Open-access Escuta Clínica, Equipe de Saúde Mental e Fonoaudiologia: experiência em Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSij)

RESUMO

Objetivo:  A prática fonoaudiológica na saúde mental é interrogada pelo desafio de produzir estratégias compartilhadas de cuidado para, sobretudo, ampliar as condições e o repertório comunicacional, a circulação discursiva e social de sujeitos em sofrimento mental. O objetivo deste estudo foi identificar a percepção sobre escuta clínica de uma equipe de Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSij), especificando a função da fonoaudiologia no cuidado e na escuta dos casos.

Método:  Trata-se de pesquisa participativa e dialógica. Utilizou-se grupo de discussão para coleta de dados.

Resultados:  estão agrupados nas categorias: conceituação de escuta; escuta e processo de trabalho; efeitos da escuta; fonoaudiologia e escuta. A equipe pensa a escuta clínica como dispositivo central nos cuidados em saúde mental. A escuta clínica favorece a reflexão acerca de dinamismos biopsíquicos do cuidado em saúde. Observou-se contribuições da fonoaudiologia em camadas intra e interinstitucionais, assim como no trabalho clínico-terapêutico da equipe de saúde, dos usuários e familiares. As competências e conhecimentos do fonoaudiólogo sobre aspectos orgânicos do desenvolvimento infantil, na opinião dos profissionais, potencializam a escuta clínica.

Conclusão:  Conclui-se que, sem o trabalho em equipe, o cuidado no CAPSij não aconteceria de forma qualificada sob os marcos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e do Sistema Único de Saúde (SUS). A escuta clínica é condição de possibilidade do cuidado ofertado pela equipe.

Descritores Serviços de Saúde Mental; Saúde Pública; Humanização da Assistência; Saúde Mental; Fonoaudiologia

ABSTRACT

Purpose:  The speech therapy practice in mental health is questioned by the challenge of producing shared care strategies to, above all, expand the conditions and the communicational repertoire, the discursive and social circulation of people with mental suffering. Objective of this study was to identify the perception of clinical listening in professionals of Child and Adolescent Psychosocial Care Center (CAPSij), specifying the role of speech therapy in the care and listening of patientes.

Methods:  This is a participatory and dialogical research. A discussion group was used to collect data.

Results:  were grouped in the following categories: listening conception; listening and working process; listening effects; speech therapy and clinical listening. These professionals think of clinical listening as a central device for mental health care. The clinical listening favors reflection on the bio psychic dynamics of healthcare. It was observed contributions of speech therapy in intra and interinstitutional scopes, in the clinical-therapeutic work of the health professionals, patients and relatives. The speech therapist’s skills and knowledge about organic aspects of child development in the opinion of professionals enhance clinical listening.

Conclusion:  It was concluded that without teamwork, care in CAPSij would not happen in a qualified way under the public health policies: Psychosocial Care Network (PSCN) and Unified Health System (SUS) frameworks. The clinical listening is a condition of possibility of the care offered by the professionals.

Keywords Mental Health Services; Public Health; Humanization of Health Care; Speech-Language-Hearing Sciences

INTRODUÇÃO

A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) desafia a prática de seus profissionais, desenha contornos institucionais e clínicos próprios, nascidos do movimento antimanicomial e de seus resultados em políticas e práticas de saúde.

Tais contornos buscam superar a lógica hospitalocêntrica - centrada na medicalização dos cuidados e no isolamento manicomial - e construir cuidados capazes de acolher e de cuidar das pessoas com transtornos mentais, não apenas em função das dimensões psicopatológicas envolvidas, mas também relacionando-se com a espessura das condições sociais e (inter)subjetivas que engendram, mantém e/ou intensificam o sofrimento psíquico dos sujeitos, em seus contextos, modos e história de vida (pessoal, familiar, social).

É nessa medida que a RAPS assume a Clínica Ampliada como uma das diretrizes do cuidado em saúde mental, convocando seus trabalhadores a colocarem os saberes disciplinares a serviço de uma clínica cuja centralidade está no sujeito em sofrimento; está na escuta do sujeito e das experiências e acontecimentos que o produzem, sustentando (ou não) sua subjetivação - processos pelos quais se faz ou tenta se fazer sujeito, para si e para o outro.

A escuta, na perspectiva da Clínica Ampliada, está definida pela investigação das razões pelas quais houve o adoecimento dos usuários e como estes se sentem e agem em relação aos sintomas e ao sofrimento, para compreender a doença e se (co)responsabilizar pela produção de sua saúde no processo de cuidado(1).

O conceito de escuta, aqui, aproxima-se do sentido que lhe confere a psicanálise, em nossas palavras: atenção profissional de natureza, simultaneamente, sensível e técnica, que parte dos conteúdos manifestos (queixas e sintomas) para conhecer e elaborar, junto com o paciente, os conteúdos latentes ou demandas que subjazem aos aspectos visíveis do sofrimento trazido ao clínico; são conteúdos somáticos e/ou psíquicos, experiências e modos de lidar com a vida e a saúde, que engendram o adoecimento e mantêm ou intensificam sua sintomatologia. Não por acaso, Freud(2) afirmava que “não se deve esquecer que o que se escuta, na maioria, são coisas cujo significado só é identificado posteriormente.”

