PRÁTICA DE ATIVIDADE FÍSICA E PARTICIPAÇÃO ESPORTIVA ASSOCIADAS À VIOLÊNCIA EM ADOLESCENTES: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA

PHYSICAL ACTIVITY AND SPORTS PARTICIPATION ASSOCIATED WITH VIOLENCE IN ADOLESCENTS: A SYSTEMATIC REVIEW

RESUMO

O presente estudo conduziu uma revisão da literatura que com o objetivo de investigar a relação entre a prática de atividade física (AF) e de esportes com violência e agressão entre adolescentes. Uma busca estruturada foi conduzida em três bases de dados (PubMed, Web of Science e Scielo) utilizando três campos de busca para população (adolescentes), AF/esportes e vioência/agressão. Dos 618 estudos encontrados, 555 foram selecionados por título e resumo, 63 foram lidos na íntegra e 24 foram incluídos para análise. Foi observada uma prevalência de 83% de estudos transversais, e o tamanho das amostras variou entre 210 e 71854 adolescentes. Medidas de violência e AF/esportes foram diversas. Dentre os 24 estudos analisados, seis não encontraram relação entre AF/esportes e violência, oito verificaram que AF/esportes foram fator de proteção, e 15 identificaram uma relação positiva entre AF/esportes e violência. Os achados sugerem que AF/esportes estão relacionados a uma maior exposição a conflitos e comportamentos agressivos, que podem escalar para outras relações fora do contexto da atividade feita. Contudo, o tipo de AF e o contexto parecem ter um importante papel na promoção de conflitos, com atividades coletivas com conflito direto, como futebol, oferecendo maior chance de promover agressividade comparados com atividades individuais sem conflito direto.

Palavras-chave:
Adolescente; Atividade motora; Agressão

ABSTRACT

The present study conducted a review of the literature that aimed to investigate the relationship between the practice of physical activity (PA) and sports with violence and aggression among adolescents. A structured search was conducted on three databases (PubMed, Web of Science and Scielo) using three fields for the population (adolescents), PA/sports and violence/aggression. Of the 618 studies identified, 555 were screened by the title and abstract, 63 had the full text screened and 24 were selected for inclusion and analysis. Most studies were cross-sectional (53%), and sample size varied between 210 and 71854 adolescents. Metrics of violence and PA/sports were very diverse. Of the 24 analyzed studies, six studies found no association between PA/sports and violence, eight found that PA/sports were a protective factor, and 15 found a positive relationship between PA/sports and violence. The findings suggest that PA/sports are related to higher exposition to conflicts, and aggressive behavior, which may escalate to other relationships amongst adolescents outside of the context of PA/sports. The type of PA practiced may play an important role in promoting conflicts, with team-based sports with direct conflict being more likely to promote aggressiveness compared to individual sports without direct conflicts.

Keywords:
Adolescent; Motor activity; Agression

Introdução

Comportamentos violentos e agressivos, socialmente indesejáveis contemporaneamente, marcaram inúmeros momentos da história da humanidade nas relações sociais, individuais e entre povos^1,2. As relações de violência, em sua maioria, são caracterizadas pela oposição e conflito entre duas ou mais entidades, com consequências de danos físicos, psicológicos e sociais.

As relações de oposição com o intuito do alcance da vitória ou derrota podem ser observadas em práticas esportivas atuais². Estas esferas da prática desportiva associadas ao universo do combate podem ter sido herdadas das primeiras modalidades, que eram por essência mímicas de exercícios ou expressões de valências físicas desejáveis aos guerreiros e lutadores de outrora. No cenário atual, esta herança é mais presente em algumas modalidades desportivas como artes marciais, hockey no gelo e rúgbi, e bons desempenhos em ações com contato, por exemplo, são consideradas como métricas de um bom desempenho esportivo² e também são popularmente aclamados por torcedores³.

Em contraste aos conflitos muitas vezes violentos na prática desportiva, outras atividades físicas como yoga, danças (não competitivas) e ginásticas de academia têm sido associadas também à maior socialização⁴, maior afeto e melhores relações sociais⁵. Tais atividades diferenciam-se de atividades esportiva pois suas práticas não implicam em conflitos diretos entre praticantes ou equipes. No entanto, assim como os esportes, estas práticas aumentam o gasto energético consideravelmente, melhoram componentes da aptidão física e afetam positivamente a saúde⁶. Tanto a atividade física esportiva quanto não esportiva vêm sendo associadas à características nobres, incluindo valências positivas de caráter, desejáveis na educação formal, e ilustradas em práticas cooperativas, no fair play, no cavalheirismo e no próprio conceito de sportsmanship ou espírito esportivo^2,7.

