e perda de 20%, sendo estimada uma amostra com 197 prontuários. Destes, 6 (seis) prontuários foram excluídos por não apresentarem registro eletrônico do atendimento feito por enfermeiro ou médico, e, sim, por demais profissionais da saúde, totalizando uma amostra final de 191 prontuários de pacientes, conforme critérios de inclusão.

Os dados foram coletados em agosto de 2017, retrospectivamente, a partir dos registros nos prontuários eletrônicos dos pacientes internados na unidade de emergência do referido hospital. Os registros feitos por médicos e enfermeiros nas primeiras 48 horas de internação do paciente foram considerados, sendo excluídos registros manuais e aqueles realizados após a transferência do paciente para outra unidade hospitalar.

Os prontuários foram disponibilizados pelo Serviço de Arquivamento Médico e Estatístico (SAME) da instituição, conforme ordenação da listagem concedida pelo setor de informática. Os dados foram extraídos dos prontuários e repassados para um instrumento que continha as variáveis do estudo.

As variáveis do estudo relacionadas ao paciente (idade, sexo, cor autodeclarada, procedência e anos de estudo), à crise epiléptica (diagnóstico prévio, tipo, número de episódios em 24 horas, comprometimento da consciência e etiologia), à terapia de uso domiciliar (farmacológica, e não farmacológica como o uso de chás e práticas alternativas e complementares),aos sinais inflamatórios (febre - igual ou superior a 37,8ºC, alteração da frequência respiratória, ingurgitamento ganglionar, presença de lesões teciduais, secreções contaminadas, e alterações laboratoriais como: leucocitose, ativação da PCR, aumento do VHS e hemocultura positiva) e aos diagnósticos clínicos secundários foram analisadas. Para idade, classificou-se os indivíduos em crianças/adolescentes (até 17 anos, 11 meses e 29 dias), adultos (18 anos até 59 anos, 11 meses e 29 dias) e idosos (60 anos ou mais). Para considerar alterações da frequência respiratória e dos exames laboratoriais foram respeitadas as faixas etárias da amostra.

O pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 18.0 foi utilizado para tabulação dos dados. Os resultados foram expressos em frequência, média e desvio padrão, mediana e intervalo interquartil (25-75). Para a análise estatística, foi utilizado o teste de Qui-quadrado (P<0,05).

Foram assegurados os preceitos éticos e legais de pesquisa, conforme Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2012). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição envolvida com CAAE nº 67897617.4.0000.5327.

O estudo foi originado do trabalho de conclusão de curso7 intitulado “Sinais inflamatórios e crise epiléptica em pacientes admitidos em unidade de emergência".

RESULTADOS

A amostra foi composta por 191 prontuários de pacientes com diagnóstico clínico principal de crise epiléptica.

Houve predomínio do sexo masculino, cor autodeclarada branca, provenientes da capital e com ensino fundamental incompleto. A média da idade dos pacientes foi de 40 (8-65) anos. Não houve associação entre o tipo de crise convulsiva ou entre número de crises em 24 horas com as características sociodemográficas avaliadas (P>0,05). A caracterização sociodemográfica da amostra está descrita na Tabela1.

Tabela 1 -
Caracterização sociodemográfica de pacientes com diagnóstico clínico principal de crise epiléptica, admitidos em unidade de emergência de um hospital da região Sul do Brasil, conforme registro em prontuário. Porto Alegre, RS, Brasil, 2017

Crises epilépticas em internações anteriores foram descritas em 127 (66,4%) prontuários de pacientes, destes 57 (29,8%) possuíam diagnóstico de epilepsia com tratamento farmacológico prescrito e em uso domiciliar.

A internação na unidade de emergência devido a primeira crise epiléptica ocorreu em 63 (32,9%) pacientes, com diferença significativa para idosos (≥60anos) quando comparados às crianças/adolescentes e aos adultos (P=0,010).

Quanto ao tipo de crise epiléptica, o tipo crise generalizada foi registrada em 110 (57,5%) prontuários, seguido por crises focais com ocorrência em 30 (15,7%) casos. O tipo de crise generalizada tônico-clônica ocorreu em 77 (40,3%) pacientes.

O comprometimento da consciência durante a ocorrência da crise epiléptica foi descrito em 113 (84%) prontuários, sendo relacionado à ocorrência de crises generalizadas (P=0,000).

A ocorrência de 1-2 crises epilépticas nos pacientes em um período de 24 horas foi descrita em 154 (80,6%) prontuários, com prevalência entre crianças/adolescentes (P=0,006). A ocorrência de 3-4 crises epilépticas foi registrada em 30 (15,7%) pacientes, predominando em adultos (P=0,006). Do total da amostra, 7 (3,7%) pacientes apresentam sete ou mais crises epilépticas no período de 24 horas.

