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Efeito da educação musical na promoção do desempenho escolar em crianças

RESUMO

Objetivo

Este estudo investigou o efeito da educação musical no repertório de habilidades escolares em crianças expostas e não expostas à educação musical.

Método

Foram avaliadas 80 crianças, entre oito a doze anos, ambos os sexos, divididos em dois grupos: 40 alunos com educação musical (experimental) e 40 alunos sem educação musical (controle). Para coleta dos dados, foram utilizados o questionário do Sistema de Avaliação de Habilidades Sociais (SSRS-M) e o Teste de Desempenho Escolar (TDE).

Resultados

Indicaram diferença estatisticamente significante nas crianças expostas à educação musical, evidenciando que houve melhoria no desempenho escolar e na competência acadêmica.

Conclusão

Portanto, é de grande relevância o benefício da aprendizagem musical aliada a diferentes áreas da educação e da saúde, uma vez que pode representar uma estratégia eficaz na prática inclusiva e na promoção da saúde física e mental das crianças.

Descritores
Educação Musical; Aprendizagem; Desenvolvimento; Educação; Música

ABSTRACT

Purpose

This study investigated the effect of music education on the repertoire of school skills in children submitted and not to music education.

Methods

The study sample was composed of 80 children aged 8-12 years, of both genders, divided into two groups: 40 students submitted to music education (experimental) and 40 students not submitted to music education (control). Data were collected using the Social Skills Rating System (SSRS-BR) and the School Performance Test (SPT) questionnaire. The results were submitted to statistical analysis (paired sample t-test and repeated measures ANOVA) at a 5% significance level.

Results

Results showed statistically significant difference between the groups, evidencing improvement in school performance and academic competence in the children submitted to music education.

Conclusion

The benefit brought by musical learning associated with different areas of education and health is of great relevance, representing an effective strategy in inclusive practice and promotion of physical and mental health in children.

Keywords
Music Education; Learning; Development; Education; Music

INTRODUÇÃO

A inclusão socioeducativa de crianças e adolescentes é um tema atual, tendo em vista as diretrizes da OMS(11 World Health Organization. Life skills education for children and adolescents in schools: introduction and guidelines to facilitate the development and implementation of life skills programmes. Geneva: WHO; 1997.) que preconizam o desenvolvimento das habilidades de vida como fator de proteção nessas etapas do ciclo vital. Na prática, são propostas várias atividades artísticas, entre elas o ensino musical.

A análise da literatura aponta para a utilização das atividades musicais na promoção das habilidades de vida englobando as habilidades sociais e escolares que devem ser utilizadas como fatores de proteção para o desenvolvimento satisfatório da infância, pois uma vez que habilidades sociais são fatores essenciais para o pleno desenvolvimento da criança em idade escolar, consideramos que a educação musical pode contribuir tanto na avaliação quanto na promoção dessas habilidades.

O ser humano é essencialmente musical, seja no ritmo corporal (andar, mastigar, falar), seja no ritmo fisiológico (respirar e nos batimentos cardíacos), e a música tem se mostrado importante para o neurodesenvolvimento da criança e de suas funções cognitivas. O aprendizado musical interfere na plasticidade cerebral, favorece conexões entre neurônios na área frontal, que é relacionada a processos de memorização e atenção, além de estimular a comunicação entre os dois lados do cérebro, o que pode explicar sua relação com raciocínio e matemática(22 Ballone GJ. A música e o cérebro. PsiqWeb [Internet]. 2010 [citado em 2012 Ago 17]. Disponível em http://www.psiqweb.med.br
http://www.psiqweb.med.br...
).

A música ativa diversas áreas cerebrais, mesmo aquelas que estão envolvidas com outros tipos de cognição, tornando-se um estudo complexo, mas que permite o conhecimento do funcionamento cerebral, desde o aprendizado de uma habilidade motora, da linguagem, até a origem das emoções(33 Zatorre R, McGill J. Music, the food of neuroscience? Nature. 2005;434(7031):312-5. http://dx.doi.org/10.1038/434312a. PMid:15772648.
http://dx.doi.org/10.1038/434312a...
).

