RESUMO
Objetivo
comparar a autoavaliação ao falar em público, por meio da Escala para Autoavaliação ao Falar em Público, com a percepção comunicacional e timidez autorreferidos, de estudantes universitários.
Método
tratou-se de um estudo observacional transversal prospectivo. Foram convidados a participar deste estudo, estudantes universitários do Brasil de diferentes áreas de conhecimento, sendo incluídos os que assentiram em participar. Os participantes receberam convite eletrônico e preencheram um formulário elaborado na plataforma Google Forms que continha questões sociodemográficas, sobre autopercepção como bom falante, sobre facilidade para se expressar, sobre timidez, e a Escala para Autoavaliação ao Falar em Público. Foram comparadas as médias da Escala de Autoavaliação ao Falar em Público com a autopercepção como bom falante, com a facilidade para se expressar e com a timidez.
Resultados
os participantes que se consideravam bons comunicadores, os que acreditavam ter facilidade para se expressar e os que não eram tímidos apresentaram melhor autopercepção sobre as suas habilidades de fala em público.
Conclusão
a autopercepção comunicacional positiva, bem como a autopercepção de menor timidez estão relacionadas a uma autoavaliação mais favorável em relação a apresentações em público.
Palavras-chave
Fonoaudiologia; Fala; Comunicação; Barreiras de Comunicação; Timidez; Comunicação Persuasiva; Relações Interpessoais
ABSTRACT
Purpose
To compare self-assessment when speaking in public, using the Self-Statements During Public Speaking scale, with the communicational perception and self-reported shyness of university students.
Methods
This was a prospective cross-sectional observational study. University students from different areas of knowledge in Brazil were invited to participate in this study. Those who agreed to participate were included. Participants received an electronic invitation and filled out a form created on the Google Forms platform that contained sociodemographic questions, on self-perception as a good speaker, on ease of expression, on shyness, and the Self-Statements During Public Speaking scale. The means of the Self-Statements During Public Speaking scale were compared with the self-perception as a good speaker, the ease of expressing oneself, and shyness.
Results
Participants who considered themselves to be good communicators, those who believed they had an ease to express themselves, and those who were not shy had better self-perception of their public speaking skills.
Conclusion
positive communicational self-perception, as well as less shyness self-perception, are related to a more favorable self-assessment in relation to public presentations.
Keywords
Speech, Language and Hearing Sciences; Speech; Communication; Communication Barriers; Shyness; Persuasive Communication; Interpersonal Relations
Palavras-chave
Fonoaudiologia; Fala; Comunicação; Barreiras de Comunicação; Timidez; Comunicação Persuasiva; Relações Interpessoais
INTRODUÇÃO
A comunicação permeia as relações interpessoais e depende não só de habilidades linguísticas, como também sofre influência dos aspectos psicológicos de um sujeito(11 Rivers DJ, Ross AS. L1/L2 communication self-efficacy beliefs and the contribution of personality. Lang Learn J. 2020;48(6):700-14. http://dx.doi.org/10.1080/09571736.2018.1441895.
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). No contexto acadêmico, uma importante forma de comunicação exercitada são as apresentações orais(22 Tsang A. The relationship between tertiary-level students’ self-perceived presentation delivery and public speaking anxiety: a mixed-methods study. Assess Eval High Educ. 2020;45(7):1060-72. http://dx.doi.org/10.1080/02602938.2020.1718601.
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) sob a forma de fala dos universitários, tendo seus pares como público. Essa aptidão é cada vez mais exigida, uma vez que futuramente será crucial para esses graduandos em seus diversos ambientes de trabalho(33 Dunbar NE, Brooks CF, Kubicka-Miller T. Oral communication skills in higher education: using a performance-based evaluation rubric to assess communication skills. Innovative High Educ. 2006;31(2):115-28. http://dx.doi.org/10.1007/s10755-006-9012-x.
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).
