Resumos
Na Ilha Cardosa, no sistema lagunar de Maricá-RJ, Brasil, foram realizados levantamentos florísticos, com ênfase para as lenhosas, e diagramas de perfil da vegetação de dois terrenos adjacentes: um terreno de sedimentos arenosos quaternários e outro de tabuleiro. Em cada área foi marcado um transecto de 2 x 60m, sendo amostrados todos os indivíduos lenhosos com DAS ³ 2,5 cm. Foram amostrados 276 indivíduos lenhosos e herbáceos pertencentes a 69 espécies de 33 famílias. Encontrou-se uma diferenciação florística entre as duas áreas expressa nos percentuais de espécies e famílias exclusivas a uma das áreas, e nas famílias com maior riqueza de espécies, assim como diferenças estruturais relativas à densidade, largura da copa, proporção de árvores e lianas e presença de ramificação basal do caule. As formações estudadas apresentaram, florística e fisionomicamente, semelhanças com florestas de restinga. Foram discutidas a adequação da largura e critério de inclusão utilizados para o perfil. O diagrama de perfil foi considerado um instrumento útil no estudo e comparação de estruturas fisionômicas florestais.
diagrama de perfil; fisionomia; mata de restinga; Rio de Janeiro
In the Cardosa Island, located in the Maricá lagoon system, a floristic survey (especially of woody plants) was carried out and profile diagrams were drawn in order to compare the vegetation of two contiguous areas: an area on quaternary sandy terrain and other on the top of a small hill (Table-land). In each area a 2 x 60m transect was delimited and every shrub, tree or liana with diameter at the base of the stem (DSB) ³ 2,5cm inside of it was recorded and drawn. 276 herbaceous and woody individuals, belonging to 69 species and 33 families, were sampled. The percentage of species and families restricted to one area , and the structural features relative to density, crown width, proportion of trees and lianas and the presence of basal ramification of the stem showed differences between the two areas. Both formations showed floristic and physiognomic similarities with restinga's forests. The adequacy of the transect width, as well as of the minimum DSB used in the profile diagrams were also discussed. The profile diagram was considered an useful instrument for the study and comparison of forests physiognomic structures.
profile diagram; physiognomy; atlantic forest; Rio de Janeiro
Maria Cristina Lemos
Roseli Pellens2
Lilian Cristiane de Lemos
Recebido em 11/05/00. Aceito em 20/09/01
RESUMO ¾ (Perfil e florística de dois trechos de mata litorânea no Município de Maricá - RJ.) Na Ilha Cardosa, no sistema lagunar de Maricá-RJ, Brasil, foram realizados levantamentos florísticos, com ênfase para as lenhosas, e diagramas de perfil da vegetação de dois terrenos adjacentes: um terreno de sedimentos arenosos quaternários e outro de tabuleiro. Em cada área foi marcado um transecto de 2 x 60m, sendo amostrados todos os indivíduos lenhosos com DAS ³ 2,5 cm. Foram amostrados 276 indivíduos lenhosos e herbáceos pertencentes a 69 espécies de 33 famílias. Encontrou-se uma diferenciação florística entre as duas áreas expressa nos percentuais de espécies e famílias exclusivas a uma das áreas, e nas famílias com maior riqueza de espécies, assim como diferenças estruturais relativas à densidade, largura da copa, proporção de árvores e lianas e presença de ramificação basal do caule. As formações estudadas apresentaram, florística e fisionomicamente, semelhanças com florestas de restinga. Foram discutidas a adequação da largura e critério de inclusão utilizados para o perfil. O diagrama de perfil foi considerado um instrumento útil no estudo e comparação de estruturas fisionômicas florestais.
Palavras-chave ¾ diagrama de perfil, fisionomia, mata de restinga, Rio de Janeiro.
