Open-access Saúde mental infanto-juvenil: o cuidado em municípios de pequeno porte

Children and adolescents mental health: the care in the small sized-cities

Salud mental infanto-juvenil: el atención en municipios pequeños

Resumo

Esta pesquisa apresenta as estratégias de cuidado em Saúde Mental Infanto-Juvenil (SMIJ) no município de Guamiranga, localizado na região centro sul do estado do Paraná. Buscamos compreender quais as estratégias utilizadas, a partir das experiências dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), para identificar e acompanhar crianças que possuem demandas de cuidados em saúde mental. Dividiu-se em três momentos: acompanhamento das visitas domiciliares, um grupo focal com as ACS e a análise e sistematização dos dados a partir da Análise Institucional. Entendemos que para produzir o cuidado nesta rede complexa da SMIJ, é preciso superar a lógica da pessoalização, do especialismo e o modelo da medicalização, tensionando este modelo de cuidados para que a SMIJ se faça presente na agenda política do município. Um cuidado que precisa ser pautado na lógica da corresponsabilização e intersetorialidade, para que não fique colado na educação como o lugar responsável por essas questões.

Palavras-chave: saúde mental infanto-juvenil; municípios de pequeno porte; agentes comunitários de saúde; atenção primária à saúde

Abstract

This research presents the care strategies in Child and Adolescent Mental Health (SMIJ) in the municipality of Guamiranga, located in the south-central region of the state of Paraná. We seek to understand which strategies are used, based on the experiences of Community Health Agents (CHA), to identify and monitor children who have demands for mental health care. This research was divided into three stages: accompanying home visits, a focal group with CHAs and an analysis and data systematization utilizing Institucional Analysis. We understand that in order to produce this complex care network for CAMHC, it´s necessary to overcome the logic of personification, especialization and medicalization in the hopes that this care model for the CAMHC becomes a part of the political agenda of the city. The care needs to be based on the logic of co-responsibility and intersectoriality so that it´s not set on education as the place responsible for these issues.

Keywords:  children and adolescents mental health; small-sizes cities; community health agents; primary health care

Resumen

Esta investigación presenta las estrategias de atención en Salud Mental Infanto-Juvenil (SMIJ) en el municipio de Guamiranga, situado en la región centro-sur del estado de Paraná. Se buscó conocer qué estrategias se utilizan, a partir de las experiencias de los Agentes Comunitarios de Salud (ACS), para identificar y acompañar a los niños que tienen demandas de atención en salud mental. Se dividió en tres momentos: el seguimiento de las visitas domiciliarias, un grupo focal con las ACS y el análisis y sistematización de los datos desde el Análisis Institucional. Entendemos que, para producir atención en esta red compleja del SMIJ, es necesario superar la lógica de la personalización, la especialización y el modelo de medicalización, tensionando ese modelo de atención para que el SMIJ esté presente en la agenda política del municipio. Una atención que debe guiarse por la lógica de la corresponsabilidad y la intersectorialidad, para no quedarse estancada en la educación como lugar responsable de estas cuestiones.

Palabras clave:  salud mental infanto-juvenil; municipios pequeños; agentes comunitarios de salud; atención primaria en salud

Introdução

“Pouco se conhece as ressonâncias da Política Nacional de Saúde Mental na maioria dos municípios, em especial nos de pequeno e médio porte” (LUZIO; L’ABBATE, 2009, p. 106). Com relação ao Brasil, “a atual Política de Saúde Mental é resultado da mobilização de usuários, familiares e trabalhadores com o objetivo de mudar a realidade dos manicômios onde viviam mais de 100 mil pessoas com transtornos mentais” (BRASIL, 2013, p. 21). Com isso, foi a partir do final da década de 1970 que ocorreu uma mudança do modelo de atenção no campo de saúde mental, a chamada Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB).

O movimento da RPB “compreende um conjunto de transformações de práticas, de saberes, de valores culturais e sociais” (LAURIDSEN-RIBEIRO; TANAKA, 2012), que proporcionou a criação de uma lei específica para as pessoas com transtornos mentais1 e introduziu um novo modelo de cuidados no âmbito das políticas públicas, trazendo mudanças na forma como os serviços são estruturados. No entanto, assim como mostra Amarante (2007), a reestruturação dos serviços não deve ser o objetivo em si da RPB, mas sim a consequência, pois é preciso superar esta visão que reduz o processo à mera reestruturação de serviços e transformar as mentalidades, os princípios, as atitudes, as estratégias e as relações sociais.

A Constituição Federal de 1988 e a Lei 8.080 de 1990 são marcos legais para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e preveem que a saúde é um direito fundamental de todo ser humano, inclusive crianças e adolescentes. Neste momento, podemos dizer que a saúde da infância e adolescência entram na agenda do Estado, ou seja, no final da década de 80 coloca-se essa questão como uma problemática de responsabilidade do Estado. Em 1990 é aprovado e instituído o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que dispõe sobre a proteção integral dessa população, garantindo-lhes todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e, conforme o Art. 2º, considera criança a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

Esses direitos, instituídos com o ECA, integram o campo da saúde mental infanto-juvenil, pois trazem consigo “uma nova doutrina, a da proteção integral, que vem para superar a ideia do assistencialismo do Estado voltado para o controle e o asilamento de crianças e adolescentes” (BRASIL, 2014, p. 11).