A prática musical faz com que o cérebro funcione “em rede”: o indivíduo, ao ler determinado sinal na partitura, necessita passar essa informação (visual) ao cérebro; este, por sua vez, transmite à mão o movimento necessário (tato); por fim, o ouvido acusa se o movimento feito está correto ou não (audição), e embora a percepção da música se localize primordialmente no hemisfério direito do cérebro, os estudos recentes apontam que o aprendizado musical depende dos dois hemisférios, uma vez que ele é interdependente de outras funções cerebrais, como a memória, a linguagem verbal, a resolução de problemas e a análise, entre outras(44 Abbott A. Neurobiology: music, maestro, please! Nature. 2002;416(6876):12-4. http://dx.doi.org/10.1038/416012a. PMid:11882864.
http://dx.doi.org/10.1038/416012a...
,55 Sharon B. A música na mente. Revista Newsweek, 2000.).

Dentre as principais modalidades de intervenção musical, temos a educação musical, que é um processo de construção do conhecimento e tem como objetivo despertar e desenvolver o gosto pela música, favorecendo o desenvolvimento da sensibilidade, criatividade, senso rítmico, do prazer de ouvir música, da imaginação, memória, concentração, atenção, autodisciplina, do respeito ao próximo, da socialização e afetividade, também contribuindo para uma efetiva consciência corporal e de movimentação(66 Costa-Giomi E. Los beneficios extramusicales del aprendizaje del piano. In 3º Encontro Latino-Americano de Educação Musical (ISME-SADEM); 2001 Ago 8-9; Mar del Plata, Argentina. Anais. Mar del Plata; 2001. p. 87-90.).

Ressalta o quanto a música auxilia na compreensão e na aprendizagem de várias matérias escolares(77 Bréscia VL. Educação musical: bases psicológicas e ação preventiva. São Paulo: Átomo; 2003. p. 18-9.); e se a função mais evidente da escola é preparar os jovens para o futuro, para a vida adulta e suas responsabilidades, nesse contexto, a música pode contribuir para tornar o ambiente escolar mais favorável à aprendizagem, estimulando a capacidade de cada aluno(88 Correia MA. Música na educação: uma possibilidade pedagógica. Revista Luminária. 2003;83:61519.), melhorando a concentração e o desempenho individual(99 Snyders G, Ferreira MJA, Fusari MF. A escola pode ensinar as alegrias da música? São Paulo: Cortez; 1992.).

Habilidades sociais e escolares

O campo das habilidades sociais (HS) vem sendo muito utilizado de forma interdisciplinar, considerando que tais habilidades são comportamentos sociais necessários para construção de relações interpessoais saudáveis e produtivas(1010 Katsh S, Merle-Fishman C. The music within you. Barcelona: Barcelona Publishers; 1998.) em diferentes ambientes e com diferentes tipos de pessoas(1111 Del Prette A, Del Prette ZA. Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Petrópolis: Editora Vozes Limitada; 2017.), de acordo com parâmetros típicos de cada contexto e cultura(1212 Del Prette A, Del Prette ZA. Habilidades sociais: conceitos e campo teórico-prático [Internet]. 2006 [citado em 2006 Dez 01. Disponível em http://www.rihs.ufscar.br
http://www.rihs.ufscar.br...
).

Conforme Murta(1313 Murta SG. Aplicações do treinamento em habilidades sociais: análise da produção nacional. Psicol Reflex Crit. 2005;18(2):283-91. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722005000200017.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722005...
), os conceitos de HS e competência social qualificam um tipo especial de desempenho social (emissão de um comportamento ou sequência de comportamentos em uma situação social qualquer). O termo HS aplica-se à noção de existência de diferentes classes de comportamentos sociais no repertório do indivíduo, valorizados pela cultura e requeridos para lidar com as demandas das situações interpessoais. A competência social (CS) é a capacidade do indivíduo de organizar pensamentos, sentimentos e ações (coerentes entre si), em função de seus objetivos e valores para atender às demandas imediatas e mediatas do ambiente. A CS tem sentido avaliativo que remete aos efeitos do desempenho das habilidades nas situações vividas pelos indivíduos. Em síntese, os autores apontam que o desempenho socialmente competente depende de um conjunto de requisitos, que foram resumidos em: (a) diversidade de habilidades sociais, (b) desenvolvimento de valores de convivência, (c) conhecimentos sobre as normas de convivência do ambiente social, (d) autoconhecimento, (e) automonitoria definida como uma habilidade geral de observar, descrever, interpretar e regular pensamentos, sentimentos e comportamentos em situações sociais.