ABSTRACT¾ (Profile diagrams and floristic in two areas of a coastal forest in the Municipality of Maricá - RJ.) In the Cardosa Island, located in the Maricá lagoon system, a floristic survey (especially of woody plants) was carried out and profile diagrams were drawn in order to compare the vegetation of two contiguous areas: an area on quaternary sandy terrain and other on the top of a small hill (Table-land). In each area a 2 x 60m transect was delimited and every shrub, tree or liana with diameter at the base of the stem (DSB) ³ 2,5cm inside of it was recorded and drawn. 276 herbaceous and woody individuals, belonging to 69 species and 33 families, were sampled. The percentage of species and families restricted to one area , and the structural features relative to density, crown width, proportion of trees and lianas and the presence of basal ramification of the stem showed differences between the two areas. Both formations showed floristic and physiognomic similarities with restinga's forests. The adequacy of the transect width, as well as of the minimum DSB used in the profile diagrams were also discussed. The profile diagram was considered an useful instrument for the study and comparison of forests physiognomic structures.
Key words¾ profile diagram, physiognomy, atlantic forest, Rio de Janeiro.
Introdução
A descrição de vegetação pode se dar, basicamente, por meio de métodos florísticos e fisionômicos ou estruturais (Kent & Coker, 1992). Um instrumento para a visualização da estrutura fisionômica das florestas é o diagrama de perfil, criado por Davis & Richards (1933) e que, segundo Richards (1986), tem provado ser uma técnica útil para o estudo de estratificação e diferenças na estrutura entre tipos de florestas. Apesar disso, no Brasil o diagrama de perfil tem sido, em geral, utilizado apenas como um complemento a estudos florísticos e/ou fitossociológicos de formações florestais diversas, como, por exemplo, na mata ciliar (Mantovani et al., 1989), na floresta pluvial em transição para savana (Thompson et al., 1992), na mata ripária e na mata mesófila (Marchiori et al., 1992), na mata de restinga (Rossoni, 1993) e em outros ecossistemas lenhosos de restinga (Silva & Oliveira, 1989 e Silva et al., 1994). Assim, embora em alguns estudos o diagrama de perfil tenha sido utilizado para a visualização de diferenças na estrutura entre tipos de vegetação (Fonseca, 1979, Assumpção et al., 1982, Oliveira-Filho & Martins, 1986 e Sugiyama, 1998), ou para caracterizar a estratificação florestal (Silva & Leitão Filho, 1982, Fiuza de Melo & Mantovani, 1994, Peixoto et al., 1995 e Sugiyama, 1998), o seu uso tem sido pouco discutido e também pouco têm evoluído os meios para a caracterização da estrutura fisionômica (Oldeman, 1989).
Neste contexto, o objetivo do presente trabalho foi avaliar a potencialidade do diagrama de perfil em associação a dados quantitativos como um instrumento para a caracterização qualitativa e quantitativa de estruturas fisionômicas, e a possibilidade de usá-lo para comparar essas estruturas. Considera-se, neste caso, estrutura, ou estrutura fisionômica, a organização espacial dos indivíduos lenhosos da floresta, e fisionomia, a expressão visível desta organização através do aspecto do conjunto assim estruturado. Para tal foram usados diagramas de perfil de dois segmentos de uma mata contínua, distribuídos sobre diferentes substratos em uma pequena ilha lagunar no estado do Rio de Janeiro. Partiu-se do pressuposto de que a fisionomia de uma floresta refletiria e expressaria possíveis diferenças ambientais existentes entre dois sítios adjacentes ocupados por esta vegetação. As composições florísticas dos dois trechos também foram aqui estudadas e utilizadas como meio de verificação da existência de tais diferenças ambientais.
Material e métodos
A Ilha Cardosa, localizada aproximadamente a 22o55'S e 42o49'W, faz parte do sistema lagunar de Maricá no estado do Rio de Janeiro. De acordo com o decreto no 7.230 de 1984, esta ilha integra, junto com a vizinha restinga de Barra de Maricá, a Área de Proteção Ambiental de Maricá.
O clima da região, segundo a classificação de Köppen, é do tipo Aw, tropical chuvoso, com verão quente chuvoso e inverno subseco. A temperatura média anual varia entre 22o e 24oC e a média da precipitação total anual fica entre 1250 e 1500mm (Nimer, 1977).
