Resumo
O artigo analisa o cenário da província de Pernambuco entre 1820 e 1822, observando o comportamento da população durante os acirramentos políticos ocorridos no período. decorrentes da revolução constitucionalista do Porto causaram espanto e falatório. Em 1820 e 1821 a luta dos liberais foi para afastar Luís do Rego Barreto do governo da província e implantar um governo de Junta Provisória, como havia ocorrido em Portugal durante a revolução. Em 1822 os embates deram-se entre a Junta e os dois principais Para as pessoas nascidas e criadas em uma sociedade de Antigo Regime, as novidades centros de poderes: o Rio de Janeiro, sede da regência, e Lisboa, sede das cortes. As matérias da imprensa sobre eles geravam boatos em vários locais e manifestações de rua. Dessas sublevações tomavam parte não apenas as elites, mas os populares e escravizados que marchavam gritando palavras de ordem e cantando versos de natureza política. Dessa maneira, demonstraram que as massas não estavam totalmente excluídas e que participavam do cenário político da época da Independência.
Palavras-chave: Revolução do Porto; Pernambuco; liberalismo; cultura política; Independência do Brasil
Abstract
This article analyzes the scenario of the Pernambuco province between 1820 and 1822, observing how the population behaved during the political turmoil that took place in the period. For those born and raised in the Old Regime society, the novelties arising from the Liberal Revolution of 1820 caused astonishment and chatter. In 1820 and 1821 the liberals struggled to remove Luís do Rego Barreto from the provincial government and implement a Provisional Junta, as had occurred in Portugal during the revolution. In 1822 the clashes were between the Junta and the two main centers of power: Rio de Janeiro, seat of the regency, and Lisbon, seat of the Cortes. Press reports about them generated rumors in various places and street demonstrations. These uprising were attended not only by the elites, but also the people and enslaved, who marched shouting slogans and singing political verses, thus showing that the masses were not completely excluded and that they participated in the political scenario at the time of Independence.
Keywords: Liberal Revolution of 1820; Pernambuco; liberalism; political culture; Independence of Brazil
1. Repercussão da Revolução do Porto em Pernambuco
No dia 24 de agosto de 1820, no Campo de Santo Ovídio, na cidade portuguesa do Porto, um movimento militar em favor da Constituição, da Nação, do rei e da religião católica eclodiu com o objetivo de erguer Portugal da séria crise econômica que começou a se agravar em 1808 por ocasião da abertura dos portos do Brasil ao comércio internacional. Havia também ressentimentos pela falta da presença de D. João VI e inconformismo pelo fato de o país estar sob o mando do marechal inglês Beresford3. José Tengarrinha, ao escrever notas para a obra “A Revolução de 1820”, de Manuel Fernandes Tomás, uma das lideranças da revolução, observou, em seu pronunciamento intitulado “Manifesto aos portugueses”, que a revolução ocorrera devido à necessidade de regenerar a pátria decaída e conduzi-la às glórias do passado. Para tanto, era preciso garantir as liberdades que haviam sido afogadas pelo poder absoluto. Elogiou o Exército pela decisão de sustentar a revolução e apelava à população para que o apoiasse e seguisse, mantendo-se ordeiro e respeitador da nova ordem política4.
Além desses desapontamentos, havia aquele relacionado ao Brasil, que havia se transformado em metrópole depois de 1808. Um fiel vassalo português, desesperado com essa situação, escreveu para o monarca relatando seu infortúnio: “Estamos vendo os louros voltados, o que vinha do Brasil para Portugal vai agora de Portugal para o Brasil”5. Essas desilusões cresceram a partir de 1815 com a criação do Reino Unido e uma espécie de orfandade política brotou entre os lusitanos:
Não é possível que uma nação que descobriu, povoou, conquistou um país que considerava até agora como colônia sua se acomode […] a figurar como dependente ou subordinada dessa mesma colônia […] [e] sendo a Europa a residência de todos os soberanos, não é possível que permitam por muito tempo a existência de um Estado considerável colocado na Europa e dependente de um soberano […] na América.6
O pronunciamento militar ocorrido na cidade do Porto, em 24 de agosto de 1820, pôs em xeque o absolutismo monárquico, sem, no entanto, contestar o rei; pelo contrário, procurou-se definir seu papel político como monarca constitucional7. Ficou conhecido como “Revolução” ou “Regeneração de 1820”, mas o último termo foi o mais preferido, porque, além de significar a queda do Antigo Regime em Portugal, foi amplamente utilizado no Brasil no tempo de sua Independência, “quando o país se regenerava à medida que passava a nação autônoma e livre”8. Essas novidades mexeriam com o Brasil, em particular com a província de Pernambuco, considerada uma das mais importantes, mas que se encontrava descontente em relação ao modo de como a Coroa a administrava.
A notícia da eclosão da revolução portuguesa chegou a Pernambuco, no dia 22 de outubro de 1820, por meio da embarcação inglesa Chesterfield, portadora de correspondências dos governadores do reino para o governador general Luís do Rego Barreto, e esclarecia nuances da revolução, sobretudo a ideia de convocação de cortes que deveriam elaborar uma Constituição para o reino9. Em Pernambuco, viviam-se momentos tensos em razão dos desdobramentos de uma revolução abafada em 1817, quando muita gente perdeu a vida e outros se conservavam encarcerados por terem desafiado o rei. Coube ao general desmontar a revolução, tanto que ele não mediu esforços e agiu com truculência para evitar falatórios políticos, dissolver focos rebeldes locais e manter a ordem absoluta.
Na ocasião, Luís do Rego estava de viagem marcada para o Povoado de Bonito, onde iria comandar o cerco a uma comunidade sebastianista arrebanhada próximo da Pedra do Rodeador10, mas desistiu de partir, a fim de evitar que as novidades se espalhassem e que houvesse movimentos em solidariedade à revolução portuguesa. Para o governador, as insubordinações lusitanas eram influenciadas pelos movimentos liberais ocorridos em princípios de 1820 na Espanha. Em março, ele havia alertado o Ministro Tomás Antônio Vila Nova Portugal sobre o perigo daquelas agitações e seu receio de que elas pudessem influenciar os portugueses.
Cada vez considero, Excelentíssimo Senhor, mais seriamente nos resultados da insurreição da Espanha, não que eu pense que os rebeldes hajam infalivelmente de ser os triunfadores, se forem abandonados a si mesmos, sem influência estrangeira, ou da massa da nação, mas porque não considero o Governo espanhol em situação de poder logo sufocar o incêndio com a necessária rapidez, e vejo, além, disso, que o povo, fascinado pelos facciosos, desde longo tempo atribui os males, que lhe provém de circunstâncias inevitáveis, ao Governo e ao Rei11.
O general tinha ciência de que seus governados não o viam com bons olhos, mas isso não o incomodava, pelo contrário, vangloriava-se de ser possuidor de comportamento austero e aplicar severas punições contra quem o desobedecesse. Entendia que tudo isso era preciso, “visto que não é possível governar um povo selvagem a grandes distâncias sem lhes fazer crer que os castigos podem ir longe e que não há outro remédio que obedecer às autoridades”12. O cônsul norte-americano Joseph Ray, testemunha ocular das perseguições e punições contra os rebeldes de 1817, dizia que um pernambucano “podia não saber o que era liberdade, mas com certeza aprendera o que era opressão”13.
Para o jornalista Hipólito da Costa, grande entusiasta do vintismo (nome pelo qual ficou conhecida a política e cultura de 1820), era inevitável que a revolução portuguesa empolgasse o Brasil, uma vez que o modelo político aplicado no país, com militares absolutos nos governos provinciais, incomodava a população, que quase sempre resistia por meio de movimentos sediciosos. Além do mais, a Vila do Recife, mesmo não sendo a capital provincial, que era Olinda, era um grande centro onde circulavam e se debatiam ideias e se comentavam as novidades. Ali habitava um público letrado, que se envolvia em política, tinha influência nas tomadas de decisão e que poderia até encabeçar rebeliões. Esses debates se davam nas ruas, nas lojas, nas rodas maçônicas, mercados e bares14.