As perspectivas da Clínica Ampliada foram formuladas pela Política Nacional de Humanização - PNH (2009), enfrentando a fragmentação do processo de trabalho em saúde e a tendência, ainda dominante, de especialismos na formação profissional e nas práticas de saúde no Sistema Único de Saúde (SUS).

O intento da PNH foi, entre outros, valorizar as abordagens disciplinares integradas, atravessadas umas pelas outras, em busca de um manejo mais eficaz da complexidade do trabalho em saúde. Nesse sentido, a escuta clínica aparece como condição para alçar os usuários à posição de protagonistas, abrindo as posições mais estritamente disciplinares dos profissionais ao caráter heteróclito e multifacetado do processo saúde/doença.

Essas considerações sugerem que, além das dimensões técnicas e procedimentais, o trabalho em saúde é também, necessariamente, dialógico e transversal a vários conhecimentos profissionais, assim como aos saberes dos usuários sobre suas vidas e processos de saúde/doença.

Campos et al.(3) esclarecem que o exercício da Clínica Ampliada

[...] pressupõe a existência de espaços coletivos, nos quais os profissionais, em equipe, possam exercitar sua capacidade de analisar e intervir em conjunto, refletindo sobre os efeitos de suas práticas, sobre o que se passa na relação entre a equipe e entre a equipe e os usuários, e deliberando coletivamente sobre isso. (p. 991)

O trabalho em equipe e a escuta clínica constituem pilares da clínica na RAPS. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), nessa medida, operam o cuidado dos casos por meio de equipes de referência, buscando pensá-los coletivamente e em interação com o território de saúde.

Para a fonoaudiologia, pensar as bases e os sentidos de sua pertença no campo da saúde mental implica, entre outras coisas, refletir sobre as concepções de linguagem (objeto da fonoaudiologia), de sujeito e de clínica que aí podem se assentar, de modo a fundamentar e pactuar propostas práticas de atuação nos diferentes pontos de atenção da RAPS.

A prática fonoaudiológica na saúde mental é interrogada pelo desafio de produzir estratégias compartilhadas de cuidado para, sobretudo, ampliar as condições e o repertório comunicacional, a circulação discursiva e social de sujeitos em sofrimento mental. Os profissionais da equipe de um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSij) onde a presente pesquisa foi realizada percebem, nas dificuldades de linguagem dos pacientes, um dos principais entraves aos cuidados psicossociais e ao convívio social.

A questão da fonoaudiologia é, então, aportar conhecimentos e expertises clínicas sobre aspectos e dimensões envolvidos com a comunicação humana e com seus eventuais distúrbios, mas de modo a comporem, com outros saberes da equipe do Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSij), na pactuação, fundamentação e construção de propostas práticas de cuidado às pessoas com transtorno mental, assim como na estruturação da escuta dos casos para elaboração e consecução dos Projetos Terapêuticos Singulares (PTSs).

Estamos realizando essa aproximação entre fonoaudiologia e saúde mental sob o pano de fundo das noções de “núcleo” e “campo” propostas por Campos(4). Segundo o autor, “o núcleo demarcaria a identidade de uma área de saber e de prática profissional; e o campo, um espaço de limites imprecisos onde cada disciplina e profissão buscariam, em outras, apoio para cumprir suas tarefas teóricas e práticas” (op. cit., p. 220). A questão não é abdicar do fluxo criador de cada núcleo, mas produzir intersecção entre eles, agenciar, interferir nos núcleos disciplinares, permitindo que os campos de saber e de práticas profissionais do SUS vicejem(5).

Como já ficou claro, o campo de interesse aqui é o da saúde mental - área de conhecimento e de práticas clínicas -, e o núcleo é o da fonoaudiologia, disciplina responsável pelos estudos e pela clínica dos assim chamados distúrbios da comunicação humana. Comunicação humana entendida, nas palavras de Souza(6), como:

função e potência da linguagem, no sentido de um desejo inelutável, aquele de se comunicar com o outro e de por este ser acolhido, pois esta é uma condição incontornável para a emergência e estruturação do humano. (p. 35-6)

Almeida(7,8) aponta para o fato de que o fonoaudiólogo, integrando equipes de CAPS, além de detectar e tratar alterações fonoaudiológicas, também precisa “estimular a comunicação e a circulação discursiva entre pacientes e destes com os familiares, profissionais e sociedade, intensificando os usos da linguagem (verbal e não verbal) e lançando luz sobre a importância da comunicação” na reabilitação de funcionalidades da linguagem das pessoas com transtornos mentais.

O fonoaudiólogo é um dos profissionais da equipe mínima do CAPSij. No entanto, sabemos que ainda há poucos fonoaudiólogos atuando nesses serviços.