Com 1,2 km em sua maior extensão (direção N-S), a Ilha Cardosa, estreita e alongada, apresenta duas colinas de topo aplainado com escarpas abruptas (falésias) e de altura máxima de 35m, remanescentes de um "tabuleiro... possivelmente associado à sedimentação Barreiras" (Muehe, 1983). Sedimentos quaternários preencheram o intervalo entre estas elevações, ocorrendo também na extremidade sul da ilha.
No alto da colina encontra-se um solo do tipo latossolo vermelho-amarelo, enquanto que na extremidade plana encontram-se areias quartzosas álicas, aproximando-se de um podzol com um horizonte Bh (Camargo, 1979 e Camargo & Palmieri, 1979). O horizonte A da colina apresenta maior quantidade de elementos finos, tendo textura franco arenosa. Na parte plana, devido à maior proporção de areia grossa, a textura é arenosa (Garay et al., no prelo). Na colina, o húmus é caracterizado como um "Mull oligotrófico com acumulação orgânica", enquanto que na extremidade plana o húmus é um "Mull mesotrófico com baixa acumulação orgânica" (Garay et al., 1995). A vegetação constitui-se de mata contínua em toda a extensão da ilha.
O estudo foi desenvolvido em duas áreas: a primeira -Parte Baixa (PB)- situa-se no terreno arenoso do extremo sul da ilha; a segunda -Parte Alta (PA)- localiza-se na elevação desta mesma extremidade. Estas duas áreas foram percorridas em diferentes épocas do ano no período de 12/1992 a 9/1994, fazendo-se coletas não sistematizadas e que, de modo geral, privilegiavam indivíduos lenhosos, apesar de abrangerem também indivíduos herbáceos em floração ou frutificação.
Para cada uma destas áreas foi desenhado um diagrama de perfil retratando a vegetação lenhosa. Para isso, em cada área foi marcado um transecto de 2m x 60m, nos quais foram amostrados todos os indivíduos lenhosos com diâmetro ³ 2,5cm à altura do solo, ou a até 0,1m do solo (DAS), o que implicou na inclusão de árvores, arbustos e lianas. Todos os indivíduos amostrados nestes transectos foram marcados com etiquetas de alumínio, desenhados, e tiveram mensurados, além do perímetro a altura do solo para estimativa do DAS, a sua localização em relação à origem do transecto. A opção por este critério de DAS, ao invés do usual DAP (diâmetro a altura do peito), seguiu orientação de Mueller-Dombois & Ellenberg (1974) para o estudo de comunidades onde são comuns os indivíduos ramificados próximo ao solo, como é o caso das áreas estudadas. Para as árvores e arbustos, anotou-se também as estimativas de altura máxima, altura da primeira grande ramificação e largura de copa, considerada em seu eixo maior. A altura dos indivíduos foi estimada no campo com auxílio da tesoura de alto-poda com 3 partes encaixáveis de 1,5m. Para as lianas, quando estas se apresentavam inclinadas dentro do transecto, eram estimadas a extensão horizontal deste segmento e a altura máxima que aí alcançavam. A declividade do terreno foi estimada a cada 1,5m com o auxílio de 2 estacas graduadas e um nível de pedreiro.
Para o estudo da distribuição vertical dos indivíduos amostrados foi elaborado, para cada área, um histograma de distribuição de freqüência das classes de alturas máximas de copa.
A identificação do material se deu através de consultas a especialistas e comparação em herbários. O material coletado em estádio reprodutivo foi incorporado ao acervo do herbário RFA do Departamento de Botânica do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Duplicatas e alguns exemplares em estádio vegetativo foram enviadas ao herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (RB). A ocorrência destas espécies em áreas de restinga foi levantada com base nas seguintes referências: a)Reitz, 1961 (SC); b)De Grande & Lopes, 1981 (SP); c)Araújo & Henriques, 1984 (RJ); d)Henriques et al., 1986 (RJ); e)Araújo & Oliveira, 1988 (RJ); f)Silva & Oliveira, 1989 (RJ); g)Pereira, 1990 (ES); h)Barros et al., 1991(SP); i)Cabral Freire & Monteiro, 1993 (MA); j)Rossoni, 1993 (RS); l)Sá, 1993 (RJ); m)Garcia & Monteiro, 1994 (SP); n)Pereira & Gomes, 1994 (ES); o)Romero & Monteiro, 1994 (SP); p)Silva et al., 1994 (PR). As citações para a Ponta do Fundão -Maricá, RJ. foram de Ramos,1998.
