OPINIÃO / POINT OF VIEW
Alfredo Gui Ferreira
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Departamento de Botânica, Porto Alegre, RS, Brasil
RESUMO
A inserção da Acta Botanica Brasilica no cenário internacional deve refletir o estagio de desenvolvimento da Botânica no Brasil, com suas virtudes e mazelas. O apoio econômico deveria ser de espaços publicitários, que poderiam dar maior independência e liberdade dos critérios traçados pelas agências de fomento. Mini revisões, em inglês, realizadas por especialistas cobrindo diferentes aspectos da botânica, deveriam ser providenciadas.
Palavras-chave: revista científica, publicações botânicas, Sociedade Botânica do Brasil
ABSTRACT
The insertion of Acta Botanica Brasilica on the international scene should reflect the development stage of botany in Brazil, with its qualities and faults. Support should come from advertising included on the pages of periodical, thus allowing greater independence and freedom from the criteria outlined by funding agencies. Mini-reviews in English by experts covering different aspects of botany should be provided.
Key words: scientific journal, botany publication, Botanical Society of Brazil
A criação da sessão de "opinião" na ABB possibilita que se estabeleça de uma forma pública e ampla de pontos de vistas e de reflexões pessoais. Isto me faz reviver, em parte, o espírito acadêmico, um tanto negligenciado, premido que somos pelas amarras da produtividade científica. O CNPq, CAPES e FAPs estaduais exigem artigos de impacto no cenário internacional. É uma questão de sobrevivência. Os temas locais, regionais brasileiros se esvaecem, já que a demanda não é do corpo social brasileiro, mas do establishment de internacionalização científica. Ainda que se concorde que não deve haver este descolamento, nosso desenvolvimento social e científico é pago pelo povo brasileiro e é a ele que se deve atender. Afinal, pesquisas pontuais e/ou regionais, se bem feitas, são importantes, pois geram dados para versões mais amplas, embasadas em vários exemplos mais localizados. Nesta perspectiva, entendo que dados de floras regionais ou de questões ecofisiológicas mais restritas, não perdem sua importância. Vale lembrar que a fotossíntese foi muito bem evidenciada, na sua rota C3, na década de quarenta do século passado, mas os mecanismos C4 só foram descritos mais tarde, ao serem estudadas plantas mais equatoriais de ambientes abertos. Recordo-me que no início o que parecia uma anomalia, tornou-se com o estudo de vários casos pontuais, um importante mecanismo de fixação de carbono, hoje mais importante ainda quando os níveis deste átomo e algumas moléculas que o possuam (CO2, CH4, etc), são considerados os vilões do aquecimento global.
Estudos envolvendo nossa flora devem ter destaque ainda que, por vezes, não seja o assunto de primeiro interesse dos países centrais hegemônicos, que afinal são os que criaram os indexadores que lhes dão saliência. O Brasil pela sua história teve, e ainda tem, um forte sentimento de enxergar os estrangeiros como exploradores de nossos recursos potencias de fauna e flora. Mas deve haver desarmamento de ânimos, aceitar parcerias tanto da vinda de pesquisadores estrangeiros como da ida de brasileiros aos centros de ponta, trabalhando, sempre que viável, com nossas plantas e seus problemas, e importante, publicando sobre elas.
Produzir dissertações em dois anos e, teses em três ou quatro anos, ocasionalmente podem resolver um problema numa área, mas na maioria das vezes os temas ficam circunscritos no que é possível fazer nesse tempo. Nos casos mais graves, o aluno pós-graduando funciona como um laboratorista; coleta os dados que são repassados ao(s) orientador(es): e esse(s) escreve(m) o trabalho dentro da filosofia "publicar ou perecer". Publicação numa revista de impacto enquanto que o estudante, por vezes, nem consegue compreender bem o que ali esta (por deficiências de conhecimento e da língua inglesa). Isso não deveria acontecer, mas infelizmente, acontece. A tese é composta por três ou quatro trabalhos submetidos e/ou publicados em revistas de impacto, sendo que depois as bancas ficam reféns, com dificuldades em aprovar um candidato medíocre, que não consegue explicar porque e o que fez, com uma produção altamente qualificada. Essa distorção, infelizmente, ocorre em nosso meio acadêmico.