O medo de falar em público, considerado um subtipo de ansiedade social, atinge uma parcela considerável da população, com alta prevalência em estudantes universitários(44 Bodie GD. A racing heart, rattling knees, and ruminative thoughts: defining, explaining, and treating Public Speaking Anxiety. Commun Educ. 2010;59(1):70-105. http://dx.doi.org/10.1080/03634520903443849.
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,55 Marinho ACF, Medeiros AM, Gama ACC, Teixeira LC. Fear of public speaking: perception of college students and correlates. J Voice. 2017;31(1):127.e7. PMid:26898522.). Costuma estar associado à apreensão comunicacional, caracterizada como um tipo de timidez relacionada à expectativa de falar para pessoas(66 Horwitz EK, Horwitz MB, Cope J. Foreign language classroom anxiety. Mod Lang J. 1986;70(2):125-32. http://dx.doi.org/10.1111/j.1540-4781.1986.tb05256.x.
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). Ambos afetam a habilidade de criar e decifrar mensagens, além de incitar uma autoavaliação negativa, podendo impactar as esferas pessoal e profissional de um indivíduo(44 Bodie GD. A racing heart, rattling knees, and ruminative thoughts: defining, explaining, and treating Public Speaking Anxiety. Commun Educ. 2010;59(1):70-105. http://dx.doi.org/10.1080/03634520903443849.
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,77 Daly JA, McCroskey JC, Ayres J, Hopf T, Ayres DM. Avoiding communication: shyness, reticence, and communication apprehension. Cresskill: Hampton Press; 1997.).
A habilidade de falar bem em público promove satisfação tanto social, quanto na autoestima de um sujeito(88 Dansieh SA, Owusu E, Seidu GA. Glossophobia: the fear of public speaking in ESL students in Ghana. Lang Teach. 2021;1(1):22-35. http://dx.doi.org/10.30560/lt.v1n1p22.
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). Contudo, a preocupação de ser julgado, a comparação de si com outros, além da antecipação de prejuízos decorrentes de uma apresentação oral insatisfatória tornam a experiência de falar em público desconfortável(88 Dansieh SA, Owusu E, Seidu GA. Glossophobia: the fear of public speaking in ESL students in Ghana. Lang Teach. 2021;1(1):22-35. http://dx.doi.org/10.30560/lt.v1n1p22.
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). Assim, acabam sofrendo com medo de falar em público os indivíduos com falta de confiança, timidez, preparação inadequada, tensão, medo de errar e pobres habilidade de fala no idioma(99 Kuchner M. Public speaking for dummies. 2nd ed. New Jersey: John Wiley & Sons; 2004.). A timidez tem um papel especial nessas dificuldades de enfrentar a situação de falar em público, por ser uma autoavaliação negativa antecipatória. A timidez é considerada um traço de personalidade na qual um indivíduo faz avaliações negativas de si, ao criar desconfortos ou inibições em situações sociais, potencialmente produzindo barreiras no trabalho, nas amizades, nas relações afetivas e no lazer(1010 Henderson L, Zimbardo P, Carducci B. Shyness. In: Weiner IB, Craighead WE, editors. The corsini encyclopedia of psychology. Hoboken: Wiley; 2010. http://dx.doi.org/10.1002/9780470479216.corpsy0870.
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,1111 Philip EL, Bodang RJ. Causes and consequences of shyness in adults. Journal of Arts, Humanities and Development Studies. 2021;4(1):125-36.).
Visando compreender as causas e impactos do medo de falar em público em um indivíduo, alguns protocolos e escalas foram criados(1212 Oliveira BLD, Sales HFS, Lima KS, Santos NA, Galdino MKC. Adaptation of the Public Speaking Anxiety Scale (PSAS) for Brazil. Contextos Clín. 2020;13(1):19-35.
13 D’El Rey GJF. Escala D’El Rey de medo de falar em público: elaboração de um instrumento de auto-avaliação. Psicol. Argum. 2008;26(52):67-72. http://dx.doi.org/10.7213/rpa.v26i52.20031.