Del Prette e Del Prette(1414 Del Prette Z, Del Prette A. Psicologia das relações interpessoais: vivências para o trabalho em grupo. In: Prette Z, Prette A. Psicologia das relações interpessoais: vivências para o trabalho em grupo. Petrópolis: Vozes; 2004.) organizaram as HS em classes e subclasses de maior ou menor abrangência, entre elas habilidades: (a) de comunicação, (b) de civilidade (dizer por favor, agradecer, apresentar-se, cumprimentar); (c) assertivas de enfrentamento ou defesa de direitos e cidadania (expressar opinião, discordar, fazer e recusar pedidos, interagir com autoridades, lidar com críticas, expressar desagrado, lidar com a raiva do outro, pedir mudança de comportamento entre outros), (d) empáticas e de expressão de sentimento positivo, (e) profissionais ou de trabalho (coordenação de grupo, falar em público), (f) educativas de pais, professores e outros agentes envolvidos na educação ou treinamento.

Por serem consideradas fatores de proteção para problemas de aprendizagem e de comportamento, as HS contribuem para promoção de saúde na infância e adolescência(1515 Murta SG, Del Prette A, Nunes FC, Del Prette ZA. Problemas en la adolescencia: Contribuciones del entrenamiento en habilidades sociales In: JC Salamanca. Manual de intervención psicológica para adolescentes: ámbito de la salud y educativo. 2006.). Já as funções da música na vida cotidiana estão claramente relacionadas às relações interpessoais, demonstrando o seu papel como importante aliado às alternativas de tratamento, especialmente quando utilizada como técnica de intervenção nos processos comportamentais e estados emocionais(16,16 Abramides DVM, Lamônica DAC, Santos LHZ. Autism Spectrum Disorders (ASD): social skills in the school context. In: 28th World Congress of IALP International Association of Logopedics an Phoniatrics; 2010; Atenas. Anais. Atenas; 2010. p. 97. 17,17 Caballo VE. Manual de avaliação e treinamento das habilidades sociais. Santos; 2003. 18,18 Gresham FM, Sugai G, Horner RH. Interpreting outcomes of social skills training for students with high-incidence disabilities. Except Child. 2001;67(3):331-44. http://dx.doi.org/10.1177/001440290106700303.
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19,19 Gresham FM. Best practices in social skills training. In Gresham FM. Best practices in school psychology. Bethesd: National Association of School Psychologists; 1995. p. 1021-30. 2020 Ilari B. Música, comportamento social e relações interpessoais. Psicol Estud. 2006;11(1):191-8. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722006000100022.
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).

Estudos apontam a relação entre a competência acadêmica e as habilidades sociais, pois ao compararem crianças com e sem dificuldades de aprendizagem, perceberam que alunos com tais dificuldades apresentavam maiores déficits em interações sociais. Os autores sugerem que a promoção da competência social das crianças pode favorecer drasticamente o desempenho acadêmico destas(2121 Stevanato IS, Loureiro SR, Linhares MB, Marturano EM. Autoconceito de crianças com dificuldades de aprendizagem e problemas de comportamento. Psicol Estud. 2003;8(1):67-76. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722003000100009.
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,2222 Bandeira M, Rocha SS, Pires LG, Del Prette ZA, Del Prette A. Competência acadêmica de crianças do ensino fundamental: características sociodemográficas e relação com habilidades sociais. Interação Psicol. 2006;10(1):53-62. http://dx.doi.org/10.5380/psi.v10i1.5773.
http://dx.doi.org/10.5380/psi.v10i1.5773...
).

