Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação do espaço aéreo faríngeo por meio da tomografia computadorizada de feixe cônico

Resumos

INTRODUÇÃO: a avaliação do espaço aéreo superior faz parte da rotina na elaboração do diagnóstico e plano de tratamento ortodôntico. A radiografia cefalométrica em norma lateral tem sido usada rotineiramente na avaliação da permeabilidade do espaço aéreo, esbarrando na limitação de fornecer uma imagem bidimensional de uma estrutura tridimensional. A Tomografia Computadorizada de Feixe Cônico (TCFC) tem entrado na realidade ortodôntica trazendo um arsenal de informações concernentes ao espaço aéreo superior. Por fornecer uma imagem tridimensional, possibilita determinar de maneira precisa a área de maior estreitamento da faringe, que ofereceria maior resistência à passagem aérea. OBJETIVOS: o propósito deste artigo é esclarecer o ortodontista quanto aos recursos disponíveis na TCFC para o diagnóstico de possíveis barreiras físicas que possam diminuir a permeabilidade das vias aéreas superiores.

Tomografia Computadorizada de Feixe Cônico; Faringe; Espaço aéreo superior


INTRODUCTION: Evaluation of upper airway space is a routine procedure in orthodontic diagnosis and treatment planning. Although limited insofar as they provide two dimensional images of three-dimensional structures, lateral cephalometric radiographs have been used routinely to assess airway space permeability. Cone-Beam Computed Tomography (CBCT) has contributed to orthodontics with information concerning the upper airway space. By producing three-dimensional images CBCT allows professionals to accurately determine the most constricted area, where greater resistance to air passage occurs. OBJECTIVES: The purpose of this article is to enlighten orthodontists on the resources provided by CBCT in the diagnosis of possible physical barriers that can reduce upper airway permeability.

Cone-Beam Computed Tomography; Pharynx; Upper airway space


ARTIGO INÉDITO

Avaliação do espaço aéreo faríngeo por meio da tomografia computadorizada de feixe cônico

Sabrina dos Reis ZinslyI; Luiz César de MoraesII; Paula de MouraIII; Weber UrsiIV

IEspecialista em Ortodontia pela Profis/Bauru. Mestre em Biopatologia Bucal, área de Radiologia Odontológica, pela UNESP - São José dos Campos

IIProfessor Titular de Radiologia Odontológica na UNESP

IIIEspecialista em Radiologia Odontológica. Mestre em Biopatolgia Bucal, área de Radiologia Odontológica pela UNESP

IVMestre e Doutor em Ortodontia pela USP/Bauru. Livre-Docente na UNESP - São José dos Campos. Coordenador do Curso de Especialização em Ortodontia da APCD São José dos Campos/SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Sabrina dos Reis Zinsly Rua Atibaia, 100 - Jd. Apolo CEP: 12.243-210 - São José dos Campos / SP E-mail: szinsly@hotmail.com

RESUMO

INTRODUÇÃO: a avaliação do espaço aéreo superior faz parte da rotina na elaboração do diagnóstico e plano de tratamento ortodôntico. A radiografia cefalométrica em norma lateral tem sido usada rotineiramente na avaliação da permeabilidade do espaço aéreo, esbarrando na limitação de fornecer uma imagem bidimensional de uma estrutura tridimensional. A Tomografia Computadorizada de Feixe Cônico (TCFC) tem entrado na realidade ortodôntica trazendo um arsenal de informações concernentes ao espaço aéreo superior. Por fornecer uma imagem tridimensional, possibilita determinar de maneira precisa a área de maior estreitamento da faringe, que ofereceria maior resistência à passagem aérea.

OBJETIVOS: o propósito deste artigo é esclarecer o ortodontista quanto aos recursos disponíveis na TCFC para o diagnóstico de possíveis barreiras físicas que possam diminuir a permeabilidade das vias aéreas superiores.

Palavras-chave: Tomografia Computadorizada de Feixe Cônico. Faringe. Espaço aéreo superior.