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-1414 Hofmann SG, DiBartolo PM. An instrument to assess self-statements during public speaking: scale development and preliminary psychometric properties. Behav Ther. 2000;31(3):499-515. http://dx.doi.org/10.1016/S0005-7894(00)80027-1. PMid:16763666.
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). Uma dessas escalas é a Self-Statements during Public Speaking – SSPS(1414 Hofmann SG, DiBartolo PM. An instrument to assess self-statements during public speaking: scale development and preliminary psychometric properties. Behav Ther. 2000;31(3):499-515. http://dx.doi.org/10.1016/S0005-7894(00)80027-1. PMid:16763666.
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), com adaptação transcultural(1515 Osório FL, Crippa JAS, Loureiro SR. Self statements during public speaking scale (SSPS): cross-cultural adaptation for Brazilian Portuguese and internal consistency. Arch Clin Psychiatry (São Paulo). 2008;35(6):207-11. ) e validação psicométrica para o português brasileiro(1616 Osório FL, Crippa JAS, Loureiro SR. Cognitive aspects of public speaking: validation of a self-assessment scale for Brazilian university students. Arch Clin Psychiatry (São Paulo). 2012;39(2):48-53. ), passando a ser chamada de Escala para Autoavaliação ao Falar em Público. O objetivo da ferramenta é avaliar pensamentos temerosos durante uma apresentação para uma plateia.
De acordo com a literatura, o estado emocional influencia fatores comunicacionais. Assim, o objetivo deste estudo é comparar a autoavaliação ao falar em público, por meio da escala SSPS, com a percepção comunicacional e timidez autorreferidos, de estudantes universitários.
MÉTODO
Desenho da pesquisa
Trata-se de um estudo observacional transversal prospectivo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição proponente sob parecer 2.729.273. Devido ao desenho de estudo, foi utilizado o checklist STROBE a fim de nortear a escrita.
Participantes
Foram convidados a participar do estudo estudantes de graduação que frequentassem instituições de Ensino Superior no Brasil. Foram incluídos todos os participantes que assentiram em responder as avaliações, concordando com o disposto no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e excluídos aqueles que possuíam idade inferior a 18 anos ou que forneceram respostas incorretas e/ou incompletas aos instrumentos de avaliação.
Cálculo amostral
Realizou-se um estudo piloto utilizando as respostas de 30 participantes escolhidos aleatoriamente. Com base nesse estudo e considerando a população de estudantes heterogênea quanto às respostas (50%), erro amostral de 5% e confiança de 95%, a quantidade mínima de respostas para a amostra ser representativa dessa população foi estimada em 384. Esperou-se, ainda, uma taxa de resposta de 30% - dessa forma, necessitou-se convidar pelo menos 1280 estudantes a responderem à pesquisa.
Coleta de dados
Os participantes receberam convite, via e-mail ou redes sociais, contendo um formulário eletrônico construído na plataforma Google Forms. Foi solicitado que respondessem a perguntas gerais de identificação, de comunicação, e a Escala de Autoavaliação ao Falar em Público (SSPS). A coleta ocorreu entre outubro de 2018 e junho de 2020.
Questionário sobre comunicação
Foi solicitado aos participantes que respondessem às seguintes questões fechadas, criadas pelos autores (Quadro 1).
Escala de Autoavaliação ao Falar em Público (SSPS)
A SSPS(1414 Hofmann SG, DiBartolo PM. An instrument to assess self-statements during public speaking: scale development and preliminary psychometric properties. Behav Ther. 2000;31(3):499-515. http://dx.doi.org/10.1016/S0005-7894(00)80027-1. PMid:16763666.
