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Tratamento da disfunção temporomandibular (DTM) e dor orofacial

EDITORIAL

Tratamento da disfunção temporomandibular (DTM) e dor orofacial

É intrigante perceber como a informação flui na área da saúde. Em especial, é curioso notar que certos conceitos caducos, de assuntos esgotados, sofrem às vezes um refluxo e contaminam muitos clínicos. Essas ideias de tratamento provocam azias naqueles que acompanham a ciência e - mais grave ainda - prejudicam os que se submetem a tais tratamentos. Quanto menos letal uma condição é, mais suscetível está a essa impropriedade. Um artigo desse número oferece uma visão única sobre um dos temas mais acometidos pelo que descrevi: o tratamento da disfunção temporomandibular e outras dores orofaciais.

Analise as seguintes perguntas sobre DTM. Seu tratamento é controverso? A Ortodontia faz parte dos métodos de tratamento? A tomografia da articulação deve ser a rotina na análise do problema? Os espaços articulares são relevantes para o diagnóstico, e é objetivo do tratamento ajustá-los? Se você respondeu sim para uma ou mais dessas perguntas, precisa ler o artigo de Carrara, Conti e Barbosa.

A forte relação da dentição com a DTM foi estabelecida - erroneamente - há décadas. As conclusões equivocadas originaram-se da interpretação de resultados retrospectivos de estudos de séries de casos. Esse é o desenho de estudo mais frequentemente realizado por clínicos em seus consultórios, simplesmente porque o paciente vai a uma clínica para tratar algum tipo de problema. Desse modo, após alguns anos, todos coletamos material de uma série de casos sobre algum tema. Para entender como esse desenho de estudo é deficiente para apontar saídas para os problemas que enfrentamos, acompanhe a seguinte linha de raciocínio.

Um profissional hipotético analisa os resultados de tratamento ortodôntico de 41 pacientes de seu consultório. Todos apresentaram queixas de dor e diagnóstico de DTM ao início do acompanhamento. Para simplificar o raciocínio, vamos considerar que temos dois possíveis resultados de tratamento: com melhora e sem melhora. Se o resultado final indicar que 35 pacientes melhoraram, o tratamento como um todo foi um sucesso, certo? A resposta correta é: errado. Não podemos concluir nada que não seja que esse tratamento talvez funcione.

Algumas condições têm caráter cíclico ou transitório, e pode ser que os pacientes que melhoraram com essa terapia para DTM fossem melhorar de qualquer maneira. Portanto, um grupo controle deveria ser incluído, desde que se conclua de que seria eticamente aceitável deixar essas pessoas sem tratamento. Assim, se o grupo controle fosse incluído no estudo e apenas 20 pacientes melhorassem sem tratamento (Tab. 1), teríamos uma diferença estatisticamente significativa entre os grupos Controle e Tratamento (p < 0,001), com o último grupo exibindo muito mais melhora do que o primeiro. Podemos, então, concluir que o tratamento proposto é eficaz? Não, pelo menos ainda não.

Ao se refletir sobre o apresentado, é concebível imaginar que uma parcela de pessoas tratadas tenha uma melhora em suas queixas em decorrência do efeito placebo do tratamento. É quase impossível incluir um efeito placebo propriamente dito em uma terapia não-medicamentosa como a da DTM. Assim, falsos tratamentos podem ser implementados como, por exemplo, braquetes colados aos dentes sem um arco que desencadeie as forças, ou uma placa de acrílico que não cubra as superfícies oclusais dos dentes.

Em nosso estudo hipotético, um grupo de Falso Tratamento foi avaliado. Os resultados mostraram que 33 pacientes melhoraram com o falso tratamento e não há diferença entre os grupos Tratamento e Falso Tratamento (p = 0,63). Assim, a nova terapia - ou velha, se for o refluxo de um conceito antigo - não é mais eficaz do que um falso tratamento.

O croqui de ensaio clínico com três grupos descrito acima dá uma visão geral sobre o processo de construção da informação para tomada de decisão clínica. Entretanto, a simples criação dos três grupos ainda é uma ação incompleta e, por isso, insuficiente. Questões importantes relacionadas à aleatoriedade da assinalação dos pacientes para tratamento, à prospectividade do estudo, à análise de intenção de tratar, entre outros itens relevantes ao desenho de um ensaio clínico, sequer foram mencionadas. Até porque muitas páginas seriam consumidas para avançar sobre esses aspectos.

Ao mesmo tempo, esse croqui retrata uma falha comum: muitos profissionais bem-intencionados utilizam especialmente congressos, mas também outros meios, para divulgar as conclusões tiradas das séries de casos tratados em seus consultórios, sem se dar conta da complexidade que existe por trás da formulação de estudos clínicos.

Foi na tentativa de ajudar essas pessoas, que fazem parte das comunidades odontológica e médica, e também a população que sofre de DTM e dor orofacial, que Carrara, Conti e Barbosa escreveram o Termo do 1º Consenso em Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial. Esse artigo tem características únicas porque reflete não apenas a opinião dos autores, mas também a dos principais profissionais da área no Brasil. Eles endossaram o artigo e demonstram que o tema não é controverso.

Ademais, o artigo mostra que a evidência disponível permite concluir muitas coisas: a Ortodontia não faz parte dos métodos de tratamento corriqueiros do problema, a tomografia da articulação não deve ser utilizada como rotina, a análise do espaço articular não é relevante para o diagnóstico, não é objetivo do tratamento ajustar os espaços articulares, entre outras conclusões. O artigo é um marco na área e recomendo sua leitura na íntegra.

Jorge Faber

Editor chefe

faber@dentalpress.com.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jun 2010
  • Data do Fascículo
    Jun 2010
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