Conforme Hipólito da Costa, havia passado o tempo em que “ninguém tinha ideia de outro governo que não fosse o absoluto: hoje em dia até rapazes falam em Constituições políticas”15. O jornalista arrematava: “o exemplo de Portugal deve inspirar no Brasil desejos de imitação, com esperança de melhoramento”16. Hipólito tinha razão. Uma dessas reações aconteceu ainda no calor da chegada das novidades portuguesas, quando uma sedição foi urdida em Recife em solidariedade à “revolução de Portugal”17. Ela foi denunciada ao governador, que tomou conhecimento de que os insurgentes se reuniriam na noite de 26 de novembro de 1820. Os encontros eram encabeçados pelo coronel Antônio de Morais Correa de Sá Castro, português de Tarouca, região de Trás-os-Montes. Na visão de Luís do Rego, tratava-se de pessoa de “vida desregrada […], manchado por diversos crimes”18. O motivo dessa desqualificação é o fato de o general ter que se explicar perante as cortes por ter governado Pernambuco de maneira rígida e por ter barrado a revolução naquela província.
Segundo o insurgente João Botelho Noblis, por ocasião daquelas reuniões, em sua maioria ocorrida na casa de Marcos de Barcelos em Fora de Portas, lugar distante dos olhos do governador, dava-se viva à Constituição e falava-se sobre a destituição de Luís do Rego, quando seria eleita uma Junta de Governo para a província, como havia ocorrido em Portugal19. Segundo os participantes da sedição, pouco se entendia o que era constituição, havendo necessidade de o coronel Morais falar sobre o significado da palavra20. Durante os exercícios sediciosos, muitos militares foram cooptados e, durante as conversações, falava-se que a revolução em Portugal havia melhorado o soldo, o que os deixava animados.
No dia da sedição, os rebeldes planejavam uma arruaça em plena noite, quando toda a vila [do Recife] estivesse dormindo. Homens instruídos e bem armados partiriam da ponte de Uchoa e poriam em ação o assassinato de Luís do Rego e seu secretário Soares. […] Quando o rebate soasse, o povo acordaria, sendo chamado a tomar parte na revolução.21
O coronel Morais explicava que, cedo ou tarde, D. João VI aprovaria a revolução, não restando alternativa para Luís do Rego implantar uma Junta Provisória e, antes que isso acontecesse, o coronel procurava convencer os militares que “seria glorioso” que essas mudanças fossem feitas por eles22. A periodicidade de reuniões na casa de Barcelos chamou a atenção de sua vizinha, D. Evangelista Salgueiro. Segundo ela, as pessoas que frequentavam a residência eram indivíduos “esquisitos” e fardados23. A conjuração foi denunciada, e seus principais mentores foram presos. Mesmo entendendo que os prisioneiros não planejavam a fragmentação do Reino Unido e, sim, a constitucionalização da monarquia, eles não foram absolvidos por seus crimes. Em princípios de dezembro de 1820, o conselho de investigação concluiu que os envolvidos deveriam ser banidos da província, principalmente o coronel Morais, que deveria cumprir sua pena na Ilha de São Tomé24.
2. Enfrentamentos políticos entre absolutistas e liberais
Na visão de Oliveira Lima25, Luís do Rego Barreto era uma pessoa culta e percebia que não poderia conter as mudanças por muito tempo. Ao ser aconselhado pelo genro e secretário, Rodrigo da Fonseca Magalhães, procurou atenuar os ânimos, prometendo iniciar reformas o quanto antes. Assim, convocou uma reunião na Câmara do Recife para o dia 3 de março de 1821, com a presença de várias autoridades civis, militares e religiosas26. Para surpresa dos que esperavam mudanças, o sonho se esvaiu quando foi anunciada a formação de um conselho sob a presidência de Barreto. Tratava-se de um arremedo de uma Junta Provisória dos modelos surgidos em Portugal e posteriormente no Pará e Bahia. Para Hipólito da Costa, tudo isso configurava uma manobra do general para manter seu despotismo27, ou seja, os membros do dito conselho foram nomeados para votar naquilo que o governador decidisse, tanto que foram substituídos várias vezes por não concordarem com ele.
Ainda a respeito da reorganização do governo, Barreto fundou, em 27 de março de 1821, o periódico Aurora Pernambucana, cuja redação estava a cargo do genro. O movimento vintista estimulou a criação de jornais, que serviam para propagandear a revolução e instruir as pessoas sobre o processo político em andamento. Abrimos aqui um parêntese para explicar que a imprensa exerceria papel importante entre os anos de 1821 e 1822, pois contribuiu para acender o debate político sobre independência. O motivo da fundação do Aurora foi explicado em matéria de primeira página:
Depois das medidas tomadas no Congresso de 3 do corrente, quis o Excelentíssimo Senhor Governador e Capitão-General que, por meio de um periódico, se instruísse o público de tudo quanto se fizesse a favor da causa d’El-Rei e da Nação, predispondo os povos do Brasil a abraçarem as novas instituições que a Augusta Assembleia Nacional está formando em Lisboa, para estabelecer-se a nossa liberdade política, e assegurando sobre inabaláveis fundamentos os Direitos da Majestade e os direitos da Nação.28
Apesar de se mostrar solidário ao constitucionalismo, o periódico em destaque, o primeiro a circular em Pernambuco, na prática servia para sustentar o governador, pois apoiava suas decisões. As ações políticas do general indignavam os liberais e também a imprensa lusitana, principalmente aquela que apoiava o vintismo. Para o redator do periódico português Astro da Lusitânia, crítico do mandonismo dos governadores do Brasil, entre eles o de Pernambuco, havia necessidade de aqueles homens “serem removidos […] porque a sua existência ali só faria exacerbar a muita exaltada indignação dos povos que por tantos tempos têm sofrido males e vexames de toda a espécie”29.
Em meio aos acirramentos políticos, chegava a Recife a notícia de que os prisioneiros políticos de 1817, que se encontravam nos cárceres baianos, haviam recobrado a liberdade. Seus processos haviam sido anulados por ordem do Tribunal da Relação da Bahia. Na realidade, a Revolução de 1820 não considerava questões ideológicas e políticas um crime. No Reino Unido português, desde 1820, quando se iniciou o processo de regenerar a nação, entendia-se que ele se alicerçava em um “novo pacto, em nova Justiça, materializada em um novo sujeito histórico, o cidadão, não mais o súdito”30. Para Luís do Rego, o retorno daqueles homens representava ameaça para seus planos e ele temia que, com suas presenças, os debates se abrasariam, como de fato aconteceu. Alguns dos recém-chegados perceberam que seria difícil desbancar o governador em Recife e por isso se estabeleceram na Vila de Goiana, nas vizinhanças da Paraíba, onde poderiam articular a queda do general.
Ainda sob clima tenso e circulação de rumores sobre o destino da província, “um tresloucado personagem, desses que aparecem de vez em quando para turvar um pouco mais os rumos do mundo, tocaiou e atirou em Luís do Rego no dia 21 de julho”31. Apesar das investigações, não ficaram claras as motivações do atentado, embora, como afirma Marcus Carvalho, “de tudo já tenham dito um pouco os cronistas locais ufanistas. Herói, ou maluco simplesmente, na fuga, o infeliz personagem morreu afogado”32. Mesmo ferido, Luís do Rego conseguiu enviar para a prisão 42 suspeitos, que foram conduzidos para Lisboa para serem julgados33. Essa atitude foi tida como despótica e criticada nas cortes pelos deputados pernambucanos. Finalmente, por decisão da Justiça, os prisioneiros foram libertados por falta de provas, quando, então, puderam retornar para Pernambuco e se engajar em várias tramas contra o governador.