Ampliar a presença da fonoaudiologia na saúde mental passará também por um trabalho interno no núcleo disciplinar: pensar o trabalho no plano das relações em equipe e no campo da saúde mental - além da reabilitação de transtornos e sintomas na fala, na audição, na voz e na motricidade orofacial -, o que sugere maior trânsito por saberes e estratégias clínicas distintas daquelas usualmente realizadas pela fonoaudiologia. Significa construir abertura e flexibilidade para repensar a terapêutica disciplinar a partir da escuta à singularidade e às condições do sofrimento psíquico e social dos usuários da saúde mental, bem como em relação às condições e características dos serviços onde o fonoaudiólogo atua.

Desse ponto de vista, o fonoaudiólogo é convidado a romper uma suposta dicotomia entre reabilitação dos distúrbios da comunicação e atenção psicossocial, passando a considerar a linguagem como terreno comum, objeto de todos os núcleos de saber do campo da saúde mental, embora abordado de formas distintas em cada disciplina.

Em outras palavras, há planos comuns que transversalizam as especialidades (sociais, biopsíquicos e da linguagem), são zonas de encontro e de construção em comum entre os profissionais de saúde, por isso configuram suportes ao trabalho em equipe, à escuta clínica e ao processo interdisciplinar de cuidado.

Por isso mesmo, enfrentar os problemas de linguagem dos usuários em sofrimento mental fará sentido se entendermos a linguagem em sua condição de processualidade humana, que opera como jogo diferencial de signos, engendrando “diferenças nos processos de singularização e de constituição subjetiva de pessoas e grupos, contornando as dimensões orgânica e simbólica do funcionamento do corpo humano”(6).

A eloquência e os sentidos não estão, necessariamente, na fala dos pacientes, estão também no não dito e em comportamentos cuja inteligibilidade encontra-se bloqueada pelo transtorno mental, seja ele acompanhado ou não por distúrbio de comunicação específico.

Na medida em que a fonoaudiologia participa ativamente desse debate no CAPSij e dos encaminhamentos clínicos que ele gera, o objetivo de nosso estudo foi identificar como a equipe de saúde, a partir da escuta clínica dos casos, percebe a fonoaudiologia, sua função no trabalho multiprofissional e na consecução do cuidado.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de caso, de caráter descritivo, com abordagem participativa e dialógica, realizada por meio de grupo de discussão com atores sociais de uma realidade local específica - equipe multiprofissional de um CAPSij.

O método participativo possibilita a investigação de representações e orientações coletivas, estabelecendo relações de confiança e de reciprocidade entre pesquisadores e participantes da pesquisa no estudo de epifenômenos sociais determinados.

Daí decorre a razão de nossa metodologia: possibilidade de entrar em contato com uma realidade local e seus atores efetivos para responder às questões da pesquisa.

Na ocasião, a lotação da equipe era de 26 trabalhadores: gestor da equipe, farmacêutico, técnico de farmácia, oficineiro e educador físico; dois enfermeiros, dois assistentes sociais, dois fonoaudiólogos, dois acompanhantes comunitários e dois psiquiatras; três terapeutas ocupacionais; quatro técnicos de enfermagem e quatro psicólogos. Voluntariamente, dispuseram-se a participar 21 profissionais da equipe, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Não houve critério de exclusão.

Em reunião geral, os profissionais foram orientados sobre as etapas e procedimentos da pesquisa, que seguiu as normas aplicáveis às pesquisas com seres humanos, sendo aprovada pelo Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP): parecer número 2.069.413, e registro na Plataforma Brasil CAAE: 55931716.4.0000.5482.

Foram realizados quatro encontros de grupo de discussão com a equipe do CAPSij no período de agosto a outubro de 2017.

Grupo de discussão

O grupo de discussão é um instrumento que estabelece uma via de acesso e de reconstrução parcial de diferentes ambientes sociais e coletivos. A finalidade é entrar em contato com epifenômenos para analisar suas questões e variáveis durante a dinâmica(9).

Esse procedimento de pesquisa concerne a processos discursivos interativos, nos quais “a opinião do grupo não é a soma de opiniões individuais, mas o produto de interações coletivas. A participação de cada membro dá-se de forma distinta, mas as falas individuais são produto da interação mútua”(9).

A efetuação do grupo de discussão contou com quatro encontros e utilizou técnicas facilitadoras da investigação em grupo, tal como descrito a seguir.

World Café

No primeiro encontro do grupo de discussão, realizamos um World Café - Café Colaborativo, técnica de fácil utilização, que cria um ambiente convidativo para o diálogo, permitindo que os partici¬pantes colaborem e se expressem a partir de perguntas disparadoras.

Estudos sobre metodologias participativas também destacam o World Café como uma técnica de diagnóstico e intervenção(10) filiada à pesquisa participativa baseada na comunidade (Community-based participatory research - CBPR), justamente pelo seu caráter colaborativo, no qual o pesquisador-participante convida a comunidade a se engajar e resolver problemas de maneira compartilhada - os stakeholders (11). Como resultado, espera-se que haja a ampliação da conexão, da participação e do debate entre os envolvidos. O ambiente de conversa “entre colegas no café” favorece, entre outras coisas, registros iconográficos e sínteses(10).