Nesse sentido, a prática esportiva é proposta como formadora de caráter e contribui para a perpetuação de virtudes nas novas gerações. O engajamento em esportes muitas vezes é encorajado já na infância, se tornando a principal ferramenta de projetos sociais para contrabalancear a exposição a ambientes e situações de violência em zonas de vulnerabilidade socioeconômica^8,9. A busca por desempenho, no entanto, pode estar privilegiando conteúdos técnico-táticos na formação dos jovens desportistas, de modo que a formação de virtudes, conteúdos socioeducativos e histórico-culturais, e principalmente da cultura de paz, têm sido colocados em segundo plano^2,8. Esse indicativo se confirma em estudos que tratam da violência e da prática desportiva: um estudo com uma amostra representativa de adolescentes (15 a 19 anos) de Santa Catarina mostrou uma relação positiva entre a participação em esportes coletivos e envolvimento em brigas no ano de 2011¹⁰. Outro estudo conduzido em Granada, na Espanha, encontrou resultados similares, sugerindo que adolescentes (13-17 anos) engajados em práticas desportivas mostraram mais comportamentos agressivos comparados aos seus colegas inativos¹¹. Os danos consequentes desta exposição à violência são severos e impactam a saúde em seu sentido holístico, com efeitos deletérios à saúde física, psicológica e nas relações sociais¹², de modo a compromer o desenvolvimento destes jovens e das comunidades as quais pertencem. Nesse sentido, o apontamento direciona-se para o fato da violência entre crianças e adolescentes ser um sério problema social e de saúde pública no Brasil, com mais de 20% dos adolescentes brasileiros relatando participação em brigas e aproximadamente 12% sendo expostos a violência por familiares nos 12 meses anteriores à uma pesquisa de abrangência nacional¹³.

A violência entre jovens se mostra como problema social alarmante, e, embora a atividade física, e sobretudo os esportes tenham se destacado como ferramentas para combater a violência e promover a cultura de paz¹⁴, algumas vezes a própria prática destas atividades parece estar associada aos comportamentos violentos. Portanto, é necessário compreender se a prática de atividade física, seja de caráter esportivo ou não, contribui para a prevenção ou o estímulo da violência entre jovens. Neste sentido, este trabalho tem por objetivo revisar sistematicamente a literatura para verificar se há, e qual é a direção da relação entre a prática de atividade física e a participação esportiva com o envolvimento com comportamentos violentos em adolescentes.

Métodos

A sistematização do presente projeto está fundamentada em três importantes referenciais de revisões sistemáticas: o livro "Systematic Reviews in Health Care: Meta-Analysis in Context"¹⁵, o Guia " Systematic Reviews. CRD’s guidance for undertaking reviews in health care"¹⁶, do Centre for Reviews and Dissemination da Universidade de Oxford e a lista de verificação PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses)¹⁷.

Critérios para seleção dos estudos

Foram incluídos estudos com dados originais, publicados em qualquer período (sem restrição do ano de publicação), redigidos na língua portuguesa ou inglesa, com amostras compostas por adolescentes entre 10-19 anos, que tenham mensurado a prática de atividade física, esportes e/ou exercício físico; e algum indicador de comportamento violento e/ou agressivo; e que tenham testado a associação entre a prática de atividade física/esportes/exercício e os comportamentos violentos e/ou agressivos, sendo estes físicos, verbais e/ou psicológicos.

Foram excluídos estudos: cujas unidades de análise não envolvam os adolescentes; estudos com amostras sintomáticas (e.g. apenas pessoas com obesidade), apenas com atletas, que consideraram apenas o bullying como indicador de violência, tendo em vista a subjetividade desta métrica, e aqueles que não relatem violência entre adolescentes e seus pares (e.g. violência perpetuada pela família ou pelo treinador).

Estratégias de busca

As evidências de interesse foram recuperadas por meio da aplicação de buscas sistemáticas em três bases de dados eletrônicas: Pubmed, que oferece extensa biblioteca eletrônica das ciências biomédica e da vida, considerada entre as bases com maior número de periódicos relacionados à saúde indexados; Web of Science, reconhecida pelo seu processo rigoroso de avaliação e inclui periódicos de todas as áreas do conhecimento; e Scielo, base de dados com origem no Brasil e que apresenta um grande acervo de periódicos da América Latina.