As funções da música na vida cotidiana estão claramente relacionadas às relações interpessoais, e o aumento do número de pesquisas relacionando o aprendizado musical no campo da saúde e educação tem demonstrado o seu papel como importante aliado às alternativas de tratamento, especialmente quando utilizada como técnica de intervenção nos processos comportamentais, de aprendizagem e estados emocionais.

Considerando os aspectos de interação social, habilidades sociais são fatores essenciais e importantes para o pleno desenvolvimento da criança em idade escolar, a atuação do educador musical junto a outros profissionais, como fonoaudiólogos e psicólogos, pode contribuir tanto na avaliação quanto na promoção dessas habilidades, desenvolvendo metodologias e técnicas que otimizem o repertório social de forma econômica e eficaz. E nisdo consiste o caráter inovador do presente estudo, na medida em que a Música enquanto Ciência Humana, se une às áreas da Fonoaudiologia e Psicologia para o estabelecimento de abordagem multidisciplinar.

A partir da literatura analisada, verifica-se que são escassos os estudos que verificam o impacto da música sobre as HS definidas em categorias mais específicas, como o desempenho escolar. Nesse sentido, o objetivo geral deste estudo é investigar o efeito da educação musical sobre o repertório de habilidades escolares de crianças expostas e não expostas à educação musical. Os objetivos específicos são: (a) comparar o repertório de habilidades escolares das crianças de cada grupo do experimento, antes e após a educação musical; e (b) comparar o repertório de habilidades escolares de crianças expostas e não expostas à educação musical.

MÉTODO

O estudo teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (processo nº162.293/2012), e todos os participantes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Foi realizado no Polo de Bauru do Projeto Guri – Associação Amigos do Projeto Guri, vinculado à Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, que oferece um programa de educação musical. O principal objetivo do Projeto é favorecer o desenvolvimento e a inclusão social da criança e do adolescente por meio da música.

Foram selecionadas crianças inscritas no Projeto Guri, com a autorização da coordenação da Associação Amigos do Projeto Guri – AAPG. A faixa etária da casuística concentrou-se entre 8-12 anos, pelo fato de essa representar o período de aquisição e desenvolvimento das habilidades escolares, bem como a consolidação do repertório de habilidades sociais.

Os participantes foram divididos em dois grupos: experimental (GE) e controle (GC). Os critérios de elegibilidade para o GE foram os seguintes: faixa etária entre 8 e 12 anos; ambos os gêneros; presença ou não de quadros de deficiência física, mental e/ou comportamental; sem aprendizado musical anterior; regularmente matriculados na rede de ensino; inscritos no Projeto Guri e com previsão de início imediato para o ensino musical. Os critérios de elegibilidade para o GC foram os mesmos para o GE, com exceção do último item supracitado, ou seja, estavam aguardando em fila de espera.

No total, participaram do estudo 80 crianças, dentro dos critérios estabelecidos para inclusão na pesquisa, sendo 40 crianças que tiveram educação musical (GE) e 40 crianças que não tiveram educação musical (GC). Também participaram 80 mães e 80 professores que não conheciam o grupo dos participantes.

O delineamento quase-experimental foi adotado por envolver a condição controle, que permitiu comparações a partir da avaliação de indicadores considerados importantes em interações sociais (variáveis dependentes) obtidos na pré e pós-intervenção (educação musical – variável independente). Ambos os grupos foram avaliados por meio de dois instrumentos: o Teste de desempenho escolar e o Sistema de avaliação de Habilidades Sociais.

O estudo enfocou a primeira etapa do programa de educação musical, com duração de seis meses. Esta etapa foi realizada no formato coletivo com as 40 crianças, no aprendizado de instrumentos musicais em geral. A iniciação é composta de duas aulas semanais, divididas por instrumentos. Cada aula tem duração de 60 minutos. Todos os participantes foram avaliados no início das atividades e seis meses após.

Na primeira etapa, a criança será introduzida aos conceitos e teorias do universo musical, por meio do lúdico. Nessa etapa ela irá aprender a desenvolver suas habilidades musicais através de atividades que irão trabalhar os elementos básicos do som e da música. A criança começará a desenvolver a linguagem teórica e prática musical por meio do aprendizado do instrumento musical escolhido (Figura 1).