Para a comparação dos dados obtidos nos dois transectos, cada um destes foi subdividido em 6 blocos de 10m x 2m a fim de calcular a média dos DAS, a média das alturas das árvores, bem como o percentual destas que se ramificavam a até 0,10m e a até 1,30m em cada um destes segmentos. A partir destes valores, calculou-se então as médias e os coeficientes de variação destes parâmetros/20m2. Foram também estimados os valores médios de densidade de árvores, de lianas, e densidade total de elementos lenhosos. A comparação entre as duas áreas foi feita através do Teste U, de Mann-Whitney (Siegel, 1975).
Resultados e discussão
A vegetação nas duas áreas é de mata baixa, perenifólia e se apresenta de forma contínua do terreno baixo e arenoso ao topo do morro percorrido. São encontradas epífitas, notadamente bromeliáceas, embora não seja abundante sua ocorrência. Há um estrato herbáceo pouco desenvolvido, sendo poucos os espaços abertos entre as copas que permitem a penetração de luz direta. Os hábitos arbustivo e escandente, relativamente comuns, associam-se à ocorrência de lianas num entremeado que se torna obstáculo ao trânsito no terreno, particularmente na PB, onde este entrecruzamento de caules ocorre em um nível mais baixo.
Foram amostrados 276 indivíduos lenhosos e herbáceos terrícolas pertencentes a 69 espécies, 52 gêneros e 33 famílias (Tab. 1). Considerando a flora total amostrada na Ilha Cardosa, a família com maior número de espécies foi Leguminosae (8), seguida por Myrtaceae (7), Sapindaceae (6), Bignoniaceae (5), Capparaceae e Erythroxylaceae (4). Deve ser observado que, devido à maior ênfase dada aos elementos lenhosos, restringindo-se a coleta de herbáceas a indivíduos em estágio reprodutivo, pode-se ter subestimado a presença de herbáceas, como é o caso da família Bromeliaceae.
Analisando-se separadamente a vegetação da PA e da PB verifica-se uma diferenciação da composição florística dessas áreas. Com efeito, das 45 espécies amostradas na PA, 29 foram exclusivas, isto é, sem registro na outra área de estudo. Na PB registraram-se 40 espécies, das quais 24 foram exclusivas. Em ambas as áreas foram registradas 24 famílias, sendo 15 comuns e 9 exclusivas a cada uma delas. Assim, das 69 espécies, 53 (29+24), ou seja, cerca de 77%, foram exclusivas a uma das áreas, não tendo sido registradas na outra área por essa amostragem. A mesma tendência é observada a nível de família, pois de um total de 33 famílias amostradas (15+9+9), 18 delas, ou cerca de 55%, foram registradas em apenas uma das áreas (ver Tab. 1).
A maior parte das espécies observadas (60 em um total de 69) é constituída por formas lenhosas (arbóreo-arbustivas e lianas) e, destas, 76,7% das espécies foram amostradas exclusivamente em uma das áreas, cerca de metade em cada uma delas. Nesta última área destacam-se algumas espécies raras ou pouco comuns como Capparis frondosa, Eugenia janeirensis, Eugenia repanda e Leucaster caniflorus (Tab. 1).
De maneira geral, esta proporção de espécies lenhosas exclusivas em cada área também se reflete na ordenação das famílias com maior riqueza específica, pois enquanto na PA Myrtaceae (6 espécies), Capparaceae, Erythroxylaceae e Leguminosae (4 espécies cada) são as famílias melhor representadas, na PB destacam-se Leguminosae e Sapindaceae (ambas com 5 espécies).