Os termos preliminares para cada um dos domínios estão organizados em três campos: 1. População (adolescent OR adolescence OR “adolescen*” OR teenagers OR “teen*”); 2. Violência/brigas (aggression OR violence OR fight); 3. Atividade física/esporte (“physical activity” OR “motor activity” OR sports). Quando apropriada, as buscas também envolveram descritores específicos de cada plataforma, como no caso do Medical Subject Headings (MeSH) na base de dados PubMed, e DeCS, no caso da base Scielo.

Foram empregados os operadores booleanos “OR” entre os termos utilizados dentro de um mesmo campo, enquanto o operador “AND” foi disposto entre os campos, de modo que os trabalhos encontrados deveriam contemplar ao menos um termo de cada campo no título e/ou resumo. Os resultados das buscas com cada campo, e cada combinação de campos, em cada base de dados adotada, conduzidas no dia 28 de Maio de 2018, podem ser observados no Material Suplementar 1.

Seleção dos estudos

Ao final das buscas sistemáticas e inserção das referências no software EndNote X7 para Windows, foram excluídas as referências duplicadas entre as bases de dados utilizando-se da ferramenta automática do software e de busca manual. A elegibilidade dos estudos foi definida por meio de duas avaliações sequenciais: (I) pelos seus títulos e resumos e (II) pelos seus textos integrais.

Extração e síntese dos dados

Dados relevantes dos artigos originais foram extraídos para uma planilha eletrônica, organizados da seguinte maneira: (I) características dos estudos (e.g. local do estudo, ano da coleta de dados, tamanho amostral, idade média, percentual de meninas na amostra); (II) métodos dos estudos (e.g. desenho de estudo, método para composição da amostra, métodos de avaliação das variáveis de atividade física e violência, análise estatística); (III) resultados dos estudos (e.g. nível de atividade física, escore em indicadores de violência, medidas de associação).

Resultados

Um total de 618 estudos foram encontradas nas buscas e exportadas para o software de gerenciamento de referências (Figura 1). Foram excluídos 47 estudos duplicados utilizando-se a ferramenta automatizada do software, enquanto 18 referências duplicadas adicionais foram identificadas manualmente. As demais 555 referências foram avaliadas em relação ao título e resumo. Destas, 63 referências foram selecionadas para leitura na íntegra. Os artigos de Hess e colaboradores (2008)¹⁸, Vveinhardt e colaboradores (2017)¹⁹, Ortega e colaboradores (2015)¹¹, e Moesch e colaboradores (2009)²⁰ não foram encontrados nos sites das revistas ou em outras plataformas de busca, e portanto, não puderam ser analisados em relação ao conteúdo.

Dos 59 estudos analisados na íntegra, 35 artigos foram excluídos por não atenderem os critérios de inclusão: não incluir adolescentes como unidade de análise (n = 1), apresentar medida de atividade física (n = 10), não estar na língua portuguesa ou inglesa (n = 1), apresentarem revisões de literatura (n = 2), não apresentarem associações entre atividade física e violência (n = 16), amostras de atletas ou apenas com participantes de esportes (n = 4), e um artigo que analisou violência perpetrada pelo treinador (n = 1) (Figura 1). A razão para a exclusão de cada estudo pode ser observada no Material Suplementar 2.

Figura 1
Fluxograma da busca e seleção dos estudos

As características dos estudos incluídos^10,20-41 e delineamento podem ser observados na Tabela 1, e características da amostra, instrumentos e resultados principais podem ser observados nas Tabelas 2, 3 e 4, respectivamente. De modo geral, observa-se que todos os artigos encontrados foram publicados a partir do ano 2000, com mais de 50% sendo publicados nos cinco anos anteriores a busca (2013 em diante). Três estudos analisaram dados de mais de um país, enquanto a maior parcela dos estudos incluiu ao menos uma ou toda a amostra dos Estados Unidos da América (n=13), com destaque para dados dos estudos Add Health e NHANES. Paralelamente, observa-se um predomínio de estudos de corte transversal (83%), e destaca-se que apenas três estudos longitudinais (13%) e uma intervenção foram encontrados (4%).