Neste estudo, o World Café foi conduzido por uma pesquisadora-participante com o suporte de um observador. A sala foi adaptada com quatro pequenas mesas, preparadas para até seis integrantes em cada uma. Os participantes atuaram em todas as mesas nas rodadas de conversa, com exceção do anfitrião, participante que permanece na mesa para receber os demais e sintetizar as ideias discutidas em cada momento do rodízio pelas mesas. Foram realizadas duas rodadas de perguntas:

Primeira rodada de questões

  • O que é escuta?

  • Há escuta de usuários e familiares no trabalho da equipe? Quem escuta? O que se escuta? Como se escuta?

  • A escuta produz efeitos concretos no cuidado aos usuários e seus familiares? Quais?

  • A escuta produz efeitos nos profissionais e na equipe? Quais? Por quê?

  • Há uma estruturação da escuta pela equipe? Como isso se dá? O que facilita? O que dificulta?

Segunda rodada de questões

  • O que a fonoaudiologia tem a ver com ativação da escuta da/na equipe?

  • Você percebe alguma contribuição da fonoaudiologia no processo de trabalho e no modo de escutar o usuário e seus familiares no CAPSij?

Aquário

O Aquário foi realizado no segundo encontro do grupo de discussão, aprofundando o World Café. O Aquário, ou Fishbowl Method, é uma técnica usada para gerenciar a discussão em grupo de maneira metódica, mas plural e democrática. O termo aquário está ligado ao formato da atividade: cadeiras desenham um círculo maior para o grupo e, no centro dele, um “aquário” (círculo menor), com número de lugares reduzidos(12).

O formato possibilita uma estrutura crescente e de circulação de fala, na medida em que organiza um dentro e um fora do aquário, delimitando uma ética ao debate: para falar, o participante deve estar no aquário, escolhendo alguém que lá está por meio de um toque no ombro, que é a senha para que aquele participante vá para o círculo maior, dando seu lugar de palavra; situação que se repete ao longo da dinâmica, fazendo com que um participante possa retornar ao debate várias vezes.

O aquário é quase sempre parte de um processo maior de diálogo e deliberação(12), em nosso caso, o grupo de discussão. O aquário é uma técnica de encorajamento gerada por ambiente agradável de compartilhamento de ideias, um brainstorming em grupo em que os participantes respondem uns aos outros e não ao pesquisador ou moderador(13).

Análise dos dados

A análise de conteúdo seguiu o proposto por Bardin(14): - pré-análise, com leitura flutuante dos vídeos e do diário de campo; - preparação do material; - construção dos dados brutos (corpora) com dimensões e direções de análise; - tratamento do material e estabelecimento de regras de recorte para categorização e codificação do material.

As categorias e subcategorias delineadas foram:

  • Categoria: conceito de escuta

  • Subcategorias: quem escuta; e conteúdo da escuta

  • Categoria: a escuta no processo de trabalho

  • Subcategoria: facilitadores e dificultadores

  • Categoria: efeitos da escuta

  • Subcategorias: efeitos da escuta nas famílias e usuários; e efeitos da escuta na equipe

  • Categoria: contribuição da fonoaudiologia no processo de trabalho

  • Subcategoria: como a fonoaudiologia contribui no modo de escutar.

RESULTADOS

Apresentaremos as vinhetas organizadas em categorias e subcategorias, em função do caráter do enunciativo e dialógico material. Alguns enunciados da equipe do CAPSij (vinhetas selecionadas) aparecerão em mais de uma categoria e/ou subcategoria analítica, uma vez que, no âmbito do contexto conversacional, certas perspectivas e argumentos são transversais em relação aos temas tratados e serão analisadas no item discussão.

Categoria: conceito de escuta

Na concepção da equipe, a escuta clínica transita da abertura e disponibilidade ao outro à significação daquilo que se escuta como material de trabalho imprescindível ao campo da saúde mental:

A escuta é o material de trabalho na Saúde Mental da infância e da adolescência. Sem escuta, o CAPSij não funciona, não tem trabalho, nem o acolhimento começa.

Se não escutarmos o usuário, não há como intervir. É a partir da escuta que montamos o PTS.

É no campo da escuta que os conteúdos latentes são tangenciados, fazendo circular afetos e produzindo efeitos terapêuticos.

A escuta parte do interesse e da disponibilidade dos profissionais, da possibilidade psíquica e de afecção [potência de afetar e ser afetado].

A escuta produz afetos positivos e negativos, que serão elaborados no processo.

Escutar é se afetar.

A escuta parte do interesse e da disponibilidade profissional, mas também das possibilidades psíquicas e de afecção da/na equipe.

A equipe do CAPSij aponta para o campo dos afetos na condição de dinâmica transferencial ativada pela escuta clínica:

Escutar é acolher o usuário e interpretar os seus conteúdos, suas demandas, para ajudá-lo a elaborar os acontecimentos de sua vida.