A saúde mental infanto-juvenil como construção de uma política pública é posterior à intervenção do Estado junto a essa população, acontecendo de forma efetiva apenas no século XXI. A partir de então, foram sendo instalados e construídos espaços para a luta e implementação de ações voltadas para esse público. Em 2001, com a implantação do Fórum Nacional de Saúde Mental Infanto-Juvenil (BRASIL, 2005) na III CNSM; em 2002, com a formalização do CAPSi (BRASIL, 2014); em 2005, com o documento Caminhos para uma política de saúde mental infanto-juvenil (BRASIL, 2005) do Ministério da Saúde; em 2012, com a importância da intersetorialidade trazida pela IV CNSM (BRASIL, 2005) e em 2014, com o documento Atenção psicossocial a crianças e adolescentes no SUS: tecendo redes para garantir direitos (BRASIL, 2014) do Ministério da Saúde. Assim, o lugar da saúde mental infanto-juvenil foi sendo pautado na agenda política do país, buscando transformar as antigas práticas de assistência filantrópica.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), apenas 7% dos países contam com políticas explícitas para a atenção em saúde mental da infância (LAURIDSEN-RIBEIRO; TANAKA, 2012). É relevante explicitar que “os problemas de saúde mental acometem uma em cada cinco crianças/adolescentes e que os problemas de saúde mental da infância sem tratamento adequado perduram até a idade adulta” (LAURIDSEN-RIBEIRO; TANAKA, 2012). Evidenciamos a importância da intervenção tão logo o sofrimento comece a aparecer, assim abrem-se espaços para intervenções que podem contribuir para o não agravamento do adoecimento em períodos posteriores da vida.

Atualmente, o dispositivo responsável por organizar a rede de atenção em saúde mental, tanto adulto quanto infanto-juvenil, é o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), e uma de suas modalidades é o CAPSi (infantil), voltado para crianças e adolescentes com transtornos mentais graves e persistentes, que fazem uso de crack, álcool e outras drogas, sendo um serviço aberto e de caráter comunitário indicado para municípios ou regiões com população acima de 150 mil habitantes (BRASIL, 2011).2 É a implantação do CAPSi e o estabelecimento de diretrizes para a articulação intersetorial da saúde mental com outros setores públicos que constituem, atualmente, os pilares da saúde mental pública para crianças e adolescentes (COUTO; DUARTE; DELGADO, 2008). De acordo com Lauridsen-Ribeiro e Tanaka (2012, p. 159), “quando não há CAPSi no município é importante identificar (ou construir) equipe especializada em saúde mental infantil para dar retaguarda às ações voltadas a esta faixa etária”.

Segundo os dados do IBGE (2014), o Brasil possui um total 5.570 municípios, e estes são classificados de acordo com o porte populacional da seguinte maneira: até 50 mil habitantes são considerados municípios de pequeno porte I, entre 50 e 100 mil habitantes são considerados municípios de pequeno porte II, entre 100 e 500 mil habitantes são considerados municípios de médio porte, e mais de 500 mil habitantes são considerados municípios de grande porte.

Segundo o informativo eletrônico Saúde Mental em Dados (BRASIL, 2015), o número de CAPSi no Brasil equivale a 201, e no Paraná (Estado onde a pesquisa foi realizada), são 11 serviços implantados. Como pode ser observado na tabela acima, mais de 94% dos municípios brasileiros são considerados de pequeno porte, e cerca de 4% dos municípios estão de acordo com a legislação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), podendo realizar a implantação do CAPSi. Com isso, a grande maioria desses municípios precisam contar com ações substitutivas ao principal dispositivo de cuidado em saúde mental infanto-juvenil, isto é, o CAPS.

Tabela 1
Porte Populacional

Em consonância com Sinibaldi (2013) e Rizzini (2005), entendemos que é necessário problematizar os cuidados dispensados historicamente à população infanto-juvenil, pois o Brasil possui uma longa tradição de internação de crianças e adolescentes em instituições asilares, e essa cultura de institucionalização do cuidado dispensado na área da saúde mental ainda está presente nesse campo. As ações relacionadas à Saúde Mental Infanto-Juvenil (SMIJ) foram, no país, delegadas aos setores educacional, de assistência social e às instituições filantrópicas, pelo fato de o setor público não estar se responsabilizando por esses cuidados (COUTO; DUARTE; DELGADO, 2008; FREITAS, 2006).

No âmbito do SUS, a Equipe de Estratégia de Saúde da Família (ESF) caracteriza-se como uma equipe responsável por organizar o cuidado na Atenção Primária à Saúde (APS) e destina-se ao cuidado das famílias que fazem parte do território de abrangência da Unidade Básica de Saúde (UBS), composto por um médico, um enfermeiro, um técnico de enfermagem e quatro agentes comunitários de saúde (ACS). “A APS tem como um de seus princípios possibilitar o primeiro acesso das pessoas ao sistema de saúde, inclusive daquelas que demandam um cuidado em saúde mental” (BRASIL, 2013, p. 19). Logo, é relevante entender a articulação entre os sujeitos que a compõem e suas estratégias de cuidado, pois também deve ser a porta de entrada para as questões em SMIJ. Assim, por meio principalmente das visitas domiciliares (VD), compreendemos que o ACS é o profissional da equipe que mais tem proximidade com a comunidade.

Portanto, entendemos que é importante compreender quais ações estão sendo realizadas para manejar as demandas dos municípios onde não há dispositivos específicos para a saúde mental infanto-juvenil, para assim possibilitar a reflexão acerca dos cuidados e estratégias que podem ser utilizados junto a esta população. Assim sendo, este trabalho teve o objetivo de compreender quais são as estratégias utilizadas pelos agentes comunitários de saúde (ACS) de um município de pequeno porte para identificar e acompanhar crianças que possuem demandas de cuidados em saúde mental a partir do referencial teórico da Análise Institucional (AI).

O percurso da pesquisa

Esta pesquisa é caracterizada pela abordagem qualitativa e “trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes” (MINAYO, 2008). É guiada pelo referencial teórico da Análise Institucional (AI), que, de acordo com L’Abbate (2012, p. 198), “tem por objetivo compreender uma determinada realidade social e organizacional, a partir dos discursos e práticas dos sujeitos”.