Durante a convalescência do governador, resolveram os liberais, em sua maioria anistiados de 1817, liderados por Felipe de Mena Calado (futuro redator do “Segarrega”) e Manoel Clemente Cavalcanti de Albuquerque (futuro presidente da província de Sergipe), forçar a saída do governador. No dia 28 de agosto de 1821, convocaram militares, milicianos, ex-rebeldes e senhores proprietários de terra e sitiaram a Vila de Goiana. No dia seguinte, após a ocupação da Câmara, foi convocada uma eleição para um governo provisório, que deveria se submeter apenas “ao senhor rei D. João VI e às Cortes”34. O governo estava composto por Francisco de Paula Gomes dos Santos (presidente e proprietário de terra), Felipe Mena Calado da Fonseca (secretário), Joaquim Martins da Cunha Souto Maior (capitão-mor de Goiana e senhor do Engenho Cangahu), Manoel Silvestre de Araújo, Manuel dos Reis Curado (padre e professor de latim em Goiana), Antônio Máximo de Sousa (proprietário do Engenho Terra Nova), José Vitorino Delgado de Borba Cavalcanti de Albuquerque (capitão e senhor do Engenho Palheta) e Bernardo Pereira do Carmo (português e vereador goianense). A Junta exigiu a exoneração de Luís do Rego e propunha governar Pernambuco até que Lisboa decidisse o destino da província.
Os acirramentos entre os dois governos eram iminentes. Os goianenses insistiam na saída do governador, enquanto Barreto não abria mão de suas prerrogativas. Isso foi a brecha para que o governo de Goiana ameaçasse invadir o Recife, a fim de forçar sua saída. Luís do Rego chegou a solicitar reforço militar dos paraibanos. Como a Paraíba aderiu ao constitucionalismo, em 29 de abril de 1821, a solicitação do general encontrou oposição ali, entretanto, ficou decidido pelo envio de delegados, que intermediariam o conflito dos pernambucanos35. Diante de uma evidente luta armada e estando a Junta de Goiana reunida no dia 5 de outubro de 1821, no Povoado de Beberibe, com os emissários paraibanos e os enviados de Luís do Rego - entre os quais o comerciante Gervásio Pires Ferreira e Luís Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, ambos rebeldes anistiados de 1817 -, assinaram um acordo que ficou conhecido como Convenção de Beberibe e, segundo o qual, se ficaria à espera de ordens das cortes para a instalação da Junta Provisória que passaria a governar toda a província.
Em Lisboa, notícias vindas de Pernambuco inquietaram a deputação pernambucana, que descarregou sua artilharia na tribuna do Soberano Congresso contra as atitudes de Luís do Rego. Essas vozes foram ouvidas a ponto de o Congresso, por meio do Decreto de 1º de setembro de 1821, exonerar o general e mandar instalar em Pernambuco sua Junta Provisória, que deveria ser eleita pelas comarcas de Olinda, Recife e do Sertão36. A notícia daquela decisão chegou a Recife no dia 12 de outubro de 1821. O rei acolheu as atitudes dos congressistas e, por meio de uma carta datada de 2 de setembro de 1821, informou a Luís do Rego sobre sua exoneração:
Tendo determinado as Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa que se organize uma junta provisional e de governo das armas dessa província de Pernambuco […], ordeno-vos que entregueis imediatamente esse governo à junta eleita, na conformidade do dito decreto, pela câmara da cidade de Olinda, para que lhe expeço na data desta a competente carta régia, recomendando-vos que de sorte alguma vos embaraceis com as eleições dos seus respectivos membros, assim como que vos retireis para esta capital depois de feita a referida entrega do governo da província.37
A notícia da destituição de Luís do Rego correu de modo arrebatador. Não faltaram comentários e reações diversas. Muita gente que estava com o grito preso na garganta se manifestou aplaudindo, gritando ou externando seus pensamentos sem medo de represálias. Cada um pôde se manifestar a seu modo e, com isso, transformaram a rua em um “ator social”, como sugere Arlette Farge38. Muitas foram as modinhas cantadas expondo o acontecimento e, como eram fáceis de ser memorizadas, caíram no gosto das pessoas: os cantadores que as entoavam se transformaram em atores e “cantadores de política”, segundo estudos de Darnton39:
Luís do Rego foi guerreiro. Sete campanhas venceu. Mas na oitava de Goiana Luiz do Rego esmoreceu.40Com a exoneração do general, teve início o processo eleitoral na cidade de Olinda para escolha da Junta Provisória de Pernambuco. O eleitorado recifense, em sua maioria composto por comerciantes e portugueses, protestou contra o local da eleição sob o argumento de que Recife era a mais importante localidade pernambucana tanto política quanto economicamente. Nessa queda de braço, em que se perceberam velhos ressentimentos que remontavam à Guerra dos Mascates (1710), ganharam os olindenses, que argumentavam que sua cidade era a capital da província e também a sede do episcopado pernambucano, títulos importantes que os distinguiam dos recifenses. E, por conta dessas distinções e ancorados nas velhas tradições, foram ali realizadas as recentes eleições para os deputados às cortes41.
O pleito eleitoral do dia 26 de outubro de 1821 elegeu a Junta pernambucana, constituída por sete pessoas, das quais três participaram da Revolução de 1817: o presidente Gervásio Pires Ferreira, Felipe Néri Ferreira e o tenente-coronel Antônio José Vitoriano Borges da Fonseca. Formavam também a Junta padre Laurentino Antônio Moreira de Carvalho (secretário), cônego Manuel Inácio de Carvalho, Joaquim José de Miranda e o comerciante e traficante de escravos Bento José da Costa42. Explicou Felipe de Mena Calado que havia terminado, então, a tarefa da Junta de Goiana, cujo objeto foi expulsar Luís do Rego Barreto e as práticas do absolutismo43. A posse da Junta foi comemorada por dias consecutivos e quase sempre se entoava o Hino Constitucional Pernambucano, sem se deixar de enaltecer a Revolução do Porto44.
Arrastava Pernambuco O mais pesado grilhão Quando despontou no Douro A lusa Constituição.Uma historiografia tradicional pernambucana tem observado tanto o movimento orquestrado em Goiana quanto os acontecimentos ocorridos em Beberibe como ações locais de antecipação da Independência, o que é um equívoco. O horizonte daqueles eventos “sempre foi o de manter a união com Portugal, desde que fossem garantidos, constitucionalmente, os direitos do Brasil”45. A saída de Luís do Rego desesperou os absolutistas (corcundas) que, inconformados com a situação, espalharam boatos dizendo que o general logo voltaria. Para acalmar a população, a Junta editou, em 14 de janeiro de 1822, um bando desmentindo aquelas notícias e pedia que não se desse crédito a falatórios espalhados por “meia dúzia de desgraçados” que, como “sebastianistas, esperavam pela vinda do ex-governador […] para sustentar seus desvarios” 46. O efeito desse desmentido estimulou reações. A população imediatamente invadiu as ruas cantando uma modinha que traduzia sua alegria:
Luís do Rego foi-se embora Sem dizer nada a ninguém Os corcundas estão dizendo Luís do Rego logo vem47.3. A Junta pernambucana entre Lisboa e Rio de Janeiro
Uma das primeiras ações da Junta gervasista foi fundar escolas e moralizar a administração pública. Viviam-se momentos pontuados pela novidade e sobretudo pela transparência. A antiga política de segredos havia ficado para trás. A imprensa levava ao conhecimento geral que as reformas realizadas pelo governo eram um sucesso e não deixava de enaltecer que eram filhas da revolução constitucionalista. Um dos propósitos da Junta foi pôr em prática a expulsão do Batalhão nº 2 do Exército de Portugal, ou Batalhão dos Algarves, que havia cruzado o Atlântico logo após o desbarate da Revolução de 1817 para sustentar o governo de Luís do Rego.
