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Política e resistência no lazer noturno homossexual1 1 Este artigo traz resultados parciais da tese de doutoramento defendida no Programa de Pós-Graduação Educação e Saúde na Infância e Adolescência, da Universidade Federal de São Paulo.

Resumo

O objetivo deste estudo foi explorar, por meio de uma etnografia, a potência política do lazer noturno paulistano destinado aos consumidores de sexualidade e gênero dissidentes. Tomou-se o cotidiano como chave analítica, ensejando diálogos oportunos entre a terapia ocupacional e ciências sociais/humanas acerca das atividades em sua totalidade. Para tanto, buscou-se investigar os significados particulares que o termo resistência ganha neste contexto e, em segundo momento, abordar a dimensão político-corporal de algumas práticas de natureza afetiva-sexual no interior de algumas festas. A cena pop LGBT investigada era composta por cinco festas, três delas na região da Rua Augusta e duas no bairro da Barra funda. Tais lugares eram marcadamente juvenis, frequentados por homossexuais masculinos, vinculados ao estilo pop. Foram usadas entrevistas com DJs e produtores de festas e outras pessoas “da noite”, em complemento aos dados etnográficos. A análise se deu por meio de operações conceituais respaldadas nos Estudos Culturais, Nancy Fraser, em Michel Foucault, Giorgio Agamben. O termo “resistência” ganha significados contingenciais relacionados à disputa de representações de gênero nos palcos midiáticos. A visibilidade dos corpos de sexualidade dissidente transcende o domínio simbólico da estima social e reforça a noção de gênero como fenômeno público político. Além disso, práticas heterotópicas de natureza afetivo-sexual no darkroom podem revelar a potência política pela suspensão de dispositivos produtores de hierarquias sociossexuais.

Palavras-chave:
Terapia Ocupacional; Atividades de Lazer; Atividades Cotidianas; Performatividade de Gênero; Sexualidade

Abstract

This study aimed to explore the political power of nighttime leisure in São Paulo created for consumers of dissident sexuality and gender, through an ethnography. Daily life was taken as an analytical key, providing timely dialogues between Occupational Therapy and social/human sciences about the activities in their entirety. Therefore, it was sought to investigate meanings that term resistance gains in this context and, secondly, to approach the political-body dimension, addressing affective-sexual practices within some parties. The LGBT pop scene investigated was composed of five parties, three of them in the Augusta region and two in Barra Funda. All places were markedly juvenile, frequented by male homosexuals, linked to the pop style. We used interviews with DJs and party producers and other “night people”, in addition to the ethnographic data. The data analysis based on Cultural Studies, Michel Foucault, and Giorgio Agamben. The term “resistance” gains contingency meanings related to the dispute of gender representations on the media stages. The visibility of the bodies of dissenting sexuality transcends the symbolic domain of social esteem and reinforces the notion of gender as a public political phenomenon. In addition, heterotopic practices of an affective-sexual nature in the darkroom may reveal the political power by the suspension of devices producing sociosexual hierarchies.

Keywords:
Occupational Therapy; Leisure Activities; Activities of Daily Living; Gender Performativity; Sexuality

1 Introdução

“O exílio da política dá lugar a uma política do exílio” (Agamben, 2017Agamben, G. (2017). O uso dos corpos. São Paulo: Boitempo., p. 265).

Este artigo é parte de uma pesquisa de doutoramento, cujo objetivo foi investigar a potência política da cena pop LGBT paulistana, no que toca aos significados particulares que o termo resistência ganha no lazer noturno. Para tanto, meu olhar estará atento à produção subjetiva no lazer noturno ligado à construção da homossexualidade masculina, propondo uma análise do cotidiano que privilegie o espaço entre o lazer e a política, entre o desejo e o social.

O lazer noturno nas metrópoles, composto por boates, festas e bares, integram o cotidiano de diversos jovens que se reconhecem como lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e outras expressões socioidentitárias. A despeito disso, há evidente escassez de estudos que relacionem as ocupações juvenis às expressões de gênero e sexualidade, em especial a dimensão do lazer em sua dimensão política. Kiepek et al. (2019)Kiepek, N. C., Beagan, B., Rudman, D. L., & Phelan, S. (2019). Silences around occupations framed as unhealthy, illegal, and deviant. Journal of Occupational Science, 26(3), 341-353. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2018.1499123.
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fala do silenciamento científico frente às chamadas ocupações não-sancionadas, que seriam as ocupações consideradas prejudiciais à saúde, ilegais e/ou desviantes dentro das visões de mundo dominantes, e o lazer noturno seria um exemplo desse domínio de ocupações.

Restritos a esquemas específicos de saúde e bem-estar, terapeutas e cientistas ocupacionais costumam compreender o lazer como um conjunto de atividades automotivadas, realizadas no tempo oposto ao trabalho, com efeitos sobre o senso de competência, autoeficácia, relaxamento, participação e desenvolvimento pessoal (Wensley & Slade, 2012Wensley, R., & Slade, A. (2012). Walking as a meaningful leisure occupation: the implications for occupational therapy. British Journal of Occupational Therapy, 75(2), 85-92. http://dx.doi.org/10.4276/030802212X13286281651117.
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; Passmore, 2003Passmore, A. (2003). The occupation of leisure: three typologies and their influence on mental health in adolescence. OTJR, 23(2), 76-83. http://dx.doi.org/10.1177/153944920302300205.
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). Pelo menos dois apontamentos emergem dessa abordagem: em primeiro lugar, a importância de enxergar o lazer e as ocupações em seus significados sociopolíticos, contestatórios e subversivos, tarefa essa que extrapolam seu uso funcional; segundo, o imperativo da superação de matrizes teórico-metodológicas de base moralista, etnocêntrica, classista, heteronormativas, pois elas tendem a negligenciar uma gama de atividades culturais não-hegemônicas (Kiepek et al., 2019Kiepek, N. C., Beagan, B., Rudman, D. L., & Phelan, S. (2019). Silences around occupations framed as unhealthy, illegal, and deviant. Journal of Occupational Science, 26(3), 341-353. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2018.1499123.
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).

Algumas produções em terapia e ciência ocupacional tangenciam o tema deste artigo, como a pesquisa de Birkholtz & Blair (1999)Birkholtz, M., & Blair, S. E. E. (1999). ‘Coming out’ and its impact on women’s occupational behaviour: a discussion paper. Journal of Occupational Science, 6(2), 68-74. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.1999.9686453.
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, na qual se discute os significados do lazer fruído por lésbicas em sociedades marcadas pela homofobia, variando da celebração ao suporte no coming out2 2 Expressão equivalente ao “sair do armário”, ou melhor, tornar pública a orientação sexual ou identidade de gênero divergente da norma cisheterossexual. , pois seria um exemplo de ocupação capaz de fortalecer a identidade e facilitar estratégias adaptativas (coping). Avillo et al. (2015)Avillo, C., Barrientos, B., Fernández, J., Matus, C., Olivares, C., & Morrison, R. (2015). Contexto y elecciones ocupacionales de adolescentes que se identifican como homosexuales. Revista Chilena de Terapia Ocupacional, 15(2), http://dx.doi.org/10.5354/0719-5346.2015.3815.
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analisam o modo como jovens chilenos homossexuais têm suas “eleições ocupacionais” reguladas pela heteronorma presente nas dimensões institucionais, econômicas, culturais. E embora os autores não abordem diretamente o lazer, eles identificam como as preferências para brincadeiras e esportes são condicionadas pelos estereótipos de gênero. Os estudos brasileiros baseados na Terapia Ocupacional Social produzem evidências sobre a ação protetiva das redes sociais de suporte e novos esquemas teórico-analíticos implicados com a superação de injustiças e opressões vinculadas às questões de sexo/gênero, raça/cor e classe (Monzeli, 2013Monzeli, G. A. (2013). Em casa, na pista ou na escola é tanto babado: espaços de sociabilidade de jovens travestis (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Melo, 2016Melo, K. M. M. (2016). Terapia ocupacional social, pessoas trans e Teoria Queer: (re)pensando concepções normativas baseadas no gênero e na sexualidade. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 24(1), 215-223. http://dx.doi.org/10.4322/0104-4931.ctoARF0645.
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; Braga et al., 2020Braga, I. F., Melo, K. M. M., Monzeli, G. A., Leite Junior, J. D., Farias, M. N., & Correia, R. L. (2020). Crise da democracia brasileira e o cotidiano de pessoas dissidentes de gêneros e sexualidades: reflexões baseadas na terapia ocupacional social. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(2), 693-705. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoARF1958.
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). Já Murasaki & Galheigo (2016)Murasaki, A. K., & Galheigo, S. M. (2016). Juventude, homossexualidade e diversidade: um estudo sobre o processo de sair do armário usando mapas corporais. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 24(1), 53-68. http://dx.doi.org/10.4322/0104-4931.ctoAO0648.
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pesquisaram as transformações no cotidiano de jovens que se assumiram homossexuais por meio de mapas corporais, identificando barreiras à autonomia, inclusão e participação social. Os autores apontam a necessidade de maior apropriação da temática sexualidade e gênero por parte dos terapeutas ocupacionais, de maneira a melhor fundamentar o exercício profissional em qualquer área de atuação. Leite Júnior & Lopes (2017)Leite Júnior, J., & Lopes, R. E. (2017). Travestilidade, transexualidade e demandas para a formação de terapeutas ocupacionais. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 25(3), 481-496. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1060.
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pesquisaram especificamente questões relativas às transsexualidades e travestilidades na formação graduada em terapia ocupacional e encontram uma grande lacuna, realidade essa que sinaliza a urgência de um currículo mais sensível ao domínio sexo-gênero.