Das 60 espécies de lenhosas amostradas e identificadas na PB, 91,4% já foram também citadas para restingas do litoral brasileiro, tendo sido de 80% este valor para as espécies da PA. Estes dados revelam que, a despeito das diferenças nas características físicas e químicas do solo da PA em relação ao solo da PB, e também em relação ao solo das restingas de Maricá e Grumari, ambas no Rio de Janeiro (Garay et al., no prelo), existe uma grande afinidade florística de ambos os trechos com a restinga.
Por outro lado, comparando a relação somente das arbóreo-arbustivas com aquelas registradas na Ponta do Fundão, vizinha à Ilha Cardosa, também um terreno de tabuleiro (Ramos, 1998 e Tab. 1), o maior percentual de ocorrências em comum se verificou em relação à PA (65,4%) do que à PB (42,9%), como seria de se esperar. Também na Ponta do Fundão, cujo estudo não incluiu as lianas, foi verificado um alto percentual de ocorrências em comum com áreas de restinga (74,7%), o que suscitou a discussão sobre possíveis semelhanças ambientais (Ramos, 1998). Assim, os dados sugerem que, apesar de uma grande semelhança florística de ambas as áreas com a restinga, existiria uma diferenciação florística entre estes dois trechos que poderia estar relacionada à colonização de diferentes substratos.
As Figs. 1 e 2 representam, respectivamente, os perfis relativos à PA e PB da Ilha Cardosa. No perfil da PA foram encontrados 103 indivíduos (93 vivos e 10 mortos); no perfil da PB foram registrados 53 indivíduos lenhosos (47 vivos e 6 mortos). Todos os resultados apresentados a seguir referem-se apenas às lenhosas vivas.
Analisando-se a composição florística destes dois transectos observa-se que o número de espécies encontrado nas duas áreas é bastante próximo (18 na PA, sendo 10 exclusivas; 16 na PB, sendo 8 exclusivas), aproximando-se, com 69,2% de espécies exclusivas a uma das áreas, do valor já apresentado de 76,7% obtido a partir do levantamento florístico geral de lenhosas, que incluiu as amostradas fora dos transectos. Uma distinção mais marcada entre os dois transectos se deu a nível de famílias mais representativas em termos de número de indivíduos. Na PA as famílias com maior número de indivíduos foram Erythroxylaceae (com 49,5% do total de lenhosas vivas, na quase totalidade da espécie Erythroxylum ovalifolium), Myrtaceae (22,6%) e Leguminosae (14,0%). Na PB, destacou-se principalmente Capparaceae (Capparis flexuosa) com 36,2% das lenhosas vivas, embora Erythroxylaceae, com 14,9%, tenha também tido algum destaque. Na PA Capparaceae esteve presente com apenas 1,1%, enquanto que na PB Leguminosae participou com 12,8% dos indivíduos e Myrtaceae sequer esteve representada no perfil.
A análise dos dados quantitativos obtidos nos transectos indicou uma diferença estrutural entre essas duas áreas, que reside na proporção de árvores e lianas, sendo a PA caracterizada por um elevado percentual de elementos arbóreos (92,5%), enquanto na PB a proporção de árvores e lianas é bastante próxima (53,2% e 46,8%, respectivamente). Com efeito, a densidade de árvores é mais elevada na PA, gerando também aí um maior valor de densidade total dos indivíduos lenhosos, enquanto que a densidade de lianas é maior na PB (Tab. 2). A distribuição espacial das árvores, entretanto, é muito mais agregada na PB, como pode ser observado nas Figs. 1 e 2 e pelo alto coeficiente de variação (Tab. 2), refletindo neste sítio uma fisionomia mais próxima à das moitas de restinga.
