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Revascularização do miocárdio sem circulação extracorpórea

PONTO DE VISTA

Revascularização do miocárdio sem circulação extracorpórea

Enio Buffolo

Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência Enio Buffolo R: Borges Lagoa, 1080 - 7º andar 04038-030 - São Paulo, SP E-mail: ebuffolo@cardiol.br ou enio.buffolo@terra.com.br

A revascularização sem circulação extracorpórea (CEC) não é nova e os primeiros relatos de casuísticas consecutivas datam do início da década de 801-5.

Devido ao conforto da realização das anastomoses safeno-coronárias em cardioplegia, os cirurgiões cardiovasculares não aceitaram, de início, esta alternativa, mesmo considerando-se que a abordagem das coronárias se faz na superfície do coração e não necessitaria da parada cardíaca em circulação extracorpórea.

Após um longo período de ceticismo, na metade da década de 90, com os conceitos de "mínima invasão", ocorreu um extraordinário e crescente interesse por esta alternativa de revascularização6.

Pontos fundamentais para esta maior aceitação foram a introdução dos estabilizadores, o reconhecimento de menor morbidade e mortalidade, especialmente para pacientes de alto risco, e os resultados consistentes das casuísticas pioneiras.

Com o aumento da experiência em outros centros, verificou-se que a revascularização miocárdica poderia ser completa e com resultados superiores, quando comparados aos da técnica convencional.

No registro da STS (Society of Thoracic Surgeons), a revascularização sem CEC (off-pump) oferece melhores resultados que a convencional, quanto à mortalidade e morbidade, dados esses confirmados em outros estudos da literatura7-10.

Se para os pacientes de baixo risco as diferenças não são significativas, para os pacientes com co-morbidades importantes a diferença das complicações no pós-operatório é sensível11.

Entre outras vantagens, cumpre salientar a possibilidade da extubação na sala operatória, tempo menor de unidade de terapia intensiva (UTI) e de internação, diminuição da necessidade de transfusão de sangue e a vantagem nos custos hospitalares.

Entre os pontos discutíveis, estariam: a diminuição da resposta inflamatória, da apoptose e a qualidade das anastomoses.

Constituem candidatos preferenciais à revascularização sem CEC: pacientes idosos, com acidente vascular cerebral prévio; doença pulmonar obstrutiva crônica; insuficiência renal crônica; patologia carotídeas; má função ventricular; e calcificação da aorta12-14.

De inicio, a técnica era utilizada somente para lesões em descendente anterior, coronária direita e diagonal, mas com exposição das marginais com o ponto de Lima15 e o advento dos estabilizadores de sucção (Octopus®) ou de compressão (Guidant® - Millenium®), associados à ventosa de ápice (Starfish®), ampliou-se as indicações e possibilidades da revascularização sem CEC.

A aplicabilidade tem variado ao longo dos anos, desde indicações esporádicas até 100% para diferentes grupos cirúrgicos.

Em 23 anos de experiência, nossa aplicabilidade total foi de 21%, em 3.727 casos, sendo que nos últimos cinco anos atingiu a cifra de 49%.

As variações observadas na literatura podem ser atribuídas à determinação e treino do cirurgião com a técnica, ao conceito de revascularização funcional mais que anatômica e à demografia dos pacientes encaminhados à cirurgia.

De qualquer maneira, não há duvida que a feitura das anastomoses, com o coração batendo, não é para todos os pacientes e, muito menos, para todos os cirurgiões. Só a experiência e o treinamento podem selecionar os pacientes para uma técnica ou outra.

Finalmente, a revascularização sem circulação extracorpórea, a utilização de enxertos arteriais e a remodelação ventricular cirúrgica na miocardiopatia isquêmica podem ser destacadas como as maiores contribuições da cirurgia no tratamento das afecções coronarianas, e as comparações do tratamento médico percutâneo com o cirúrgico devem ser reconsideradas à luz destas contribuições.

REFERÊNCIAS

1. Buffolo E, Andrade JCS, Succi JE et al. Revascularização direta do miocárdio sem circulação extracorpórea. Descrição da técnica e resultados iniciais. Arq Bras Cardiol 1982; 38: 365-373.

2. Benetti FJ. Direct coronary surgery with saphenous vein bypass without either cardiopulmonary bypass or cardiac arrest. J Cardiovasc Surg 1985; 26: 217-22.

3. Buffolo E, Andrade JCS, Branco JNR et al. Myocardial revascularization without extracorporeal circulation. Seven-years experience in 593 cases. Eur J Cardiothorac Surg 1990; 4: 504-7.

4. Buffolo E, Andrade JCS, Branco JNR et al. Coronary artery bypass without cardiopulmonary bypass. Ann Thorac Surg 1996; 61: 63-6.

5. Rivetti LA, Gandra SMA. Initial experience using an intraluminal shunt during revascularization of the beating heart. Ann Thorac Surg 1997; 63: 1742-47.

6. Calafiore AM, Gianmarco GD, Teodori G et al. Left anterior descending coronary artery grafting via left anterior small thoracotomy without cardiopulmonary bypass. Ann Thorac Surg 1996; 61: 1658-65

7. Jasinski MJ, Wos S, Olszowka P et al. Dysfunction of left ventricle as an indication for off-pump coronary artery bypass grafting. Heart Surg Forum 2003; 6(6): E85-8.

8. Van Dijk D, Nierich AP, Jansen EW et al. Early outcome after off-pump versus on-pump coronary bypass surgery: results from a randomized study. Circulation 2001; 104: 1761-66.

9. Angelini GD, Taylor FC, Reeves BC et al. Early and midterm outcome after off-pump and on-pump surgery in a beating heart against cardioplegic arrest studies (BHACAS 1 and 2): a pooled analysis of two randomizes controlled trials. Lancet 2002; 359: 1194-9.

10. Cleveland JC, Shroyer ALW, Chen AY et al. Off-pump coronary artery bypass grafting decrease risk-adjusted mortality and morbidity. Ann Thorac Surg 2001; 72: 1282-9.

11. Gerola LR, Buffolo E, Jasbik W et al. Off-pump versus on-pump myocardial revascularization in low-risk patients with one or two vessel disease: Perioperative results in a multicenter randomized controlled trial. Ann Thorac Surg 2004; 77: 569-73.

12. Kilo J, Baumer H, Czerny M et al. Target vessel revascularization without cardiopulmonary bypass in elderly high-risk patients. Ann Thorac Surg 2001; 71: 537-42.

13. Kshettry VR, Flavin TF, Emery RW et al. Does multivessel off-pump coronary artery bypass reduce postoperative morbidity. Ann Thorac Surg 2000; 69: 1725-30.

14. Al-Ruzzeh S, Nakamura K, Athanasiou T et al. Does off-pump coronary artery bypass (OPCAB) surgery improve the outcome in high-risk patients?: a comparative study of 1,398 high-risk patients. Eur J Cardiothorac Surg 2003; 23(1): 50-5.

15. Lima RC. Padronização técnica da revascularização do miocárdio da artéria circunflexa e seus ramos sem circulação extracorpórea. Tese de Doutorado. São Paulo Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina.

Recebido em 19/04/05

Aceito em 22/04/05

  • Correspondência
    Enio Buffolo
    R: Borges Lagoa, 1080 - 7º andar
    04038-030 - São Paulo, SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Nov 2005
    • Data do Fascículo
      Out 2005
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