Na esteira de Galheigo (2003Galheigo, S. M. (2003). O cotidiano na terapia ocupacional: cultura, subjetividade e contexto histórico-social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 14(3), 104-109. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v14i3p104-109.
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, 2020Galheigo, S. M. (2020). Terapia ocupacional, cotidiano e a tessitura da vida: aportes teórico-conceituais para a construção de perspectivas críticas e emancipatórias. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(1), 5-25. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO2590.
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), reconheço a possibilidade de se tomar a cotidianidade como conceito-chave na terapia ocupacional crítica, buscando nas ciências humanas e sociais ferramentas para pesquisa e intervenções centradas no cotidiano-sujeito-história, com vistas à superação das opressões de toda espécie (Almeida et al., 2020Almeida, D. E. R. G., Müller, R. P., Francia, P. N. R., Osielski, T. P. O., & Diniz, T. (2020). Autoetnografia como estratégia decolonizadora de ensino sobre o cotidiano em terapia ocupacional. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 24, e190122. http://dx.doi.org/10.1590/interface.190122.
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). O diálogo com teóricos dos Estudos Culturais, Michel Foucault e Giorgio Agamben cumprirá a função de enriquecer o debate ancorado na dimensão política das atividades cotidianas, com enfoque no lazer noturno. Tomar o cotidiano como chave analítica implica, segundo Azanha (2011)Azanha, J. M. P. (2011). Uma ideia de pesquisa educacional. São Paulo: Editora USP.: a) no ajuste de escala analítica, atendo-se na relação entre particular-genérico, micro-macro; b) no reconhecimento da primazia do cotidiano sobre os marcos históricos; c) em tomar o cotidiano como totalidade (todo não aditivo) devido ao caráter relacional estabelecido entre subjetividade, política, cultura e economia; d) em apostar no que há de surpreendente nas atividades ordinárias, mas sem cair na descrição trivial das atividades. Isso se dá por operação conceitual por meio da qual os significados caóticos das atividades são iluminados pela teoria, testando-a em seus limites.

Com efeito, espera-se que as categorias acionadas possam contribuir para a análise crítica das atividades de lazer vivenciadas por homossexuais masculinos em meio urbano.

Não há um corpo de conhecimento em Terapia Ocupacional e Ciência Ocupacional sobre sexualidades e expressões de gênero dissidentes. Esse termo serve para delimitar os sujeitos de pesquisa segundo as formas de identificação de gênero e práticas sexuais não hegemônicas, inclusive seu uso é crescente entre terapeutas ocupacionais brasileiros (Almeida & Lugli, 2018Almeida, D. E. R. G., & Lugli, R. G. (2018). As cenas musicais como moldura analítica do lazer noturno: homossexualidades masculinas em perspectiva. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 26(4), 747-758. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1628.
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; Correia et al., 2020Correia, R. L., Corrêa, M., Pedro, R., Lindgren, Y., Nascimento, W., & Correia, I. S. (2020). Velhices dissidentes de gêneros e sexualidades: as ocupações coletivas frente a pandemia Covid-19. Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional, 4(3), 460-487. http://dx.doi.org/10.47222/2526-3544.rbto34440.
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; Braga et al., 2020Braga, I. F., Melo, K. M. M., Monzeli, G. A., Leite Junior, J. D., Farias, M. N., & Correia, R. L. (2020). Crise da democracia brasileira e o cotidiano de pessoas dissidentes de gêneros e sexualidades: reflexões baseadas na terapia ocupacional social. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(2), 693-705. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoARF1958.
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). Até meados dos anos 1990, homossexualidade era a categoria largamente usada para dar unidade ao objeto investigativo. Já nas últimas décadas, outras expressões passaram a ser encontradas na literatura, como diversidade sexual e de gênero, identidades de gênero não convencionais, não normativas ou não hegemônicas (Simões & Carrara, 2014Simões, J. S., & Carrara, S. (2014). O campo de estudos socioantropológicos sobre diversidade sexual e de gênero no Brasil: ensaio sobre sujeitos, temas e abordagens. Cadernos Pagu, (42), 75-98. http://dx.doi.org/10.1590/0104-8333201400420075.
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). São termos que nomeiam um campo específico de conhecimento multidisciplinar, variando segundo as perspectivas adotadas pelos pesquisadores3 3 Simões & Carrara (2014) mapeiam as questões e abordagens que ganharam destaque pela crítica à “homossexualidade” como categoria classificatória e identidade social englobante. Eles encontram pesquisas que se articulam em torno da noção de homossexualidade (“homossexuais masculinos”, “homossexualidade feminina”), “homoeróticos” e “homoafetivos”. Categorias mais singularizadas, como “gay”, “lésbica”, “bissexual”, “transgênero”, “transexual”, “travesti”, “transformista”, “drag queen”, “crossdresser”, “queer”. Expressões mobilizadas pela politização do tema, na forma de siglas, como “LGBT”, ou “GLBTTT”. Por fim, termos e expressões que buscam designar sujeitos com base em práticas: “HSH” (homens que fazem sexo com homens) e “MSM” (mulheres que fazem sexo com mulheres). . Cabe ressaltar que homossexualidade masculina é a expressão usada aqui visando uma unidade analítica, no entanto, em alguns momentos do texto, poderei usar sexualidades e expressões de gênero dissidente no intuito de dar maior abrangência às argumentações.

Por fim, os estudos mencionados anteriormente partem de premissas teórico-metodológicas distintas. Contudo, eles serão resgatados, o quanto possível, no decorrer da discussão dos achados desta pesquisa, levando-se em conta a necessidade de consolidação de uma frente investigativa em terapia ocupacional sobre o tema.

2 Lazer Espetacular

Freire Filho (2007Freire Filho, J. (2007). Reinvenções da resistência juvenil: os estudos culturais e as micropolíticas do cotidiano. Rio de Janeiro: Maud X., p. 22), ao recapitular o interesse dos Estudos Culturais pela temática da juventude e suas formas de resistências, diz que os jovens são vistos, academicamente, como “[...] sismógrafos, barômetros ou catalisadores de mudanças na produção e no consumo cultural, nos comportamentos e nas relações sociais”. Continua o autor, em tom de alerta, que nem sempre os pesquisadores agem com os rigores conceituais e metodológicos necessários, principalmente no que concerne à exagerada flexibilidade do “conceito camaleônico da resistência”.