INTRODUÇÃO

Clínicos e pesquisadores envolvidos no tratamento das deformidades dentofaciais têm buscado elucidar os fatores determinantes da morfologia facial. A relação entre os distúrbios do padrão respiratório e as alterações da morfologia facial tem sido exaustivamente debatida na literatura1,2; sendo controversa. As opiniões conflitantes podem ser divididas em duas correntes: aquela que considera o padrão respiratório como um importante fator etiológico na produção da síndrome da face longa; e outra que acredita que ela seja expressão do padrão hereditário e o padrão respiratório atuaria somente como um fator agravante. Prevalece, atualmente, a opinião de que a morfologia esquelética seja resultante do crescimento determinado geneticamente, sobreposto pela ação da sua matriz funcional, sendo que a ação do genótipo do tecido mole continuaria durante o crescimento.

Vários fatores podem ser associados à respiração bucal, dentre eles estão o estreitamento da passagem nasal, nasofaringe estreita ou obstruída, hipertrofia de membranas nasais, cornetos aumentados, tonsilas faríngeas ou palatinas hipertróficas, desvios de septo nasal, atresia das cóanas e tumores no nariz ou nasofaringe.

Quando o tamanho do espaço nasofaríngeo apresenta-se diminuído - seja pela presença da adenoide ou pela estrutura anatômica estreita da nasofaringe -, o desequilíbrio funcional resultante pode impactar o crescimento e desenvolvimento craniofacial, representado pela tendência de crescimento vertical da face, levando ao estereótipo da face adenoideana ou síndrome da face longa. Essa síndrome é caracterizada pela incompetência labial, narinas pouco desenvolvidas, atresia maxilar com a presença de palato profundo e mordida cruzada posterior, aumento da altura facial anterior inferior, maior ângulo goníaco e mandíbula retrognática2,3,4. Por ser uma síndrome multifatorial, nem sempre é de fácil diagnóstico e, para o êxito do tratamento, há necessidade de interação e atuação multidisciplinar.

O espaço aéreo superior pode ser descrito em termos de altura, largura e profundidade. Sabemos que o fator limitante, que determina a capacidade respiratória, é a menor área transversal da passagem aérea5,6; sendo que ela pode ocorrer em qualquer ponto da trajetória faríngea.

Ao longo do século passado, foram feitas inúmeras pesquisas1,7-10 visando elucidar a relação da morfologia craniofacial e o padrão respiratório. A maioria dos estudos foi baseada em radiografias cefalométricas em norma lateral pelo fato dela compor a documentação para o planejamento adequado do indivíduo com necessidade de tratamento ortodôntico. A radiografia cefalométrica, embora seja capaz de fornecer inúmeras informações, esbarra na capacidade de somente fornecer uma imagem bidimensional (altura e profundidade) de uma estrutura tridimensional, não possibilitando, portanto uma avaliação precisa da complexidade dessa estrutura e de sua dimensão.

A tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) tornou possível adquirir a imagem de todas as estruturas do complexo maxilofacial em volume. Com o uso de softwares específicos e de acordo com protocolos de aquisição baseados nas necessidades individuais, esse volume digital pode ser transformado em imagens multiplanares (axiais, coronais e sagitais). O software, através de suas ferramentas, permite ainda obter mensurações relativas às estruturas ósseas, como também realizar avaliações dos tecidos moles em 3D, tanto para tegumento quanto para formas, volumes e características da face e vias aéreas superiores.

Atualmente, vem crescendo o número de profissionais que utilizam a documentação 3D na elaboração do diagnóstico e plano de tratamento ortodôntico. Os tomógrafos computadorizados de feixe cônico têm se tornado mais eficientes, com redução do tempo de aquisição e desenvolvimento de softwares específicos, que permitem um melhor processamento e análise da imagem tridimensional das estruturas da região maxilofacial. Essas informações podem fornecer ao clínico subsídios que possibilitem decisões racionais quanto ao tratamento aplicado em indivíduos em crescimento com espaço aéreo faríngeo diminuído, visando minimizar a influência etiológica do padrão respiratório no desenvolvimento da má oclusão.

AVALIAÇÃO DO ESPAÇO AÉREO SUPERIOR

O conhecimento da morfologia e funcionamento das estruturas esqueléticas e de tecido mole que compõem o espaço aéreo superior é essencial para compreender a fisiologia e patogênese de sua obstrução. No entanto, sua avaliação é complexa, uma vez que sua localização não permite visualização direta. Diferentes formas de exames complementares baseados em imagens têm sido empregadas para avaliar o espaço aéreo superior, estruturas esqueléticas e tecidos moles adjacentes. Cada método possui vantagens e desvantagens inerentes, não existindo consenso quanto ao procedimento padrão-ouro para sua avaliação. Entre os métodos aplicados estão a rinometria acústica, fluoroscopia, nasofaringoscopia, ressonância magnética, cefalometria e tomografia11.