Tabela 1
Características dos estudos incluídos. 2018

Primeiro autor	Ano de publicação	Ano de coleta de dados	Local	Delineamento
Garry	2000	1997	Estados Unidos da America	Transversal
Pate	2000	1997	Estados Unidos da América	Transversal
Nelson	2005	1994-1995	Estados Unidos da América	Transversal
Kreager	2007	1994-1995	Estados Unidos da América	Transversal
Turagabeci	2008	2003-2004	9 países	Transversal
Gardner	2009	1994-1997	Estados Unidos da America	Longitudinal
Iannotti	2009	2001-2002	Estados Unidos da America e Canadá	Transversal
Moesch	2010	2005	Suíça	Transversal
Taliaferro	2010	1999-2007	Estados Unidos da América	Tendência secular
Baar	2011		Países Baixos	Transversal
Jiang	2012	1994-1995	Estados Unidos da America	Transversal
Celedonia	2013	2006	Egito	Transversal
Carraro	2014		Itália	Intervenção
Demissie	2014	2009	Estados Unidos da America	Transversal
Gaspar	2014	2010	Portugal	Transversal
Ohene	2015	2012	Gana	Transversal
Beaver	2016	1994-1995	Estados Unidos da America	Transversal
Scholes-Balog	2016	2010-2012	Australia	Longitudinal
Badura	2017	2014	República Tcheca	Transversal
Martínez-Martínez	2017	2012-2013	Espanha	Transversal
Milner	2017	2001-2002	Estados Unidos da América	Transversal
Park	2017	2003-2006	Coréia do Sul	Longitudinal
Silva	2017	2011	Brasil	Transversal
Stansfield	2017	2005-2007	30 países	Transversal

• Fonte: Os autores

Na Tabela 2 é possível observar que os tamanhos de amostra analisados variaram de 210 a 71.854 participantes, e envolveram adolescentes e jovens (10-19 anos de idade). Com exceção de um estudo³⁰, que avaliou apenas meninos, a proporção amostral de meninos nos estudos que avaliaram ambos os sexos variou de 43%-57%.

Tabela 2
Características das amostras dos estudos incluídos

Primeiro autor	Publicação	Amostra	Idade	Sexo
Garry	2000	3698		49% meninos
Pate	2000	14221
Nelson	2005	11957	15,8(±11.6)	50% meninos
Kreager	2007	6397	14,8	100% meninos
Turagabeci	2008	32302	13-15 anos	43% meninos
Gardner	2009	1344	11-14 na primeira coleta e 14-17 na segunda
Iannotti	2009		EUA: 13,7 (±1.5) ; CAN: 13,8(±1.5)
Moesch	2010	1664	12-18 anos	47,8% meninos
Taliaferro	2010	71854 (soma das 5 coletas)		48,1%-50,2% meninos (variando entre os anos de coleta)
Baar	2011	1425	11,25 (10-12)	50,3% meninos
Jiang	2012	13236	16,1(±1.7)	48% meninos
Celedonia	2013	5138		52% meninos
Carraro	2014	210	13.27 (13-15)	57,6% meninos
Demissie	2014	16345		52,2% meninos
Gaspar	2014	5050		47,7% meninos
Ohene	2015	1984		49,8% meninos
Beaver	2016	334 gêmeos monozigóticos, 428 gêmeos dizigóticos, 1244 irmãos
Scholes-Balog	2016	2262	17-24 anos	45% meninos
Badura	2017	10279	11, 13, 15	49,2% meninos
Martínez-Martínez	2017	2273	14,9(±1.3)	53,1% meninos
Milner	2017	8043	15,0 (meninas) e 15,1 (meninos)
Park	2017	2647		52% meninos
Silva	2017	6529	15-19 anos	44% meninos
Stansfield	2017	67883	12-15 anos

• Fonte: Os autores

As medidas utilizadas para a participação em esporte e em atividade física foram por meio de autorrelatos, com predomínio de questões relacionadas ao envolvimento em equipes desportivas ou participação em atividades esportivas escolares ou extracurriculares (Tabela 3). Observa-se maior heterogeneidade nas métricas de violência e agressividade, em que foram empregados instrumentos complexos, com dimensões de violência psicológica, física e emocional, ou ainda, métricas mais simples para avaliar bullying e envolvimento em brigas. Com algumas exceções, as análises predominantes foram regressões logísticas, com desfechos dicotômicos ou politômicos de envolvimento em violência com envolvimento em atividades esportivas como exposição, ou análises descrevendo diferenças comportamentais entre subgrupos praticantes de atividades desportivas e não desportivas.