O interesse pela resistência no lazer espetacular já compunha a agenda dos integrantes do Center of Contemporary Cultural Studies (CCCS), os quais apostavam no seu potencial transgressivo, cujos sentidos poderiam revelar mudanças na vida dos jovens, ainda que nem sempre revolucionárias. Na esteira de Gramsci, a noção de hegemonia foi bastante utilizada, entendida como substância e o limite do senso comum, correspondente à realidade complexa da experiência social (Hall, 2003Hall, S. (2003). Estudos culturais: dois paradigmas. da diáspora. Belo Horizonte: UFMG.). Algumas coisas aconteceriam fora do modo hegemônico, acreditavam eles, mas nem tudo que é contra-hegemônico é proponente de soluções, revolucionário, problema esse que os fizeram pensar nos esquemas contraditórios localizados entre o consumo e a insurgência no lazer.

A despeito das críticas recebidas, estudiosos prosseguiram com a investigação sobre as subculturas estilizadas, como no caso dos punks, teddy boys, rockers, hippies, convictos de que tais manifestações não consistiam em um desafio efetivo à formação social (Freire Filho, 2007Freire Filho, J. (2007). Reinvenções da resistência juvenil: os estudos culturais e as micropolíticas do cotidiano. Rio de Janeiro: Maud X.). “Não há quantidade de encantamento estilístico que possa alterar o modo opressivo através do qual as mercadorias usadas pela subcultura têm sido produzidas”, asseverou Hebdge (1979Hebdge, D. (1979). Subculture: the meaning of style. London: Methuen., p. 130, tradução nossa). Pela ausência de uma síntese progressiva ou revolucionária, justificava-se a falta de esperança quanto às mudanças concretas, pelo fato de elas emergirem nas esferas do lazer e do consumo, carecendo de vigor e organização política contínua, para além dessa esfera do cotidiano.

Diante dos dilemas oriundos das análises tradicionais, em termos de estruturas e identidades coesas, os chamados “Estudos Culturais Continentais” ampliaram o escopo de análise, agregando principalmente as contribuições da micropolítica, de Michel Foucault, os estudos da linguagem e a crítica pós-colonialista. Nesse sentido, ao invés das grandes narrativas de conquista políticas, o investimento intelectual se voltou para a política capilarizada nas relações, no dia a dia, na intimidade, nos movimentos sociais heterogêneos, nos corpos, e tudo aquilo que pudesse expressar o movimento intra-histórico das mudanças socioculturais.

Levando em conta ambas as dimensões do agir político – das representações e dos corpos –, haveria dentro da cena pop LGBT paulistana algo que pudesse apontar para uma potência política? Em caso afirmativo, qual concepção de política seria pertinente à análise da atividade festiva esboçada na noite paulistana? E, ainda, como as atividades da cena se relacionam com os conteúdos sociais mais amplos?

3 A Cena e a Construção Metodológica do Lazer

O conceito de lazer que serviu como ponto de partida da investigação é o proposto pelo sociólogo Marcellino (1998)Marcellino, N. C. (1998). Lazer e educação. Campinas: Papirus.. Ele resume o lazer em dois eixos: tempo e atitude. Desta forma, deve-se entender por lazer toda vivência cultural que ocorre no “tempo liberado” do trabalho, durante o qual afetos de prazer, euforia, alegria, relaxamento, excitação são mobilizados. O autor fala em “tempo liberado” em vez de “tempo livre”, dadas as determinações sociais, seguindo o itinerário dos teóricos críticos da cultura que buscam possibilidades contra-hegemônicas pelo/para o lazer.

A cena musical é um “conceito sensibilizante” (Woo et al., 2015Woo, B., Rennie, J., & Poyntz, S. R. (2015). Scene thinking. Cultural Studies, 29(3), 285-297. http://dx.doi.org/10.1080/09502386.2014.937950.
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) capaz de dar moldura analítica ao lazer, articulando práticas de consumo e produção cultural, características espaço-temporais e sociabilidades. Inicialmente, as cenas culturais foram propostas por Straw (1991Straw, W. (1991). Systems of articulation, logics of change: communities and scenes in popular music. Cultural Studies, 5(3), 368-388. http://dx.doi.org/10.1080/09502389100490311.
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, 2004Straw, W. (2004). Cultural scenes. Loisir et Societe, 27(2), 411-422. http://dx.doi.org/10.1080/07053436.2004.10707657.
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) para dizer dos territórios sem limites geográficos precisos, destinados à produção, consumo musical e intercâmbios midiáticos em escala local ou global. Com base em tais elaborações, propus a revisão do conceito por meio da abordagem interseccional de Brah (1991)Brah, A. (1991). Difference, diversity, differentiation. International Review of Sociology, 2(2), 53-71. http://dx.doi.org/10.1080/03906701.1991.9971087.
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, a fim de não somente delimitar o campo de pesquisa em função do consumo da música pop e alianças entre os espaços, como também captar os conflitos atribuídos às diferenças de gênero/sexualidade nos espaços de sociabilidade noturna (Almeida & Lugli, 2018Almeida, D. E. R. G., & Lugli, R. G. (2018). As cenas musicais como moldura analítica do lazer noturno: homossexualidades masculinas em perspectiva. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 26(4), 747-758. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1628.
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).

A cena foi composta por cinco festas: três delas na região Augusta e duas na Barra funda, na cidade de São Paulo. A idade dos consumidores variava entre 18 e 25 anos, constituindo um público preponderantemente jovem; a rede social formada por um grupo de profissionais produtores e divulgadores de festas, DJs e hostess, também chamados de pessoas da noite, imprimia certo ar de continuidade entre as festas; o público era majoritariamente do sexo masculino, reconhecidamente gay; as festas privilegiavam o consumo de música pop, incluindo produções independentes que circulavam na internet. Evidentemente, a cena pop LGBT paulistana extrapola os limites aqui indicados e seria impossível um projeto individual que pretendesse mapeá-la em sua totalidade. Diante desse desafio de enquadramento analítico, os limites da cena foram dados em função da idade, gênero/sexualidade, sociabilidade e estilo musical (Almeida & Lugli, 2018Almeida, D. E. R. G., & Lugli, R. G. (2018). As cenas musicais como moldura analítica do lazer noturno: homossexualidades masculinas em perspectiva. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 26(4), 747-758. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1628.
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).

Busquei uma descrição ao modo etnográfico, propondo categorias de significado destacadas da matriz cotidiana, capazes de fornecer “[...] um vocabulário no qual possa ser expresso no que o ato simbólico tem a dizer sobre ele mesmo” (Geertz, 2008Geertz, C. (2008). A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC., p. 17). O primeiro contato com o campo ocorreu pelas caminhadas, técnica proposta pelo antropólogo José Guilherme Cantor Magnani (2005)Magnani, J. G. C. (2005). O circuito dos jovens urbanos. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, 17(2), 173-205. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-20702005000200008.
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, que proporciona o registro de nuances do local, bem como outros aspectos relacionados aos marcos temporais, sociabilidade, códigos compartilhados, preços dos produtos etc. Assim que delimitado o campo, foram investidas, sistematicamente, cerca de 100h de imersão nas festas, as quais aconteciam nas noites de quinta-feira a sábado, no período de dezembro/2015 a março/2017. Em complemento à observação participante, utilizei entrevistas semiestruturadas com sete pessoas da noite. Consegui dialogar informalmente com alguns interlocutores, contudo, as informações coletadas eram bem descontínuas, sempre cortadas por acontecimentos da festa. Por outro lado, a frequência nos espaços, somada ao domínio das regras de pertencimento, garantiram uma relação mais próxima com a cena e seus habitués.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo, e os esclarecimentos sobre o anonimato e confidencialidade foram fornecidos aos entrevistados por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido4 4 Maiores reflexões sobre o processo metodológicas, referentes ao desafio de aproximação e distanciamento do campo, estão descritas em outro artigo (Almeida & Lugli, 2018). .