Nossas revistas, a Acta Botanica Brasilica inclui-se aí, recebem apoio do CNPq, CAPES e/ou FAPs e ficam a mercê de critérios que tentam ser justo, mas que se baseiam no número de publicações e seu impacto. Como os indexadores são estrangeiros, ficamos a mercê do que é importante para os países hegemônicos. Nossas revistas são, em parte, fruto da dedicação de alguns pesquisadores, com pouco ou nenhum preparo como editores, que "tocam de ouvido", por vezes até com habilidade, mas não são profissionais na área. Os recursos vêem dos associados e das agências de fomento, quando primordialmente deveriam vir de patrocínios que deveriam financiar nossas revistas, com o auxílio de especialistas em marketing, como fazem os principais periódicos internacionais.
Outro problema diz respeito aos quadros sociais de nossas associações científicas (AC), que estão perdendo espaço, principalmente, depois que o "Portal de Periódicos da CAPES" e o do BIREME disponibilizaram os trabalhos científicos nos meios eletrônicos. As AC perderam o atrativo representado pelos seus periódicos. Os interessados e profissionais são pragmáticos, questionando porque irão pagar associando-se, se é possível ter os artigos publicados de graça. Existem revistas que colocam senhas e outros mecanismos dos meios eletrônicos para bloquear o acesso de todos, sendo permitido somente aos associados. Mas nossa dependência econômica das de agências de fomento, que exigem ampla divulgação dos periódicos que incentivam, cerceia esses bloqueios. As AC, e em particular, a SBB, deveriam tomar medidas visando tornarem-se novamente atrativas reunindo um número de sócios ativos compatível com seus desígnios, pois isso será importante na hora apoio institucional ou publicitário.
Recentemente, foi mostrado que com a indexação da ABB no ISI e outras bases internacionais há uma tendência de aumentar o índice de impacto da revista (Scarano et al., 2009). No entanto, há, no mínimo, duas vertentes que dificultam o aumento do impacto. O primeiro é um certo nanismo intelectual de alguns pesquisadores no País, que se negam a citar um colega brasileiro, pois o outro poderia ganhar prestígio. Essa é uma atitude tacanha. Somos poucos em relação à comunidade internacional, se não nos promovemos (entre pessoas da nossa comunidade nacional), há boa possibilidade dos estrangeiros também nos ignorarem, mesmo que o paper esteja em Inglês. Aliás, estar em Inglês pode até facilitá-los, pois as idéias podem ser copiadas, ignorando a fonte e apresentando como idéia própria. E podem crer, isso não é raro. Ademais, com a digitalização das revistas nos anos mais recentes, toda ou quase toda produção de vinte ou mais anos é esquecida. E isso é internacional. Já vi colegas, retirando uma citação de mais de duas dezenas de anos, porque é antiga, embora a idéia seja ainda válida e atual, para citar algo dos últimos anos, possivelmente "pirateado" ganhando legitimação por essa citação mais update. Aliás, interessante matéria foi publicada recentemente sobre a qualidade das publicações científicas (Albuquerque, 2009). Em áreas como a biologia molecular, talvez uma dezena de anos de cobertura de referências seja adequada, mas certamente isso não é nas áreas ambientais. Em botânica, citações de mais de um século, podem ter tanta importância quanto algo publicado ontem.
Enfim, na própria ABB se observa que há um acúmulo de porte, ainda que alguns trabalhos sejam de um nível mais sofrível. Entendo que há espaço para três ou quatro revistas de porte (há países que tem dezenas) com uma meia dúzia de revistas de menor impacto, talvez regionalizadas, mas que deveriam ter sustentação até das agências de fomento. As revistas mais importantes só eventualmente seriam apoiadas pelas agências, seu apoio de custeio deveria vir, como declarei antes, dos espaços institucionais (grandes empresas) ou publicitários.
Finalizando, se na ABB forem incluídas mini reviews (uma revisão ao início de cada fascículo, em inglês preferencialmente) com assunto de interesse transnacional, preparadas por pesquisadores de renome internacional, convidados pelo Editor-Chefe e ouvidas as sugestões dos editores de área em seqüência, em breve, se poderia ter um índice de impacto que nos leve, realmente, à comunidade internacional.
Recebido em 30/12/2009.
Aceito em 19/10/2010
Autor para correspondência: ferreira@unb.br
- Albuquerque, U.P. 2009. A qualidade das publicações científicas - considerações de um Editor de Àrea ao final do mandato. Acta Botanica Brasilica 23(1): 292-296.
- Scarano, F.R; De Toni, K. & Amarante, C.V.G. 2009. A profile of the impact of Acta Botanica Brasilica: reflections on how to improve visibility and recognition of a scientific journal. Acta Botanica Brasilica 23(2): 606-611.
Acta Botanica Brasilica (ABB) - Internacional?
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
25 Fev 2011 -
Data do Fascículo
Dez 2010