Figura 1
Modelo de estrutura de aula utilizado para promoção das habilidades escolares

Para avaliação das crianças de ambos os grupos, foram utilizados os seguintes instrumentos:

  • Com a criança: Teste de Desempenho Escolar (TDE). O teste é um instrumento psicométrico, desenvolvido por Stein(2323 Stein LM. TDE: teste de desempenho escolar: manual para aplicação e interpretação. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1994. p. 1-7.), que busca oferecer, de forma objetiva, uma avaliação das capacidades para o desempenho escolar de crianças de 1ª a 6ª séries do Ensino Fundamental, mais especificamente da escrita, aritmética e leitura.

  • Com pais e professores: Sistema de Avaliação de Habilidades Sociais (SSRS-BR). A escala produzida originalmente nos EUA(2424 Gresham FM, Elliott SN. Social skills rating system: manual. Falls Church: American Guidance Service; 1990.), validada para o contexto brasileiro por Bandeira et al.(2222 Bandeira M, Rocha SS, Pires LG, Del Prette ZA, Del Prette A. Competência acadêmica de crianças do ensino fundamental: características sociodemográficas e relação com habilidades sociais. Interação Psicol. 2006;10(1):53-62. http://dx.doi.org/10.5380/psi.v10i1.5773.
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    ) com qualidades psicométricas já constatadas em termos de consistência interna e estabilidade temporal para crianças do Ensino Fundamental. Para o estudo, foram utilizadas as versões para professores (P) e para mães (M), que avaliam tanto a frequência e importância das habilidades sociais, quanto a frequência dos comportamentos problemáticos das crianças e também a competência acadêmica.

Para o GE, foram aplicados os dois instrumentos antes (pré) e depois (pós) da intervenção. Para o GC, não expostos à educação musical, foram aplicados os mesmos instrumentos num primeiro momento (1º teste) e reaplicados após seis meses (2º teste), enquanto o GE passava pelo procedimento de intervenção, na sede do Projeto Guri em Bauru.

Os dados obtidos foram tabulados e analisados por estatístico habilitado, por meio do programa PASW 18 - SPSS Statistics 22.0, Softonic International S.L. e pelo programa Statistica for Windows versão 10.0, StatSoft Inc. Foi realizado o cálculo da média e porcentagem dos valores, para caracterização dos grupos, e para o controle de variáveis foram aplicados os testes: Qui-Quadrado (gênero e tipo de escola), teste t (idade) e Mann-Whitney (nível socioeconômico).

Para comparação entre os resultados do 1º teste e 2º teste, tanto no GE quanto no GC, foi realizado o Teste t pareado. Para comparação entre os grupos (experimental e controle), foi realizado o Teste ANOVA para análise de variâncias de medidas repetidas. Para confirmação de resultados do teste ANOVA para análise de variâncias de medidas repetidas, foi realizado o Teste de Tukey. Em todos os testes estatísticos foi adotado nível de significância de 5% (p<0,05).

RESULTADOS

A Tabela 1 mostra a caracterização dos participantes em termos de: gênero, idade, nível socioeconômico familiar e tipo de escola que frequentam. A análise estatística mostra que não houve diferença significante entre os grupos, mantendo a equivalência inicial.

Tabela 1
Caracterização dos participantes da amostra

Nas Tabelas 2 e 3, respectivamente, são apresentados os valores de média, desvio-padrão e significância do total, escrita, aritmética e leitura do grupo experimental (GE) e controle (GC), de acordo com as respostas do Teste de desempenho escolar (TDE). Observando-se os valores referentes ao TDE, verificou-se que há diferença estatística significante quando comparados os resultados da primeira e segunda avaliação intragrupos dos grupos experimental e controle de acordo com o desempenho dos alunos no teste.

Tabela 2
Comparação entre os resultados da primeira e segunda avaliação do grupo experimental, em relação ao teste de desempenho escolar (TDE)
Tabela 3
Comparação entre os resultados da primeira e segunda avaliação do grupo controle, em relação ao teste de desempenho escolar (TDE)

Nas Tabelas 4 e 5, respectivamente, são apresentados os valores de média, desvio-padrão e significância da competência acadêmica do grupo experimental (GE) e controle (GC), de acordo com as respostas do Sistema de Avaliação de Habilidades Sociais (SSRS-BR). Observando-se os valores referentes ao SSRS-BR, verificou-se que há diferença estatística significante quando comparados os resultados da primeira e segunda avaliação intragrupo do grupo experimental, de acordo com a visão dos professores.