Tabela 3
Instrumentos de avaliação das variáveis de interesse e abordagem estatística dos estudos incluídos

Primeiro autor	Ano de publicação	Avaliação de atividade física ou esporte	Avaliação de Violência	Abordagem estatística
Garry	2000	Número de equipes esportivas no qual participou nos ultimos 12 meses	Carregar armas de fogo, levar armas como facas para clube, se envolver em brigas	Qui quadrado e regressão logística
Pate	2000	Participação em equipes desportivas nos últimos 12 meses	Envolvimento em brigas nos últimos 12 meses; carregar armas nos últimos 30 dias	Regressão logística
Nelson	2005	Questionário de AF, transformado em METs, e participação em EF e clubes.	Escala de violência	Regressão de Poisson
Kreager	2007	Participação em atividades esportivas (12 modalidades).	Envolvimento em brigas nos 12 meses anteriores	Regressões logísticas e lineares
Turagabeci	2008	Fazer AF por mais de 60m em pelo menos dois dias na semana.	Bullying nos últimos 30 dias; Envolvimento em brigas sempre e nos últimos 12 meses; Machucar alguém severamente sempre e nos últimos 12 meses; Causa da lesão mais séria sofrida nos últimos 12 meses	Regressão logística
Gardner	2009	Participação em esportes (questão sobre participação em atividades na escola/comunidade).	12 itens (e.g. agredir alguém, atacar alguém com uma arma, assaltar) no último ano	Regressões logísticas
Iannotti	2009	Número de dias que fez mais de 60min de AFMV em uma semana típica	Frequência de bullying nos últimos dois meses; número de vezes que o bullying envolveu agressões físicas; número de brigas nos últimso 12 meses; numero de dias que carregou arma nos últimos 30 dias	Regressões lineares
Moesch	2010	Questionário de atividades desportivas em uma semana habitual.	Cognition towards violence (11 itens de escala likert sobre forma de lidar com violência) e escalas violencia psicológica e física	ANOVA/MANOVA
Taliaferro	2010	Participação em esportes individuais e de equipe nos últimos 12 meses.	Violência sexual, agressão por parceiro, envolvimento em brigas, carregar armas, sentimento de insegurança na escola	Regressão logística
Baar	2011	Participação em três categorias de esportes (artes marciais, esportes de contato, esportes sem contato) em comparação à escolares não participantes em esportes.	Social Experience Questionnaire-Self Report (SEQ-S), com 11 itens (3 de agressão física, 3 de agressão verbal, 5 de relações)	ANOVA/MANOVA
Jiang	2012	Participação em esportes individuais e de equipe.	Participação em brigas, uso de armas, machucar alguém seriamente, esfaquear ou atirar em alguém.	Regressão logística
Celedonia	2013	Número de dias que fez mais de 60min de AFMV nos últimos 7 dias.	Briga física (2x nos últimos 12 meses)	Qui quadrado e regressão logística
Carraro	2014	Intervenção com lutas vs grupo controle com ensino de voleibol.	Versão curta do Agression Questionnarie (AQ-12) com 12 itens (3 de agressão física, 3 de agressão verbal, 3 de raiva e 3 de hostilidade)	MANOVA
Demissie	2014	Número de dias que fez mais de 60min de AFMV nos últimos 7 dias; número de equipes esportivas no qual participou nos últimos 12 meses	Carregar armas, envolvimento em brigas cotidianamente e na escola; sofrer bullying, faltar aulas por medo, ser ameaçado ou ferido com armas	Regressões logísticas
Primeiro autor	Ano de publicação	Avaliação de atividade física ou esporte	Avaliação de Violência	Abordagem estatística
Gaspar	2014	Número de vezes que praticou alguma AF nos ultimos 7 dias.	Envolvimento em brigas nos 12 meses anteriores (escala entre não se envolver (1) e se envolver em 4 ou mais episodios (5))	Regressões
Ohene	2015	Número de dias que fez mais de 60min de AFMV nos últimos 7 dias.	Ter sido vítima de violência sexual pelo menos uma vez na vida e/ou ter sofrido agressão física nos últimos 12 meses.	Regressão logística
Beaver	2016	Participação em futebol.	Participação em brigas, uso de armas, machucar alguém seriamente, esfaquear ou atirar em alguém.	Regressões logísticas
Scholes-Balog	2016	Participação em equipes desportivas nos últimos 12 meses.	Envolvimento em brigas sempre e nos últimos 12 meses; Machucar alguém severamente sempre e nos últimos 12 meses; Violência emocional e física contra parceiro íntimo	Regressão logística
Badura	2017	Participação em seis categorias de atividades (esportes de equipe, esportes individuais, escolas de arte, organizações jovens, centros ou clubes de recreação, atividades religiosas).	Briga física (2x nos últimos 12 meses), e bullying (perpetrado ou sofrido)	Regressões logísticas multinomiais
Martínez-Martínez	2017	Respondiam sim ou não se faziam AF por mais de 3h/semana fora da escola.	School violence Scale (25 itens estilo likert de casos de violencia direta, indireta e relações) e School Victimization Scale (20 itens estilo likert de casos de violencia física, verbal e de relações)	SEM
Milner	2017	Ter participado em um esporte individual ou coletivo nos últimos sete dias.	Ter sido ameaçado, sofrido violencia física, sexual, ou lesões por parte de um parceiro ou namorado no último ano	Regressão logística
Park	2017	Participação em aulas de educação física e esporte extracurricular.	Escala de agressividade	Curva de crescimento latente
Silva	2017	Questionário com tipo, duração e frequência de AF.	Envolvimento em brigas nos últimos 12 meses	Regressão logística
Stansfield	2017	Quanto tempo passava do dia escolar em várias atividades, incluindo esportivas.	Envolvimento com qualquer forma de violência no último ano	Regressão logística

