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Parte 1: Introdução e conceitos básicos

DIRETRIZES

Parte 1 - Introdução e conceitos básicos

1. Comportamento fisiológico da pressão arterial nas 24 horas

A pressão arterial (PA) varia em virtude da interação de fatores neuro-humorais, comportamentais e ambientais (Tabela 1)1. Existe uma variação contínua da PA batimento a batimento, de acordo com as atividades do indivíduo, e em hipertensos, essa variabilidade apresenta maior amplitude do que em normotensos e está relacionada a pior prognóstico. Durante o período de vigília, esses valores são maiores do que os obtidos durante o sono.

2. Registro da pressão arterial

O registro da PA pode ser realizado por método direto ou intra-arterial e métodos indiretos, sendo os mais empregados:

a) Método auscultatório: identifica pela ausculta o aparecimento e o desaparecimento dos ruídos de Korotkoff, que correspondem, respectivamente, às pressões arteriais sistólica e diastólica;

b) Método oscilométrico: identifica, por oscilometria, o ponto de oscilação máxima que corresponde à PA média e determina, por meio de algoritmos, as pressões arteriais sistólica e diastólica2.

3. Medida da pressão arterial casual no consultório

A medida da PA casual no consultório, apesar de considerada procedimento-padrão para o diagnóstico de hipertensão arterial e para o seguimento de pacientes hipertensos3, está sujeita a inúmeros fatores de erro, destacando-se a influência do observador e do ambiente onde a medida é realizada. Além disso, propicia um número reduzido de leituras que não apresentam boa reprodutibilidade em longo prazo (Grau de Recomendação I - Nível de Evidência A).

Entre outras, essas são razões para a necessidade de obtenção de medidas da PA por meio de outros métodos capazes de abstrair esses erros e criar condições que propiciem uma medida de pressão arterial que reflita, com segurança e fidelidade, o seu real comportamento.

Este documento estabelece as normas para a realização de dois desses métodos de maior utilização na prática clínica: Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial de 24 horas (MAPA) e Monitorização Residencial da Pressão Arterial (MRPA).

4. Equipamentos para realização de MAPA e de MRPA

As considerações a seguir apresentadas devem ser cuidadosamente obedecidas para que os equipamentos utilizados para a realização dos exames de MAPA e de MRPA atendam às normas internacionalmente recomendadas.

4.1. Validação

Os aparelhos de MAPA e de MRPA são considerados validados quando submetidos aos protocolos de validação e por esses aprovados. Existem protocolos bem definidos para a validação dos aparelhos4, tais como o da Association for the Advancement of Medical Instrumentation (AAMI),que classifica o equipamento em aprovado ou reprovado, ou o da British Hypertension Society (BHS), que estabelece graus de A até D e considera o equipamento validado quando recebe graus A ou B para as pressões sistólica e diastólica. É importante verificar se o equipamento a ser adquirido está validado, por meio de consulta a: www.eshonline.org, www.hyp.ac.uk/bhs/bp_monitors/automatic.htm ou www.dableducational.com/sphygmomanometers/devices_3_abpm.html (Grau de Recomendação I - Nível de Evidência B).

4.2. Calibração

A calibração deve ser realizada pelo fornecedor ou seu representante, no mínimo, anualmente ou de acordo com a recomendação do fabricante (Grau de Recomendação I - Nível de Evidência D). Também deve ser executada sempre que for identificada discrepância maior do que 5 mmHg entre as medidas obtidas pelo aparelho e as registradas em aparelho de coluna de mercúrio calibrado, por meio de um conector em Y, procedimento que deve ser realizado, pelo menos, a cada seis meses (Grau de Recomendação IIa - Nível de Evidência D).

4.3. Manguitos

Recomenda-se o uso de manguitos adequados à circunferência do braço (Tabela 2) e originais do fabricante do aparelho3 (Grau de Recomendação I - Nível de Evidência B). Não se recomenda o uso de tabelas de correção nem a colocação do manguito em antebraço (Grau de Recomendação IIa - Nível de Evidência B).

Alguns conceitos fundamentais e relacionados com as medidas de PA fora do consultório, quer pela MAPA, quer pela MRPA, precisam ser conhecidos e estão definidos a seguir.

5. Fenômeno do avental branco: efeito, hipertensão e normotensão do avental branco

Os valores da PA medida em consultório podem ser maiores, semelhantes ou menores do que os obtidos durante a vigília pela MAPA ou pela MRPA. Essas diferenças possibilitam a classificação dos pacientes em quatro diferentes categorias (Figura 1): normotensão, hipertensão, hipertensão do avental branco (hipertensão isolada de consultório)5 e hipertensão mascarada (normotensão do avental branco)6.


A normotensão se caracteriza por valores normais de PA no consultório (< 140/90 mmHg) e na MAPA de 24 horas (< 125/75 mmHg) ou na MRPA (< 130/85 mmHg), enquanto a hipertensão se caracteriza por valores anormais da PA no consultório (>140/90 mmHg) e na MAPA ou na MRPA (> 130/85 mmHg).

Define-se efeito do avental branco como o valor referente à diferença entre a medida da pressão arterial no consultório e a média da MAPA na vigília ou MRPA, sem que haja mudança no diagnóstico de normotensão ou hipertensão. Considera-se efeito do avental branco significativo quando essa diferença for superior a 20 e 10 mmHg, respectivamente, nas pressões sistólica e diastólica7.

A hipertensão do avental branco ocorre quando há valores anormais na medida da PA no consultório (> 140/90 mmHg) e valores normais de pressão arterial pela MAPA durante o período de vigília (< 130/85 mmHg) ou pela MRPA (< 130/85 mmHg).