Mesmo sob protesto de alguns absolutistas, os soldados deixaram o Recife no dia 25 de novembro de 182148, não antes de o governo ter recebido uma delegação composta em sua maioria de portugueses pedindo sua permanência, porque achavam que a Junta não tinha competência para manter a tranquilidade sem o batalhão49. Os gervasistas fizeram ver que a sua decisão tinha respaldo do Soberano Congresso e explicava que os Algarves, nome como era conhecido o batalhão português, não tinham mais serventia e por isso deveriam retornar a seu país. Essas tratativas foram divulgadas por um panfleto antigervasista, intitulado “Carta com as notícias de Pernambuco”, escrito em Recife em fevereiro de 1822 e publicado em Lisboa. Atualmente compõe o acervo da Biblioteca de Oliveira Lima, em Washington50.
Ao expulsar os Algarves, a Junta levava a cabo suas ações administrativas e políticas, prerrogativas determinadas no decreto das cortes que a criou, de 1º de setembro de 1821, arvorando-se desse direito e como não havia sido preenchido o cargo de governador das Armas, a quem as tropas deveriam se subordinar, o governo tomou para si a antiga atribuição militar dos velhos governadores deliberando sobre a saída do batalhão. No mesmo dia em que os militares portugueses eram embarcados, atracava no porto recifense um navio proveniente de Portugal portando mensagens das cortes que pediam o retorno do batalhão. O “Relator Verdadeiro”, periódico redigido pelo Padre Francisco Ferreira Barreto, que circulou no dia 19 de janeiro de 1822, aplaudiu a atitude da Junta. A notícia de certa maneira tinha a intenção de sossegar os ânimos e evitar falatórios.
Cerca de um mês após a partida dos soldados portugueses, novas inquietações vieram à tona por ocasião da chegada do Governador das Armas, brigadeiro José Maria de Moura. Ao chegar ao Recife, no dia 24 de dezembro de 1821, se negou a desembarcar sem as tropas que haviam cruzado o oceano com ele. Durante a travessia, o navio que conduzia seus comandados se desgarrou e terminou arribando nas costas paraibanas. A Junta engrossou o coro dos que entendiam não haver necessidade de Lisboa enviar soldados para o Brasil e solicitou que o brigadeiro desembarcasse sem eles e assumisse suas funções51. Moura atendeu o apelo do governo sendo recepcionado em terra pelas autoridades e pelas tropas de linha, milícias e a população curiosa. Esses acontecimentos, que foram divulgados pelo Segarrega, foram motivos de comentários negativos por parte dos opositores da Junta e reverberaram no Rio de Janeiro, causando preocupação ao regente Pedro e seus assessores52.
A atitude do governo impedindo o desembarque das citadas tropas foi elogiada pelo Correio Brasilienze53 que circulou em março de 1822. Segundo o noticioso, as mesmas cenas do Rio de Janeiro se repetiram em Pernambuco, sem que a província tivesse conhecimento do que ocorrera naquela cidade, quando os homens comandados por Jorge Avilez foram expulsos por se posicionar contra a decisão de D. Pedro de permanecer no Brasil. Entre os pernambucanos que não aplaudiram as festas organizadas pelo governo para recepcionar o brigadeiro estavam muitos liberais, o que sinaliza que o grupo não era totalmente coeso.
A junta gervasista procurou gerir os negócios públicos mantendo-se orientada pela política vintista, apesar de em vários momentos discordar do posicionamento das cortes a quem devia obediência. Muitos liberais, entre eles alguns dos anistiados de 1817, criticavam o excessivo apoio da Junta a Lisboa, porque era dali que partiam atitudes hostis contra o Brasil, entre elas o envio de tropas e as ordens que exigiam o regresso de D. Pedro. A atitude do príncipe de permanecer no Brasil (Dia do Fico) criou expectativa entre aqueles que enxergaram nesse ato a possibilidade de suas demandas serem atendidas. Entre os senhores patriarcais cresceram as esperanças de que o regente asseguraria a propriedade rural; os nascidos no Brasil se entusiasmaram com a ideia de os reinóis serem expulsos do país; os corcundas viam no Fico esperanças do restabelecimento da antiga sociedade de ordens e os militares de Goiana desejavam que o príncipe ratificasse suas patentes54.
A Junta se viu entre fogo cruzado. Não poderia deixar de manter fidelidade às cortes, uma vez que havia partido delas o decreto que a criou e a elas alhures devia obediência. Entretanto não deixou de manter diálogo com o regente e o reconhecia como tal, apesar de o ver com desconfiança por não acreditar em suas propostas políticas. A questão da autonomia provincial era uma delas. Os gervasitas não renunciavam à autonomia provincial que, aliás, foi pensada durante a efêmera república de 181755. O desejo de D. Pedro era conquistar os pernambucanos para poder desestabilizar o Soberano Congresso. Pernambuco era visto como uma importante província e exercia influência sobre a região nortista, o que poderia auxiliá-lo na concretização de seus anseios, uma vez que não podia contar com o apoio da Bahia, que se encontrava ocupada por tropas lusitanas56. O príncipe precisava ampliar seu raio de influência, que até então estava adstrito praticamente ao Rio. Isso ficou claro quando, em 17 de julho de 1821, ao se dirigir ao pai pedindo providências para o Reino do Brasil, explicava que se considerava uma espécie de “capitão-general, porque governo só a província [do Rio de Janeiro]”57.
Para que a Junta ficasse desacreditada, os insatisfeitos com ela soltaram boatos acusando-a de não reconhecer a autoridade de D. Pedro. O governo procurou explicar seu posicionamento, dizendo que nunca havia desobedecido ao regente. Os acirramentos dos ânimos cresceram com sua recusa em continuar transferindo dinheiro do erário local para colaborar com os gastos palacianos fluminenses, o que vinha acontecendo desde a chegada da corte. Isso era muito criticado pelos rebeldes de 1817, uma vez que prejudicava o orçamento provincial58. Na realidade, não era questão de a Junta se afinar mais com um ou outro governo. Para os gervasistas, o importante era preservar os interesses de Pernambuco e “manter a autonomia provincial - conquistada com base em uma série de medidas tomadas pela Revolução do Porto”59.
As festas de fim de ano aconteceram sem grandes novidades pelo menos até os primeiros dias de 1822. Mesmo assim, havia clima de receio sobre o desembarque das tropas, que continuavam retidas em navios ancorados no porto. As ruas voltaram a se movimentar no dia 19 de janeiro, quando se tomou conhecimento de que o governador das Armas havia mudado o comando do Forte do Brum pelo sargento-mor Conrado Jacob Niemayer, nome bem-conceituado entre os liberais. Boatos circularam dizendo que se tratava de manobras para que as tropas desembarcassem. O burburinho motivou reações populares de que tomaram parte cerca de 300 pessoas, entre as quais “uma cambada de cabras, negros forros e muitos brancos beneméritos”60, cooptados por um dos membros da Junta - o comerciante Bento José da Costa. Segundo se divulgou, os manifestantes se insurgiram contra o brigadeiro e, durante a marcha, portavam armas subtraídas do Trem (Arsenal da Marinha) por um filho de Gervásio Pires61. Os insurgentes caminharam por vários logradouros e finalizaram o ato no Largo do Colégio, atual Praça Dezessete, local onde ficava o palácio em que a Junta se reunia. Antes de ser palácio, havia sido o colégio dos Jesuítas até a expulsão dos inacianos durante a administração pombalina.