• Fonte: Os autores

Ao total, seis estudos^{24,26,29,31,34,37} não encontraram associações entre indicadores de atividade física (e.g. número de dias que pratica atividade física, envolvimento em esportes extracurriculares) e indicadores de violência (e.g. envolvimento em brigas, ameaças de violência física), enquanto oito mostraram alguma evidência que a prática de atividade física ou envolvimento com esportes (e.g. jogar tênis, praticar exporte extracurricular) foi negativamente associada a indicadores de violência^{23,25,30,32,35,36,39,40} (Tabela 4). A maioria dos estudos (n =15 de 24) encontrou associação positiva entre a prática de esportes ou de atividade física (e.g. bouts de atividades físicas por semana, dias de prática de atividade física, envolvimento em esportes extracurriculares, praticar mais de 2h/dia em esportes) com os indicadores de violência e/ou agressividade (e.g. envolvimento em brigas, porte de arma branca, coerção agressiva, agressão verbal)^{10,20-22,25,27,28,30,33,38,41,42}.

Tabela 4
Resultados encontrados nos estudos incluídos

Primeiro autor	Ano de publicação	Resultados principais
Garry	2000	Participação em esportes foi associado ao envolvimento em brigas e carregar armas
Pate	2000	Meninos praticantes de esportes tiveram menor probabilidade de carregar armas
Nelson	2005	Adolescentes que fizeram mais de 5 bouts de AFMV/semana tiveram maior probabilidade de se envolver em comportamentos violentos
Kreager	2007	Futebol e Wrestling foram positivamente associados à brigas, e no caso do futebol, mediado por pares que jogam futebol. Jogar tênis se mostrou um fator de proteção
Turagabeci	2008	Atividades físicas foram protetoras contra bullying entre meninas e meninos, e contra violência e lesões apenas entre meninos
Gardner	2009	Não foi encontrada associação entre participação em esportes e comportamentos violentos
Iannotti	2009	AF foi associada positivamente com agressão física
Moesch	2010	Adolescentes perpretadores de violência psicológica praticaram mais esportes que os demais
Taliaferro	2010	Meninos e meninas atletas tiveram menos chance de carregar armas
Baar	2011	Paticipação em esportes foi associado à maior agressão comparado aqueles que não praticam esportes. Meninos experienciaram mais agressividade em todos os contextos
Jiang	2012	Atividades esportivas sozinhas não foram associadas com violência no modelo ajustado
Celedonia	2013	Fazer AF em quatro ou mais dias foi associado ao envolvimento em brigas, mas a significância se perdeu no modelo ajustado
Carraro	2014	A intervenção com brincadeiras de luta diminuiu o escore de violência comparado ao ensino do voleibol depois de 4 semanas
Demissie	2014	Praticar AF foi associada com violência, sendo protetor para alguns fatores, e risco para outros (e.g. aumentou risco de brigas, diminuiu o risco de bullying em meninos). As direções das associações foram diferentes entre os sexos
Gaspar	2014	Envolvimento em brigas associou-se positivamente à prática de AF em meninos e meninas
Ohene	2015	A prática de atividade física não foi associada à ocorrência de violência sexual ou física
Beaver	2016	Participação em futebol foi associada à indicadores de violência. Fatores genéticos que influenciam participação em futebol também parecem causar comportamentos violentos
Scholes-Balog	2016	Participação em esportes não foi associada a nenhum indicador de violência dois anos depois
Badura	2017	Participação em alguma atividade no lazer foi associada à maior ocorrência de brigas. O grupo de esportes coletivo foi o mais fortemente associado à brigas, sobretudo para meninos
Martínez	2017	Nenhum tipo de agressividade foi associado a AF no modelo de SEM
Milner	2017	Praticar esportes foi associado à proteção contra ameaças de violência em relacionamentos para meninas
Park	2017	Aulas de educação física não afetaram a curva comportamentos agressivos, entretanto, esportes extracurriculares ajudaram a diminuir comportamentos agressivos, sobretudo em meninas
Silva	2017	Participação em esportes aumentou o risco para envolvimento em brigas, sobretudo esportes coletivos para meninos
Stansfield	2017	Participar de esportes por duas horas ou mais/dia foi associado à maior ocorrência de casos de violência