Após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (COMEP) da UNICENTRO, submetendo-se às normas e diretrizes estabelecidas pela resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS, 2012), foi possível iniciar o contato com a secretaria municipal de saúde e com os ACS da Atenção Primária do município, todos do sexo femino. Assim, com a permissão delas, materializada através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), iniciamos o processo de pesquisa.

O campo de intervenção foi o município de Guamiranga, situado na região centro sul do Paraná, com aproximadamente 9 mil habitantes. Segundo os dados do DATASUS,3 há 100% de cobertura das ESF e dos ACS. Neste município há evidências de que são escassas as ações voltadas para a saúde mental infanto-juvenil dentro do âmbito da saúde.4 Com isso, como são as ACS5 um dos profissionais que compõem a ESF e aquelas que mais têm contato com as famílias por meio das Visitas Domiciliares (VD), entendemos que poderiam auxiliar na compreensão de como tem sido abordado o cuidado em saúde mental de crianças e adolescentes na atenção primária em saúde.

Assim sendo, este trabalho surge a partir de questionamentos acerca da existência de demanda por cuidados de saúde mental para crianças e adolescentes, ou seja, elas existem no município? Se existem, como estão sendo identificadas? Se estão sendo identificadas, estão sendo acolhidas ou encaminhadas para os serviços de saúde? Se não estão sendo encaminhadas ou acolhidas pelas UBS, em qual estabelecimento são acolhidas?

Para compreender esta realidade social é preciso revelar as forças que operam neste campo, fazer emergir o novo, a capacidade de inovação, a contestação, rompendo com a lógica de funcionamento enrijecida e, ao mesmo tempo, os modos de pensar e funcionar, a ordem estabelecida, os valores, modos de representação e de organizações consideradas normais (SEVERO; DIMENSTEIN, 2011; LOURAU, 2004).

Para isso, a pesquisa foi realizada em três momentos: “acompanhamento”, “grupo focal” e “sistematização dos dados”. Nesse primeiro momento, foi possível perceber como ocorre o trabalho das ACS a partir do acompanhamento de quatro VD em dias diferentes. Cada agente demonstrou uma forma de operar o cuidado para as questões de SMIJ, as suas concepções em torno do que é a SMIJ, o quanto estão imersas no campo da infância e juventude.

O segundo momento caracterizou-se pela realização de um encontro em grupo, constituído por oito ACS, guiado por um roteiro semiestruturado, construído a partir das questões suscitadas nas VD, com duração de 1 hora, tendo seu áudio gravado para transcrição e que, posteriormente, foi apagado, conforme consta no TCLE.

Essas etapas produziram diversos sentidos e conteúdos que foram utilizados como disparadores para que pudessem emergir seus conhecimentos sobre o tema pesquisado, além de reunir sentimentos, atitudes, percepções e opiniões com relação às questões de SMIJ.

A inserção na realidade desse contexto é vista de maneira processual, pois o tempo todo estamos em processo, em obra, o sujeito e o objeto se fazem juntos, e o tema da pesquisa aparece com o pesquisar (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2009). Assim, à medida que a pesquisa foi sendo desenvolvida, a partir dos relatos das agentes por meio das VDs e do grupo focal, percebemos que era necessário nos inserirmos no campo da educação para compreender algumas questões. Foi possível perceber que a escola e a APAE possuem um papel importante no cuidado em SMIJ no município, demonstrando que o território em questão carrega uma história, possui práticas de cuidado que operam conforme organizações próprias deste contexto. Com isso, entramos em contato com a pedagoga da prefeitura, responsável por todas as escolas do município e que também realiza a coordenação da APAE, e realizamos uma entrevista.

Esses momentos foram registrados em um diário de campo e utilizados como material de análise, pois esse instrumento, como enfatiza Lourau (1993), permite o conhecimento da vivência cotidiana de campo, não o “como fazer” das normas, mas o “como foi feito” da prática, além de reconstituir a história subjetiva do pesquisador.

O terceiro momento caracterizou-se pela sistematização dos dados produzidos em todo o percurso da pesquisa, isto é, pela organização e reflexão destes e do diário de campo, analisando o processo vivenciado, perpassado pela análise de implicação.

A análise institucional, como explica Lourau (2004), se propõe a descobrir o “não dito”, a face escondida das instituições, pois estas não são somente os objetos ou as regras visíveis na superfície das relações sociais. Não se trata de interpretar ou construir um discurso explicativo, mas de decompor, de trazer à luz os elementos que compõem (LOURAU, 2004) a instituição, como, por exemplo, por meio de linhas de análise.

Desse modo, foi possível encontrar quatro linhas de análise para discorrer acerca da pergunta de pesquisa, são elas: 1- O território em municípios de pequeno porte; 2- Onde está o cuidado?; 3- Intersetorialidade: a escola é a escola e a saúde é a saúde; e 4- O lugar da educação.

“O território e os municípios de pequeno porte”

O conceito de território possui diferentes definições conforme a área de conhecimento. Na saúde coletiva, ele pode ser compreendido como um princípio organizativo que prevê que os serviços devem organizar o cuidado no território em que aquele usuário reside (LIMA; YASUI, 2014). Além disso, nas palavras de Lima e Yasui (2014, p. 603), “ir ao encontro do território é estar atento para os modos de organização, de articulação, de resistência e de sobrevivência que as pessoas que ocupam esses espaços vão inventando no seu cotidiano”.

Entendemos o território segundo o conceito de espaço empregado por Massey e Keynes (2004), como sendo o produto das interações, das dificuldades e complexidades, dos entrelaçamentos e dos não-entrelaçamentos de relações; é a esfera do encontro, ou não, das trajetórias que coexistem, afetam uma a outra, é o produto de inter-relações. Com isso, “o espaço encontra-se sempre em processo, num fazer-se, nunca está acabado” (MASSEY; KEYNES, 2004, p. 17).