A escuta dá oportunidade de fala ao outro, possibilitando a autorreflexão, que seus conteúdos psíquicos o afetem. É usar a fala do usuário como instrumento para que ele também se escute.

A escuta se dá no encontro, por isso ela implica a contratransferência.

Subcategoria: quem escuta

Embora a centralidade da escuta seja consensual, os sentidos da escuta parecem variar e mesmo apontar necessidades de reflexão para o uso mais pleno do dispositivo, tanto em nível das práticas terapêuticas, quanto em seus possíveis sentidos e empregos institucionais.

Para ser terapeuta tem que saber escutar.

Se pensarmos no modo como a saúde pública está programada para funcionar, todos deveriam escutar, desde a recepção, a faxina até os profissionais que estão atendendo os casos.

Toda a equipe escuta, mas tem diferença pela especificidade.

Nos preocupamos com a nossa escuta e com a do outro, a escuta tem seu lado coletivo, porque a gente é o serviço [e o serviço está estruturado pelo trabalho em equipe e por uma lógica institucional].

Subcategoria: conteúdo da escuta

Destaca-se, no trecho a seguir, o processo que transforma a literalidade dos conteúdos trazidos pelos pacientes e/ou familiares em apreensão de demandas, corroborando a ideia de que a escuta clínica é dada pela capacidade de interpretação de enunciados, condutas e comportamentos, de modo que se escute o não dito:

Em primeiro lugar, escutamos as queixas e depois as traduzimos em demandas. As demandas não chegam direto, o que se apresenta são as queixas dos usuários e das famílias, justamente porque não conseguem ou não podem, de saída, formular suas demandas. Nós interpretamos as queixas para acessar e entender as demandas.(...)

Temos que escutar também as potencialidades, se não fica somente na doença e não na produção de saúde.

Tem conteúdos que não queremos escutar, para não aprofundar.

Categoria: a escuta no processo de trabalho

Aqui, novamente aparece a noção de que a escuta oferece material decisivo para que o trabalho aconteça, ao mesmo tempo em que o qualifica.

Sem escuta o CAPSij não funciona, não há material para trabalhar. Só há trabalho em equipe a partir da escuta.

A qualidade do tratamento ofertado se pauta na escuta.

A escuta é uma potente intervenção no cuidado. A escuta valida a fala, o sentimento e o pensamento. Quando oferecemos escuta qualificada, estamos cuidando. Não usamos outra tecnologia rebuscada. A escuta é nosso instrumento precioso. Ao menos para o psicólogo, a escuta é tudo que a gente pode fazer para entrar em relação com os pacientes: ter escuta e qualificar essa escuta.

Se pensarmos na saúde pública, no modo como está estruturada, a escuta deve acontecer do começo (...) até a alta.

A escuta acontece em muitos momentos do trabalho: nas reuniões de equipe, na supervisão clínica (que não temos mais!), no acolhimento aos pacientes e às famílias, nas diferentes modalidades de atendimento.

Escutar é acolher o usuário e interpretar os seus conteúdos, para que ele possa elaborar os acontecimentos de sua vida. A escuta é um espaço também.

O olhar amplia, e a escuta se potencializa nas trocas entre os saberes. O olhar vai se aprimorando, e a escuta se refinando. Nesse processo, ampliamos nossos horizontes. O psicólogo não é somente um psicólogo, porque tem outras práticas e saberes também.

Subcategoria: facilitadores e dificultadores

A equipe aposta na articulação de saberes como potência resolutiva para as questões dos usuários e seus familiares.

Nenhum saber se sobrepõe a outro. A equipe multiprofissional articula saberes para a resolução das questões que os familiares e pacientes trazem.

No entanto, reconhece-se tensões entre a escuta da equipe e a angústia na definição de ações para certos processos de cuidado:

O problema é quando não sabemos como responder àquilo que escutamos.

Os momentos de incerteza são os mais difíceis para nos escutarmos em equipe.

Dependendo de como se afeta e assume o caso, corre-se o risco de ficar sozinho como profissional-referência do usuário.

Tem a dificuldade de se colocar, de falar, é um receio de como serei escutado.

Eu já desisti de falar em nossa reunião de equipe. Quando vou falar, interrompem ou me controlam dizendo: “para!” Tudo bem, eu não sou letrada, mas deveria ser uma coisa de equipe.

O trecho acima é de uma acompanhante comunitária, função de formação técnica (ensino médio), uma espécie de acompanhante terapêutico sob a supervisão de profissional com formação universitária. As vinhetas acima sinalizam dificuldades na construção de alguns projetos terapêuticos em equipe.

Categoria: efeitos da escuta

Subcategoria: efeitos da escuta nas famílias

Aqui, a escuta é vista como dispositivo de fomento ao protagonismo das famílias na luta pela garantia de direitos.

A escuta possibilita empoderamento aos pais, que passam a conhecer e buscar os seus direitos.

A escuta tem efeitos visíveis na dinâmica familiar, no entendimento das dificuldades da criança e nas relações.