As diferenças de densidade total e de árvores individualmente são claramente percebidas em uma rápida análise visual dos diagramas de perfil. A maior densidade de lianas na Parte Baixa, que torna tão difícil o trânsito no terreno, pelo contrário, não é visível nos diagramas apresentados. Tal observação reforça a opinião de Richards (1952) a respeito da inadequação da inclusão de lianas nos diagramas de perfil, já que não dão indicação da estruturação vertical da floresta por utilizarem as árvores como apoio. O maior número de lianas na PB pode ser devido à sua posição de borda da mata e da ilha. Para Richards (1952), as lianas aumentam em abundância com crescente iluminação. Putz (1984) responsabiliza principalmente a necessidade de treliças para a ascensão das lianas até níveis superiores na floresta por seu maior desenvolvimento em limites ou bordas das clareiras onde se encontram indivíduos de alturas variadas.
Na PB as copas foram em média mais largas (Tab. 2), o que pode ser explicado pela menor densidade que permitiu maior expansão lateral das copas.
O percentual de árvores que se ramificam a até 1,30m é maior na PB do que na PA (Tab. 2). Deste modo, a ramificação baixa das árvores, que parece ser uma particularidade da vegetação de restinga (ver Sá, 1993; Silva et al., 1994 e Sugiyama & Mantovani, 1994), aparece aqui como outro fator, além dos valores de densidade e proporções de árvores e lianas, que diferencia a estrutura fisionômica da vegetação sobre estes diferentes substratos, podendo talvez representar o melhor indicador da colonização diferenciada destes ambientes.
A despeito das diferenças florísticas e de outras estruturais, a altura e o DAS de ambas as áreas são bastante baixos e não diferem significativamente (Tab. 2). Em ambos os perfis, pouco mais da metade dos indivíduos apresentam DAS inferior a 10cm e a altura de cerca da metade dos indivíduos não ultrapassa 4,0m. Na PB, o limite de 2,5m de altura já concentra cerca de 24% dos indivíduos, dando a aparência de uma vegetação em regeneração. Os valores dos coeficientes de variação indicam uma maior homogeneidade das alturas na PA do que na PB.
A comparação entre os dois histogramas de freqüência de classes de altura (Fig. 3A e B) mostra diferenças em certos aspectos. A PB aparenta ter uma maior proporção de indivíduos jovens do que a PA, com maiores percentuais nas duas primeiras classes de altura. Na PA as três principais classes são intermediárias e seqüenciais, e se destacam das outras, mais reduzidas, o que estaria indicando uma estrutura simples de estrato único, com alturas que vão de 3 a 6 m, com poucas exceções acima e abaixo deste, além de poucas emergentes que se destacam (Fig. 3A). Já na PB (Fig. 3B), aparecem três classes principais não seqüenciais, o que poderia estar indicando uma organização vertical descontínua com superposição de copas. Contudo, se lembrarmos a baixa densidade de elementos arbóreo-arbustivos desta faixa, vemos que o observado no histograma não significa, necessariamente, condição de sombreamento de indivíduos mais baixos pelos mais altos.
De fato, o diagrama de perfil da PB (Fig. 2) mostra a existência de grupos de árvores de diferentes alturas que, por características da distribuição horizontal dos indivíduos, não implicou necessariamente em superposição de copas. O diagrama da PB e, em menor nitidez, o da PA representam elementos arbóreo-arbustivos reunidos em agrupamentos de diferentes densidades que às vezes se separam dos vizinhos por espaços mais ou menos abertos de extensões variadas. Estes perfis sugerem uma arquitetura florestal escalonada o que, para Oldeman (1989), representaria a adjacência de eco-unidades de diferentes tamanhos e estágios de desenvolvimento constituintes de um mosaico florestal.
Particularmente no perfil da PB os elementos de diferentes classes de altura distribuem-se, preferencialmente, em trechos horizontalmente alternados, o que permite exposição direta ao sol mesmo daqueles que vão só até 4,0m, fato este claramente observado no campo. Assim, na medida em que o diagrama de perfil representa simultaneamente a distribuição vertical e horizontal relativa dos elementos arbóreo-arbustivos, ele se revela um instrumento sintético para a apreensão da estrutura da vegetação, complementando e permitindo uma melhor interpretação da distribuição de classes de altura exposta nos histogramas.