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15 Osório FL, Crippa JAS, Loureiro SR. Self statements during public speaking scale (SSPS): cross-cultural adaptation for Brazilian Portuguese and internal consistency. Arch Clin Psychiatry (São Paulo). 2008;35(6):207-11. -1616 Osório FL, Crippa JAS, Loureiro SR. Cognitive aspects of public speaking: validation of a self-assessment scale for Brazilian university students. Arch Clin Psychiatry (São Paulo). 2012;39(2):48-53. ) apresenta 10 questões em que o participante deve responder tendo em mente a sua percepção em situações de fala em público. A chave de respostas corresponde a uma escala do tipo Likert de seis pontos, sendo marcado 0 quando o respondente discordar totalmente da afirmação e 5, quando concordar totalmente. A escala apresenta duas subescalas de cinco questões cada: autoavaliação positiva (SSPS P), e autoavaliação negativa (SSPS N). O escore total (SSPS T) se dá pelo somatório da pontuação das 10 questões, sendo invertida a pontuação das afirmativas da subescala de autoavaliação negativa. O escore final dessa escala é entre 0 e 50 pontos e a interpretação do resultado é: quanto maior a pontuação, mais à vontade ao falar em público um sujeito se sente.
Amostragem
Após a aplicação dos critérios de elegibilidade (Figura 1), a amostra final é composta por 1688 participantes.
A Tabela 1 dispõe dos dados de caracterização da amostra. A amostra é composta por participantes com idade entre 18 e 61 anos (24,00 e 5,74 - média e desvio padrão, respectivamente), sobretudo por mulheres (n=1103, 65,3%), caucasianos (n=827, 49%) e estudantes de universidade pública (n=1555, 92,1%). A área de conhecimento dos participantes e a região geográfica não apresentaram diferença estatística em relação às variáveis analisadas neste estudo.
Tratamento estatístico
A análise da normalidade de distribuição dos dados foi aferida por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov. As variáveis categóricas foram expressas por valores absolutos e relativos, enquanto que as variáveis quantitativas, por média e desvio padrão. Foi utilizada a Análise de Variância (ANOVA) de uma via para comparar os escores na escala SSPS com as demais variáveis, e o post-hoc de Tukey para identificar em quais categorias houve significância. Para a análise de correlação entre variáveis foi aplicado o Coeficiente de Correlação de Pearson. Adotou-se como nível de significância p0,05. As análises estatísticas foram realizadas com o software Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 25.0 (IBM Corp. Released 2017. IBM SPSS Statistics for Windows. IBM Corp., Armonk, NY).
RESULTADOS
Percepção como comunicador
A Tabela 2 mostrou que os escores do SSPS foram diferentes ao se comparar os estudantes que se autoavaliaram como: (1) Bons comunicadores, aqueles que (2) apresentavam dificuldade na expressão, aqueles que (3) apresentavam dificuldades na recepção da informação e, ainda, aqueles que (4) não se consideraram bons comunicadores. Os resultados dos quatro grupos foram diferentes, tanto no SSPS T (p<0,001), como no SSPS P (p<0,001) e SSPS N (p<0,001). As médias da amostra foram de 29,28 ± 10,50 para o SSPS T, 15,56 ± 5,08 para o SSPS P e 13,72 ± 6,89 para o SSPS N. A amostra contou, sobretudo, com estudantes que consideravam ter dificuldades na expressão de conteúdo (n=861, 51%). Os bons comunicadores pontuaram mais alto, ou seja, sentem-se mais confortáveis para falar em público, seguidos por aqueles que tem dificuldade na recepção, depois na expressão e, por fim, os que não se consideraram bons comunicadores.
Comparações entre as subescalas do SSPS e autopercepção como bom comunicador em estudantes universitários (n=1688)
No cruzamento por pares dos escores da escala SSPS em diferentes extratos de autopercepção como bom comunicador evidenciou-se na SSPS T uma diferença significativa entre aqueles que não se consideram bons comunicadores (média de 22,03 pontos) com aqueles que tinham dificuldades na expressão da informação (diferença média de 7,05 pontos, p<0,001), na recepção da informação (diferença média de 11,99 pontos, p<0,001) e aqueles que se consideravam bons comunicadores (diferença média de 17,23 pontos, p<0,001). O mesmo ocorreu nas subescalas SSPS P e SSPS N, havendo discrepância entre os que não se consideravam bons comunicadores e os que se consideravam (SSPS P= diferença média de 6,23 pontos, p<0,001; SSPS N = diferença média de 10,99 pontos, p<0,001).