Depois dessas manifestações, o receio de chegada de tropas perdurou no primeiro semestre de 1822. Em meados desse ano, por intermédio de um deputado pernambucano a quem nomeou de “amigo deputado brasiliense”, o padre Marinho Falcão Padilha foi cientificado de que em Lisboa havia movimentações de envio de tropas para o Brasil. O sacerdote, que era o redator de O Maribondo62, publicou o acontecimento, e a notícia correu pelas casas, foi lida em voz alta, chamou a atenção dos passantes e gerou burburinho e diversas interpretações. A cultura da leitura em voz alta, estudada por Villalta63, era uma herança dos tempos pretéritos e resistia, uma vez que reinava o analfabetismo. Explicava o periódico que Pernambuco não se curvaria às decisões de Lisboa porque “não recebe jugo de ferro” e alertava sobre a necessidade de a província e suas vizinhas se manterem unidas, principalmente com o Rio de Janeiro,
[…] onde reside o Chefe Supremo do Governo do Brasil, o qual não pode ter vistas de dominação absoluta, e hoje está todo sacrificado a causa do Brasil: sim meu amigo, o Príncipe Real tem atraído o ódio de todo este povo desaforado só porque se tem mostrado amigo dos Brasileiros; que desgraça! É preciso estar alerta; mas nada de sublevação, ordem, e mais ordem, confiança no Governo.64
Mesmo tendo aplaudido o Fico, os gervasistas eram vistos com reserva, porque não apoiavam totalmente as resoluções do príncipe. Essas desconfianças seriam motivos de embates entre os que apoiavam a Junta e o regente. O grupo que apoiava D. Pedro contou com o apoio da imprensa e, juntos, formavam um coro que procurou enaltecê-lo pela decisão de desobedecer às cortes e permanecer no Brasil. Até então, o Soberano Congresso era visto como força de união entre os dois reinos; entretanto, quando ficou claro que o liberalismo dele dizia respeito apenas a Portugal, o caminho foi a união de forças com o Rio de Janeiro.
Para o Correio Braziliense que circulou em fevereiro de 1822, a criação de juntas governativas foi um artifício das cortes para retirar do Brasil a categoria de Reino, “dilacerando-o em divisões, e para fazer mais sensível este mal, as tais Juntas de província não possuem a força armada, nem governam as rendas públicas”65. As juntas de uma maneira geral consistiam um novo modelo de governo e foi por meio delas que as cortes procuram garantir a estabilidade e, ao mesmo tempo, limitar os poderes de D. Pedro. A Junta gervasista algumas vezes conflitava com os congressistas porque os pernambucanos se diziam submissos, mas não dispensavam a crítica quando necessário.
Uma das respostas dadas pelo príncipe aos atos hostis das cortes foi a criação do Conselho de Procuradores Gerais das Províncias do Brasil, pelo decreto de 16 de fevereiro de 1822. Ele deveria ser composto por procuradores provinciais, eleitos com o objetivo de auxiliar em diversos misteres relativos à administração em geral66. Essa decisão foi recebida com estranheza pelos gervasistas. Eles entendiam que apenas as cortes tinham autoridade para criar tal conselho e ainda se mostraram receosos quanto ao direito dos ministros de assento e veto, o que reascendeu o medo do retorno do “despotismo ministerial”67. A Junta então retardou o processo eleitoral para a escolha dos representantes pernambucanos e, em 26 de março de 1822, escreveu para o regente sugerindo que ele desconfiasse de seus ministros que o haviam aconselhado a tomar “semelhante medida”. A Junta entendia que ela poderia “desarmonizar os membros da grande família portuguesa e restabelecer o antigo despotismo ministerial”68.
Segundo Bernardes, “a maneira como foi regulado o Conselho, por ato do poder executivo, feria os princípios constitucionais, aos quais a Junta sempre se mantivera atenta e fiel”69. Os questionamentos dos gervasistas melindraram o ministro José Bonifácio de Andrada e Silva, que, em tempo oportuno, escreveu para a Junta respondendo-lhe suas indagações. Para o ministro, o Conselho não era inconciliável com as cortes e a possibilidade de se ressuscitar o “antigo despotismo” se tratava de meio para que os procuradores fiscalizassem as ações do Executivo e o auxiliassem a promover o bem-estar do Brasil70.
As explicações de José Bonifácio não satisfizeram Gervásio Pires e seu grupo político; ao contrário, alimentaram a boataria sobre uma espécie de relacionamento fragilizado com D. Pedro. O golpe certeiro contra a Junta partiria do Rio, e quem dá conta desses bastidores é Antônio de Menezes Vasconcelos de Drummond, rapaz nascido de prestigiosa família que atuou na corte joanina. Segundo relatou em suas Annotações, enquanto assistia a uma peça teatral, D. Pedro teve conhecimento das festas para recepcionar o brigadeiro Moura, por meio do Segarrega, e imediatamente procurou o Clube da Resistência. Ali se reuniu com José Mariano de Azevedo Coutinho, José Joaquim da Rocha e do próprio Drummond e seu irmão Luís e ficou acordado que o autor das Annotações deveria se deslocar até o Recife em companhia dos pernambucanos Manuel Pedro de Morais Mayer e Manuel Inácio Cavalcanti de Lacerda (futuro Barão de Pirapama) a fim de sujeitar a Junta ao regente. Tudo não passava de manobras maquinadas por José Bonifácio por ter sido acusado pela Junta de desejar implantar o despotismo ministerial no Brasil71.
Ao desembarcarem na província, os emissários do Rio encontraram-na dividida. Aproveitando esse clima, os recém-chegados passaram a atuar na periferia, procurando cooptar os descontentes em suas casas, entre eles o juiz de fora, doutor Tomás Xavier Garcia de Almeida, e o capitão José de Barros Falcão e Lacerda, revolucionário de 1817. Nessas casas, arquitetaram planos para mobilizar a população a se revoltar contra a Junta e forçá-la a reconhecer D. Pedro como chefe do Poder Executivo do Brasil, isento do poder de Portugal, porque, segundo o entendimento dos descontentes, D. Pedro havia deixado de ser delegado do pai a partir do Dia do Fico72.
Na realidade, como o príncipe não tinha forças para suprimir o poder político e administrativo das juntas, tentava por tal mecanismo submetê-las a total obediência. Por isso, era importante que elas reconhecessem o poder executivo da regência sobre o Reino do Brasil. A Junta não cedeu e, com o impasse, ocorreram vários conflitos de rua. O Maribondo que circulou no dia 25 de julho de 1822 pedia cautela e recordava as cenas de 1817, quando muita gente perdeu a vida por falar de liberdade e outras ficaram retidas em prisões. Os tempos eram de liberdade, portanto, em nome dela, havia o direito de se externar os pensamentos. Esclarecia que não se desejava separação absoluta de Portugal; pelo contrário, almejava-se “uma união decorosa” com aquele país e com as províncias do eixo Rio, São Paulo e Minas Gerais73.
Mesmo diante das advertências do periódico, entre os meses de junho e agosto de 1822, a Junta enfrentou grandes contendas locais com as cortes e a regência. Em Lisboa, a deputação brasileira se confrontava com portugueses, que sinalizavam que dificilmente o Soberano Congresso cederia às suas reclamações em favor do Brasil. Por ocasião desses conflitos, os grupos chamados por Valentim Alexandre74 de “integracionistas” e “conciliatórios” se batiam. A conciliação parece não ter sido o método adotado pelos primeiros, que se firmaram em políticas radicais. Não escondiam que, se o Brasil desejasse continuar unido a Portugal, teria que se sujeitar às leis aprovadas nas cortes. Caso contrário, deveria se desligar dele, conforme declarou o grande líder vintista Manuel Fernandes Tomás.