Quanto à etiologia da crise epiléptica, houve prevalência de causas estruturais do Sistema Nervoso Central (SNC) em 59 (30,9%) prontuários; destes, o diagnóstico de epilepsia foi a causa da crise epiléptica em 39 (66,1%) casos e as neoplasias/metástases em 19 (32,2%) casos. Outras etiologias de crise epiléptica, foram: distúrbios circulatórios e infecções/infestações ou ambos em 26 (13,8%), distúrbios metabólicos em 11 (5,8%) e ocorrência de febre em 17 (9,0%) prontuários. Os principais distúrbios metabólicos responsáveis por desencadear crises epilépticas, foram: hipocalcemia, uremia e insuficiência hepática. A febre foi o fator etiológico de crise epiléptica mais prevalente nas crianças/adolescentes, enquanto que nos idosos foram os distúrbios metabólicos/circulatórios, e nos adultos as medicações/intoxicações e agentes psicoativos (P=0,000). Dentre os distúrbios circulatórios, o registro de acidente vascular encefálico foi referido em 20 (76,9%) prontuários, seguido por hipóxia encefálica, encefalopatia hipertensiva, hemorragia intracraniana e outras patologias que somam 6 (23,1%) casos.

A terapia farmacológica em uso domiciliar foi relatada em 146 (76,4%) prontuários. Destes, os anticonvulsivantes foi o grupo de fármacos com maior registro, sendo relatado em 108 (73,9%) casos. Não foi encontrado registro de tratamento não farmacológico nos prontuários (Tabela 2). O uso prévio de anticonvulsivantes não alterou o número de crises epilépticas em 24 horas (P=0,290). Além disso, não houve diferença quanto ao tipo de crise e terapia farmacológica de uso domiciliar (P=0,355).

Tabela 2 -
Terapia farmacológica associada e de uso domiciliar, utilizada por pacientes com diagnóstico clínico principal de crise epiléptica, admitidos em unidade de emergência de um hospital da Região Sul do Brasil, conforme registro em prontuário. Porto Alegre, RS, Brasil, 2017

Dentre os sinais inflamatórios apresentados, taquipneia foi o mais prevalente, tendo sido registrado em 64 (33,5%) prontuários. Bradicardia foi registrada em 1 (0,5%) prontuário e, tendo sido registrada eupneia nos demais 125 (66%). A presença de febre foi registrada em 52 (27,2%) prontuários e normotermia em 139 (72,8%), sendo que a presença de febre não foi associada a crise em idosos (P=0,003). Houve registro de convulsão febril em 17 (32,7%) casos. Registro de lesões teciduais esteve presente em 11 (5,8%) prontuários e secreções contaminadas em 29 (15,2%). A presença de sinais inflamatórios não esteve associada à terapia farmacológica de uso domiciliar (P>0,05). Dos sinais inflamatórios registrados nos prontuários, houve prevalência de taquipneia e/ou febre em prontuários de pacientes autodeclarados negros, em comparação a brancos e pardos (P=0,031).

O leucograma foi o exame laboratorial mais realizado, seguido pelo teste de determinação quantitativa de PCR e pelo teste de VSH. Outros exames laboratoriais solicitados foram a hemocultura e níveis séricos de Ferritina e/ou Ferro. Dos pacientes que realizaram leucograma, 64 (33,5%) apresentaram leucocitose, estando a mesma associada à presença de febre (P=0,022). Os resultados dos exames laboratoriais estão expressos na Tabela 3.

Tabela 3 -
Exames laboratoriais realizados para pacientes com diagnóstico clínico principal de crise epiléptica, admitidos em unidade de emergência de um hospital do sul do Brasil, conforme registro em prontuário. Porto Alegre, RS, Brasil, 2017

Do total da amostra, 122 (63,9%) prontuários tinham registro de diagnósticos secundários prévios, além de crise epiléptica. Destes diagnósticos, os mais prevalentes foram: Hipertensão Arterial Sistêmica e Diabetes Mellitus, com 66 (34,5%) e 25 (13%) registros, respectivamente. Outras patologias registradas incluem: hipotireoidismo (8 - 4,1%), asma (5 - 2,6%), doenças neurodegenerativas (seis - 2,6%) e obesidade (6 - 2,6%). Nenhum diagnóstico prévio secundário registrado foi relacionado ao aumento do número de crises em 24 horas ou a um tipo específico de crise (P>0,05).