Ao longo do último século, um grande número de análises foi sugerido para avaliação do espaço aéreo superior nas radiografias em norma lateral empregando medidas lineares, angulares e áreas sagitais entre pontos cefalométricos12-15. Esses pontos são definidos pela sobreposição da projeção de diferentes estruturas.

Aboudara et al.16; comparando a tomografia e a radiografia cefalométrica em norma lateral na avaliação do espaço aéreo faríngeo, encontraram correlação significativa entre a área sagital obtida da radiografia e o volume obtido na TCFC, embora o volume obtido na tomografia tenha apresentado maior variabilidade em pacientes com espaço aéreo semelhante na radiografia cefalométrica em norma lateral. Isso é esperado, uma vez que, na análise cefalométrica lateral na radiografia convencional, somente são avaliadas a altura e a profundidade da faringe, não possibilitando a análise transversa, ou seja, da largura da mesma.

Clinicamente, o ortodontista pode avaliar o espaço aéreo obstruído na radiografia cefalométrica convencional. Quando essa obstrução é considerada severa, o paciente é encaminhado ao otorrinolaringologista. Torna-se imperativo o uso de ferramentas de diagnóstico mais precisas, que forneçam, tanto ao ortodontista como ao otorrinolaringologista, subsídios que orientem quanto à conduta a ser aplicada, evitando que restrições na passagem aérea influenciem definitivamente a dentição, fala e desenvolvimento craniofacial.

OBTENÇÃO DA TCFC PARA AVALIAÇÃO DAS VIAS AÉREAS

O exame tomográfico para avaliação das vias aéreas possui um protocolo específico de aquisição da imagem. O paciente deve ser posicionado sentado, em máxima intercuspidação, com o plano sagital mediano perpendicular ao plano horizontal, e o plano de Frankfurt paralelo ao plano horizontal. É usado um campo de visualização estendido (EFOV) de 17x23cm, com voxels de 0,25mm e tempo de 40 segundos. Uma vez que o exame de TCFC tenha sido feito, algumas manipulações podem ser realizadas com o software fornecido pelo próprio fabricante do tomógrafo. A imagem crua (raw data) é reconstruída, possibilitando a visualização da reconstrução 3D e de cortes multiplanares. Essas imagens bidimensionais da faringe podem ser percorridas em qualquer direção. As mais frequentemente empregadas são os cortes sagitais, coronais e axiais (Fig. 1).


As imagens podem ser melhor observadas utilizando-se ferramentas específicas. A imagem pode ser girada ou aumentada, para permitir melhor avaliação de regiões específicas, podendo ser renderizadas em qualquer ângulo, escala ou posição. É possível aplicar-se diferentes tipos de filtros, permitindo a diferenciação entre tecidos de diferentes densidades e, ainda, a aplicação de transparência, permitindo a visualização do tecido duro através do tecido mole. Proporciona também a ferramenta de medição linear, onde podem ser avaliadas altura, largura e profundidade de qualquer porção da faringe (Fig. 2).


Essas imagens podem ainda ser transformadas em arquivos DICOM (Digital Imaging and Communications in Medicine), podendo ser exportadas para outros softwares de avaliação de imagens tridimensionais, que, por sua vez, possibilitam uma maior gama de recursos na avaliação do espaço aéreo.

VISUALIZAÇÃO DO ESPAÇO AÉREO SUPERIOR NA TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA DE FEIXE CÔNICO

Existem softwares que permitem a avaliação do espaço aéreo superior, como o InVivoDental, o 3dMDvultus e o Dolphin Imaging17.

No programa Dolphin Imaging versão 11.0, a ferramenta de análise do espaço aéreo permite avaliar o formato e contorno do espaço aéreo superior nas três dimensões, assim como calcular volume, área sagital e a menor área transversa de qualquer área do espaço aéreo predefinida. É possível obter a segmentação do espaço aéreo superior, podendo essa imagem ser girada e aumentada. O programa permite dois filtros de delimitação: para tecidos duros e para tecidos moles, permitindo que o espaço aéreo seja visualizado juntamente com o tecido esquelético ou isoladamente.