O diagrama de perfil, além de permitir a observação das condições de estratificação, dá visualmente informação sobre outros atributos fisionômicos que permitem interpretações ecológicas da vegetação em questão. No presente caso, a concentração de indivíduos arbóreo-arbustivos até o limite de 4,0m de altura e as características de sua distribuição horizontal relativa acima descritas.
Entretanto, a comparação desses resultados com outros realizados em outras áreas depara com as distinções de metodologia utilizadas para os perfis, mais especificamente, os critérios de DAS ou DAP mínimo para inclusão dos indivíduos e a largura dos transectos. Silva et al. (1994), por exemplo, elaboraram um diagrama de perfil em uma floresta de restinga (PR) a partir dos indivíduos com DAP³ 5cm em faixa de 5m de largura, isto é, com critério de inclusão mais restritivo, mas, em compensação, maior largura do transecto.
Outra mata de restinga (RS) foi representada por Rossoni (1993) em um diagrama amostrando todos os indivíduos em uma faixa de mesma largura do presente estudo, isto é, de 2m. Sugiyama (1998) apresentou perfis de duas áreas de florestas de restinga (SP) elaborados em uma faixa de 5m de largura: para a primeira, usou um limite inferior de 2,5cm de DAP para a amostragem; para a segunda, este limite foi de 1,6cm. Contudo, apesar das diferenças metodológicas, pode-se dizer que a fisionomia da vegetação da Ilha Cardosa parece semelhante à das matas de restinga no Rio Grande do Sul (Rossoni, 1993) e na Ilha do Mel-PR (Silva et al., 1994), tanto no que diz respeito à altura quanto pela descontinuidade na distribuição dos indivíduos ao longo do transecto.
Apesar da maior amplitude de amostragem das florestas estudadas por Sugiyama (1998), uma delas assemelhou-se bastante à da Parte Baixa e, em menor grau, às aqui estudadas nos aspectos de altura, da ramificação na base dos troncos, e, como foi lá descrito, ausência de estratificação e indivíduos agregando-se em pequenos grupos formando "ilhas". Tais comparações complementam o já visto anteriormente em termos da composição florística, isto é, semelhança de características dos trechos das matas aqui estudados, mas particularmente aquele da Parte Baixa, com as formações florestais de restinga. Embora Richards (1986) tenha apontado como uma limitação dos diagramas de perfil a própria variabilidade espacial da estrutura da floresta, causando uma variação de sua aparência conforme a área em que é localizado o perfil, vimos aqui que os perfis de vegetação sobre estes terrenos litorâneos arenosos têm mostrado características comuns, como esta distribuição "agregada" dos indivíduos nestas florestas que não apareceu, por exemplo, no perfil da mata atlântica de encosta realizado por Silva & Leitão Filho (1982), ou na floresta pluvial em transição para savana, no estado de Roraima (Thompson et al., 1992).
Richards (1952) recomendou, para florestas pluviais tropicais, que o comprimento da faixa não fosse usualmente menor que 61m e considerou satisfatória uma largura de 7,6m, como utilizado por Davis e Richards (1933), o que aqui seria excessivo considerando o tipo de vegetação ora estudado. O que fica claro a partir dos resultados obtidos neste trabalho e também da observação dos perfis em outros ecossistemas (Rossoni,1993; Silva et al., 1994; Peixoto et al. 1995), todos adotando largura e comprimento da faixa e DAS ou DAP mínimo distintos, é que a escolha da medida de largura da faixa estudada deve considerar o critério de inclusão dos indivíduos a serem registrados, usualmente definido através de um valor mínimo de DAP (ou DAS), também determinante do resultado obtido. Ambas as escolhas devem ser relativas ao porte e densidade da vegetação estudada.