Os dados registrados em caderno de campo e o relato das entrevistas foram analisados à luz dos Estudos Culturais, antropológicos, somados aos construtos da filosofia política de Giorgio Agamben, Judith Butler e Nancy Fraser.

4 No Vale dos Homossexuais

Atualmente, qual seria a importância em termos identitários das festas LGBT para os jovens recém-saídos da adolescência, chamadas por eles em seu conjunto de “Vale dos homossexuais”? As festas estariam reduzidas àquela função “terapêutica”, já citada por Macrae (2005)Macrae, E. (2005). Em defesa do Gueto. In J. N. Green & R. Trindade (Eds.), Homossexualismo em São Paulo e outros escritos (pp. 291-308). São Paulo: Editora UNESP., de promover a autoaceitação em território mais seguro? Essas questões surgiram logo no início da minha pesquisa, pois a vivência noturna daqueles jovens já me parecia algo bem diferente do que eu imaginara. Ou os “armários” estavam escancarados ou sequer existiriam mais, pensava. Com certeza estava enganado quanto à inexistência do armário, entendido aqui como dispositivo de opressão heteronormativa que coloca sob ameaça o ato de tornar pública qualquer expressão sexual dissidente (Sedgwick, 2007Sedgwick, E. K. (2007). A epistemologia do armário. Cadernos Pagu, 28(28), 19-54. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-83332007000100003.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-83332007...
).

Sobre a ameaça relacionada às performances públicas da sexualidade, lembro-me de ter conhecido, em uma das festas investigadas, uma garota branca de dezenove, que almejava ingressar no curso de medicina. Contou que ela era filha de pais médicos residentes em Santos/SP e morava sozinha em um apartamento na Avenida Consolação, sustentada por estes, a fim de tentar uma vaga em uma universidade pública. Em diversos momentos, ela fez questão de afirmar sua rotina pesada de estudos e, como a se justificar, contou que, naquele dia, excepcionalmente, havia tirado um tempo para se divertir, pois estava comemorando o próprio aniversário. Era a primeira vez que estava naquela boate e a escolha do local se deu por ela ter amigos que lá trabalhavam como divulgadores. Disse se sentir à vontade no ambiente, inclusive com o fato de ter muito mais homens que mulheres. Afirmando-se lésbica, lamentou que os pais não aceitavam sua sexualidade. Constantes atitudes repressoras teriam a levado, inclusive, a um quadro depressivo. Entre um assunto e outro, notei clara preocupação em parecer mais feminina aos meus olhos: “eu gosto de meninas femininas, eu pareço feminina, não pareço?”. Infelizmente, a conversa foi cortada pelo seu acompanhante que a levou para outro ambiente, contudo, suas breves palavras já exemplificam como, em muitos momentos, dentro do “regime heterossexista” (Fraser, 2017Fraser, N. (2017). Heterossexismo, falso reconhecimento e capitalismo: uma resposta à Judith Butler. Idéias, 8(1), 277-294. http://dx.doi.org/10.20396/ideias.v8i1.8650019.
http://dx.doi.org/10.20396/ideias.v8i1.8...
), o maior desejo do sujeito pode ser o de sumir na multidão, o direito à indiferença alheia.

Mesmo a garota ocupando alguns lugares de privilégio social, visto que seus pais eram pessoas escolarizadas e sua família gozava de boas condições econômicas, isso não era suficiente, inclusive tinha ação contrária, já que a situação de dependência econômica, mesmo que fantasiosamente, deixava-a subordinada à aceitação parental. Dedicar-se inteiramente aos estudos, seguindo a tradição familiar na medicina, publicamente passando por (Duque, 2017Duque, T. (2017). “A gente sempre tem coragem”: identificação, reconhecimento e as experiências de (não) passar por homem e/ou mulher. Cadernos Pagu, (51), e175110. http://dx.doi.org/10.1590/18094449201700510010.
http://dx.doi.org/10.1590/18094449201700...
) mulher, heterossexual, feminina, era o preço pago pelo reconhecimento familiar e possibilidades de escolarização.

A opressão familiar aparece em muitos momentos, principalmente por questões religiosas, e o silêncio perante tais experiências acaba se tornando o meio de preservar as relações. O relato feito pela Sara Love (rapaz gay, negro, 27 anos, que habitualmente faz performances nas festas como Drag Queen) ilustra tal questão:

Durante um bom tempo isso aí foi um martírio para mim. Eu até me sentia culpado pelo fato deles não saberem. Meus pais, eles têm uma mente muito fechada. É da criação deles, da religião. Meu pai é pastor, é ex do exército, ex-policial. Então, meu pai tem uma mente totalmente fechada, totalmente fora de um mundo. Então, eu infelizmente não tendo.... como eu ainda moro com eles, eu não tenho uma coragem de colocar isso “guela à baixo” deles. Eu acho que também nem se deve. Eu já tentei sondar e eu vi que eles não iriam entender [...]. Cada um tem o seu tempo e eu vi que eles não vão aceitar no momento. Pode ser que algum tempo eu consiga falar abertamente sobre isso com eles e façam eles entenderem. Mas eu ainda não senti esse momento (Entrevista, Sara Love, fevereiro de 2017).

Além desse caso, Marcos, 28 anos, DJ e produtor de uma das festas, observa que a sexualidade dissidente posta em sigilo ainda é condição marcante na vida de muitos jovens:

[...] na boate tem um pessoal que sai de casa, isso achava que era só na minha época, mas acontece até hoje, adolescentes ou pré-adolescentes que saem de casa e chegam num shopping, chegam aqui na rua, chegam num bar e se trocam para as pessoas não verem que ele é. Eu acho que essas pessoas merecem mais liberdade mesmo. Precisam mais de apoio (Entrevista, Marcelo, agosto de 2016).

Até entre os “veteranos da noite”, pessoas assumidamente gays nas redes sociais virtuais e nos espaços de sociabilidade noturna, não são poucas as que estejam no armário em alguma situação específica. O lazer noturno, deste modo, evidencia as ambiguidades entre autoafirmação e silenciamento das performances de gênero e sexualidade, produzindo “entradas e saídas do armário” em função do tensionamento gerado pelas situações de discriminação.

Pesquisas em Terapia e Ciência Ocupacional descrevem dinâmicas semelhantes e apontam táticas de revelação, como averiguar previamente as percepções que as pessoas têm sobre a homossexualidade ou criar vínculos com pessoas para as quais se pretende assumir a orientação sexual (Murasaki & Galheigo, 2016Murasaki, A. K., & Galheigo, S. M. (2016). Juventude, homossexualidade e diversidade: um estudo sobre o processo de sair do armário usando mapas corporais. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 24(1), 53-68. http://dx.doi.org/10.4322/0104-4931.ctoAO0648.
http://dx.doi.org/10.4322/0104-4931.ctoA...
). Outros estudos destacam que pode ser mais problemático expor a não-heterossexualidade em ambientes institucionais, como no trabalho (Birkholtz & Blair, 1999) ou em ambientes religiosos, podendo, nesse último caso, desencadear rompimentos ou ressignificações da espiritualidade (Beagan & Hattie, 2015Beagan, B. L., & Hattie, B. (2015). LGBTQ experiences with religion and spirituality: occupational transition and adaptation. Journal of Occupational Science, 22(4), 459-476. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2014.953670.
http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2014....
). Na instituição familiar, aponta-se a atitude parental preconceituosa relacionada a sentimentos e crenças de desconfiança ou medo de não ser aceito socialmente (Avillo et al., 2015Avillo, C., Barrientos, B., Fernández, J., Matus, C., Olivares, C., & Morrison, R. (2015). Contexto y elecciones ocupacionales de adolescentes que se identifican como homosexuales. Revista Chilena de Terapia Ocupacional, 15(2), http://dx.doi.org/10.5354/0719-5346.2015.3815.
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).