Facilidade de se expressar
Na Tabela 3 os escores do SSPS apresentaram diferenças na comparação dos estudantes em distintos níveis de expressividade: Aqueles que (1) não conseguiam se expressar, aqueles que (2) possuíam muita dificuldade para se expressar, aqueles que (3) possuíam alguma dificuldade para se expressar e, por fim, aqueles que (4) possuíam facilidade para se comunicar. Os quatro grupos apresentaram diferenças, tanto no SSPS T (p<0,001), como no SSPS P (p<0,001) e SSPS N (p<0,001). A maioria dos participantes consideravam se expressar com alguma dificuldade (n=954, 56,5%). Os estudantes que consideravam ter facilidade para se expressar registraram maiores pontuações, desta forma sofrem menor impacto psicológico ao falar em público.
Comparações entre as subescalas do SSPS e facilidade para se expressar em estudantes universitários (n=1688)
Na comparação cruzada entre os escores da escala SSPS e a facilidade de se expressar os escores do SSPS T dos participantes que consideravam não conseguirem se expressar apresentaram diferença estatisticamente significativa em relação aos escores daqueles que se expressavam com alguma dificuldade (diferença média de 8,87 pontos, p<0,001) e daqueles que se expressavam com facilidade (diferença média de 16,82 pontos, p<0,001). Já quando comparados aqueles que apresentam muita dificuldade, destaca-se a diferença relevante com os estudantes que apresentavam pouca (diferença média de 6,93 pontos, p<0,001) ou nenhuma dificuldade (diferença média de 14,88 pontos, p<0,001) de se expressar. Essas diferenças também ocorrem nas subescalas SSPS P e SSPS N – em que aqueles que não conseguem se expressar apresentaram diferenças marcantes quando equiparados àqueles que se expressam com facilidade (SSPS P = diferença média de 6,32 pontos, p<0,001; SSPS N = diferença média 10,49 pontos, p<0,001).
Timidez autorreferida
A Tabela 4 expõe os escores do SSPS relacionados à timidez autorreferida, na qual os participantes julgavam-se não-tímidos, um pouco tímidos ou muito tímidos. Os grupos se diferenciaram, tanto no SSPS T (p<0,001), como no SSPS P (p<0,001) e SSPS N (p<0,001). A maior parcela dos estudantes se considerava um pouco tímidos (n=979, 58%). Os indivíduos que se consideraram muito tímidos pontuaram mais baixo (média de 22,23 pontos), o que indica que apresentavam maiores chances de se sentirem desconfortáveis ao falarem para uma plateia quando comparados aos não tímidos (média de 38,67).
Comparações entre as subescalas do SSPS e timidez autorreferida em estudantes universitários (n=1688)
Correlações
Foram encontradas majoritariamente correlações desprezíveis (entre 0 e 0,3) e fracas (entre 0,3 e 0,5) entre as variáveis, conforme informações apresentadas na Tabela 5. A SSPS obteve correlação fraca com a percepção como bom falante (0,37), com a facilidade para se expressar (0,47), e com o grau de timidez (-0,49). As demais variáveis de interesse do estudo – percepção como bom falante (BC), facilidade para se expressar (FE) e Timidez – apresentaram correlações fracas entre si: BC vs. FE (0,45); BC vs. Timidez (-0,28); FE vs. Timidez (-0,37).
DISCUSSÃO
Este estudo comparou a autoavaliação ao falar em público de estudantes universitários com a autopercepção de aspectos comunicacionais, como considerar-se um bom comunicador, ter facilidade para se expressar, e a autoavaliação relacionada à timidez. Encontrou-se majoritariamente indivíduos com dificuldades de expressão de conteúdo (51,0%), com alguma dificuldade para se expressar (56,5%) e um pouco tímidos (58,0%).