Dificilmente o Brasil cederia à pressão das cortes e, em resposta às intransigências lisboetas, em 3 de junho de 1822 o príncipe convocou uma Assembleia Geral Constituinte composta de deputados provinciais. A novidade causou tremendo impacto. Em Pernambuco, D. Pedro era ovacionado porque ter o país suas próprias cortes neutralizaria a interferência de Lisboa nos negócios locais. Embora tivesse data marcada para se reunir, a Assembleia Constituinte só seria instalada em 3 de maio de 1823. Ao contrário dos manifestantes, a Junta entendia haver ilegalidade na convocação de cortes no país. Atitude defendida por Felipe Mena Calado em seu Segarrega. Tal posicionamento seria criticado pelo Capitão José de Barros Falcão e Lacerda no “Revérbero Constitucional Fluminense”. Aproveitando esse espaço, o capitão desferiu críticas ao ex-colega de enxovia, Gervásio Pires, por não ter se convencido das razões que levavam o príncipe a criar tanto o Conselho de Procuradores quanto a Assembleia Brasílica75. A Junta, a cada momento, perdia espaço entre os antigos revolucionários de 1817 e enfrentou protesto, de que participaram militares e vários seguimentos da população. “Gente de cor e descalça” seguiram “alguns moços de casaca”76 exigindo que a Junta reconhecesse o príncipe como Chefe do Poder Executivo do Brasil. Pressionado pela Câmara do Recife, que já havia reconhecido D. Pedro como tal, resolveu a Junta, em sessão realizada no Palácio do Colégio no dia 1º de junho de 1822, ceder às pressões e prestou juramento de fidelidade ao regente.
Durante a cerimônia de juramento, o presidente Gervásio Pires denunciou que as recentes agitações haviam sido incitadas por “vagabundos” vindos do Rio de Janeiro com o intuito de desestabilizar o governo. Importante lembrar que tanto naquelas manifestações quanto nas anteriores a presença de populares foi constante, o que demonstra que eles não eram grupos amorfos e passivos, uma vez que falavam, emitiam opiniões e protestavam. Em outras palavras, não se achavam na sombra ou, como lembra Habermas77, não se encontravam “completamente excluídos”. Pelo contrário, tinham conhecimento do que se passava, ouviam conversas pelas ruas, faziam suas interpretações e marcaram presença em atos políticos, gritando e cantando modinhas de natureza política.
Em sua prédica, o presidente explicou que, com a revolução constitucionalista em curso, não existia Poder Executivo independente das cortes e repetia a argumentação de que a Junta nunca deixou de obedecer ao príncipe. Já que a ele se reportava, disse que estranhava que se lhe solicitassem seu reconhecimento. Entendia essa atitude como ofensiva à dignidade de D. Pedro porque pressupunha que ele havia sido deposto da regência e precisava ser reabilitado78.
Os xingamentos de Gervársio sobre a intervenção de “vagabundos” entre o povo para desestabilizar o governo reverberaram no Segarrega, tanto que Vasconcelos Drummond, tomando para a si a carapuça, utilizou o mesmo periódico para desmenti-lo79. Segundo suas Annotações, a partir de 1º de junho, Pernambuco se uniu ao Rio de Janeiro; portanto, sua missão ali estava encerrada. Antes de deixar a província, foi surpreendido com a chegada do desembargador Bernardo José da Gama, homem ligado a importante família pernambucana, para atuar no Tribunal da Relação de Pernambuco. Ele desembarcou na província por interferência da maçonaria e indicação do presidente da Câmara do Rio, José Clemente Pereira, com a tarefa de convencer as câmaras locais a se unir ao projeto de D. Pedro. O desembargador só tomou conhecimento dos eventos de 1º de junho durante seu desembarque e, mesmo assim, não se mostrou satisfeito quando desembarcou: estava contrariado, porque desejava que o acontecimento tivesse ocorrido por sua influência80. Gama não nutria simpatia por José Bonifácio e chegou a confidenciar a Drummond que o ministro era homem de ideias retrógadas. Drummond não demonstrava simpatia pelo futuro patriarca da Independência porque lhe havia dado pouco crédito em sua missão; no entanto, gabava-se por ser estimado por D. Pedro, tanto que, no dia 12 de outubro de 1822, dia de sua aclamação como Imperador do Brasil, o nomeou moço da Imperial Câmara.
Junto aos inimigos da Junta, o desembargador conseguiu maquinar sua deposição, tarefa que não foi difícil, porque ela estava fragilizada. A ideia era derrubar Gervásio e seu grupo e eleger um governo comprometido com a política tecida no Rio81. Nos dias 2 e 3 de agosto de 1822, devido a sua atuação com as tropas, conseguiu que elas se sublevassem e arrastassem para as ruas vários seguimentos da população. O governo procurou neutralizar o levante colocando nas ruas as milícias negras e pardas, que, no entanto, se baldearam para as hostes sublevadas. A Junta, então, desistiu de lutar e, no dia 13 de agosto, apresentou sua demissão para D. Pedro. Diante da situação, foram marcadas eleições para o dia 22 de agosto para os novos membros do governo transitório. Foram eleitos Francisco de Paula Gomes dos Santos (presidente), José Mariano de Albuquerque Cavalcanti (secretário), padre Inácio de Almeida Fortuna, tenente-coronel Tomé Fernandes Madeira e Felipe Néri Ferreira (membro da Junta demissionária)82.
No dia 23 de setembro de 1822, foi eleita a Junta dos Matutos, cujos integrantes pertenciam às elites agrárias. Essa gente, dita matuta, defendia o direito à propriedade rural e viu em D. Pedro esteio para defender seus interesses. Desse governo, três componentes haviam atuado na Revolução de 1817: José Mariano de Albuquerque Cavalcanti (secretário), João Neponuceno Carneiro da Cunha e Francisco Pais Barreto (futuro Marquês de Recife). Francisco de Paula Gomes dos Santos e o tenente-coronel Manoel Inácio Bezerra de Melo foram figuras importantes no movimento de Goiana. Integravam ainda a Junta dos Matutos o presidente Afonso de Albuquerque Maranhão e Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, futuro Visconde de Suassuna. Com essa Junta, as relações de Pernambuco com o Rio foram mais frequentes e amistosas. Em 12 de outubro de 1822, por ocasião do aniversário do príncipe e quando não se tinha conhecimento da Independência, os Matutos realizaram o “juramento cívico de adesão ao sistema atual do Brasil”83 e, em 8 de dezembro, quando se festou a fundação do Império, fizeram-se “solenes e tremendos juramentos de adesão e obediência” ao imperador como “legítimo monarca constitucional”84.
4. Conclusão
Um dos grandes desdobramentos da revolução constitucionalista de 1820 em Pernambuco foi propiciar o direito de as pessoas falarem sem medo de retaliações e punições. Durante as diversas manifestações de rua, várias camadas da população, utilizando seus direitos “constitucionais”, participavam gritando palavras de ordem de “viva a Constituição” e “morra o absolutismo”. Falava-se com entusiasmo sobre eleições, cortes e mudanças de governo. A Revolução do Porto desatou os nós que prendiam a população às velhas regras e à cultura de Antigo Regime e imprimiu a crença na construção de uma nação regenerada e lutadora, possuidora de direitos e de liberdade85. Entre os anos de 1820 e 1822,
muita gente buscava informações sobre as decisões do poder e procurava saber o que realmente estava acontecendo em Lisboa, no Rio de Janeiro, em Recife ou em Salvador. Além disso, as pessoas estavam dispostas à participação política: desejavam expor seu ponto de vista, julgar o que se andava escutando pelas ruas e exprimira própria opinião a respeito de determinado assunto.86
Apesar de todas as transformações advindas de uma política liberal, havia quem as olhasse com desconfiança. Afinal, os fantasmas da Revolução de 1817 ainda assombravam, porque, durante seu desbarate, a restauração realista não poupou padres, comerciantes ricos, senhores de engenhos, militares e escravizados - todos pagaram caro por desafiar a Coroa. Entretanto, a troca do governador régio por uma Junta Provisória, uma das mais importantes conquistas dos pernambucanos, se deveu ao Soberano Congresso. Mesmo com a mudança de governo, a Junta não conseguiu evitar discórdias e divisão no próprio grupo que a conduziu ao poder. Muitos liberais perderam o encanto com os congressistas e passaram a enxergar em D. Pedro um novo caminho para combater as cortes, que vinham conflitando com ele e impondo no país uma política tida como recolonizadora. Nessa queda de braço, ganharam os opositores dos gervasistas, cujo grupo apoiava o Rio e o projeto de independência nele desenhado, que visava ao centralismo e à manutenção da propriedade.