DISCUSSÃO

Os sinais inflamatórios prevalentes nos pacientes diagnosticados com crise epilética admitidos na unidade de emergência foram taquipneia e/ou febre, estando febre relacionada à leucocitose. Houve predomínio de adultos do sexo masculino, cor autodeclarada branca e provenientes da capital.

Crianças/adolescentes tiverem menor número de crises em 24 horas causadas principalmente por febre; enquanto adultos tiveram maior número de crises, e idosos menor ocorrência de febre. Em adultos, a principal etiologia das crises foi medicações/intoxicações. A admissão na unidade de emergência por primeiro diagnóstico de crise epiléptica foi prevalente em idosos, sendo distúrbios metabólicos/circulatórios a etiologia associada. Quanto à perda da consciência, houve relação deste desfecho com crises generalizadas.

Quanto aos resultados de exames laboratoriais característicos do processo inflamatório houve ativação da PCR, leucocitose e aumento na VHS, entretanto sem associação com presença de febre ou taquipneia.

Registros de sinais inflamatórios em prontuários de pacientes com diagnóstico principal de crise epiléptica permitiram a identificação do perfil demográfico dos pacientes que são atendidos em unidade de emergência: ambos os sexos, diversidade de faixas etárias, oriundos da capital, cor autodeclarada branca e baixa escolaridade.

Diagnóstico prévio de epilepsia foi predominante na admissão dos pacientes por crise epiléptica, evidenciando uma dificuldade existente no controle de novas crises epilépticas em pacientes com história clínica. Dentre as faixas etárias estudadas, pacientes acima de 65 anos foram os que mais apresentaram crise epiléptica sem ter histórico clínico prévio, isto se deve aos processos fisiológicos do envelhecimento, sendo esta população muito acometida por crises epilépticas8.

Houve comprometimento da consciência nos casos de crises generalizadas, desfecho que pouco ocorreu nas crises parciais. Corroborando com este resultado e, conforme a classificação simplificada adotada pelo ILEA para crises epilépticas e de epilepsia, há comprometimento da consciência na grande maioria dos casos de crise convulsiva generalizada, e em alguns casos de crise epiléptica focal1.

A principal etiologia da crise epiléptica foi por alteração estrutural do SNC (epilepsias e neoplasias). Estudo que descreveu a prevalência causal de crises epilépticas em idosos mostrou que a epilepsia e crise epiléptica têm associação etiológica com acidente vascular cerebral, neoplasias e demências9.

Além de alteração estrutural do SNC, também foi descrita a ocorrência de crises epilépticas de etiologia metabólica e vascular nos idosos. Tal resultado corrobora com artigo de revisão sobre diagnóstico e tratamento da epilepsia na velhice10, no qual os autores descrevem que a causa mais comum é a doença cerebrovascular.

Nos adultos houve predominância de crises epilépticas causadas por medicações/intoxicações e pelo uso de drogas lícitas e ilícitas, o que pode ser explicado pela maior exposição deste grupo a estas substâncias. Tal suposição vem ao encontro de estudo que identificou o perfil dos usuários de crack e/ou similares na população brasileira onde foi visto que os usuários são, na maioria, adultos jovens, com média da idade de 30,3 anos11.

Crises epilépticas ocorridas em 24 horas em crianças/adolescentes são menos frequentes do que as ocorridas em adultos e idosos, independente da etiologia. Além disso, febre foi causa prevalente para as crises epilépticas em crianças/adolescentes. Em crianças, o fato de episódios de febre causarem crises epilépticas pode ser explicado pela maior sensibilidade do SNC nesta faixa etária, tornando essa população mais suscetível à crise epiléptica febril. Esse é um diagnóstico benigno e autolimitado, afetando de 2% a 5% das crianças e desencadeado por fatores genéticos e ambientais12. Deste modo, pode-se inferir que o número de episódios de crise epiléptica pode sofrer redução perante o tratamento da causa, ou seja, da febre.

Febre e taquipneia foram descritas na maioria dos prontuários da amostra, sendo estes, sinais inespecíficos, que podem ocorrer em diversas patologias, inclusive precedendo a ocorrência de crises epilépticas em pacientes epilépticos. A relação entre a ocorrência de febre em concomitância com leucocitose, durante e após a crise epiléptica, encontrada no presente estudo, já foi demonstrada12. Os autores descreveram aumento da temperatura corporal e leucocitose como respostas inflamatórias induzidas por convulsões em pacientes com diagnóstico de crise epiléptica. No mesmo estudo, a incidência de febre e leucocitose de forma simultânea ocorreu em 9,4% da amostra, sendo sinais inflamatórios de maior prevalência, dentre outros13.