Se alterássemos o limite de DAS para os perfis da Ilha Cardosa de ³2,5cm para ³5,0cm, ao invés dos 103 indivíduos registrados na PA, teríamos apenas 65, e ao invés dos 53 da PB, apenas 34, o que provavelmente alteraria bastante a interpretação que poderíamos fazer do diagrama de perfil. Assim, uma conjugação adequada das dimensões de largura do transecto e DAS ou DAP a incluir, considerando a vegetação em questão e, é claro, os objetivos do trabalho, permitirá um resultado também adequado em termos de, por um lado, se ter uma fiel representação da realidade do campo e, por outro, certo grau de simplificação que permita a discriminação da organização relativa dos indivíduos nos espaços vertical e horizontal.
Nos perfis ora apresentados observa-se que, enquanto no terreno arenoso (PB) a organização espacial dos elementos é bastante nítida, no topo da colina ocorrem episódios de excessiva aglomeração que dificultam a visualização individual, retratando o que apontaram os valores de densidade já expostos. Assim, enquanto para o terreno arenoso poder-se-ia aumentar a largura da faixa estudada, ou reduzir o limite de DAS (embora 2,5cm já esteja no limiar da inclusão de indivíduos jovens), aumentando-se as unidades de informação sem prejuízo de sua clareza, o mesmo não se aplicaria ao outro perfil. No entanto, o fato dos dois terem seguido os mesmos critérios e medidas possibilitou uma comparação visual das características diferenciais da estrutura fisionômica dos dois conjuntos vegetacionais.
Assim, embora as duas áreas sejam contíguas e recobertas por uma floresta contínua e baixa, os resultados deste trabalho evidenciaram um certo grau de diferenciação na composição florística que, considerando a adjacência das 2 áreas e, consequentemente, uma provável similaridade de condições mesoclimáticas, poderiam ser possivelmente creditadas a diferenciações de substrato, mas também haveria que se considerar a posição de borda da PB e possíveis diferenças em grau de interferência antrópica por variação na facilidade de acesso. Mas, sejam quais forem as possíveis causas para tais distinções, que podem ser investigadas em outros estudos, vimos que as duas áreas se distinguiram também na estrutura fisionômica de sua vegetação, o que pode ser, provavelmente, decorrente das mesmas diferenciações ambientais. A análise dos dados obtidos nas faixas amostrais estabelecidas acompanhada da observação dos diagramas de perfil permitiu uma análise comparativa das características fisionômicas entre os dois trechos de vegetação.
Semelhanças e diferenças estruturais entre PA e PB, formações constituídas das mesmas formas biológicas predominantes, puderam ser detectadas através de dados quantitativos representativos de características da estrutura fisionômica e do diagrama de perfil. Este contribuiu ao estudo ao informar visualmente certos atributos fisionômicos de interesse ecológico, particularmente as variações no espaço da altura e densidade dos indivíduos que mostraram a semelhança principalmente da mata estabelecida no terreno arenoso da PB com as matas de restinga já registradas por outros trabalhos através de diagramas de perfil.
O diagrama permitiu, também, interpretar adequadamente as condições de estratificação, que envolve relações de sombreamento, a partir desta mesma organização espacial relativa dos indivíduos arbóreos. Assim, a associação de dados quantitativos e aspectos qualitativos, estes expressos em um diagrama de perfil, pode constituir um instrumento útil no estudo de estruturas fisionômicas florestais em uma escala de maior detalhe.
Agradecimentos
Agradecemos aos pesquisadores relacionados pelo auxílio na identificação taxonômica: Cecília Ma. Rizzini, Cristiane Ma B. Correia, Cyl F.C. de Sá, Genise V. Somner, Graziela M. Barroso, Haroldo C. de Lima, José Fernando A. Baumgratz, Leonor de A. Ribas, Marcus A. Nadruz Coelho, Roberto L. Esteves, Rogério R. de Oliveira, Rosa Fuks e, especialmente, à Dorothy S. D. de Araújo. Agradecemos também aos três revisores da Acta Botanica Brasílica por suas valiosas observações e sugestões.
Referências bibliográficas
2 Programa de Pós-Graduação em Geografia/IGEO/CCMN/UFRJ
Referências bibliográficas
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
10 Abr 2002 -
Data do Fascículo
Dez 2001
Histórico
-
Recebido
11 Maio 2000 -
Aceito
20 Set 2001