Pensar o território como um espaço de relações auxilia no entendimento dos processos organizativos e vivenciados por trabalhadores de municípios de pequeno porte. Baseando-nos em um estudo desenvolvido na 4ª Regional de Saúde do estado do Paraná, e a partir da produção dessa pesquisa (Programa Pesquisa para o SUS - PPSUS), podemos dizer que os municípios de pequeno porte possuem algumas características semelhantes, como: apresentam uma rede informal e uma “lógica pessoalizada” de cuidado; as estratégias de cuidado dependem dos dispositivos implantados; predominam os encaminhamentos como estratégias de cuidado; e o papel do vínculo existente nas relações sociais é determinante.

A lógica da pessoalização significa eleger um profissional como o responsável por dar os encaminhamentos necessários às demandas; é aquele que, estando ou não em uma equipe específica, por ter contato com todo o território, é a referência para a maioria das questões que envolvem resolutividade das demandas. Lógica esta que pode ser observada na pesquisa, pois todos os profissionais participantes indicam ter como referência para as questões de saúde mental a mesma pessoa. Esta estratégia pode, em alguns casos, dar resolutividade ao cuidado; no entanto, é preciso estar atento para que este profissional não acabe sobrecarregado, e as informações sobre os usuários não sejam omitidas dos outros profissionais, para que o cuidado possa ser realizado em rede, de maneira intersetorial e corresponsabilizada. É importante não confundir esta lógica com o conceito de “Técnico de Referência”, que se caracteriza como uma tecnologia de trabalho, tratando-se de uma “posição assumida pelo trabalhador que estabelece maior vínculo com a pessoa em sofrimento” e realiza a gestão do cuidado (BRASIL, 2013, p. 57).

O viver em pequenos municípios implica relações sociais muito próximas, pois, como constatado, a maioria das pessoas se conhecem, sabem o que se passa na vida uma das outras, frequentam os mesmos lugares e os mesmos serviços disponíveis na rede. Esta proximidade pode resultar na construção de vínculos que potencializam o cuidado, produzindo experiências no território, vivencias culturais, sociais e familiares que podem empoderar a produção de subjetividades, proporcionando uma corresponsabilização no cuidado do outro, conectando as relações sociais em rede.

No entanto, no caso de crianças e adolescentes, as ACS apontam que é raro quando algum cuidador conta que o seu filho tem algum sofrimento psíquico. Logo, levantamos algumas hipóteses para esta omissão de informações, como: há um estigma frente a este tipo de sofrimento; falta compreensão sobre a importância de falar sobre esse assunto com as ACS, entendendo que os responsáveis por esse cuidado são a escola e/ou a APAE, lugares nos quais as demandas têm chegado no referido município; relações sociais de proximidade constituem uma barreira, de modo que as pessoas podem não se sentir confortáveis em pedir auxílio para aquele que é, ao mesmo tempo, profissional e vizinho.

Portanto, na intenção de encontrar resolução para o sofrimento, há o movimento de busca de outras formas de cuidados e acolhimento, fazendo com que as pessoas procurem novos vínculos, como, por exemplo, construindo um novo fluxo de cuidados que muitas vezes ultrapassa os limites geográficos municipais, ou buscando aqueles dispositivos que ofertam o cuidado para o sofrimento infanto-juvenil. Com isso, o vínculo pode ser entendido como uma das forças presentes no processo de cuidado.

A maioria das diretrizes prevê o cuidado em território; por isso, podemos dizer que é preciso tensionar este conceito quando se trata de municípios de pequeno porte. É preciso refletir sobre como reinventar esta noção, ampliando os modos de compreendê-la a favor dos sujeitos em sofrimento, que vão construindo seus próprios territórios subjetivos na experiência de um cuidado em saúde delimitado geograficamente.

Assim, compreendemos que o território é definido por relações sociais, serviços, processos de vida, cultura, economia, etc., com fluxos e forças que compõem os sujeitos; cada território é singular, não é algo que pode ser generalizado. Portanto, as estratégias de cuidado devem levar em conta a singularidade do seu território na experiência do sujeito em sofrimento psíquico.

“Onde está o cuidado?”

No âmbito da saúde, o cuidado pode ser entendido como um campo de práticas, individuais ou coletivas, que está em constante movimento e possui muitos desafios. O ato de cuidar é um processo de relações, no qual há um encontro entre duas “pessoas” que atuam uma sobre a outra, operando-se um jogo de expectativas e produções (MERHY, 2004).

Com a RPB se propõe uma mudança nos modos de operar o cuidado em saúde mental. Este novo paradigma, o da atenção psicossocial, propõe que o cuidado seja centrado no sujeito que vive a experiência da doença, preconizando uma rede de relações na qual as pessoas precisam ser orientadas e envolvidas nas soluções, encaminhamentos e tratamentos (AMARANTE, 2007). No modelo de cuidado dominante, o biomédico, o tratamento é centrado na doença, em seus efeitos, e muitas vezes acaba por segregar os sujeitos do seu ambiente social. Assim sendo, os atos de cuidado em saúde mental são capturados pelos modelos de cuidado instituídos, e é este processo de cuidado que dá forma para a rede de cuidados.

Para o cuidado se efetivar é preciso levar em consideração as singularidades de cada território; não existe então um único fluxo e modelo de cuidado, mas formas singulares de cuidar e articular a rede, tomando o sujeito como centralidade e referência dessa ação. Partindo dessa compreensão, questionamos: como se configura o cuidado para crianças e adolescentes no município de Guamiranga?