Levando-se em conta as implicações metodológicas, é importante ressaltar que o coming out significando um evento definitivo, que demarcaria um antes e depois na história de vida dos sujeitos, não seria uma abordagem adequada à problemática. Os relatos dos interlocutores permitem dizer que o ocultamento da sexualidade seria uma tática acionada ao longo da vida, sempre que as situações adversas implicarem riscos decorrentes da heteronorma.

Com base nestes relatos pintados pela violência sociofamiliar e outras situações experenciadas em campo, é importante reafirmar a permanência do “caráter catártico” (Macrae, 2005Macrae, E. (2005). Em defesa do Gueto. In J. N. Green & R. Trindade (Eds.), Homossexualismo em São Paulo e outros escritos (pp. 291-308). São Paulo: Editora UNESP.) dos espaços de sociabilidade noturna, diminuindo o sentimento de isolamento e proporcionando identificações mútuas. Embora terapeutas e cientistas ocupacionais não abordassem especificamente o lazer noturno, os estudos reafirmam a importância das vivências culturais e diversão com amigos ou entre pares, em lugares mais permissivos à diversidade sexual e de gênero (Avillo et al., 2015Avillo, C., Barrientos, B., Fernández, J., Matus, C., Olivares, C., & Morrison, R. (2015). Contexto y elecciones ocupacionales de adolescentes que se identifican como homosexuales. Revista Chilena de Terapia Ocupacional, 15(2), http://dx.doi.org/10.5354/0719-5346.2015.3815.
http://dx.doi.org/10.5354/0719-5346.2015...
; Murasaki & Galheigo, 2016Murasaki, A. K., & Galheigo, S. M. (2016). Juventude, homossexualidade e diversidade: um estudo sobre o processo de sair do armário usando mapas corporais. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 24(1), 53-68. http://dx.doi.org/10.4322/0104-4931.ctoAO0648.
http://dx.doi.org/10.4322/0104-4931.ctoA...
; Birkholtz & Blair, 1999Birkholtz, M., & Blair, S. E. E. (1999). ‘Coming out’ and its impact on women’s occupational behaviour: a discussion paper. Journal of Occupational Science, 6(2), 68-74. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.1999.9686453.
http://dx.doi.org/10.1080/14427591.1999....
). Nos dizeres de Perlongher (1987)Perlongher, N. O. (1987). A prostituição viril em São Paulo. São Paulo: Editora Brasiliense., enquanto a heterossexualidade for naturalizada, locais como esses existirão como “regiões morais” ou zonas de refúgio.

Os interlocutores, entretanto, para além do apoio decorrente da identificação, destacam a própria atitude transgressora ao romper com antigos paradigmas religiosos, familiares e performances de gênero por meio do contato com a noite, ou seja, não há apenas uma busca conformista por lugares permissivos à sexualidade dissidente.

Marcelo, por exemplo, relembrou algumas táticas usadas por ele mesmo quando afirmava para os pais que ia para a igreja aos domingos, mas, na verdade, “fugia” para as matinês com outros amigos da igreja também desejosos de liberdade. A TV e a internet aparecem nas declarações como possibilidades de enfrentamento secreto, pois são realizadas longe do controle parental. Acerca disso, Sara Love, Drag Queen negra, 27 anos, residente na região metropolitana de São Paulo, lembra que, por meio da identificação com os personagens do seriado norte-americano “Queers as Folk”, já fantasiava uma vida em que suas diferenças e desejos homoafetivos pudessem ser concretizados. O Orkut® lhe apareceu como outra ferramenta midiática usada para conhecer jovens gays em situação semelhante por meio dos chats. Inclusive, foi pelo contato com uma comunidade virtual que ela marcou um “orkontro” na Rua Augusta e partiram para a primeira festa LGBT de sua vida.

Depois disso eu disse “meu Deus do céu!”. Chegando em casa eu pensei que eu preciso ir para mais lugares. Eu cheguei em casa, eu lembro que eu nunca tive um entusiasmo tão grande como eu tive a primeira vez que eu fui à balada. Na balada eu beijei um menino pela primeira vez, então para mim foi 100% uma descoberta de um mundo novo. Abriu um portal, assim, existe outra coisa além da minha vidinha sem graça! Sabe? (Entrevista, Sara Love, fevereiro de 2017).

Ainda que não se possa exagerar o sentido de “resistência” presente em tais atividades culturais, como bem alerta Freire Filho (2007)Freire Filho, J. (2007). Reinvenções da resistência juvenil: os estudos culturais e as micropolíticas do cotidiano. Rio de Janeiro: Maud X., a análise mais detida das “táticas transgressoras” no cotidiano secreto ante a ameaça de “opressão colonizadora das sexualidades”, mesmo que em forma embrionária, pode ser uma vertente de compreensão das ações políticas e seus alcances.

5 Resistências e Lutas por Reconhecimento

Segundo as declarações do DJ João, 52 anos, a noite sempre foi alienada. Uma alienação que vem “[...] desde uma falta de conscientização em termos políticos, à ausência de prevenção”. Na verdade, ele respaldava seus argumentos na sua experiência de insucesso ao propor ações preventivas de infecções sexualmente transmissíveis (IST) realizadas nos locais das festas, ações das quais ele era o proponente. A despeito do seu esforço, constatou que as pessoas não tinham interesse de se submeterem ao teste rápido para HIV, o que foi interpretado por ele como “ausência de consciência”. Outra questão importante para compreender seu lugar de fala é seu envolvimento com partidos políticos de esquerda na época da ditadura, de modo que a preocupação com as IST’s e o envolvimento partidário marcam diferenças geracionais importantes no agir político.

O vínculo partidário é exclusivo deste DJ, não cabendo generalizações na cena pesquisada. Participações pontuais de outras “pessoas da noite” em coletivos como “A revolta da lâmpada” ou mesmo na “Parada do Orgulho LGBT” se destacam em importância, porém, o envolvimento por parte dos jovens na cena nem é contínuo e nem numericamente considerável. Outras formas políticas aparecem atreladas ao pop, cujos anseios podem dar outros contornos para o que se entende por representatividade e visibilidade, conforme está exemplificado nas passagens a seguir.

Porque hoje, voltando ao que eu falei sobre representatividade, é o que a gente quer. Até no meio gay. A gente quer, por exemplo, olhando para novela, aquele primeiro beijo foi uma representatividade que começou assim. Se a gente não faz uma revolução assim, reivindicando, não tem como a gente chegar no ponto que a gente quer, sabe? Eu penso sobre isso, na verdade penso sozinho, porque eu não gosto de ficar falando. Mas no meu facebook eu sempre compartilho essas coisas. Para deixar aberto e as pessoas saberem que eu não sou um burro e entendo muito bem sobre essas questões. Para saber que eu também tô ligado sobre isso (Entrevista, Marcelo, agosto de 2017).

Eu milito. Mas não participo de nenhum movimento criado. Mas eu me considero um militante, por exemplo, da causa gay e da causa negra. Por ser drag queen, eu me considero militante [...] já recebi mensagem, até carta escrita à mão de outros gays negros que falaram “Olha, não estava legal. Não me sentia bem, não me sentia inclusa na sociedade. Fui à boate e vi a Sara Love apresentando. Vi você tocando e performando uma música. Quando eu te vi no palco aquilo ali me inspirou. Nossa! Olha a negra ali!”. Então eu acho que é isso é uma militância (Entrevista, Sara Love, fevereiro de 2017).

A visibilidade e representação, tão almejadas pelos jovens, deixam de ser mero capricho exibicionista ou futilidade e passam a ser uma luta pelo direito de ser-aparecer. Tocar em um trio elétrico na “Parada do Orgulho LGBT”, discotecar em boates onde as diferenças de raça, classe e gênero regulam a ocupação territorial, ver o beijo gay na novela das nove, ou mesmo a cantora pop de sucesso internacional apoiando os comportamentos com os quais os jovens se identificam têm a ver com o registro narrativo dessas histórias, expondo-as como texto possível de ser vivido. São metáforas imaginativas sobre vidas ilegítimas, invisíveis ou postas em segredo.