Para avaliar as imagens no programa, inicialmente deve-se importar os arquivos das imagens da TCFC em extensão DICOM single file. Uma vez importada, a imagem tridimensional da cabeça do paciente deve ser orientada no espaço virtual à semelhança da orientação dada ao paciente no cefalostato, de tal forma que o plano horizontal de Frankfurt esteja paralelo ao plano axial, o plano sagital mediano esteja coincidente com a linha média do indivíduo, e o plano coronal orientado de tal forma que passe pela borda inferior das órbitas esquerda e direita (Fig. 3, 4). Nos casos de assimetria, a orientação deve ser feita tão próxima quanto possível desses planos de orientação. Essa orientação virtual permite a possibilidade de obter a rotação correta da cabeça de tal modo que estruturas bilaterais estejam coincidentes17.



Uma vez selecionada a ferramenta de avaliação do espaço aéreo, é necessário definir, a partir do corte sagital, a porção do espaço aéreo de interesse.

O programa fornece de maneira automática a área e o volume total da região delimitada previamente, bem como a localização e a dimensão da área de maior estreitamento do espaço aéreo (Fig. 5).


CRIAÇÃO DE PROJEÇÕES BIDIMENSIONAIS A PARTIR DE IMAGEM TRIDIMENSIONAL

A grande maioria desses pontos cefalométricos criados para imagens bidimensionais não podem ser visualizados ou são difíceis de ser demarcados na superfície curva da imagem tridimensional. Atualmente, por razões éticas, não se permite a criação de registros de crescimento longitudinal e ainda não existe um padrão normativo para essas dimensões tridimensionais. No entanto, os parâmetros criados para as imagens bidimensionais podem ser comparados com as documentações tridimensionais18,19. Foram desenvolvidos softwares que, através de algoritmos, possibilitam que sejam geradas projeções à semelhança das radiografias convencionais. Essas projeções podem evidenciar alterações morfológicas das estruturas maxilofaciais, nos três planos ortogonais, que poderiam contribuir para a obstrução da passagem aérea.

Para a criação dessas projeções radiográficas a partir da tomografia volumétrica, com o uso da versão 11.0 do programa Dolphin 3D Imaging (Dolphin Imaging and Management Solutions, Chatsworth, CA), é necessário inicialmente que a imagem esteja orientada de maneira adequada. No módulo de construção de projeções radiográficas, o programa permite que se escolha uma projeção ortogonal ou em perspectiva. Deve-se estabelecer os limites superior e inferior da imagem, bem como sua espessura. Uma vez criada a projeção, podem ser aplicados diferentes tipos de filtros de visualização, sendo o filtro Ray sum o que melhor permite evidenciar o espaço aéreo superior (Fig. 6, 7).



O programa também possui ferramenta de medição e a ferramenta de análise cefalométrica, possibilitando a obtenção de grandezas lineares e angulares nessas imagens bidimensionais, permitindo avaliar fatores craniofaciais que podem contribuir para a obstrução do espaço aéreo superior (retrognatia, mordida cruzada, assimetrias, tonsilas hipertróficas).

AVALIAÇÃO DA MORFOLOGIA NAS RECONSTRUÇÕES 3D

As reconstruções 3D também possibilitam a avaliação da morfologia do espaço aéreo. A resistência ao fluxo aéreo não está somente relacionada com o tamanho do espaço aéreo, mas também com a sua forma. O espaço aéreo pode ser grande, no entanto, um trajeto tortuoso pode propiciar uma grande resistência efetiva ao fluxo aéreo a ponto de afetar a função respiratória. Estudos realizados em TCFC estabeleceram correlação entre o formato do espaço aéreo e o padrão facial. O espaço aéreo orofaríngeo de indivíduos portadores de padrão esquelético anteroposterior de Classe III parece ser mais largo e achatado20; tendo uma orientação mais vertical em relação ao plano sagital17. Já indivíduos com padrão esquelético anteroposterior de Classe II apresentaram uma orientação mais anteriorizada do espaço aéreo superior17. Abransom et al.21 também avaliaram alterações na forma da faringe, afirmando que o espaço aéreo se torna mais largo no sentido transverso, e com isso mais elíptico, com a idade. Ogawa et al.23 associaram a forma do espaço aéreo com a Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS). Pacientes portadores de SAOS apresentavam uma forma mais elíptica ou côncava do espaço aéreo, enquanto indivíduos não portadores apresentavam uma forma mais arredondada ou quadrada.