Inicialmente os dados de outra pesquisa6 mostraram que há demanda para cuidados em saúde mental de crianças e adolescentes por uso de álcool, drogas e por transtornos mentais, utilizando-se, em alguns casos, da lógica do internamento. No entanto, quando nos inserimos no território destas profissionais, por meio do acompanhamento do cotidiano de trabalho nas VD, há indicativos dessas demandas por parte de algumas delas. E, posteriormente, quando é feita a coleta de dados por meio do dispositivo do grupo focal, afirmam que não há serviços de saúde mental para crianças e adolescentes no município, mas sim adolescentes atendidos pela APAE.

Com esta afirmação surge outro questionamento: a saúde mental infanto-juvenil se faz questão para esses profissionais? Para isso, procuramos saber se as ACS identificam que, em sua área de abrangência de trabalho, há crianças e adolescentes que demandam cuidados em saúde mental. Como resposta, unânime, obtivemos: “na minha área não tem essa população, só os que vão na APAE, e alguns nem adolescentes são mais”.

Outra questão levantada com as ACS referia-se à identificação desta população que frequenta a APAE, prática presente nas estratégias de cuidado. Assim, perguntamos como ocorreu a identificação da demanda, se através dos profissionais de saúde, se por elas, ou por outro serviço. Encontramos a afirmação de que nunca identificaram adolescentes ou crianças que necessitam de cuidado em saúde mental. Então, de que forma foram diagnosticadas como necessitando de cuidados? De acordo com elas, sempre pelas escolas: “Eles entram muito pequeninho na escola e daí ali elas já vão pegando o jeito se eles são bem, ou são ‘mentalzinho’, mas nós mesmo, eu no meu caso eu não identifiquei nenhum, é através da escola, fono e psicóloga” (ACS 04).

Através deste estudo, percebemos que algumas práticas estão instituídas, ao se materializarem em um fluxo de atendimento fragmentado, com o não reconhecimento por parte dos profissionais da existência de demandas para atendimento e da prática de encaminhamento não implicado, ou seja, consta a inexistência de ações em conjunto com outros serviços, como, por exemplo, a APAE. Percebemos também, entre os profissionais, a lógica de encaminhamento das crianças e adolescentes a especialistas dentro e fora do município. Entre os serviços e profissionais estão incluídos médicos especialistas (neurologistas, pediatras e psiquiatras), sala de recursos nas escolas, APAE e outros profissionais especialistas (psicólogos, psicopedagogos). As questões observadas indagam sobre a utilização das tecnologias de cuidado nessa relação profissionais-rede-usuários, por vezes com transferência de responsabilidade a outras instâncias e profissionais especializados.

A lógica do encaminhamento não corresponsabilizado e a priorização de especialistas, operam para que as estratégias de cuidado mantenham a lógica biomédica, que afirma o lugar do especialista como capaz de dar resolutividade às demandas das crianças e adolescentes com algum sofrimento psíquico. Amarante (2007) corrobora esta questão afirmando que este modelo, centrado na doença, ocasiona a característica do hiperespecialismo, ou seja, cada especialista trata apenas de um tipo de doença. “Assim as equipes, de modo geral, não acolhem e não se responsabilizam pela demanda e encaminham para quem foi delegado o poder de cura” (CAMURI; DIMENSTEIN, 2010, p. 810).

Podemos dizer que, para os profissionais que participaram da pesquisa, o cuidado direcionado para a população infanto-juvenil ainda não se faz questão. Por mais que executem o cuidado por meio das visitas domiciliares, do preenchimento dos formulários e da conferência das vacinações, por exemplo, que são ações de cuidado preestabelecidas protocolarmente, estas questões são sempre encaminhadas para um profissional específico, externo aos cuidados da atenção primária, que se torna responsável por dar a resolutividade. Tal prática expressa não a corresponsabilização do cuidado, mas a pessoalização do mesmo.

Esta estratégia de cuidado, a da pessoalização, ao mesmo tempo em que contribui para que as demandas sejam resolvidas, também mantêm presente a não articulação da rede de forma integral e intersetorial, pois todas as informações ficam concentradas em um único profissional, fazendo com que seja perpetuada a não corresponsabilização do cuidado, restringindo o fluxo de atendimentos, assim como a não articulação da rede e a resolutividade das demandas podem ficar comprometidas.

Nessa rede, o fluxo de atendimentos para a população infanto-juvenil perpassa o campo da saúde, por meio dos encaminhamentos a especialistas, pela dispensação de medicamentos controlados e pela lógica do internamento. Perpassa ainda o campo da educação, por meio da institucionalização na APAE e pela utilização da sala de recurso nas escolas.

As concepções de que a atenção em SMIJ é responsabilidade da APAE ou da escola e de que, se a população infanto-juvenil não está inserida em um destes dispositivos, é porque não existe demanda em saúde mental, nos mostra como o movimento da RPB ressoa nesse lugar e que precisamos tensionar estas relações para que sejam instituídos novos modos de cuidado, novas relações sociais e novos pontos de interseção na rede de atenção psicossocial.

Como citado anteriormente, o modelo biomédico direciona a forma como os profissionais olham para os usuários, as tecnologias utilizadas, a implicação no cuidado, a forma como irão construir a rede de cuidados; isto é, “o saber médico e biologizante ‘impede’ outra produção de cuidado em saúde por parte de outros trabalhadores” (CAMURI; DIMENSTEIN, 2010, p. 809). Com isso, podemos dizer que é preciso criar linhas de fuga desse modelo instituído para que as ACS possam ver a SMIJ como responsabilidade do seu território, para que haja a percepção de que naquele sujeito há uma produção de sofrimento que precisa ser acolhida, orientada e, quando necessário, encaminhada. Pois assim, como afirmam Luzio e L’Abbate (2009), é comum os municípios de pequeno porte dar conta de sua responsabilidade de cuidar reproduzindo apenas o modelo psiquiátrico hegemônico.