Subcategoria: efeitos da escuta na equipe

Sem escuta qualificada, o trabalho em saúde tenderia a perder qualidade:

A qualidade do tratamento ofertado é afetado pela escuta.

Escutar é se afetar com o que o outro fala, não é em todo caso que seremos afetados, mas o fato de legitimarmos o sofrimento e a fala dos usuários já é escuta.

Por outro lado, quando a escuta é capaz de afetar o terapeuta e a equipe, o vínculo terapêutico se efetua de maneira mais consistente, produzindo efeitos terapêuticos:

A escuta efetiva tem efeitos visíveis na dinâmica familiar, no entendimento das dificuldades da criança e na relação.

A equipe afirma também que a escuta convoca os núcleos disciplinares para o campo de jogo da saúde mental.

Eu acho que a escuta da fonoaudióloga tem um peso no trabalho com os usuários. Isso tem! A expectativa dos pais para a fala é grande. Mas, entre os profissionais e na equipe, não tem diferença.

A possibilidade de compor saberes para escutar e cuidar do usuário é importante. É preciso entender as diferenças da percepção do psicólogo, enfermeiro e outros profissionais na composição do trabalho.

Toda a equipe escuta, mas tem diferença pela especificidade.

Categoria: contribuição da fonoaudiologia no processo de trabalho

A capacidade de mediar processos comunicativos diante de situações complexas também é atribuída à fonoaudiologia:

A nossa maior população atendida é a de Transtornos do Espectro Autista (TEA), e as dificuldades de comunicação são muito intensas. Como a criança não consegue se comunicar e, às vezes, fica agressiva, é a fonoaudióloga que pode ajudar.

O fonoaudiólogo interpreta a fala com distúrbio.

É fundamental o trabalho do fonoaudiólogo no CAPSij, porque a queixa principal com a qual as crianças chegam ao CAPSij é o atraso na fala.

A gente percebe a contribuição específica da fonoaudiologia no processo de trabalho, principalmente quando a criança já foi avaliada por outros profissionais e a equipe fica com dúvidas sobre o diagnóstico. A fonoaudiologia ajuda a especificar se a dificuldade é, prioritariamente, orgânica, simbólica ou comportamental.

A contribuição específica da fonoaudiologia é a avaliação criteriosa para o diagnóstico diferencial em equipe.

Em alguns enunciados, o saber do fonoaudiólogo sobre determinados aspectos orgânicos do desenvolvimento infantil sugere que a relação de núcleo (fonoaudiologia) com o campo (saúde mental) é uma composição que permite pensar dinamismos biopsíquicos, podendo gerar melhores decisões de cuidado aos usuários.

A fonoaudióloga dá suporte técnico do caso à equipe, ajudando no cuidado com o usuário e nas discussões de caso com a rede [de serviços que o usuário utiliza].

A fonoaudiologia tem instrumental específico, que contribui no olhar sobre o orgânico, para avaliar a linguagem, questões orais, fala e audição.

A escuta mudava quando atendia e realizava acolhimentos em parceria com a fonoaudióloga, porque ela tem um olhar refinado para o desenvolvimento neuropsicomotor.

O psicólogo vai até certo limite, depois é específico do fonoaudiólogo. Somente ele saberá a fundo o que fazer com um atraso de linguagem, com a disfagia e com outras questões específicas.

É possível observar que corpo e psiquismo parecem terreno fértil para pensar a escuta enquanto arena de questões do campo da saúde mental.

(...) Eu recordo de um menino que veio encaminhado como se tivesse transtorno alimentar, só tomava líquidos. No processo de avaliação, a fonoaudióloga pediu para ele abrir a boca, e não tinha passagem para os alimentos sólidos. O menino tinha amígdalas enormes! Não era transtorno alimentar por conta de questões psicológicas, mas um impedimento orgânico. Se não tivesse uma fonoaudióloga, como psicóloga, eu não pediria para abrir a boca, para mim era uma questão apenas emocional.

Algumas famílias reivindicam o atendimento fonoaudiológico no CAPSij, porque entendem que o atraso na fala é a única dificuldade da criança, mas, durante a avaliação, observamos também questões de ordem psicossocial, comportamental, entre outras. O fonoaudiólogo, então, compõe o cuidado.

Na avaliação de uma criança com alterações auditivas e de linguagem, rapidamente convocamos a fonoaudióloga, pois ela tem escuta diferenciada para a linguagem.

A minha escuta da criança mudou depois de trabalhar com uma fonoaudióloga, porque ela olha a criança de outro jeito, integrando ao psíquico os aspectos orgânicos envolvidos na linguagem.

A escuta da fonoaudiologia amplia o olhar da equipe para os usuários e suas famílias, interferindo na intervenção multiprofissional.

Subcategoria: como a fonoaudiologia contribui no modo de escutar

A escuta clínica é pensada pela equipe como espaço comum no campo da saúde mental. Os núcleos disciplinares contribuiriam com refinamentos técnicos.