A média encontrada na escala SSPS foi de 29,28 pontos – o que corresponde a 58,56% do escore total possível nesta ferramenta de avaliação, sendo considerado um nível de percepção favorável de autoavaliação ao falar em público. Em um estudo com o mesmo público – estudantes universitários - a média foi de 25,96 pontos(55 Marinho ACF, Medeiros AM, Gama ACC, Teixeira LC. Fear of public speaking: perception of college students and correlates. J Voice. 2017;31(1):127.e7. PMid:26898522.). Esses dados apontaram que estudantes universitários brasileiros apresentam uma autopercepção intermediária em relação à sua capacidade de falar em público. Ao analisar as subescalas de autopercepção positiva e negativa, as médias foram de 15,56 e 13,72 pontos, respectivamente. Na literatura os valores médios de autopercepção positiva são semelhantes aos encontrados neste estudo: 16,73 pontos em estudantes universitários brasileiros(55 Marinho ACF, Medeiros AM, Gama ACC, Teixeira LC. Fear of public speaking: perception of college students and correlates. J Voice. 2017;31(1):127.e7. PMid:26898522.), 15,8 pontos em estudantes universitárias americanas(1414 Hofmann SG, DiBartolo PM. An instrument to assess self-statements during public speaking: scale development and preliminary psychometric properties. Behav Ther. 2000;31(3):499-515. http://dx.doi.org/10.1016/S0005-7894(00)80027-1. PMid:16763666.
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) e 15,15 pontos em adolescentes(1717 Rivero R, Garcia-Lopez L, Hofmann SG. The spanish version of the self-statements during public speaking scale: validation in adolescents. Eur J Psychol Assess. 2010;26(2):129-35. http://dx.doi.org/10.1027/1015-5759/a000018. PMid:20490370.
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).
Na subescala de autopercepção negativa, os valores encontrados na literatura foram de: 9,34 pontos em estudantes universitários brasileiros(55 Marinho ACF, Medeiros AM, Gama ACC, Teixeira LC. Fear of public speaking: perception of college students and correlates. J Voice. 2017;31(1):127.e7. PMid:26898522.), 7,1 pontos em estudantes universitárias americanas(1414 Hofmann SG, DiBartolo PM. An instrument to assess self-statements during public speaking: scale development and preliminary psychometric properties. Behav Ther. 2000;31(3):499-515. http://dx.doi.org/10.1016/S0005-7894(00)80027-1. PMid:16763666.
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) e 5,47 pontos em adolescentes(1616 Osório FL, Crippa JAS, Loureiro SR. Cognitive aspects of public speaking: validation of a self-assessment scale for Brazilian university students. Arch Clin Psychiatry (São Paulo). 2012;39(2):48-53. ). Essa subescala está relacionada a efeitos negativos e depressão, sendo mais sensível para detectar indivíduos com distúrbios de ansiedade social(1414 Hofmann SG, DiBartolo PM. An instrument to assess self-statements during public speaking: scale development and preliminary psychometric properties. Behav Ther. 2000;31(3):499-515. http://dx.doi.org/10.1016/S0005-7894(00)80027-1. PMid:16763666.
http://dx.doi.org/10.1016/S0005-7894(00)...
,1515 Osório FL, Crippa JAS, Loureiro SR. Self statements during public speaking scale (SSPS): cross-cultural adaptation for Brazilian Portuguese and internal consistency. Arch Clin Psychiatry (São Paulo). 2008;35(6):207-11. ). Ao analisar comparativamente as duas subescalas, os escores de autopercepção positiva foram maiores em relação aos da subescala negativa, indo ao encontro de outros estudos(55 Marinho ACF, Medeiros AM, Gama ACC, Teixeira LC. Fear of public speaking: perception of college students and correlates. J Voice. 2017;31(1):127.e7. PMid:26898522.,1414 Hofmann SG, DiBartolo PM. An instrument to assess self-statements during public speaking: scale development and preliminary psychometric properties. Behav Ther. 2000;31(3):499-515. http://dx.doi.org/10.1016/S0005-7894(00)80027-1. PMid:16763666.
http://dx.doi.org/10.1016/S0005-7894(00)...