Tabela 4
Comparação da avaliação da competência acadêmica do sistema de avaliação de habilidades sociais (SSRS-BR), na visão dos professores, entre os resultados da primeira e segunda avaliação do grupo experimental
Tabela 5
Comparação da avaliação da competência acadêmica do sistema de avaliação de habilidades sociais (SSRS-BR), na visão dos professores, entre os resultados da primeira e segunda avaliação do grupo controle

DISCUSSÃO

A faixa etária escolhida para esse estudo (Tabela 1) se baseou em estudos que apontam que essa é a melhor fase da vida para o neurodesenvolvimento da criança e de suas funções cognitivas(22 Ballone GJ. A música e o cérebro. PsiqWeb [Internet]. 2010 [citado em 2012 Ago 17]. Disponível em http://www.psiqweb.med.br
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,2525 Chiarelli LK, Barreto SD. A música como meio de desenvolver a inteligência e a integração do ser. Revista Recre@rte. 2005;3:1-10.). Pensando nesses fatores, é possível relacionar o desenvolvimento infantil diretamente às habilidades sociais e acadêmicas, uma vez que estudos da literatura analisada(2626 Hidalgo C, Gloria C, Abarca M. Comunicación interpersonal: programa de entrenamiento en habilidades sociales. México: Alfaomega; 1999.,2727 Del Prette Z, Del Prette A. Psicologia das habilidades sociais: terapia e educação. Petrópolis: Vozes; 1999.) indicam que tais habilidades começam a ser adquiridas e são mais bem desenvolvidas na infância, por meio de diferentes processos de aprendizagem, como pessoas próximas, modelagem social e esquemas de reforçamento.

A escolha da educação musical como procedimento de intervenção se deu pelo fato de que o aprendizado musical trabalha fatores emocionais, sensitivos, cognitivos, perceptivos, motores, sociais e de linguagem.

Em relação à análise das avaliações do TDE (Tabelas 2 e 3), é possível observar que houve diferença estatística significante tanto no GE (Tabela 2) quanto no GC (Tabela 3), em relação à leitura, escrita e aritmética.

Apesar de não ter passado pelo procedimento de intervenção, o GC também estava inserido no ensino escolar regular. Logo, o desenvolvimento adequado em relação às competências escolares e aprendizado de ambos os grupos avaliados era esperado.

Porém, os resultados apontam que o GE teve melhor desempenho na aritmética, quando comparado ao GC. Tal mudança favorável no GE pode ser analisada à luz de estudos que apontam que a prática musical aliada à execução precisa e veloz engloba movimentos físicos complexos e experiências emocionais, integrando habilidades motoras, mentais e sociais de várias estruturas neurais.

Também está implícito nessas habilidades a capacidade de se adaptar às mudanças de estímulos, o que é uma característica da plasticidade cerebral, que requer a interdependência das funções dos dois hemisférios cerebrais, provocando interações neurais que resultam nas reações humanas ao estímulo musical, mostrando como o cérebro integra tarefas perceptuais e comportamentais complexas(44 Abbott A. Neurobiology: music, maestro, please! Nature. 2002;416(6876):12-4. http://dx.doi.org/10.1038/416012a. PMid:11882864.
http://dx.doi.org/10.1038/416012a...
). Para Cardoso et al.(2828 Cardoso SH, Sabbatini RM. Aprendizagem e mudanças no cérebro. Cérebro e Mente. 2000; oct.) a música pode constituir um estímulo importante para o desenvolvimento do cérebro da criança. Ilari(2020 Ilari B. Música, comportamento social e relações interpessoais. Psicol Estud. 2006;11(1):191-8. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722006000100022.
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) afirma que, no período entre o nascimento e os dez anos de idade, o cérebro da criança está em pleno desenvolvimento e apresenta maiores e melhores condições para o aprendizado.

