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Caso 3/2017 - Origem Alta da Artéria Coronária Direita na Junção Sinotubular, em Jovem de 14 Anos, em Diversidade Diagnóstica de Imagens

Palavras-chave
Isquemia Miocárdica; Vasos Coronários; Ecocardiografia Doppler; Seio Aórtico; Origem alta da artéria coronária direita

Dados clínicos

Refere que, há seis meses, após exercício físico discreto (ter corrido cerca de 500 metros) sentiu cansaço e tontura, mal estar e palidez cutânea. Enxaquecas repetidas acompanham o quadro. Recente ecocardiograma bi-Doppler revelou a origem alta da artéria coronária direita na junção sinotubular. Não apresentava passado mórbido de importância.

Exame físico: eupnéica, acianótica, pulsos normais. Peso: 66 Kgs, Altura: 169 cm, PA: 110/65 mm Hg, FC: 57 bpm, saturação O2= 96%. A aorta não era palpada na fúrcula.

No precórdio, sem impulsões sistólicas, o ictus cordis não era palpado. As bulhas cardíacas eram normofonéticas e não se auscultava sopro cardíaco. O fígado não era palpado.

Exames Complementares

Eletrocardiograma mostrava ritmo sinusal e sinais de normalidade elétrica. A duração do complexo QRS era de 0,092` com morfologia rS em V1 e qRs em V6, com onda T negativa em V1. AP: +40°, AQRS: +75°, AT: +25°.

Radiografia de tórax mostra área cardíaca e trama vascular pulmonar normais (Figura 1).

Figura 1
Radiografia de tórax mostra área cardíaca e trama vascular pulmonar normais e ecocardiograma em corte paraesternal eixo longo salienta claramente a origem alta da artéria coronária direita na junção sinotubular. Ao: aorta, CD: coronária direita; VAo: valva aórtica; VE: ventrículo esquerdo.

Exames de imagem: Ecocardiograma bi-Doppler mostrou cavidades cardíacas de tamanho e função normais. As dimensões eram, em Ao = 24; AE = 28; VD = 20; VE = 49; septo ventricular e parede posterior de VE = 7; fração de ejeção ventricular = 65%. A artéria coronária direita em corte paraesternal eixo longo mostrava origem alta na junção sinotubular em nítida orientação oblíqua entre a aorta e o tronco pulmonar (Figura 1).

Exame da inclinação (tilt-test) não mostrou alterações expressivas da pressão arterial (103/66 para 104/65 mmHg) e da frequência cardíaca (de 77 para 94 bpm).

Eletrocardiograma dinâmico de 24 horas (Holter): não revelou alterações do ritmo cardíaco e/ou das ondas, complexos e de segmentos elétricos.

Angiotomografia das artérias coronárias revelou origem normal e habitual das mesmas nos distintos seios de Valsalva e ambas na mesma altura (Figura 2).

Figura 2
Angiotomografias das artérias coronárias, em dois planos distintos, mostram origens normais e na mesma altura de ambas. CD: coronária direita; CE: coronária esquerda; Cx: circunflexa; TCE: tronco da artéria coronária esquerda; DA: descendente anterior.

Cintilografia miocárdica com esforço físico não revelou qualquer alteração isquêmica miocárdica.

Diagnóstico Clínico

Origem alta da artéria coronária direita, na junção sinotubular direita pelo ecocardiograma, em jovem com sintomas inespecíficos, não comprovada pelo estudo angiográfico.

Raciocínio Clínico

Os elementos clínicos eram compatíveis com normalidade cardiovascular com sintomas inespecíficos. Achado de exame ecocardiográfico com origem alta da artéria coronária direita motivou à investigação mais acurada da existência de isquemia miocárdica, não evidenciada na cintilografia miocárdica e na angiotomografia.