,1717 Rivero R, Garcia-Lopez L, Hofmann SG. The spanish version of the self-statements during public speaking scale: validation in adolescents. Eur J Psychol Assess. 2010;26(2):129-35. http://dx.doi.org/10.1027/1015-5759/a000018. PMid:20490370.
http://dx.doi.org/10.1027/1015-5759/a000...
).
Em estudo com diferentes grupos profissionais, os escores da escala SSPS T apresentaram médias entre 37,8 pontos – em profissionais de suporte técnico, que apresentam longos períodos de uso de voz, com frequentes períodos de silêncio, por vezes lidando com estresse – e 39,7 pontos – em profissionais informantes, que trabalham com uso ininterrupto de voz, variando a quantidade de pessoas e o tamanho do espaço onde falam(1818 Behlau M, Ugulino AC. Autoavaliação do comportamento comunicativo ao falar em público nas diferentes categorias profissionais. In: 22º Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia: da promoção à reabilitação [Internet].; 2014 Out 8-11; Joinville. Anais. São Paulo: Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia; 2014 [citado em 2021 Ago 25]. p. 4929. Disponível em: http://sbfa.org.br/portal/anais2014/trabalhos_select.php?id_artigo=4929&tt=SESSÃO%20DE%20CONCORRENTES%20A%20PRÊMIO
http://sbfa.org.br/portal/anais2014/trab...
). Esses valores são mais elevados em relação aos valores obtidos no presente estudo. Essa diferença ocorre devido aos diferentes níveis de experiência entre o grupo de estudantes e profissionais, visto que os universitários ainda estão desenvolvendo suas habilidades de fala em público, enquanto os profissionais exercitam essas aptidões comunicativas rotineiramente.
Sobre a autopercepção como comunicador, 180 (10,6%) respondentes consideravam-se bons comunicadores. Houve ainda uma diferença de 17 pontos na SSPS entre aqueles que se consideram bons comunicadores em relação àqueles que não se julgaram dessa forma, havendo maiores dificuldades na expressão (fala) do que na recepção (escuta) de conteúdo. Quando analisada a percepção de facilidade para se expressar, apenas 387 (22,9%) não referiram dificuldades. Mesmo em falantes fluentes podem-se manifestar alterações na comunicação – como hesitações e ocorrência de disfluências ocasionais(1919 Friedman S. Fluência: um acontecimento complexo. In: Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO, editores. Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Roca; 2004. p. 1027-39.). As habilidades comunicacionais são indispensáveis para a prática efetiva de qualquer profissão, sendo altamente incentivado o desenvolvimento dessas competências no contexto acadêmico. A competência comunicacional exige capacidades de persuasão, informação, fala, escuta e relação interpessoal(33 Dunbar NE, Brooks CF, Kubicka-Miller T. Oral communication skills in higher education: using a performance-based evaluation rubric to assess communication skills. Innovative High Educ. 2006;31(2):115-28. http://dx.doi.org/10.1007/s10755-006-9012-x.
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). Além disso, na fala em público consideram-se, ainda, a proximidade e envolvimento com o público, domínio do conteúdo, clareza, boas habilidades comunicacionais e empatia como características importantes para uma boa percepção da audiência(2020 Osinski IC, Hernández M. Study of the qualities of a good university lecturer of health sciences. Procedia Soc Behav Sci. 2013;89:342-50. http://dx.doi.org/10.1016/j.sbspro.2013.08.858.
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). Sánchez Expósito et al.(2121 Sánchez Expósito J, Leal Costa C, Díaz Agea JL, Carrillo Izquierdo MD, Jiménez Rodríguez D. Ensuring relational competency in critical care: importance of nursing students’ communication skills. Intensive Crit Care Nurs. 2018;44:85-91. http://dx.doi.org/10.1016/j.iccn.2017.08.010. PMid:28969955.