Episódios de febre foram infrequentes entre os idosos deste estudo. A não ocorrência de febre nos idosos é um resultado esperado nesta faixa etária, pois sinais típicos como febre e leucocitose podem estar ausentes em decorrência do processo fisiopatológico do envelhecimento14.

A ocorrência de taquipneia durante um episódio de crise epiléptica pode se dar devido a alterações metabólicas (liberação de catecolaminas e prolactina) que ativam o sistema nervoso simpático à contração muscular e consequente aumento da necessidade de oxigênio local. Esse processo é compensado por mecanismos temporários, podendo haver aumento da frequência respiratória15.

Em um dos prontuários da amostra foi descrito ingurgitamento ganglionar, e poucos registravam as condições da pele. Considerando que ingurgitamento ganglionar e lesões de pele estão relacionados à inflamação, a falta desses registros impossibilitou a análise mais abrangente sobre o processo inflamatório, restringindo-a aos sinais de taquipneia e febre. Estudo recente relata inconformidade nos dados de prontuário sem 61% das evoluções médicas e 65% dos registros da equipe de enfermagem, demonstrando que o registro incompleto, por vezes, é comum nas instituições de saúde16.

Como patologias concomitantes encontradas nos prontuários, destacaram-se: hipertensão arterial sistêmica e Diabetes Mellitus. A hipertensão arterial sistêmica está associada à inflamação, embora a relação entre ambas não seja clara. O Diabetes Mellitus é caracterizado como uma manifestação da resposta inflamatória do organismo, reforçando a estreita ligação entre o processo inflamatório e esta patologia17.

A maioria dos pacientes em que a PCR foi avaliada possuíam ativação dessa proteína, sem relação com o tipo de crise epiléptica. Já está relatado que a ocorrência de convulsões motoras frequentes e generalizadas está correlacionada a níveis elevados de PCR18.

O uso domiciliar de terapia farmacológica foi descrito em muitos prontuários, sendo os anticonvulsivantes o grupo mais utilizado. O uso da terapia farmacológica em pacientes diagnosticados com epilepsia tem o intuito de propiciar ao paciente um estilo de vida o mais próximo da normalidade, de preferência livre de crises e com mínimos efeitos colaterais da medicação. Entretanto, em muitos casos, o paciente permanece tendo crises apesar do uso de anticonvulsivantes prescritos, prejudicando suas atividades diárias19. Não foram encontrados registros de uso de terapia não farmacológica, tais como métodos alternativos/complementares, como coadjuvantes no tratamento da epilepsia no presente estudo.

A compreensão dos processos inflamatórios relacionados à crise epiléptica, a partir dos registros de profissionais de saúde em prontuários, possibilitou identificar o perfil dos pacientes admitidos em unidade de emergência por crise epiléptica e as características desta patologia. Entretanto, o presente estudo apresenta como limitação o fato de ter sido realizado em uma única instituição, apesar de a mesma ser referência na região Sul do Brasil. Estudos que viabilizem coletas multicêntricas seriam necessários para reafirmar os resultados encontrados.

Os resultados deste estudo podem colaborar para o melhor entendimento dos mecanismos fisiopatológicos da crise epiléptica, pois a relação entre crise epiléptica e processo inflamatório ainda é pouco conhecida, podendo ser melhor explorada.

CONCLUSÕES

O estudo mostrou haver prevalência de taquipneia e febre como sinais inflamatórios, estando febre relacionada à leucocitose. Alterações estruturais do SNC, seguido por distúrbios circulatórios, infecções/infestações, distúrbios metabólicos e febre foram causas de crise epiléptica na amostra estudada, cuja prevalência diferiu conforme faixa etária. Nesse sentido, crianças/adolescentes são mais acometidas por crises epilépticas febris, adultos por crises relacionadas a medicações/intoxicações e uso de drogas lícitas e ilícitas, e idosos por crises relacionadas a distúrbios metabólicos/circulatórios. Em idosos a presença de febre não foi um sinal inflamatório preponderante. O número de crises epilépticas em 24 horas foi diferente entre os grupos etários, sendo que os adultos tiveram maior número de episódios. Estes resultados contribuem para o entendimento da relação entre sinais inflamatórios e crise epiléptica, ainda pouco conhecida. O conhecimento do profissional da saúde quanto aos sinais inflamatórios (taquipneia e febre), alterações no leucograma e fator causal da crise epiléptica, conforme faixa etária, contribui na busca de estratégias na prevenção de novas crises, qualificando a assistência e proporcionando o cuidado individualizado ao paciente.

Agradecimentos

Fundo de Incentivo à Pesquisa e Eventos (FIPE) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2019
  • Aceito
    27 Jun 2019
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