A representatividade pela discotecagem, nas performances noturnas ou mesmo o webativismo pelas postagens nas plataformas virtuais, talvez possam ser lidos como sendo uma ânsia pela autoridade cultural, mediante a apropriação das tecnologias e regras comunicacionais inerentes às lutas de reconhecimento. Nesta perspectiva, é possível sair do paralelo que contrapõe o ativismo real do webativismo. A internet, como território estendido da cena pop LGBT, poderia ser vista como fonte importante de informações com vistas à tentativa de expressar as “necessidades” subalternizadas.

Rincón (2015)Rincón, O. (2015). Lo popular en la comunicación: culturas bastardas + ciudadanías celebrities. In A. Amado & O. Rincón (Eds.), La comunicación en discurso: remix de discursos. Documento No. 15 - FES - C3. (pp. 23-42). Bogotá: Centro de Competencia en Comunicación para América Latina, C3 FES. vê com olhos estratégicos a explosão espetacular do lazer. Neste aspecto, seu projeto político tangencia as ideias de Agamben (2017)Agamben, G. (2017). O uso dos corpos. São Paulo: Boitempo., já que seu conceito de cidadania recai sobre a potencialização do popular, descobrindo as formas amordaçadas e censuradas pela imposição hegemônica. Dentro da sua tipologia, haveria as cidadanias débeis, chamadas também de comunicativas pelo modo que se dão na cultura digital: é o direito de estar nas telas, de ter seu corpo projetado nelas, bem como o direito ao entretenimento e de ter suas próprias telas. Rincón argumenta que estas formas atuais de cidadania não são acessórias, senão territórios políticos onde se disputam hegemonia. Se na sociedade do espetáculo o reconhecimento também implica estar nas novelas, cinema, seriados, sites, noticiários e músicas para se desfrutar de felicidade e autoestima, por que alguns corpos poderiam ser midiatizados e outros não?

Há um conjunto de evidências sobre as condições precárias de vida dos grupos que extrapolam a gramática heteronormativa dos esquemas binários e suposta coincidência entre desejo – prática sexual – gênero. Pode-se afirmar, pois, que a visibilidade e a representatividade tão sonhadas não dizem respeito, estritamente, ao domínio simbólico da estima social, diz respeito à materialidade da existência pública. Sobre esse aspecto, Fraser (2017)Fraser, N. (2017). Heterossexismo, falso reconhecimento e capitalismo: uma resposta à Judith Butler. Idéias, 8(1), 277-294. http://dx.doi.org/10.20396/ideias.v8i1.8650019.
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, partindo da crítica ao capitalismo, argumenta que o falso reconhecimento garantido pelo capital faz com que a população LGBT sofra graves desvantagens, cabendo citar os benefícios sociais baseados na família e herança, dispensa de cargos civis e militares, agressão com impunidade e outros mais. O falso reconhecimento não seria, portanto, uma questão de domínio psicológico ao se sentir menosprezado intersubjetivamente. Antes, é ter negado o status de parceiro integral nas interações sociais, não em decorrência da má distribuição de recursos, mas como resultado da cultura heteronormativa alimentada, inclusive, pelas representações midiáticas.

Quanto à tendência ao individualismo no mundo contemporâneo que desafia as teorias políticas clássicas, Butler (2015)Butler, J. (2015). Notes toward a performative theory of assembly. Cambridge: Harvard University Press. http://dx.doi.org/10.4159/9780674495548.
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diz que há momentos na história em que aparece o agir coletivo em busca de direitos e outros momentos de fragmentação em que este mesmo sujeito coletivo está em crise. O problema estaria na impossibilidade momentânea de coalizão devido a interesses distintos, como constatado na cena pop paulistana. Nos últimos anos, inclusive, Butler (2015)Butler, J. (2015). Notes toward a performative theory of assembly. Cambridge: Harvard University Press. http://dx.doi.org/10.4159/9780674495548.
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tem se dedicado a entender a possibilidade de alianças entre nas “assembleias”: espaço performático no qual ocorrem múltiplas convergências e divergências, sem obediência a um telos normativo e definidor. Como exemplo, poderia citar as manifestações de 2013, momento no qual as pessoas se “aglutinaram” temporariamente, sem qualquer unidade identitária ou interesses homogêneos.

Seguindo a mesma tendência liberal, “empoderamento” ganha significados complexos nas falas dos interlocutores. Ora remete à aprendizagem informal de conteúdos relacionados às minorias sociológicas, ora remete às dinâmicas de reconhecimento (Fraser, 2017Fraser, N. (2017). Heterossexismo, falso reconhecimento e capitalismo: uma resposta à Judith Butler. Idéias, 8(1), 277-294. http://dx.doi.org/10.20396/ideias.v8i1.8650019.
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), por meio da validação de performances de homossexualidades efeminadas e racializadas.

[...] tem gente que é mais jovem que eu e tem essa opinião formada, do empoderamento gay. No meio gay também, por exemplo, hoje é muito mais fácil a gente conviver com trans, com bissexuais [risos]... A gente vai convivendo e a gente vai aprendendo. Convivência com as pessoas também é muito bom.

Tem homens que acabam casando num relacionamento hétero, só que as pessoas sabem que ela é gay e sofre sobre isso. Então, tem que pesar os dois lados. Mas hoje em dia eu prefiro muito mais esse empoderamento afeminado, que a gente fala...transveado [risos].

Se eu não fosse Dj e eu tivesse numa pista e visse um DJ lá tocando e fosse estiloso, com dread. Penso assim, me colocando no lugar das pessoas que me vêm tocando hoje, eu conversei com muitas pessoas que me falaram isso super abertamente. Eu pensei assim... eu queria estar num lugar que vai ter negro tocando. Que não só assim questão de Dj mas outros meios. Representatividade porque... a palavra que vem sempre na cabeça... acho que desde o ano passado para cá eu tenho pensado muito nisso. Eu tenho me empenhado mais porque eu já até pensei em desistir de tocar (Entrevista, Marcelo, agosto de 2017).

O empoderamento como aprendizagem mediada pelos recursos presentes na cena ou pelas mídias se coloca como importante prática política. Segundo Fraser (1989)Fraser, N. (1989). Unruly practices: power, discourse, and gender in contemporary social theory. Minneapolis: University of Minnesota Press., antes mesmo de um grupo subalternizado pautar suas necessidades na arena política, faz-se necessário se ater ao texto sobre as necessidades e ao contexto em que ele se produz – meios socioculturais de interpretação e comunicação.

Os frequentadores das festas, em diversas circunstâncias, falam de uma aprendizagem empírica sobre vocabulários, argumentos para tratar das demandas políticas. Um exemplo notório disso foi a repercussão da música Formation, da artista Beyonce, lançada nesta época. A produção levantou discussões na cena sobre racismo, sobre a quantidade de DJs negros nas festas ou mesmo quem teria autorização cultural para tocar a música. Assim, nas arenas discursivas centrais das democracias modernas, os espaços de sociabilidade noturna favoráveis às trocas comunicacionais entre seus componentes seriam exemplos de contrapúblicos subalternos (Fraser, 1989Fraser, N. (1989). Unruly practices: power, discourse, and gender in contemporary social theory. Minneapolis: University of Minnesota Press.), isto é, públicos excluídos de espaços oficiais e legitimados na esfera pública burguesa, que necessitariam circular seus discursos em espaços paralelos e marginais. As festas seriam lugares improváveis de preparação para organizações futuras em arenas centrais da sociedade moderna (Silva, 2017Silva, E. P. B. (2017). Esboçando uma teoria crítica da necessidade: apontamentos sobre a jovem Fraser. Ideias, 8(1), 203-226. http://dx.doi.org/10.20396/ideias.v8i1.8649781.
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), tensionando inclusive a legitimidade da gramática e dos espaços políticos onde as necessidades são nomeadas e defendidas.