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) descreveram em sua pesquisa com estudantes de enfermagem que estes se focavam sobretudo nas habilidades clínicas e nem tanto nas habilidades comunicacionais frente a um paciente, sugerindo o treinamento destas aptidões durante a formação profissional. Em comparação ao estudo citado, uma pesquisa australiana(2222 Mercer-Mapstone LD, Matthews KE. Student perceptions of communication skills in undergraduate science at an Australian research-intensive university. Assess Eval High Educ. 2015;42(1):98-114. http://dx.doi.org/10.1080/02602938.2015.1084492.
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) apontou que a sua amostra de estudantes apresentou aproximadamente 70% de confiança em suas habilidades de comunicação no começo da graduação, sendo que o grupo alcançou níveis de 75% ao final do período da graduação. Esse estudo demonstrou a importância de mapear as atividades acadêmicas que promovam o uso da comunicação ao longo da graduação, a fim de melhor preparar esse estudante para o mercado de trabalho.
Com relação à timidez houve um predomínio de participantes que se avaliaram como sendo “um pouco tímidos”. Como consequências da timidez, tais indivíduos tiram menos vantagens de situações sociais, namoram menos, sentem-se mais solitários e são menos expressivos, tanto verbalmente, quanto não-verbalmente(2323 Oliveira MA, Duarte AMM. Control of anxiety responses in college students in situations of oral presentations. Rev Bras Ter Comport Cogn. 2004;6(2):183-200.). Potencialmente pessoas tímidas tem mais dificuldades de conseguir emprego, visto que o mercado de trabalho cada vez mais exige que indivíduos tenham boas habilidades interpessoais(2323 Oliveira MA, Duarte AMM. Control of anxiety responses in college students in situations of oral presentations. Rev Bras Ter Comport Cogn. 2004;6(2):183-200.). Segundo um estudo brasileiro(2424 Marinho ACF, Medeiros AM, Pantuza JJ, Teixeira LC. Self-perception of shyness and its relation to aspects of public speaking. CoDAS. 2020;32(5):e20190097. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20202019097. PMid:33053085.
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) realizado com estudantes universitários, participantes que se consideravam tímidos tinham mais tendências a terem medo de falar em público, participando pouco de atividades que envolviam comunicação em público. Também apresentaram autoavaliação negativa da fala, fraca intensidade vocal, velocidade elevada de discurso e pobre contato visual com a plateia. Em uma análise de modelo multivariado, participantes que alegaram ter medo de falar em público e que tinham fraca intensidade vocal tinham maiores chances de se perceberem como tímidos. Tais dados vão ao encontro dos achados deste estudo, no qual os participantes que se consideraram muito tímidos tinham médias inferiores de autopercepção ao falar em público.
A coleta de dados na modalidade virtual pode ter sido uma limitação à presente pesquisa, visto que os participantes respondiam conforme as suas interpretações das perguntas, sem suporte ou interferência dos pesquisadores, caso necessitassem.
Os dados deste estudo são baseados especificamente em autoavaliações de participantes. Sendo assim, sugere-se estudos clínicos visando avaliar se intervenções que envolvam aprimoramento comunicacional influenciam na autopercepção em situações de fala em público.
CONCLUSÃO
O presente estudo comparou a autoavaliação ao falar em público (SSPS) com a autopercepção sobre habilidades de comunicação e timidez. Os participantes com melhor autopercepção comunicacional e menor autopercepção de timidez apresentaram uma autoavaliação mais favorável em relação a apresentações em público.
AGRADECIMENTOS
Agradecimentos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) pelo subsídio financeiro que permitiu a condução deste estudo.
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Trabalho realizado na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre – UFCSPA - Porto Alegre (RS), Brasil e no Centro de Estudos da Voz – CEV - São Paulo (SP), Brasil.
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Fonte de financiamento: FAPERGS (04/2017).
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3Dunbar NE, Brooks CF, Kubicka-Miller T. Oral communication skills in higher education: using a performance-based evaluation rubric to assess communication skills. Innovative High Educ. 2006;31(2):115-28. http://dx.doi.org/10.1007/s10755-006-9012-x
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
17 Out 2022 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
25 Ago 2021 -
Aceito
14 Fev 2022