AVALIAÇÃO DO ESPAÇO AÉREO SUPERIOR E A SAOS

A SAOS é uma doença caracterizada pelo colapso do espaço aéreo faríngeo, resultando em episódios repetitivos de interrupção da passagem aérea, diminuição da saturação do oxigênio e interrupção do sono. A anatomia do espaço aéreo superior parece ter um papel crítico na patogênese do colabamento do espaço aéreo superior na SAOS. O colabamento pode ocorrer em diferentes pontos do espaço aéreo superior em cada paciente portador de SAOS, sendo as regiões retroglossal e retropalatal as mais frequentemente envolvidas22. Sabemos que a faringe é delimitada por parede musculomembranosa sustentada por um arcabouço esquelético; portanto, a área de maior estreitamento depende da relação entre as estruturas craniofaciais esqueléticas e de tecido mole circundantes. Assim, as amígdalas palatinas e faríngeas, o palato mole, a úvula, a língua e as paredes laterais da faringe são estruturas de tecido mole na faringe fundamentais na delimitação do espaço aéreo superior. Já a mandíbula e o osso hioide são as principais estruturas esqueléticas determinantes do espaço aéreo. Qualquer anormalidade nessas estruturas irá afetar o espaço aéreo, levando à SAOS22.

A SAOS possui etiologia multifatorial, envolvendo, entre outros fatores, a redução do espaço aéreo superior, bloqueio da cavidade nasal, presença e distribuição da gordura corporal e tonicidade muscular. O espaço aéreo superior se encontra significativamente estreitado em pacientes portadores de SAOS, quando comparados com indivíduos não portadores, embora a região de maior estreitamento varie entre os pacientes portadores de SAOS.

O tratamento da SAOS está primariamente direcionado à manutenção do espaço aéreo, que é conseguida com o uso do CPAP, aparelho que envolve a aplicação terapêutica de pressão positiva contínua nas vias aéreas, permitindo a manutenção de um fluxo aéreo permanente, mantendo as vias aéreas respiratórias abertas.

Secundariamente, o tratamento busca proporcionar ajustes que tornem o espaço aéreo menos apto ao colabamento. O aumento do espaço aéreo faríngeo pode ser obtido, de maneira reversível, através do uso de aparelhos removíveis; ou permanente, com cirurgia. Quando tratamentos secundários são necessários, é necessário que seja identificada a área de maior estreitamento orofaríngeo, para poder definir-se a solução terapêutica adequada. Para que se possa avaliar a morfologia do espaço aéreo superior, determinar o grau e local do estreitamento, bem como avaliar a eficácia do tratamento escolhido, têm sido empregados exames como nasofaringoscopia com a manobra de Muller, fluoroscopia, cefalometria, rinomanometria, ressonância magnética e tomografia.

Estudos cefalométricos têm demonstrado que indivíduos portadores de SAOS, quando comparados com indivíduos não portadores, apresentam mandíbulas menores e retropostas, estreitamento do espaço aéreo posterior, línguas maiores, osso hioide posicionado mais inferiormente e maxila retroposicionada23. Embora essas informações sejam valiosas, não possibilitam que o clínico tenha acesso à morfologia complexa do espaço aéreo superior.

A TCFC, por ser tridimensional, possibilita avaliar o espaço aéreo e estruturas circunvizinhas, determinando medidas tridimensionais da naso, oro e hipofaringe, como a área de maior estreitamento, o volume e a menor dimensão anteroposterior e lateral da faringe em pacientes portadores de SAOS. É possível também avaliar as mudanças que seriam potencialmente induzidas pela modalidade terapêutica escolhida, podendo identificar quais pacientes seriam beneficiados pelo tratamento (Fig. 9). Haskell et al.24 afirmaram ser possível prever a quantidade de aumento do volume total e da área de secção transversa da orofaringe obtido com o avanço mandibular proporcionado pelo aparelho. Já a localização da área de maior estreitamento poderia se mover para qualquer ponto mais superior ou inferior da faringe. Afirmaram, portanto, ser necessária uma avaliação tomográfica anteriormente à instalação do aparelho, para determinar se o paciente se beneficiaria com o seu uso. Salientaram ainda que, no tratamento da SAOS, é mais importante obter uma melhora nessa região de maior estreitamento do que aumentar o volume da faringe como um todo.