6 DarkRoom: do Sadomasoquismo Foucaultiano à Produção de Formas-de-Vida

Ao realizar uma arqueologia do direito, Agamben (2004)Agamben, G. (2004). Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora UFMG. encontra no Homo Sacer, figura do direito romano, a exceção que fundamenta o modelo político-jurídico no ocidente. Sacer é a imagem de uma pessoa posta para fora da jurisdição humana sem acessar a esfera divina. Ela fica exposta à vontade dos deuses e, portanto, é passível de morte sem que o autor do ato seja imputado como homicida. O soberano, por sua vez, é quem decreta o estado de exceção. O poder soberano existe no déspota, mas também no bando representado pela sociedade, cujo poder é constituído à custa do banimento dos corpos desviantes como artifício de coesão e obediência. Por meio desses conceitos limites, Agamben (2017)Agamben, G. (2017). O uso dos corpos. São Paulo: Boitempo. demonstra que o estado de exceção se repete no cotidiano, tornando-se regra.

A arché da exceção vista no Homo Sacer existiria residualmente como fundamento político-jurídico moderno. Está na operação que “[...] divide, exclui e rejeita para servir de fundamento” (Agamben, 2017Agamben, G. (2017). O uso dos corpos. São Paulo: Boitempo., p. 298). O elemento excluído se aloja como potência fundante daquilo que o excluiu. Esta operação ou dispositivo pode ser vista, por exemplo, na anarquia em relação ao estado (poder constituído), na anomia em relação ao direito, ou no animal em relação ao homem (Agamben, 2017Agamben, G. (2017). O uso dos corpos. São Paulo: Boitempo.).

A análise do dispositivo que divide e rejeita parece bastante elucidativa das formas de vida cotidianas excluídas da norma heterossexual. A homossexualidade (e outras expressões de gênero e sexualidade dissidentes) é o elemento rechaçado que serve de referência à normalidade da heterossexualidade, assim como o feminino está para o masculino na misoginia. Outros excluídos podem ser elencados facilmente, como a loucura perante a razão, a noite para o dia, o corpo para o espírito. Trata-se de um mecanismo violento fundante da máquina governamental para se manter ativa e sacralizada (Agamben, 2017Agamben, G. (2017). O uso dos corpos. São Paulo: Boitempo.).

Ao dizer que a crise da política na esfera pública só desloca a atenção para o privado, o cotidiano, o corpo e seus prazeres, Agamben (2017)Agamben, G. (2017). O uso dos corpos. São Paulo: Boitempo. acredita que o elemento político estaria escondido na forma clandestina de cada existência. Na verdade, a questão é a superação da dicotomia público/privado, colocando em destaque a natureza eminentemente política das relações intersubjetivas, incluindo as formas de vida experienciadas no lazer.

Agamben (2017)Agamben, G. (2017). O uso dos corpos. São Paulo: Boitempo. aproveita as reflexões de Michel Foucault e de outros autores para argumentar sobre tal potência existente nas práticas catalogadas como perversas e desprezíveis. Contudo, ao invés de trabalhar com o conceito “cuidado de si”, o autor italiano prefere “uso de si”, a fim de dar um enfoque estético-político. Tal qual obra de arte, o sujeito que se ocupa da descoberta, usa o mundo sem confundir-se com ele e, simultaneamente, usa a si mesmo na produção de novas sensibilidades, afetos e ideias.

Avançando neste ponto, proponho nos relatos posteriores uma analogia entre o sadomasoquismo, do qual falava Foucault (2011)Foucault, M. (2011). Michel foucault, uma entrevista: sexo, poder e a política da identidade: entrevista com B. Gallagher e A. Wilson. Revista Verve, 5(20), 260-277., e as práticas sexuais observadas por mim no darkroom de duas boates, pois ambas seriam emblemáticas de atividades sexuais obscurizadas socialmente, mas trazendo possibilidades de um uso subversivo de si.

Por meio das minhas anotações em diário de campo, relembro um dia em que, por volta das 3h, fui ao darkroom que fica na pista pop de uma das festas. Embora o nome remeta à escuridão, onde os corpos se encontram guiados por outros sentidos que não a visão, eu percebi que o centro da sala era semi-iluminado, deixando apenas os cantos mais ocultos à visão. Era possível acompanhar alguns movimentos dos circunstantes. Tinha um acúmulo de pessoas nas laterais, somente homens, em pé, encostados na parede. Os visitantes andavam calmamente pelo centro, miravam os corpos, avaliando-os de cima a baixo. Muitos ficavam somente ao lado das pessoas que estavam transando, tal qual terceiro convidado, tateando e sentindo as vibrações dos corpos. Andei pela sala, tentando ver quem eram as pessoas que estavam em pé e quais se propunham à felação. Quando elas se movimentavam em direção ao centro, conseguia notá-los com mais nitidez, mas não consegui entender de pronto a dinâmica sexual estabelecida.

Voltei outras noites ao ambiente e constatei que o uso do darkroom acontece após o show de drag queens, que acontece na pista eletrônica, ambiente que compõe outra festa simultânea. Por volta das três horas, parte do público desta pista migra para o pop, no andar térreo, e o acesso à sala escura suspende os vetores de distanciamento e hierarquização em termos de estilo, idade, classe e gênero. Se, no começo das festas, o pop estava associado aos gays efeminados, populares e mais jovens, isto é, identidades homossexuais contingencialmente desvalorizadas pelos integrantes da pista eletrônica, ao final da noite, dentro do darkroom, “todos os gatos eram pardos”.

Pensei que a escuridão pudesse representar a suspensão temporária dos dispositivos que fundamentam a própria razão de ser das identidades. É o local da indeterminação, em que os sujeitos se permitem vivenciar prazeres sem censuras. Lá, os corpos se encontravam com outros corpos considerados “menos interessantes” (seja pela idade avançada, pelos trejeitos femininos ou pelo baixo poder aquisitivo), sem exigências e disputas, dando vazão para o desejo. Como essa liberdade não era estável, alguns circunstantes buscavam os poucos feixes de luz mais ao centro da sala escura e, nesta insistência em se ter o olhar como guia, não se deixavam levar inteiramente pelas sensações corporais e desejos socialmente inconfessáveis. Libertar o desejo fixado pelo instituído (hábitos, gostos, identidades, papeis) seria como liberar o elemento excluído para que ele coincida com a produção de formas de vida intensas e desafiadoras dos padrões hegemônicos (Agamben, 2017Agamben, G. (2017). O uso dos corpos. São Paulo: Boitempo.).

Fora do darkroom, isto é, nas pistas de dança, também acontece algo semelhante à medida que as horas passam. As festas vão ficando mais caóticas, a movimentação cresce, as músicas vão ficando mais extasiantes, o nível de embriaguez também aumenta. Os DJs sabem dessa temporalidade e inclusive reservam hits dançantes como o funk para o ápice das festas, quando a maioria do público “se joga na pista”. A soberania do bando, expressa na rede de olhares que asseguram a manutenção dos códigos territoriais, bem como a preocupação consigo, são parcialmente vencidas pela fruição dos corpos que ficam à deriva pela força da música ou de substâncias.

Nestes instantes, os movimentos deixam de ser contidos e a agitação psicomotora se transforma em indicador de alta entropia do sistema. O menor toque aleatório de um corpo em outro já catalisa o beijo, que na maioria das vezes acontece por segundos. O intuito nestas situações é experimentar mais, “usar a si” no outro, mantendo o estado de indefinição e desprezo temporário pelo sentido que sucede a ação. Tal fenômeno explicaria minha dificuldade em visualizar estratégias de flerte entre os jovens ou mesmo características sexualmente valorizadas entre eles, à medida que as horas avançam e o consumo alcoólico aumenta.