A escuta não é só da nossa área (fonoaudiologia). A escuta a gente vai qualificando e trabalhando no espaço (setting) em que estamos.

Dentro de uma equipe que tem uma proposta transdisciplinar como o CAPSij, a fonoaudióloga ativa a escuta e o olhar especializado para a linguagem, para o motor oral e para a audição.

A fonoaudióloga dá suporte técnico do caso para a equipe, ajudando no cuidado com o usuário e nas discussões de caso com a rede.

É a partir dessa “concretude” que a fonoaudiologia parece operar na equipe e na construção da escuta aos usuários e à própria equipe.

A fonoaudiologia ativa a escuta na equipe ao compor com um olhar diferenciado e ampliado.

Eu gostava muito quando a fonoaudióloga entrava no grupo e falava: “essa criança tem tal dificuldade, você pode brincar e trabalhar assim!”

Eu aprendi muito com a fonoaudióloga, entendi algumas dificuldades primárias das crianças, referentes à deglutição, à linguagem e à comunicação, porque ela compartilhava o conhecimento.

DISCUSSÃO

O CAPSij, como dispositivo de inversão da lógica manicomial hospitalocêntica, sustenta-se pelo trabalho interdisciplinar em equipe multiprofissional, sem institucionalização por internação dos pacientes. Orienta-se pela lógica da ação em rede, reconhecendo os usuários como sujeitos de direitos, buscando torná-los protagonistas de suas histórias pessoais e de seu cuidado em saúde.

O CAPSij investigado anuncia-se nessa lógica, e a escuta clínica aparece, na fala de seus profissionais, como inerente ao processo de trabalho em saúde mental.

A equipe do CAPSij valeu-se da escuta e deu centralidade à ela para falar de seu trabalho, situando a escuta no plano dos afetos. Aliás, o termo afeto comparece várias vezes nas falas da equipe. Seu emprego ora designa sentimentos advindos da relação com os casos, ora indica modificações na percepção e na compreensão sobre os pacientes.

O filósofo Baruch Spinoza (1632/1677)(15) conceitua afeto como condição de possibilidade dos corpos vivos, uma potência bivalente: afetar e ser afetado por outros corpos. Os afetos são forças capazes de alterar o estágio anterior de um corpo, provocando marcas diferenciais em sua trajetória: novos modos de existência, outros modos de ser.

Sabemos que a potência afetiva remete a uma condição primordial do fazer clínico: instigar processos de diferenciação nos pacientes, como forma de enfrentamento e de elaboração de suas demandas. Naturalmente, o processo afetivo supõe efeitos no paciente e no terapeuta, no sentido mesmo que lhes conferem os conceitos psicanalíticos de transferência e de contratransferência, respectivamente: zona de atualização e de elaboração de conteúdos psíquicos do paciente, provocada pelo terapeuta e com ele identificada; e atualização de conteúdos psíquicos do próprio terapeuta quando é afetado pelos conteúdos do paciente. Na psicanálise, a contratransferência precisa ser trabalhada e controlada pelo analista para que não provoque efeitos indesejados no processo analítico do paciente.

A doença e o sofrimento mental dos pacientes podem ser vistos por eles e seus familiares como problema individual, que desarranja a vida. Seria possível admitir, com Benevides e Passos(16), que, ao desestabilizar essa realidade, a escuta clínica (associada a outros dispositivos clínicos) promove processos de produção no plano das práticas clínicas e no plano do cuidado de si por parte dos pacientes e de seus familiares, abrindo o cuidado à elaboração das determinações (inter)subjetivas, contextuais e sociais dos agravos à saúde. As falas da equipe parecem ir nessa direção.

Quando investigamos quem escuta observamos certa ambiguidade. Algumas falas são inespecíficas e tendem ao senso comum, enquanto outras reconhecem a condição de saber escutar como resultante de competências profissionais desenvolvidas para que, efetivamente, a escuta possa ter dimensão clínico-terapêutica e institucional.

Além disso, há também a percepção de que, apesar da escuta ter especificidades em cada especialidade, há efeitos coletivos, uma espécie de escuta da equipe, nascida do trabalho conjunto e das relações entre os conhecimentos e as práticas da equipe:

Duas outras noções cruciais para o campo da escuta clínica comparecem na conversação da equipe: reconhecimento de que é preciso escutar potências de saúde no sofrimento; e limites da equipe em relação àquilo que não se sustenta/suporta escutar.

Sobre os limites da escuta, observamos que a equipe atribui a impossibilidade de entrar em contato com alguns conteúdos dos usuários à intensidade de demandas de cuidado que os usuários suscitam, como explicitado em fala do grupo: “tem conteúdos que não queremos escutar, para não aprofundar”. É evidente que esse é um campo relacional habitado por crises, assim como histórias de internações e de vidas atravessadas, permanentemente, por sofrimento, angústia e, em casos mais graves, pela devastação psíquica provocada pela agudeza dos sintomas, dos efeitos relacionais e sociais que produzem.