Diagnóstico diferencial

Os achados anatômicos e equivalentes isquêmicos do coração em jovens e em adultos jovens ocorrem em várias outras situações como na origem da artéria coronária do seio de Valsalva contralateral (anomalia coronária mais comum de todas), assim como em artérias coronárias hipoplásicas, em estenoses nos óstios coronários-slitlike shape, em trajetos intramurais aórticos e ainda interarteriais, entre a aorta e a artéria pulmonar, além do ângulo agudo formado entre a coronária e a aorta em trajeto reto descendente, e por último na doença aterosclerótica precoce. Todas essas condições são bem reconhecidas como causadoras de isquemia e de morte súbita após esforço físico, e com pródromos de palpitações, síncope ou dor precordial.

Conduta

Como os achados do ecocardiograma não encontraram qualquer correspondência com as imagens normais reveladas pela angiotomografia e consolidadas pelo estudo funcional da cintilografia miocárdica, houve a recomendação de seguimento periódico sem limitação das atividades usuais. Foi difícil a explicação do achado ecocardiográfico que se caracterizou como erro diagnóstico dessa anomalia coronária. Daí, a necessidade de avaliação sempre mais acurada afim de diagnóstico comprobatório, tendo como respaldo a análise do conjunto dos elementos como foi exaustivamente perseguido no caso em questão.

Comentários

A origem alta da artéria coronária é muito rara (0,1% da coronária direita e 0,7% da esquerda dentre todas as anomalias coronárias) e nos casos relatados, a isquemia associada é correlacionada sistematicamente com a presença de outras anormalidades adicionais. Por isso, torna-se difícil a implicação da origem alta coronariana como causadora de evento isquêmico e daí como sendo definidamente patológica. Pode sim predispor a alterações isquêmicas miocárdicas em presença de anormalidades associadas como em coronária única, em trajeto vertical e oblíquo entre a aorta e a artéria pulmonar possibilitando obstrução por compressão e com consequente diminuição de fluxo coronário, além de óstio coronário estreito11 Priemer DS, Danon S, Guzman MA: Unexpected cardiac death due to a slit-like left coronary ostium with associated high take-off of the right coronary artery in a previously healthy child. Forensic Sci Med Pathol 2015;11(1):124-6. e em trajeto intramural aórtico. Assim, em achados de origem alta da artéria coronária se deve afastar imediatamente presença de isquemia miocárdica por óstio diminuído (50% do diâmetro), trajeto interarterial ou presença de outra anormalidade.

No entanto, há autores que acreditam na hipótese de isquemia miocárdica apenas pela origem alta coronariana pela diminuição do enchimento diastólico da coronária, além de poder provocar teoricamente dano miocárdico crônico com consequências na idade adulta. Fica assim a pergunta se a origem alta da artéria coronária, constitui-se anomalia benigna ou maligna.22 Rosenthal RL, Carrothers IA, Schussler JM. Benign or malignant anomaly? Very high takeoff of the left main coronary artery above the left coronary sinus. Tex Heart Inst J 2012;39(4):538-41.,33 Loukas M , Andall RG, Khan AZ, Patel K, Muresian H, Spicer DE, et al. The clinical anatomy of high take-off coronary arteries. Clin Anat. 2016; 29(3):408-19.

References

  • 1
    Priemer DS, Danon S, Guzman MA: Unexpected cardiac death due to a slit-like left coronary ostium with associated high take-off of the right coronary artery in a previously healthy child. Forensic Sci Med Pathol 2015;11(1):124-6.
  • 2
    Rosenthal RL, Carrothers IA, Schussler JM. Benign or malignant anomaly? Very high takeoff of the left main coronary artery above the left coronary sinus. Tex Heart Inst J 2012;39(4):538-41.
  • 3
    Loukas M , Andall RG, Khan AZ, Patel K, Muresian H, Spicer DE, et al. The clinical anatomy of high take-off coronary arteries. Clin Anat. 2016; 29(3):408-19.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2017
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