Pensando com Foucault (2011)Foucault, M. (2011). Michel foucault, uma entrevista: sexo, poder e a política da identidade: entrevista com B. Gallagher e A. Wilson. Revista Verve, 5(20), 260-277., a experimentação observada no darkroom consisteria em uma questão estética, a arte de viver, para a qual o movimento homossexual deveria dar maior atenção. Seria por meio dos desejos que se instauram novas formas de relações, novas formas de amor e novas formas de criação, isto é, processos de (des)subjetivação. Por isso, criar “formas de ser gay” em vez de assumir uma identidade gay, seria a questão nevrálgica para o autor francês. É mais uma questão de ação do que de representação. Por mais que em termos políticos seja útil pensar na afirmação das identidades no plano jurídico-político, contraditoriamente, este mecanismo desencadearia o efeito nocivo de limitação das experiências em função da própria ideia de identidade. Pensando no darkroom, nas práticas, nos clubes de sadomasoquistas ou de fistfucking dos quais Foucault era sabidamente praticante em São Francisco, haveria liberação de formas sexuais excluídas dentro do regime de visibilidade monogâmico tradicional. Dito de outro modo, a sexualidade para Foucault no mundo contemporâneo seria ao mesmo tempo um problema ético e estético com implicações políticas, por meio dos devires de formas de vida silenciadas na vida cotidiana. O sadomasoquismo seria uma ilustração exata disso, tanto pelo desvalor social quanto pela não fixidez de suas práticas.

Há papéis, é claro, mas qualquer um sabe bem que esses papéis podem ser invertidos. Às vezes, quando o jogo começa, um é o mestre e, no fim, este que é escravo pode tornar-se mestre. Ou mesmo quando os papéis são estáveis, os protagonistas sabem muito bem que isso se trata de um jogo: ou as regras são transgredidas ou há um acordo, explícito ou tácito, que definem certas fronteiras. Este jogo é muito interessante enquanto fonte de prazer físico. Mas eu não diria que ele reproduz, no interior de uma relação erótica, a estrutura de uma relação de poder. É uma encenação de estruturas do poder em um jogo estratégico, capaz de procurar um prazer sexual ou físico (Foucault, 2011Foucault, M. (2011). Michel foucault, uma entrevista: sexo, poder e a política da identidade: entrevista com B. Gallagher e A. Wilson. Revista Verve, 5(20), 260-277., p. 271).

Traçando um paralelo com o darkroom, pode-se dizer que ali a experimentação é temporária e logo os papéis retornam às rígidas hierarquias instituídas. Aliás, o debate sobre o alcance da política dos corpos na estruturação da vida cotidiana é urgente e extrapola os objetivos desta pesquisa. No entanto, Agamben aposta no desejo como material político no cerne das práticas desprezíveis e, por meio delas, talvez sejamos capazes de encontrar o que há de mais progressivo, em estado de latência, da política que ainda está por vir. Não se trata, com isso, de negar as estruturas sociais para cair em um caos de indefinição. Os códigos territoriais incidem fortemente no jogo festivo das boates fixando comportamentos, sensibilidades, sentimentos e identificações. Mesmo assim, há espaço para o que escapa, isto é, formas de vida revolucionárias, capazes de suspender fortes mecanismos identitários de hierarquização e exclusão. Algo de mais ou menos intenso acontece e deixa resíduos: é o devir de uma nova organização subjetiva, um novo ponto de fixação que não se sabe qual, sem garantias, sem promessas, pois não estão voltadas para o futuro, senão para o instante já.

7 Considerações Finais

A cena musical abordada continua funcionando como uma atualização do antigo gueto gay (Macrae, 2005Macrae, E. (2005). Em defesa do Gueto. In J. N. Green & R. Trindade (Eds.), Homossexualismo em São Paulo e outros escritos (pp. 291-308). São Paulo: Editora UNESP.) no que tange à catalização dos encontros, elaboração das identidades e suporte socioemocional, em face do falso reconhecimento fornecido pelo regime heterossexista. A vida noturna se configura como uma dimensão do cotidiano oposta à vida institucionalizada, mais permissiva à diversidade sexual e de gênero e, a partir da dicotomia dia/noite, rapazes gays lançam mão de dinâmicas complexas de visibilidade e ocultamento de si pelo dispositivo armário.

O termo “resistência” ganha significados particulares no contexto das festas: disputa pela hegemonia quanto às representações de gêneros nas pistas e plataformas midiáticas, como exemplos de arenas políticas possíveis no mundo atual. Uma cidadania débil nas palavras de Rincón (2015)Rincón, O. (2015). Lo popular en la comunicación: culturas bastardas + ciudadanías celebrities. In A. Amado & O. Rincón (Eds.), La comunicación en discurso: remix de discursos. Documento No. 15 - FES - C3. (pp. 23-42). Bogotá: Centro de Competencia en Comunicación para América Latina, C3 FES., mas significativa quando se considera a cultura digital e o que significa estar privado de objetos de identificação. Transsexuais, travestis, gays, bissexuais, não-binários aparecem (não sem disputas com setores reacionários) em comerciais, clipes, filmes, nas novelas, afetando a opinião pública e popularizando representações de gênero e sexualidade mais diversificadas e passíveis de serem performadas. Já o “empoderamento” se inscreveu no domínio da estima social individualizada, de cunho liberal, embora significando aprendizagens informais sobre a gramática das necessidades, por meio da sociabilidade noturna. “Empoderamento” também foi um signo atrelado ao enfrentamento individual da misoginia e racismo por meio de performances gays que tendem ao feminino e/ou esteticamente valorativas da cultura negra.

Não se notam interesses consistentes e contínuos apoiadas por partidos políticos ou coletivos. Este fato é desafiador, pois implica perguntar pela legitimidade e modos de fazer política no cotidiano. Contudo, a partir da política do corpo, identifiquei formas-de-vida excluídas do cotidiano, mas que podem ser liberadas pela suspensão de dispositivos visuais ou pelo uso de substâncias. Transar em uma sala escura pode não reverberar em nenhum movimento social ou mudar estruturas, mas pode ser emblemática da potência política. É a política que virá, escondida na potência do uso de si.

  • 2
    Expressão equivalente ao “sair do armário”, ou melhor, tornar pública a orientação sexual ou identidade de gênero divergente da norma cisheterossexual.
  • 3
    Simões & Carrara (2014)Simões, J. S., & Carrara, S. (2014). O campo de estudos socioantropológicos sobre diversidade sexual e de gênero no Brasil: ensaio sobre sujeitos, temas e abordagens. Cadernos Pagu, (42), 75-98. http://dx.doi.org/10.1590/0104-8333201400420075.
    http://dx.doi.org/10.1590/0104-833320140...
    mapeiam as questões e abordagens que ganharam destaque pela crítica à “homossexualidade” como categoria classificatória e identidade social englobante. Eles encontram pesquisas que se articulam em torno da noção de homossexualidade (“homossexuais masculinos”, “homossexualidade feminina”), “homoeróticos” e “homoafetivos”. Categorias mais singularizadas, como “gay”, “lésbica”, “bissexual”, “transgênero”, “transexual”, “travesti”, “transformista”, “drag queen”, “crossdresser”, “queer”. Expressões mobilizadas pela politização do tema, na forma de siglas, como “LGBT”, ou “GLBTTT”. Por fim, termos e expressões que buscam designar sujeitos com base em práticas: “HSH” (homens que fazem sexo com homens) e “MSM” (mulheres que fazem sexo com mulheres).
  • 4
    Maiores reflexões sobre o processo metodológicas, referentes ao desafio de aproximação e distanciamento do campo, estão descritas em outro artigo (Almeida & Lugli, 2018Almeida, D. E. R. G., & Lugli, R. G. (2018). As cenas musicais como moldura analítica do lazer noturno: homossexualidades masculinas em perspectiva. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 26(4), 747-758. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1628.
    http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoA...
    ).
  • Como citar: Almeida, D. E. R. G. (2020). Política e resistência no lazer noturno homossexual. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional. Ahead of Print. https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO2102
  • 1
    Este artigo traz resultados parciais da tese de doutoramento defendida no Programa de Pós-Graduação Educação e Saúde na Infância e Adolescência, da Universidade Federal de São Paulo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    19 Maio 2020
  • Revisado
    10 Jul 2020
  • Revisado
    07 Set 2020
  • Aceito
    12 Out 2020
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