• Fonte: Os autores

Discussão

O presente estudo objetivou identificar a relação entre práticas esportivas e de atividade física com indicadores de violência em adolescentes por meio de uma revisão com busca sistematizada da literatura. Com base nos estudos analisados, observa-se que a maior parte das evidências encontradas aponta para uma relação positiva entre a prática desportiva ou envolvimento em atividade física e envolvimento em episódios de violência e agressividade. Este achado corrobora com a hipótese de que os elementos que muitas vezes compõe a prática esportiva, como os conflitos, embates entre equipes e indivíduos, podem refletir ou serem reflexos de comportamentos fora do contexto esportivo, considerando que os adolescentes podem a vivenciar tais conflitos também em outras esferas de relações sociais^10,21,28.

A maior parte dos estudos incluídos na presente revisão aponta uma relação entre a prática esportiva e indicadores de violência. Alguns estudos sugerem que esta relação pode ser ainda mais forte em meninos, que parecem estarem mais expostos a atitudes agressivas, sobretudo física, na relação com pares e familiares^{10,21,22,25,40} quando comparados as meninas. Um estudo sugere que os meninos podem estar mais intimamente ligados à agressividade pelo papel histórico-social da masculinidade na sociedade, em que a violência passa a ser uma parte fundamental da identidade do homem, que se manifesta em várias esferas da vida (e.g. relações ocupacionais e na família), inclusive em desportos³⁰. As diferenças entre os sexos podem mudar a relação da prática esportiva com a violência de diferentes maneiras, de modo que meninos podem ter preferências por esportes com maior contato e em contextos com conflitos diretos como futebol e wrestling³⁰. Em oposição, àqueles que optam por desportos como tênis, sem contato físico direto (e.g. voleibol), e sem conflitos de equipes (e.g. natação), parecem não contribuir com esse aumento em casos de violência³⁰. Como observado pelos estudos, meninos vivenciam mais a violência do que as meninas (e.g. se envolvem mais em brigas)^10,21,22, e isso pode refletir em suas práticas esportivas. Embora hipóteses possam ser criadas, estudos acompanhando a prática desportiva e as experiências com agressividade e violência prospectivamente são necessários para se compreender como esta relação se estabelece.

A relação entre esporte e agressividade/violência parece ser dependente da métrica de ambas as variáveis, em que a vivência de violência é dependente da atividade e contexto onde a atividade é praticada. A escolha por modalidades coletivas se revelou como um agravante para a exposição à violência^10,22,30. Hipotetiza-se que o maior número de jogadores, e o frequente contato físico entre os mesmos nestas modalidades, sobretudo na forma de gestos técnicos necessários para o sucesso da equipe, possam se escalar em conflitos com maior frequência, quando comparados a esportes individuais que não há contato físico entre os praticantes, exceto as modalidades de lutas, artes marciais e esportes de combate. Observa-se que o contexto da prática da atividade física e esportes pode impactar sobre o comportamento violento. No que se refere à realidade das aulas de educação física escolar, um estudo sugeriu que as atividades praticadas não refletiram sobre comportamentos de violência, mas atividades extracurriculares se mostraram como fator de proteção³⁵. A heterogeneidade das medidas para a prática de atividade física e esportes limita a determinação da direção da relação entre essas atividades e a violência. Enquanto alguns estudos analisaram modalidades esportivas separadamente, encontrando diferenças entre a prática de tênis e de futebol por exemplo³⁰, outros estudos utilizaram métricas de envolvimento em clube esportivo³⁷, atividade extracurricular³⁵, ou apenas mediram o volume de atividade física²⁴. De modo geral, a prática de esportes coletivos foi associada à brigas e episódios de violência^{10,20-22,38,41,42}, entretanto, a heterogeneidade dos resultados referentes a prática de atividade física geral^{27,28,31,34,35} sugere que os achados são inconclusivos. Informações acerca da organização das atividades, presença de instrutor, ensino de valores e contato destas atividades são necessárias para compreender a relação como um fator que previne ou aumenta à violência.