Desse modo, a partir dos dados coletados, entendemos que o cuidado para esta população encontra-se centrado no campo da educação, seja pela escola regular ou pela APAE, pois esta, por sua vez, contata a saúde, pela lógica pessoalizada, quando necessita de encaminhamentos.

“Intersetorialidade: a escola é a escola e a saúde é a saúde”

A intersetorialidade é um dos princípios para a assistência em saúde mental infanto-juvenil orientado pelo documento Caminhos para uma política de saúde mental infanto-juvenil (BRASIL, 2005). Este princípio “indica a ampliação das ações para além do campo clínico, incluindo serviços de qualquer natureza que atravessem a vida do sujeito”, proporcionando uma rede ampliada de atenção à saúde mental (GOMES, 2009, p. 39).

A intersetorialidade é balizadora da rede como um todo, é um princípio que prevê que as estratégias de cuidado podem perpassar os vários setores sociais, onde os serviços de atenção psicossocial devem sair da estrutura física do serviço e buscar vínculos na sociedade para que formem uma série de pontos de encontro, de trajetórias de cooperação, de simultaneidade de iniciativas, e também quando os pacientes deixaram de ser exclusivos “do médico” para se tornarem “da equipe” (AMARANTE, 2007).

Quando a intersetorialidade não se encontra vigente como composição das práticas de cuidado entre profissionais e os serviços, eles acabam realizando ações individuais que poderiam ser complementares, ou ainda, um determinado serviço pode constituir-se como o responsável pelo cuidado àquela população, como, por exemplo, o que encontramos neste estudo, deixando a escola como único ponto da rede responsável pela identificação e encaminhamento.

No município pesquisado, as UBS têm contato com as escolas para que as questões de cunho orgânico e biológico sejam resolvidas, como, por exemplo, uma lesão ou quando uma criança apresenta sintomas de mal-estar, vômitos, diarreia, febre. Observamos que a troca de informações sobre a produção de vida desses sujeitos não acontece, pois esta questão vem sendo compreendida como de responsabilidade da escola: “Os setores quase não se misturam muito, escola é escola e saúde é saúde” (ACS 07). Com isso, a escola tem ocupado um lugar de referência na integralidade do cuidado para a infância, pois é a partir da escola que surge um espaço e um olhar voltados para essa população.

Em consonância com Severo e Dimenstein (2011), entendemos que o que tem prevalecido é que os problemas em saúde mental são atendidos por um serviço especializado. Assim, é pela via dos encaminhamentos, como citado anteriormente, que a saúde se faz presente no campo da infância, fragilizando o fazer intersetorial, pois este preconiza a corresponsabilização conjunta entre os diferentes setores, políticas públicas e os usuários.

A prática de cuidados se mostra como médico-centrada; assim, abre-se espaço para que o especialismo se faça presente, tensionando a lógica da prática interdisciplinar e da complexidade do cuidado. As crianças têm passado pela avaliação do médico clínico geral do município, onde são diagnosticadas, e este profissional, predominantemente, tem apresentado duas opções: ou medicar ou encaminhar para um médico especialista. De acordo com os dados, é preciso a confirmação de um especialista de que aquela criança ou adolescente possui um transtorno, ou de que precisa de cuidados especializados, para que assim os outros profissionais, do campo da educação, desencadeiem ações de cuidado referentes a essa população.

Desse modo, após a identificação, é necessário o diagnóstico, que resulta dos encaminhamentos, que têm ocorrido da seguinte maneira: a pedagoga, assim como a fonoaudióloga e os professores, fazem observações acerca do comportamento do aluno em diversos ambientes da escola e realiza avaliações que remetem a classificações diagnósticas. A partir destas avaliações, a pedagoga, responsável por todos os alunos, realiza encaminhamentos: “A gente encaminha eles pra psiquiatra, pra neurologista, quando a gente percebe como este aluno está na sala, então a gente percebe que acabou o remédio, aí a gente encaminha, e tudo através da saúde esses encaminhamentos” (Pedagoga). Este mesmo fluxo de encaminhamentos é constatado no estudo de Kamers (2013, p. 154), que mostra que a “lógica circunscrita em torno dos encaminhamentos [...] consiste em um ciclo repetitivo: a escola, confrontada com as dificuldades de aprendizagem ou indisciplina da criança, solicita à família uma intervenção”.

Assim sendo, o fluxo de encaminhamentos inicia-se pela avaliação médica para a confirmação de que há um déficit na aprendizagem (queixa mais trazida pelos participantes desta pesquisa), para serem, então, encaminhados para a APAE ou para a sala de recursos; no entanto, no encaminhamento para a APAE não há exatidão se é necessária a confirmação de um médico especialista. Do mesmo modo, podemos constatar que a “escola nem chega a encaminhar ao psicólogo, mas diretamente ao neuropediatra ou psiquiatra infantil, que identifica na criança um quadro de TDAH ou de transtorno opositivo, prescrevendo o tratamento farmacológico” (KAMERS, 2013, p.154).

Logo, os gestores do cuidado da saúde mental infanto-juvenil têm sido a escola e a APAE, o que faz com que esse cuidado seja predominantemente direcionado para as dificuldades de aprendizagem e as diversas deficiências. Faz, ainda, com que estes encaminhamentos não cheguem ao conhecimento das ACS, pela cristalização dessas práticas de cuidado, influenciando o fato de a saúde mental infanto-juvenil não se fazer questão para os equipamentos ligados à saúde.

Esses encaminhamentos têm se desdobrado na utilização de medicamentos como uma estratégia para a resolução das demandas. No entanto, os relatos nos mostram dois movimentos daí resultantes; o primeiro refere-se ao fato de não serem muitos os alunos que tomam medicamento controlado, como, por exemplo, metilfenidato; o segundo é a constatação de que a quantidade de usuários de medicação está crescendo. No entanto, não há um levantamento ou fluxograma dessa dispensação e nem do diagnóstico das crianças e adolescentes, para que possamos fazer uma análise do impacto da avaliação diagnóstica e uso de medicamentos. Esta falta de informações aponta para a importância de identificarmos as questões relacionadas à SMIJ nos municípios.