IMPLICAÇÕES CLÍNICAS E LIMITAÇÕES DA TCFC NA AVALIAÇÃO DO ESPAÇO AÉREO SUPERIOR

Além da anatomia do tecido mole e esquelético, o espaço aéreo depende de algumas variáveis dinâmicas como volume pulmonar, pressão intraluminal e extraluminal, tonicidade muscular e posição de cabeça21. O espaço aéreo faríngeo parece sofrer influência de mudanças na posição da cabeça. Tanto o palato mole como a língua são estruturas compostas por tecido mole, sem suporte rígido, sendo consideravelmente afetadas pelas forças gravitacionais. Portanto, em tomografias e outros exames obtidos na posição supina, essas estruturas deslocam-se posteriormente em direção à parede posterior da faringe, ocasionando alterações nas medidas dimensionais do espaço aéreo superior21,25,26,27. Dessa forma, os resultados obtidos nas tomografias realizadas com o paciente sentado não podem ser extrapolados ou mesmo comparados diretamente com aqueles obtidos com o indivíduo em posição supina, sendo que os últimos são preferencialmente indicados para indivíduos portadores de SAOS. Lohse et al.28 sugerem que, para avaliação de pacientes portadores de SAOS, seja realizada uma modificação da técnica de obtenção da TCFC removendo-se o posicionador do mento, de forma que o paciente possa adotar a posição natural da cabeça (PNC).

O tamanho e a morfologia do espaço aéreo variam durante a inspiração e a expiração11. O tempo de aquisição dos exames tomográficos gira em torno de 20 a 40 segundos, tempo muito longo para que o indivíduo possa controlar os movimentos respiratórios. Espera-se que, em um futuro próximo, o tempo de aquisição da TCFC seja menor, de maneira a evitar que a movimentação do paciente durante a aquisição (movimentos respiratórios, deglutição e movimentos involuntários) altere o resultado do exame.

CONCLUSÃO

Apesar de ainda não estarem disponíveis padrões normativos para as informações que a TCFC propiciou, um grande número de trabalhos científicos tem sido realizado com esse intuito. Isso permite crer que, em breve, a TCFC poderá fornecer subsídios que norteiem o diagnóstico e planejamento ortodôntico, direcionando o clínico quanto aos efeitos no espaço aéreo do indivíduo provocados pela mecanoterapia aplicada e as consequências advindas dessa alteração.