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-
3
No período em estudo, generalizou-se em Portugal o sentimento de que o país se encontrava submetido ao estatuto de colônia com a instalação da corte no Brasil desde 1808, período em que se viu mergulhado em intensa crise econômica derivada da perda de privilégios. A transferência da corte e de todo o mecanismo de poder contribuiu para o esvaziamento do Estado, o que se agravou com a crise política com a permanência de militares ingleses em postos importantes, inclusive na chefia do Exército. Por isso, um dos objetivos da revolução era o retorno do soberano e de sua corte. BEBIANO, Rui. Organização e papel do Exército. In: TORGAL, Luís Reis; ROQUE, João Lourenço (org.). História de Portugal. O Liberalismo (1807-1890). v. 5. Lisboa: Editorial Presença, 1998, p. 250. PIMENTA, João Paulo. A independência do Brasil e a experiência Hispano-americana (1808-1822). São Paulo: Hucitec Editora, 2015. p. 358.
-
4
TENGARRINHA, José. Prefácio. In: TOMÁS, Manuel Fernandes. A Revolução de 1820. 2. ed. Lisboa: Editorial Caminho, 1982. p. 45.
-
5
“Carta de hum fiel vassalo a el rei d. João VI, relatando o estado do reino de Portugal sob o governo regencial e pedindo a volta de S.M”. Documentos para a História da Independência. Cf. SOUZA, Iara Lis Franco Schiavinatto Carvalho. Pátria coroada: o Brasil como corpo político autônomo (1780-1831). São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999. p. 58.
-
6
ARAÚJO, Ana Cristina Bartolomeu de. O “Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves” 1825-1822. Revista de história das Ideias, Coimbra, n. 14, 1992, p. 233-261. p. 251.
-
7
VARGUES, Isabel Nobre. A aprendizagem da cidadania em Portugal (1820-1823). Coimbra: Minerva, 1997. p. 56.
-
8
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Corcundas e constitucionais: a cultura política da Independência (1820-1822). Rio de janeiro: Revan: FAPERJ, 2003, p. 171.
-
9
Em 24 e 26 de janeiro de 1821 instalavam-se em Lisboa, no Palácio das Necessidades, o Soberano Congresso, ou seja, as cortes constituintes. Coube aos deputados eleitos nas várias partes do Reino Unido português elaborar a Constituição, tarefa fundamental que se alongou entre os anos de 1821 e 1822, isto é, desde a apresentação e juramento das Bases da Constituição (março de 1821), apresentação do projeto (25 de junho de 1821), início de sua discussão (9 de julho de 1821), até a votação e finalmente o juramento da Constituição (de setembro a novembro de 1822). VARGUES, Isabel Nobre. Op. Cit., p. 62.
-
10
Sobre a história dos sebastianistas da Pedra do Rodeador, Cf. CABRAL, Flavio José Gomes. Paraíso Terreal: a rebelião sebastianista na Serra do Rodeador. Pernambuco, 1820. São Paulo: Annablume, 2004.
-
11
Carta de Luís do Rego datada de 1º de março de 1820 para o Ministro Tomás Antônio Vila Nova Portugal. BARRETO, Luís do Rego. Cartas Pernambucanas de Luís do Rego Barreto. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, Recife, IHGP, v. LII, 1979, p. 132.
-
12
Carta de Luís do Rego, datada de 16 de fevereiro de 1819, para o Ministro Tomás Antônio Vila Nova Portugal. BARRETO. Luís do Rego. Op. Cit. p. 96.
-
13
CARVALHO, Marcus J. M.de. Negros armados por brancos e suas independências no Nordeste (1817-1848). In: JANCSÓ, István (org.). Independência: História e historiografia. São Paulo: Hucitec, 2005. p. 882.
-
14
CABRAL, Flavio José Gomes. Conversas reservadas: “vozes públicas”, conflitos políticos e rebeliões em Pernambuco no tempo da Independência do Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2013, p. 65.
-
15
COSTA, Hipólito da. Correia Braziliense ou Armazém literário. v. XXVII São Paulo: Imprensa Oficial, 2002. p. 168.
-
16
Idem.
-
17
Arquivo Nacional. Correspondências dos Presidentes da Província. IJJ9, cód. 245, fl. 199.
-
18
BARRETO, Luiz do Rego. Memória Justificativa sobre a conduta do Marechal de Campo Luiz do Rego Barreto durante o tempo em que foi Governador de Pernambuco. Lisboa: Typ de D. Marques Leão, 1822. p. 23.
-
19
Arquivo Nacional. Op. Cit., fl. 208v.
-
20
Idem.
-
21
Idem, fl. 116.
-
22
Idem, fl. 211.
-
23
Idem, 249v.
-
24
APEJE. OR, cód. 41, fl. 85; CC, cód., 25, 144.
-
25
LIMA, Manuel de Oliveira. O movimento da Independência: 1821-1822. Belo Horizonte: Itatiaia, 1989. p. 84.
-
26
Auto de vereação extraordinária do Senado da Câmara da Vila do Recife, em 3 de março de 1821. ARQUIVO NACIONAL. Op. Cit., fl. 379.
-
27
COSTA, Hipólito da. Op. Cit., v. XXVII, p. 445.
-
28
Aurora Pernambucana, Recife, 21 mar. 1821.
-
29
ASTRO DA LUSITÂNIA, Lisboa, nº 245, 19 set. 1821.
-
30
BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. O patriotismo constitucional: Pernambuco, 1820-1822. São Paulo: Hucitec, 2006. p. 482.
-
31
CARVALHO, Marcus J. M. de. Cavalcantis e cavalgados, Op. Cit. n.p.
-
32
Idem.
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33
Presos que militaram nas fileiras liberais e que tramaram a morte do governador Luís do Rego Barreto. CABRAL, Flavio José Gomes. Conversas reservadas… Op. Cit., p. 251.
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34
IAHGP - Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Cópias dos ofícios expedidos pelo governo revolucionário [de Goiana], Gaveta 2, Revolução de 1821, fl. 2.; APEJE. OC, cód. 1, fl. 335.
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35
BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. Op. Cit. p. 387.
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36
O Decreto das Cortes de 1º de setembro de 1821, por conta dos problemas pernambucanos, regulamentou a forma de escolha e atribuições das Juntas e tinha caráter provisório, pois seria regulamentado em definitiva pela Constituição. O decreto, em primeiro lugar, substituía o governador régio por uma Junta Provisória. BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. Op. Cit. p. 323.
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37
SEGARREGA. Pernambuco: Typografia Nacional, 1821-1823. 8 dez. 1821.
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38
FARGE, Arlette. Dire et mal dire: l’opinion publique au XVIIIe siècle. Paris: Seuil, 1992. p. 23.
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39
DARTON, Robert. Uma precoce sociedade da informação: as notícias e a mídia em Paris do século XVIII, Varia História, Belo Horizonte, v. 17, n. 25, p. 9-51, jul. 2001. p. 42.