Este estudo não pretende dar conta da discussão sobre medicalização, apenas apontar que é necessário analisar essas práticas e avaliar seus impactos na construção de estratégias de gestão e cuidado em saúde mental para crianças e adolescentes. De acordo com Moysés e Collares (2013, p. 15), “especificamente em relação à medicalização da vida de crianças e adolescentes, ocorre a articulação com a medicalização da educação na invenção das doenças do não-aprender e com a medicalização do comportamento”. Cria-se, assim, a demanda por serviços que ampliam a medicalização.

Não se está afirmando aqui que a educação não deve responsabilizar-se pela SMIJ, mas sim que essa responsabilidade deve ser compartilhada com a rede, composta de serviços e ações intersetoriais, e dessa forma acolher essas crianças e adolescentes. Mas, segundo os relatos, a direção do cuidado tem se dado pela via da medicalização da vida, pois os encaminhamentos têm sido sempre para especialistas, com retirada de medicamentos, e o diagnóstico gira em torno do indivíduo, desconsiderando o processo social e a complexidade do sofrimento, que coloca diversos atores em ação para garantir um cuidado singular, integral e em consonância com os processos de produção da vida.

Nesse território, podemos dizer que há um desafio a ser enfrentado, entre a lógica da intersetorialidade e a lógica do cuidado pessoalizado, pois a primeira prevê a relação entre as várias instâncias para a efetivação do cuidado, e a segunda prevê um profissional como o balizador do cuidado. Como tensionadora destas lógicas encontra-se, como relatam Couto e Delgado (2010), a colaboração entre os profissionais para a elaboração de estratégias de articulação da saúde mental com a atenção primária, educação, assistência social e outros setores frequentados pela população infanto-juvenil.

É a corresponsabilização que precisa se fazer presente mediante a troca de informações, a mudança no modo de olhar, tanto dos profissionais quanto dos usuários, sobre o que é estar em sofrimento psíquico e o que cada um pode fazer neste processo social complexo.

Compreendemos, assim, que o trabalho intersetorial é imprescindível para o cuidado em SMIJ, “há o reconhecimento de que crianças com necessidades em saúde mental acessam e frequentam instituições que não as de saúde mental” (COUTO; DELGADO, 2010, p. 272). A constituição de uma rede ampliada de atenção deve ser articulada por todos os setores do território, pois a proximidade das equipes de atenção básica à saúde com as famílias, as escolas e outros espaços de convivência de crianças e adolescentes é um fator positivo para a formação de vínculos e da efetividade dos trabalhos que elas podem desenvolver para esta população no território (BRASIL, 2005; BRASIL, 2014).

Neste cenário intersetorial, o setor da educação passa a ser considerado chave para implantação de projetos de identificação e prevenção de saúde mental de crianças e adolescentes, pois é na escola que essa população permanece a maior parte do tempo.

“O lugar da educação”

A partir desses dados, exploramos e pensamos sobre este lugar da educação. Até o final do século XX não havia nada que pudesse ser nomeado como psiquiatria infantil, o cenário brasileiro em relação à SMIJ foi marcado pela desassistência, ocorrendo apenas a institucionalização de crianças e adolescentes fora do sistema de saúde, experiências pedagógicas realizadas com deficientes mentais e sensoriais, além do não reconhecimento da possibilidade de sofrimento e adoecimento psíquico em crianças e jovens (KAMERS, 2013).

Assim, podemos perceber que historicamente a SMIJ é ligada ao campo da educação, pois era, e ainda é em alguns contextos, por meio deste que os problemas eram identificados e resolvidos, pois o sistema de saúde não se responsabilizava por essa população; consequentemente estratégias como a sala de recursos e a APAE foram criadas para sanar esta falta.

Atualmente, no município onde este estudo foi realizado, as questões da SMIJ se encontram, predominantemente, fixadas na área da educação, com ênfase nas deficiências intelectuais e físicas. Desse modo, questionamos: qual é o papel da educação frente às questões de SMIJ? Cabe a ela diagnosticar os alunos? Por que a escola e a APAE se tornaram responsáveis por este cuidado?

Desde o surgimento da instituição escolar, e podemos dizer que até os dias de hoje, a maior “preocupação estava voltada para aqueles que podiam passar despercebidos ao primeiro olhar do professor: aqueles que nada aprendem e ainda prejudicam, com seus vícios e sua desatenção, os mais capazes” (LOBO, 2015, p. 211). Como citado anteriormente, as ações da educação frente às questões de SMIJ têm sido as de realizar diagnósticos infanto-juvenis nas escolas. Estas caracterizam-se por observações do “aluno problema” em sala de aula e com diferentes professores, além da observação no horário de intervalo, lanche e atividades ao ar livre, como relatado pela pedagoga. Após todas as observações e conversas com a família, alguns encaminhamentos podem ser dados, como, por exemplo: “Às vezes a gente encaminha para a sala de recurso, as vezes algumas para a APAE, às vezes algumas ficam na própria sala, só que o professor tem que utilizar outro método, sabe?” (Pedagoga).

Neste contexto, a escola está identificando os chamados problemas de aprendizagem e os transtornos de desenvolvimento através de um método educacional, fazendo com que as ações direcionadas para a resolução destes problemas fiquem concentradas na educação, por meio da sala de recursos e pelo encaminhamento à APAE. Desse modo, não realizam a construção de um projeto terapêutico e de inserção social intersetorialmente, pois, de modo geral, o diagnóstico é centrado nos comportamentos que a criança apresenta, como é a sua relação com a escola e com os pares, assim como a sua relação familiar.