É importante observar que nessa condição ocorre mudança de diagnóstico de normotensão fora do consultório para hipertensão no consultório.

A hipertensão mascarada ocorre quando há valores normais na medida da PA no consultório (< 140/90 mmHg) e valores anormais de pressão arterial pela MAPA durante o período de vigília (> 130/85 mmHg) ou MRPA (> 130/85 mmHg). Nessa condição, também acontece mudança de diagnóstico de hipertensão fora do consultório para normotensão no consultório.

Nas Diretrizes Brasileiras de Hipertensão VI (DBH VI), utilizando-se os critérios de normalidade para medidas de consultório, MAPA, MRPA, e também para as medidas realizadas pelo próprio paciente, identificadas como Automedida de Pressão Arterial (AMPA), a classificação dos diversos comportamentos da PA pode ser definida como expresso na Tabela 3.

5.1. Significado clínico e prognóstico da hipertensão do avental branco

As características que orientam a pesquisa para o seu diagnóstico são: jovens ou idosos, sexo feminino, relato de medidas normais fora do consultório e hipertensão estágio I sem lesão de órgão-alvo.

Alguns estudos apontam que a hipertensão do avental branco apresenta risco cardiovascular intermediário entre normotensão e hipertensão verdadeira, porém mais próximo ao risco dos normotensos8-10 (Grau de Recomendação IIb - Nível de Evidência B). Ainda que não existam evidências de benefícios de intervenções medicamentosas nesse grupo, os pacientes devem ser considerados no contexto do risco cardiovascular global, devendo permanecer em seguimento clínico com orientações de mudanças de estilo de vida.

5.2. Significado clínico e prognóstico da hipertensão mascarada ou normotensão do avental branco

As características que orientam a pesquisa para diagnóstico nessa situação são: jovens com PA casual normal ou limítrofe e hipertrofia de ventrículo esquerdo, pais hipertensos, relato de medidas ocasionalmente elevadas fora do consultório e risco cardiovascular elevado11. Alguns estudos sugerem que tais pacientes têm maior prevalência de lesões de órgãos-alvo do que indivíduos normotensos, mas há divergências a esse respeito12.

Por fim, considerados esses aspectos gerais, comuns à MAPA e à MRPA, devem-se considerar alguns pontos necessários para orientar a constituição de um serviço para realização desses exames. Essas orientações básicas estão apontadas a seguir.

6. Estabelecimento de um serviço de MAPA

Para criar e dar continuidade a um serviço de MAPA, público ou privado, localizado em consultório, ambulatório ou centro diagnóstico, deve-se atender a alguns princípios básicos como definidos na Tabela 4.

  • 1. Clark LA, Denby L, Pregibon D, Harshfield GA, Pickering TG, Blank S, et al. Effects of activity on diurnal variations of blood pressure. J Chron Dis 1987;40(7):671-81.
  • 2. Mauck GB, Smith CR, Geddes LR, Bourland JD. The meaning of the point of maximum oscillations in cuff pressure in the indirect measurement of blood pressure II. J Biomech Eng 1980;102(1):28-33.
  • 3. Machado CA, Mion Jr D, Pascoal I, Magalhães LC, Amodeo C, Nobre F, et al. ; Sociedade Brasileira de Cardiologia, Sociedade Brasileira de Hipertensão, Sociedade Brasileira de Nefrologia. IV Diretrizes brasileiras de hipertensão arterial. Arq Bras Cardiol 2004;82(supl. 4):7-22.
  • 4. O'Brien, Pickering T, Asmar R, Myers M, Parati G, Staessen J, et al. Working Group on Blood Pressure Monitoring of The European Society of Hypertension International Protocol for validation of blood pressure measuring devices in adults. Blood Press Monit 2002;7(1):3-17.
  • 5. Pickering TG, James GD, Boddie C, Harshfield GA, Blank S, Laragh JH. How common is white coat hypertension? JAMA 1988;259(2):225-8.
  • 6. Pickering TG, Davidson K, Gerin W, Schwartz JE. Masked hypertension. Hypertension 2002;40(6):795-6.
  • 7. Myers MG, Haynes RB, Rabkin SW. Canadian Hypertension Society guidelines for ambulatory blood pressure monitoring. Am J Hypertens 1999;12(11 Pt 1):1149-57.
  • 8. Verdecchia P. Prognostic value of ambulatory blood pressure: current evidence and clinical implications. Hypertension 2000;35(3):844-51.
  • 9. Sega R, Trocino G, Lanzarotti A, Carugo S, Cesana G, Schiavina R, et. al. Data from the general population (Pressioni Arteriose Monitorate e Loro Associazioni (PAMELA Study). Circulation 2001;104(12):1385-92.
  • 10. Verdecchia P, Reboldi GP, Angeli F, Schillaci G, Schwartz JE, Pickering TG, et al. Short and long term incidence of stroke in white-coat hypertension. Hypertension 2005;45(2):203-8.
  • 11. O'Brien E, Asmar R, Beilin L, Imai Y, Mallion JM, Maneia G, et al. ; European Society of Hypertension Working Group on Blood Pressure Monitoring. European Society of Hypertension recommendations for conventional, ambulatory and home blood pressure measurement Guidelines Committee. J Hypertens 2003;21(5):821-48.
  • 12. Bombelli M, Sega R, Facchetti R, Corrao G, Polo Friz H, Vertemati AM, et al. Prevalence and clinical significance of a greater ambulatory versus office blood pressure ('reversed white coat' condition) in a general population. J Hypertens 2005;23(3):513-20.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jan 2012
  • Data do Fascículo
    Set 2011
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