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40
AMARAL, Francisco Pacífico do. Escavações: fatos da história de Pernambuco. 2. ed. Recife: Arquivo Público Estadual, 1974, p. 96.
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41
CABRAL, Flavio José Gomes. Conversas reservadas… Op. Cit. p. 168.
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42
Bento da Costa era considerado um dos homens mais ricos de seu tempo. Por ocasião da instalação da República de Pernambuco, em 1817, colaborou com esse governo, usufruindo de grandes vantagens. Ao longo da revolução, a filha, Maria Teodora, se casou com um dos principais cabeças da revolução, o comerciante Domingos José Martins. Durante o desmonte do movimento, foi acusado de ter tomado parte nele, entretanto contou com a proteção de Luís do Rego, que o defendeu alegando ter sido oprimido pelo genro. Com o retorno de Pernambuco ao poder real ele foi um dos comerciantes que contribuiu com vultosas somas para as festas da restauração. LEITE, Glacyra Lazzari. Pernambuco 1817: estrutura e comportamentos sociais. Recife: Ed. Massangana, 1988. p. 119-124.
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43
FONSECA, Felipe Mena Calado da. Movimento Revolucionário de Goyanna em 1817(sic). Pernambuco: Typografia Mercantil, 1873. Revista do Instituto Archeologico e Geographico Pernambucano, v. XIII, n. 71-74, 1908, p. 5-69. p. 32.
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44
RELATOR VERDADEIRO. Pernambuco: Officina do Trem de Pernambuco, 1821-1822. 23 dez. 1821.
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45
BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. Op. Cit. p. 407.
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46
APEJE. R Pro 9/1, fl. 63v.
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47
AMARAL, Francisco. Op. Cit. p. 96.
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48
APEJE. OG. Cód. 21, fl. 21.
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49
Panfleto “Carta com as notícias de Pernambuco. Pernambuco, 1º 02. 1822”. In: STARLING, Heloísa Maria Murgel (org.). Vozes do Brasil: a linguagem política da Independência (1820-1824). Brasília: Senado Federal, 2021. p. 180.
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50
Idem, p. 178-180.
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51
ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO. AHU_ACL_CU_015, Cx,_287, D. 19686.
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52
SEGARREGA. Op. Cit., 6 jan 1822. BIBLIOTHECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO. Annotações - 1885-1886. Rio de Janeiro: Typ. G. Leuzinger & Filhos, 1890.
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53
COSTA, Hipólito da. Op.cit. XXVIII, p. 266-267.
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54
SEGARREGA. Op. Cit., 3 jul 1822.
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55
Essa república se inspirou no federalismo norte-americano. Os revolucionários nutriam admiração pela política norte-americana e isso ficou demonstrado quando a junta de governo, ao se comunicar com o presidente James Monroe pedindo apoio, em 12 de março de 1817, esclarecia que era na “brilhante revolução” daquele país que a revolução iniciada em Pernambuco, no dia 6 de março, procurava imitar. BIBLIOTECA NACIONAL. Documentos Históricos. Revolução de 1817. v. CI. Rio de Janeiro, v. CI, 1954. p. 19-19.
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56
BIBLIOTECA NACIONAL, op. Cit. p. 70.
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57
Cartas de D. Pedro I ao pai. CINTRA, Francisco Assis. (org.). D. Pedro I e o Grito da Independência. São Paulo: Melhoramentos, 1921. p. 50.
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58
APEJE. CC, cód. 69, fl. 15-20.
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59
CARVALHO, Marcus J.M. Cavalcantis e cavalgados, Op. Cit. n.p.
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60
Panfleto “Carta com as notícias de Pernambuco”. STARLING, Heloísa Maria Murgel (org.). Op. Cit., p. 178-180. Sobre o adjetivo benemérito era um qualificativo utilizado nos anos de 1820 em reconhecimento àqueles que lutaram pela causa vintista. CABRAL, Flavio José Gomes. Conversas reservadas… Op. Cit., p. 156-157.
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61
Panfleto Carta com as notícias de Pernambuco. STARLING, Heloísa Maria Murgel (org.). Op. Cit., p. 178-180.
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62
O Maribondo circulou pela primeira vez no dia 25 de julho de 1822, em plena efervescência política em torno da permanência de D. Pedro no Brasil. Editado na Tipografia Nacional, o periódico era vendido pelo preço de 80 réis. Seu cabeçalho ostentava uma xilogravura de um corcunda (absolutista) rodeado de marimbondos - uma crítica política aos absolutistas, atacados pelos seus opositores. Abaixo da imagem, sobressaía-se o lema “A justiça ultrajada vela em todos os corações”.
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63
VILLALTA, Luiz Carlos. O que se fala e o que se lê: língua, instrução e leitura. In: SOUZA, Laura de Mello e. História da vida privada. Cotidiano e vida privada na América portuguesa. 4. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 331-385.
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64
O Maribondo, Recife, 22 ago. 1822.
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65
COSTA, Hipólito da. Op. Cit. v. XVIII, p. 167.
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66
Segundo o decreto do Príncipe D. Pedro, eram atribuições do Conselho: “1º, Aconselhar-Me todas as vezes, que por Mim lhe fôr mandado, em todos os negocios mais importantes e difficeis; 2º Examinar os grandes projectos de reforma, que se devam fazer na Administração Geral e particular do Estado, que lhe forem communicados; 3º, Propor-Me as medidas e planos, que lhe parecerem mais urgentes e vantajosos ao bem do Reino-Unido e á prosperidade do Brazil; 4º Advogar e zelar cada um dos seus Membros pelas utilidades de sua Provincia respectiva”. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Decreto de 16 de fevereiro de 1822. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1822, p. 6, v. 1, pt II.
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67
APEJE. OR, cód. 41, fl. 159.
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68
AHU_ACL_CU_015, CX,_285, D. 19535.
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69
BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. Op. Cit. p. 574.
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70
APEJE. OR, cód. 41, fl. 172.
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71
BN, Op. Cit., p. 71.
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72
MELLO, Evaldo Cabral de. A outra independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. São Paulo: Editora 34, 2004. p. 90.
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73
O Maribondo, 25 jul. 1822.
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74
ALEXANDRE, Valentim. Os sentidos do Império: Questão nacional e questão colonial na crise do Antigo Regime português. Porto: Editora Afrontamento, 1993, p. 617-618.
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75
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Pernambuco político: do constitucionalismo à independência. São Paulo: Editora Singular, 2018. p. 54-55.
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76
SEGARREGA. Op. Cit., 3 jun. 1822.
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77
HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigação quanto a uma categoria da sociedade burguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 23.
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78
Ata da sessão da Junta de 1º de Junho de 1822. APEJE - Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano. Atas do Conselho do Governo de Pernambuco (1821-1834). Recife: Assembleia Legislativa de Pernambuco; CEPE, 1997, p. 103.
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79
SEGARREGA. Op. Cit., 1º jul 1822.
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80
BN, Op. Cit., pp. 73-74.
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81
Idem.
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82
APEJE - Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano. Atas do Conselho do Governo de Pernambuco (1821-1834). Recife: Assembleia Legislativa de Pernambuco; CEPE, 1997, p. 132. Gazeta do Rio. Rio de Janeiro, n. 154, 26 dez. 1822, fl. 796.
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83
APEJE. Atas do Conselho do Governo de Pernambuco (1821-1834), Op. Cit, p. 692-693.
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84
Idem, p. 695.
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85
VARGUES, Isabel. Op. Cit., p. 102.
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86
STARLING, Heloisa Murgel; RODRIGUES, Randolfo Rodrigues. Prefácio. In: STARLING, Heloisa Maria Murgel (org.). Vozes do Brasil: a Linguagem política na Independência (1820-1824). Brasília: Senado Federal, 2021. p. 20.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Maio 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
05 Maio 2021 -
Aceito
23 Mar 2022