Com isso, a APAE e a pedagoga passam a assumir o papel de acolhedores das crianças e adolescentes que fogem do comportamento padrão e que apresentam algum tipo de sofrimento psíquico. A instituição responsável pelo acolhimento da população infanto-juvenil tem sido a APAE, referenciada tanto pela pedagoga quanto pelas ACS: “É a APAE que tem essa grande acolhida pelas crianças, sabe?” (Pedagoga); “É que dos nosso, criança e adolescente vai na APAE, quem tem esse problema, e daí os maior são no CAPS” (ACS 06). E a escola é indicada como aquela que identifica: “O trabalho que eu faço eu gosto, eu trabalho muito com as avaliações do primeiro ao quinto ano, sabe?” (Pedagoga); “Que daí na verdade mais a escola que foi vendo, né?, que daí nesse tempo a gente não tava ainda, mas já era a escola que via, nós não, o posto não” (ACS 03).

Já a família é indicada como aquela que menos acolhe, pelo fato de existir o estigma dentro desse ambiente. E, assim, surgem os rótulos, os quais, nas palavras de Moysés e Collares (2013, p. 13), “urdem já nas primeiras impressões, no olhar preconceituoso, rótulos que classificam e embasam diagnósticos que os confirmam”.

Há muito o que se fazer neste campo, pois “o simples fato de incluir uma criança considerada deficiente numa escola regular não significa necessariamente o rompimento das tutelas dos especialistas e das separações hierarquizadas pela negatividade da fala” (LOBO, 2015, p. 212).

Portanto, entendemos que a educação ocupa lugar importante nessa rede de cuidados, pois ela é a porta de entrada e organizadora as demandas de SMIJ. No entanto, se faz necessário (re)organizar o modo de cuidado em rede, articulando todos os serviços e ações disponíveis no território, para que exista a corresponsabilização entre os atores sociais.

Considerações finais

A partir do apresentado, entendemos que, para produzir o cuidado nessa rede complexa de cuidados para a SMIJ, é preciso superar a lógica da pessoalização, do especialismo e do modelo medicalizante. É preciso tensionar este modelo de cuidados para que a SMIJ se faça presente na agenda política do município, um cuidado que ainda precisa ser pautado na lógica da corresponsabilização e intersetorialidade, para que não fique colado na educação. Diante deste contexto, podemos dizer que há a invisibilidade de questões de SMIJ, colocando a educação como o lugar responsável por essas questões.

O ponto de partida para a efetivação de um modelo de cuidado direcionado para a SMIJ, e para a saúde mental como um todo, é começar a pensar o campo da saúde mental e atenção psicossocial não como um sistema fechado, mas sim como um processo, um processo que é social e complexo (AMARANTE, 2007). Logo, é preciso entender que muitas das praáticas instituídas nos modelos de cuidado podem ser potencializadas, outras tensionadas, mas que o ato de cuidar deve ser singular e produtor de subjetividades.

A pesquisa mostrou que as fronteiras do cuidado em saúde mental nos municípios de pequeno porte são borradas, ampliam-se para os municípios de referência e colocam a especialidade médica ou pedagógica como gestores do cuidado. Rever a noção de cuidado em território tensiona os saberes, olhares e o modo de cuidado dos sujeitos.

A partir do apresentado, e em consonância com o que afirma Couto e Delgado (2015, p. 28), entendemos que a RPB para a infância e adolescência “não significa a superação do modelo hospitalar psiquiátrico, significa, ao contrário, a superação da desassistência e da ausência de modelos ou projetos de cuidado”. Ou seja, antes de modificar a forma como os profissionais olham e cuidam, e as ações direcionadas para esta população, é preciso construir o olhar voltado para as questões da SMIJ, é preciso inseri-la na agenda dos municípios de pequeno porte.

Entendemos que a agenda política para o modelo de cuidados para crianças e adolescentes enfrenta um descompasso para a sua concretização, pois não se faz questão como um cuidado complexo e intersetorial, mas aparece como uma questão colocada na problemática da deficiência, estando no registro da educação. Pode até estar na agenda política nacional, no entanto, é preciso indagar se se faz presente na agenda política de municípios pequenos, nos quais precisa ser discutida e problematizada para que esteja presente na produção do cuidado.

Com este trabalho não houve a intenção de generalização de um “como fazer”, mas entende-se que esta pesquisa possui força de desnaturalização, é tensionadora das concepções voltadas para o campo da SMIJ. Portanto, são necessários outros estudos que possam contribuir para a compreensão das práticas de cuidado que têm sido construídas nos municípios de pequeno porte.

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  • 1
    Lei 10.216 de 06 de abril de 2001, chamada Lei Paulo Delgado ou Lei da Reforma Psiquiátrica Brasileira, dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
  • 2
    O porte populacional de referência para a abertura de CAPSi tem sido flexibilizado pelo Ministério da Saúde, conforme avaliação e características loco-regionais, que justificam a implementação do equipamento.
  • 3
    Departamento de Informática do SUS.
  • 4
    Informações coletadas do banco de dados do PPSUS (Programa Pesquisa para o SUS).
  • 5
    BRASIL, Decreto n° 3.189, de 4 de outubro de 1999. Fixa diretrizes para o exercício da atividade de Agente Comunitário de Saúde (ACS), e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3189.htm
  • 6
    Dados coletados em uma pesquisa de Iniciação Científica (IC) realizada no mesmo município.

Editado por

  • Editora responsável pelo processo de avaliação: Ana Claudia Lima Monteiro.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    08 Jan 2018
  • Revisado
    01 Dez 2021
  • Revisado
    21 Nov 2022
  • Aceito
    21 Nov 2022
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