Comparando a avaliação da competência acadêmica (Tabelas 4 e 5) entre os grupos (GE e GC), percebemos que houve diferença estatística significante no GE. Quando pensamos em aprendizado, pensamos em uma atividade a longo prazo, então o tempo tem influência direta no aprendizado humano.

Para Ilari(2020 Ilari B. Música, comportamento social e relações interpessoais. Psicol Estud. 2006;11(1):191-8. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722006000100022.
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722006...
), apesar de muitos educadores questionarem como estimular o cérebro e a inteligência musical de uma criança, ninguém precisa fazer mágica para desenvolvê-los, basta fazer música, pois os estudos apontam que o aprendizado musical auxilia nos sistemas que compõem a mente humana (controle de atenção, motor, memória, ordenação espacial, superior, entre outros). Villa-Lobos(2929 Villa-Lobos H. Villa-Lobos por ele mesmo. In Villa-Lobos H, Claret M, Ribeiro JC, Bruno JC. O pensamento vivo de Heitor Villa-Lobos. Martin Claret Editores; 1987. p. 12-25.), aponta que quando a educação musical é realizada em formato coletivo, ela possui alto poder de socialização e predispõe o indivíduo a perder, no momento necessário, o egoísmo e individualismo, integrando-o na sociedade.

Convém ressaltar que, no presente estudo, foi realizada somente a primeira etapa da educação musical, fator que pode ter influenciado nos resultados, pois como já vimos, o fator do tempo de exposição ao ensino musical tem influência direta no desempenho acadêmico da criança. Ou seja, seria importante verificar o quanto a conclusão das etapas subsequentes impactaria no desempenho escolar, uma vez que o aprendizado musical tem sido utilizado para aumentar o desempenho das crianças nas tarefas em sala de aula(3030 Zimny GH, Weidenfeller EW. Effects of music upon GSR of children. Child Dev. 1962;33(4):891-6. http://dx.doi.org/10.2307/1126899. PMid:14003729.
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), melhorar a aprendizagem de diversas matérias escolares, a concentração e o desempenho individual(88 Correia MA. Música na educação: uma possibilidade pedagógica. Revista Luminária. 2003;83:61519.

9 Snyders G, Ferreira MJA, Fusari MF. A escola pode ensinar as alegrias da música? São Paulo: Cortez; 1992.
-1010 Katsh S, Merle-Fishman C. The music within you. Barcelona: Barcelona Publishers; 1998.).

Levando em consideração os resultados sobre o efeito da educação musical na promoção do desempenho escolar, a investigação associando as duas temáticas revelou-se promissora neste estudo, pois a estrutura de aula utilizada, o ambiente físico e interativo, a qualidade dos estímulos, as contingências estabelecidas e a interdisciplinaridade entre as áreas da Fonoaudiologia, Psicologia e Música são os fatores que fazem com que o aprendizado musical tenha efeito positivo.

Convém ressaltar as limitações apresentadas pelo presente estudo. O delineamento quase experimental impediu a generalização sobre o efeito da intervenção. Também não foram realizadas todas as etapas da educação musical para avaliação, o que pode ser investigado em estudos futuros.

CONCLUSÃO

Crianças expostas à educação musical apresentaram melhora significativa na competência acadêmica e em seu repertório de habilidades escolares, em relação à leitura, escrita e principalmente na aritmética, interferindo positivamente em seu desempenho escolar, quando comparadas a crianças que não foram expostas à educação musical. Também concluímos que o fator tempo de exposição ao ensino musical é primordial para o desenvolvimento da competência acadêmica destas.

No grupo das crianças que não foram expostas à educação musical não houve melhora estatisticamente significativa na competência acadêmica, mas houve melhora nas habilidades escolares, pois também estavam inseridas no ensino escolar regular. Sendo assim, o desenvolvimento acadêmico delas também era esperado.

Em nenhum dos grupos houve correlações negativas entre educação musical e desempenho escolar.

  • Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia, Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo – USP - Bauru (SP), Brasil.
  • Fonte de financiamento: nada a declarar.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2018
  • Aceito
    07 Mar 2019
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