A equipe reconhece que a escuta atravessa todo o percurso feito pelo usuário desde a chegada ao serviço e está presente em todos os dispositivos operados pela equipe.

Na perspectiva da equipe, a escuta clínica também se configura como “espaço” de acolhimento.

A compreensão de que há modulação e refinamento da escuta pela equipe, na intersecção de diferentes saberes profissionais e com os usuários, reitera a ideia de que as interações interprofissionais podem configurar sentidos próprios e conhecimentos interdisciplinares, que requalificam a formação e a atuação de cada profissional.

Cada CAPSij desenha, de acordo com o projeto terapêutico institucional, arranjos de trabalho para operacionalizar os PTSs com os usuários. O profissional de referência do caso é o responsável por monitorar o cuidado ao usuário e à sua família. Entretanto e apesar dos arranjos terapêuticos, o risco de sentir-se sozinho às vezes permanece.

Por outro lado, há também indícios de limites à escuta em função de hierarquias indesejáveis.

A palavra a ser escutada deveria ser de todos, nas palavras da colega: “uma coisa de equipe”, mas os profissionais de nível não universitário sentem-se submetidos a uma cultura institucional hierárquica, na qual o profissional universitário se colocaria em posição de superioridade, consciente ou inconscientemente.

A equipe percebe que sua escuta produz efeitos nos pacientes, que respondem pelo olhar, no jogo simbólico e/ou pela fala. O protagonismo que reparam nos pacientes é distinto daquele que notam nos familiares, como é possível observar no excerto: “a escuta possibilita empoderamento aos pais, que passam a conhecer e buscar os seus direitos”. Empoderar os pais é entendido como ação de proporcionar às famílias espaços de escuta, condições e oportunidades para adquirirem novos repertórios, que impactem positivamente a qualidade das relações na família, com os filhos e com a comunidade. Nas palavras do grupo: “a escuta tem efeitos visíveis na dinâmica familiar, no entendimento das dificuldades da criança e nas relações.

Sobre os efeitos da escuta na equipe é interessante notar o entendimento de que o encontro com o outro pode ou não afetar aquele que, clinicamente, escuta. Este é um fato que não pode ser totalmente controlado pelo profissional, mas precisaria ser objeto de reflexão do profissional e da equipe, na tentativa de entender as dificuldades na estruturação do vínculo e de fazer os encaminhamentos para superar a questão. No entanto, às vezes, isso não aparece como empecilho à escuta por parte dos profissionais.

A equipe compreende que há uma contribuição ativa da fonoaudiologia no modo de escutar o usuário, na composição de saberes disciplinares, nas abordagens terapêuticas, no suporte técnico à rede para discussões e articulações intersetoriais.

A escuta diferenciada da linguagem, além da capacidade de considerar seus aspectos orgânicos e funcionais, integra os sentidos com os quais a equipe considera o saber fonoaudiológico e suas contribuições uma estruturação da escuta coletiva dos casos.

Pelo que se viu, pode-se dizer que existe certa insistência na dicotomia entre orgânico e psíquico, o que tende a colocar o orgânico relativamente fora do alcance da escuta da equipe, sendo a especificidade da fonoaudiologia uma espécie de articulador. Mas nos colocarmos em atenção ao outro não convoca o corpo e, nele, a dimensão psíquica? Em outras palavras, o psiquismo não é um modo especificamente humano de funcionamento do corpo? Se for assim, certos dilemas que ainda estão na base disciplinar da formação dos profissionais da saúde permanecem nos desafiando.

CONCLUSÃO

O estudo sugere que, não fosse o trabalho em equipe - na perspectiva da clínica ampliada - o trabalho no CAPSij não aconteceria de forma qualificada sob os marcos da RAPS e do SUS.

A escuta clínica aparece como condição do cuidado para dar conta da multiplicidade de fatores implicados com os transtornos psíquicos. Naturalmente, é preciso disponibilidade e sensibilidade para se colocar à escuta, mas, se isso é necessário, não é suficiente para que a escuta cumpra a função de transitar dos conteúdos manifestos aos latentes, permitindo as mediações que conduzem à elaboração das demandas clínicas. Há um modus operandi e técnico da escuta, que gera interpretações do que não é dito pela literalidade das palavras, numa relação intrínseca entre a estruturação da linguagem, do psiquismo e dos modos de relação com o outro.

A assunção dessa indissociabilidade ajuda a construir a pertença da fonoaudiologia na saúde mental, colocando os saberes destinados a tratar das dificuldades de comunicação a serviço do campo da saúde mental, colaborando com a escuta e o cuidado, pelos quais os pacientes (e seus familiares) significam, enfrentam e superam estigmas e sofrimentos trazidos pelos transtornos mentais.

  • Instituição onde o trabalho foi realizado: Programa de Estudos Pós-graduados em Fonoaudiologia (Doutorado) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP - São Paulo (SP), Brasil.
  • Fontes de financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil - CAPES PROSUP 88887.151934/2017-00.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    15 Ago 2019
  • Aceito
    14 Jan 2020
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