CORRELAÇÃO CLÍNICO-RADIOGRÁFICA
Caso 3/2012 - jovem de 16 anos com transposição das grandes artérias e estenose pulmonar em evolução natural
Edmar Atik
Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
Correspondência Correspondência: Edmar Atik InCor Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 05403-000 - São Paulo, SP - Brasil E-mail: conatik@incor.usp.br
Palavras-chave: transposição dos grandes vasos, estenose pulmonar, sopros cardíacos, anóxia.
Dados clínicos: Sopro cardíaco, cianose e cansaço são observados desde o nascimento, com nítida acentuação nos últimos anos. Sem acompanhamento médico adequado, constatou-se recentemente hematócrito de 83% e hemoglobina de 28 g. Hemofereses repetidas diminuíram o hematócrito para 73%. Nenhuma medicação específica havia sido administrada desde o nascimento.
Exame físico: Regular estado geral, eupneico, cianose acentuada, pulsos normais. Peso: 42,6 Kg; Altura: 160 cm; PA: 105/65 mmHg; FC: 82 bpm; FR: 20 rpm. Saturação O2: 75%. A aorta era discretamente palpada na fúrcula.
No precórdio havia impulsões sistólicas discretas, frêmito sistólico nítido em toda borda esternal esquerda. Ictus cordis não era palpado. As bulhas cardíacas eram muito hiperfonéticas e auscultava-se sopro sistólico acentuado em toda borda esternal esquerda, com nítida irradiação para a área aórtica. O fígado não era palpado e os pulmões eram limpos.
Exames complementares
Eletrocardiograma: Mostrou ritmo sinusal, sinais de sobrecarga ventricular direita acentuada com morfologia rsR's' e onda T negativa em V1; transição brusca do complexo QRS de V1 para V2; ao lado de sobrecarga atrial direita com onda P pontiaguda com 3 mm de amplitude em D2. AP: +60º, AQRS: +170º, AT: +20º (fig.1).
Radiografia de tórax: Mostrou área cardíaca dentro de limites normais, com morfologia arredondada. O arco médio está escavado e a trama vascular pulmonar, discretamente aumentada (fig.1).
Ecocardiograma (fig. 2): Mostrou cavidades cardíacas muito hipertrofiadas, especialmente o ventrículo direito. As valvas atrioventriculares eram normais e a comunicação interventricular de via de entrada com extensão para a via de saída media 17 mm, com shunt bidirecional. A função biventricular era preservada. A valva pulmonar era posterior e espessada e havia hipoplasia do anel pulmonar. Straddling da válvula anterior mitral no topo do septo ventricular era nítido. As medidas eram de VD=22, VE=42, VT=29, VM=25, APD=16, APE=19 mm.
Ressonância nuclear magnética: Mostrou os mesmos aspectos com comunicação interventricular de 19 mm; átrios aumentados; Vd2VD=90 ml/m2 e Vd2VE=112 ml/m2 FEVD=62%, FEVE=61%. O septo ventricular media 12 mm e a parede posterior, 7 mm. A estenose pulmonar era acentuada.
Cateterismo cardíaco: Não foi realizado dada a conclusão diagnóstica adequada pelos outros exames.
Diagnóstico clínico: Transposição das grandes artérias com comunicação interventricular e estenose pulmonar e straddling da valva mitral no topo do septo ventricular, em hipoxia acentuada.
Raciocínio clínico: Os elementos clínicos orientaram para cardiopatia congênita cianogênica do tipo transposição das grandes artérias pela hiperfonese do segundo ruído, em presença de sopro de comunicação interventricular e de estenose pulmonar que se irradiava para a área aórtica. Elementos radiográficos como fluxo pulmonar aumentado e arco médio escavado orientam para o diagnóstico de transposição das grandes artérias associada aos outros defeitos mencionados. Os elementos de outras imagens foram decisivos para o diagnóstico das anomalias.
Diagnóstico diferencial: Outras cardiopatias que se associam a estenose pulmonar também devem ser lembradas na diferenciação clínica, como dupla via de saída de ventrículo direito, dupla via de entrada de ventrículo único e demais anomalias semelhantes do ponto de vista funcional.
Conduta: Havia dúvidas em relação à técnica corretiva a ser empregada em face da acentuada hipertrofia do ventrículo direito, elemento limitador do direcionamento do ventrículo esquerdo para a aorta pela comunicação interventricular, ao lado da colocação de tubo do ventrículo direito para o tronco pulmonar. No entanto, como a RNM havia revelado tamanho adequado da cavidade ventricular direita, a técnica de Rastelli foi realizada com boa evolução inicial. O straddling valvar não foi óbice ao direcionamento do fluxo do ventrículo esquerdo para a aorta e o homoenxerto aórtico de 20 mm, interposto do ventrículo direito às artérias pulmonares. A circulação extracorpórea e o período anóxico foram prolongados de 4h e de 3:20h, respectivamente.
Comentários: Dentre as anomalias associadas à transposição das grandes artérias, sabidamente a comunicação interventricular e a estenose pulmonar são as que, quando associadas, permitem evolução por período de tempo mais prolongado. A evolução desse paciente até 16 anos de idade, sem complicações e sem a necessidade do uso de medicamentos específicos, atesta essa afirmação. A hipoxia crônica, no entanto, foi a responsável por elevação exagerada do hematócrito sob alto risco de trombose e a estenose pulmonar à hipertrofia miocárdica. Esses aspectos evolutivos adversos acarretam consequências inadequadas, mesmo após a operação corretiva, pois interferem na evolução posterior.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
21 Jun 2012 -
Data do Fascículo
Abr 2012