O indicador de violência também parece influenciar a relação observada, sendo que brigas foram mais fortemente relacionadas às práticas desportivas^10,22,27, enquanto apenas um estudo identificou a maior prática de violência psicológica associada a maior prática desportiva²⁰. Em meninas, especificamente, a prática esportiva se mostrou como fator de proteção em relação à ameaças de violência de companheiros³². Quando mensurada a ocorrência de lesões, a prática de atividade física também se mostrou como fator de proteção em um estudo em nove países⁴⁰. A violência e agressividade pode se manifestar em diversos comportamentos; métricas e instrumentos complexos podem melhorar a compreensão da relação da prática de atividade física ou esportiva com as diferentes dimensões dos comportamentos violentos, como violência psicológica, física e emocional. Neste sentido, encoraja-se o uso de instrumentos com indicadores mais complexos destas vivências e apropriados para adolescentes.

A maioria dos estudos analisados foi de característica transversal, o que dificulta a identificação de causalidade entre a prática desportiva/atividade física e indicadores de violência. Três estudos longitudinais foram encontrados, e destes, nenhum mostrou associação entre a prática desportiva ou de atividade física com agressividade ou violência^26,35,37. Um estudo com adolescentes na Coréia do Sul mostrou que atividade física no contexto extracurricular contribuiu para uma diminuição nos comportamentos agressivos, sobretudo em meninas³⁵. Mesmo que as evidências prospectivas não tenham mostrado relação entre atividade física e violência, um estudo que analisou prática desportiva e violência entre amostras de gêmeos mostrou resultados, que embora transversais, sugerem que há algum fator ou mecanismo subjacente, possivelmente de caráter genético, que predispõe os adolescentes tanto à prática desportiva quanto ao envolvimento em violência⁴¹. Embora a explicação dos autores seja coerente com os dados observados, novas pesquisas com mapeamento genético e melhores instrumentos para quantificar os comportamentos agressivos e de violência precisam ser conduzidas para confirmar ou refutar esta hipótese.

Apenas um estudo de intervenção foi observado, que inseriu práticas de jogos de lutas nas aulas de educação física ao longo de um mês, sendo observada melhora em indicadores de agressividade em comparação ao grupo controle, que teve voleibol como conteúdo neste mesmo período²³. Ainda que este resultado seja apenas de um estudo, durante uma intervenção de curta duração (4 semanas), a formação de professores para mediar conflitos por meio do ensino de lutas pareceu favorecer a aquisição das faculdades cognitivas e emocionais dos adolescentes para lidar com os embates e agressividade de modo responsável. Este tipo de lição pode não ser aprendido em contextos de esportes sem contato, como no voleibol, e, portanto, este tipo de abordagem pode ser sistematizada e replicada por outros professores em diferentes realidades, sobretudo em países como o Brasil, onde projetos sociais que incluem modalidades desportivas são tão populares^8,9.

O presente estudo apresenta algumas limitações, tal como a inclusão de estudos apenas nas línguas portuguesa e inglesa, que pode ter comprometido a inclusão de evidências relevantes em contextos diferentes dos encontrados. Outra limitação é a ausência de um instrumento para analisar o risco de viés das pesquisas, que contribuiria para evidenciar achados de estudos mais controlados e rigorosos. Por último todas as etapas foram conduzidas por um pesquisador, o que infringe um viés intrínseco nas etapas de seleção, ainda que sistematizadas.

Conclusões

Conclui-se que a prática esportiva foi associada à experiências de violência e agressão, porém a direção desta relação é dependente do tipo de atividade física praticada, do seu contexto, e do indicador do comportamento de violência e agressividade analisado. Não foi possível determinar a causalidade desta relação. Contudo, as evidências sugerem que indicadores genéticos e sociais podem simultaneamente predispor adolescentes a preferirem determinados esportes e a apresentarem comportamentos agressivos. Novos estudos prospectivos são necessários para esclarecer a causalidade da relação entre violência e a prática de atividade física e/ou esportes, bem como estudos de intervenção para avaliar estratégias que possam prevenir episódios de violência na prática esportiva de adolescentes.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  22 Jun 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  22 Jan 2019
• Revisado
  30 Nov 2019
• Aceito
  20 Dez 2019