Enviado em: junho de 2010

Revisado e aceito: agosto de 2010

  • 1. McNamara JA. Influence of respiratory pattern on craniofacial growth. Angle Orthod. 1981 Oct;51(4):269-300.
  • 2. Vig KW. Nasal obstruction and facial growth: the strength of evidence for clinical assumptions. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 1998 Jun;113(6):603-11.
  • 3. Subtelny JD. Oral respiration: facial maldevelopment and corrective dentofacial orthopedics. Angle Orthod. 1980 Jul;50(3):147-64.
  • 4. Hartgerink DV, Vig PS. Lower anterior face height and lip incompetence do not predict nasal airway obstruction. Angle Orthod. 1989 Spring;59(1):17-23.
  • 5. Warren DW, Hairfield WM, Seaton D, Morr KE, Smith LR. The relationship between nasal airway size and nasal-oral breathing. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 1988 Apr;93(4):289-93.
  • 6. Hinton VA, Warren DW, Hairfield WM, Seaton D. The relationship between nasal cross-sectional area and nasal air volume in normal and nasally impaired adults. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 1987 Oct;92(4):294-8.
  • 7. Ricketts RM. Respiratory obstruction syndrome. Am J Orthod. 1968 Jul;54(7):495-507.
  • 8. Mergen DC, Jacobs RM. The size of nasopharynx associated with normal occlusion and Class II malocclusion. Angle Orthod. 1970 Oct;40(4):342-6.
  • 9. Tourne LP. The long face syndrome and impairment of the nasopharyngeal airway. Angle Orthod. 1990 Fall;60(3):167-76.
  • 10. O'Ryan FS, Gallagher DM, LaBanc JP, Epker BN. The relation between nasorespiratory function and dentofacial morphology: a review. Am J Orthod. 1982 Nov;82(5):403-10.
  • 11. Schwab RJ, Goldberg AN. Upper airway assessment: radiographic and other imaging techniques. Otolaryngol Clin North Am. 1998 Dec;31(6):931-68.
  • 12. Major MP, Flores-Mir C, Major PW. Assessment of lateral cephalometric diagnosis of adenoid hypertrophy and posterior upper airway obstruction: a systematic review. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2006 Dec;130(6):700-8.
  • 13. Martin O, Muelas L, Vinas MJ. Nasopharyngeal cephalometric study of ideal occlusions. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2006 Oct;130(4):436 e1-9.
  • 14. Handelman CS, Osborne G. Growth of the nasopharynx and adenoid development from one to eighteen years. Angle Orthod. 1976 Jul;46(3):243-59.
  • 15. Poole MN, Engel GA, Chaconas SJ. Nasopharyngeal cephalometrics. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1980 Mar;49(3):266-71.
  • 16. Aboudara C, Nielsen I, Huang JC, Maki K, Miller AJ, Hatcher D. Comparison of airway space with conventional lateral headfilms and 3-dimensional reconstruction from cone-beam computed tomography. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2009 Apr;135(4):468-79.
  • 17. Grauer D, Cevidanes LS, Proffit WR. Working with DICOM craniofacial images. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2009 Sep;136(3):460-70.
  • 18. Moshiri M, Scarfe WC, Hilgers ML, Scheetz JP, Silveira AM, Farman AG. Accuracy of linear measurements from imaging plate and lateral cephalometric images derived from cone-beam computed tomography. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2007 Oct;132(4):550-60.
  • 19. Kumar V, Ludlow JB, Mol A, Cevidanes L. Comparison of conventional and cone beam CT synthesized cephalograms. Dentomaxillofac Radiol. 2007 Jul;36(5):263-9.
  • 20. Iwasaki T, Hayasaki H, Takemoto Y, Kanomi R, Yamasaki Y. Oropharyngeal airway in children with Class III malocclusion evaluated by cone-beam computed tomography. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2009 Sep;136(3):318.e1-9.
  • 21. Abramson Z, Susarla S, Troulis M, Kaban L. Age-related changes of the upper airway assessed by 3-dimensional computed tomography. J Craniofac Surg. 2009 Mar;20(Suppl 1):657-63.
  • 22. Schellenberg JB, Maislin G, Schwab RJ. Physical findings and the risk for obstructive sleep apnea. The importance of oropharyngeal structures. Am J Respir Crit Care Med. 2000 Aug;162(2 Pt 1):740-8.
  • 23. Ogawa T, Enciso R, Shintaku WH, Clark GT. Evaluation of cross-section airway configuration of obstructive sleep apnea. Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2007 Jan;103(1):102-8.
  • 24. Haskell JA, McCrillis J, Haskell BS, Scheetz JP, Scarfe WC, Farman AG. Effects of Mandibular Advancement Device (MAD) on airway dimensions assessed with cone-beam computed tomography. Semin Orthod. 2009;15(2):132-58.
  • 25. Lowe AA, Ono T, Ferguson KA, Pae EK, Ryan CF, Fleetham JA. Cephalometric comparisons of craniofacial and upper airway structure by skeletal subtype and gender in patients with obstructive sleep apnea. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 1996 Dec;110(6):653-64.
  • 26. Huang J, Shen H, Takahashi M, Fukunaga T, Toga H, Takahashi K, et al. Pharyngeal cross-sectional area and pharyngeal compliance in normal males and females. Respiration. 1998;65(6):458-68.
  • 27. Ono T, Otsuka R, Kuroda T, Honda E, Sasaki T. Effects of head and body position on two- and three-dimensional configurations of the upper airway. J Dent Res. 2000 Nov;79(11):1879-84.
  • 28. Lohse AK, Scarfe WC, Shaib F, Farman AG. Obstructive sleep apnea-hypopnea syndrome: Clinical applications of cone beam CT. Aust Dent Pract. 2009;Sep-Oct:122-32.
  • Endereço para correspondência:

    Sabrina dos Reis Zinsly
    Rua Atibaia, 100 - Jd. Apolo
    CEP: 12.243-210 - São José dos Campos / SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Recebido
      Jun 2010
    • Aceito
      Ago 2010
    Dental Press International Av. Luís Teixeira Mendes, 2712 , 87015-001 - Maringá - PR, Tel: (55 44) 3033-9818 - Maringá - PR - Brazil
    E-mail: artigos@dentalpress.com.br