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Polimorfismo I/D do Gene da ECA em Crianças com Histórico Familiar de Doença Arterial Coronariana Prematura

Polymorfism, Genetic; Peptidyl-Dipeptidase A; Coronary Artery Disease; Child

Carta ao editor relativo ao artigo de Albuquerque et al.: Impacto do polimorfismo genético da enzima conversora da angiotensina no remodelamento cardíaco.

Li com interesse a revisão publicada recentemente nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia por Albuquerque e cols1de Albuquerque FN, Brandão AA, da Silva DA, Mourilhe-Rocha R, Duque GS, Gondar AF, et al. Angiotensin-converting enzyme genetic polymorphism: its impact on cardiac remodeling. Arq Bras Cardiol. 2014;102(1):70-9.. intitulada “Impacto do polimorfismo genético da enzima conversora da angiotensina no remodelamento cardíaco”. Nesta revisão, foi mostrado que o genótipo DD da enzima conversora da angiotensina (ECA) está associado de forma independente à pior evolução cardiográfica e o genótipo DI está associado ao melhor perfil cardiográfico1de Albuquerque FN, Brandão AA, da Silva DA, Mourilhe-Rocha R, Duque GS, Gondar AF, et al. Angiotensin-converting enzyme genetic polymorphism: its impact on cardiac remodeling. Arq Bras Cardiol. 2014;102(1):70-9..

A arteriosclerose é a principal causa de doença arterial coronariana (DAC). Apesar de manifestar-se clinicamente na idade adulta, a DAC geralmente inicia-se na infância. Fatores genéticos e ambientais e efeitos da interação gene-ambiente influenciam o desenvolvimento da arteriosclerose, mas o histórico familiar é o fator de risco mais significante na incidência da DAC.

Em nosso estudo, 140 crianças foram avaliadas, dentre as quais 72 eram do sexo masculino e 68 do sexo feminino entre 4,9 e 15,7 anos de idade. Deste total, 73 crianças apresentaram histórico familiar de DAC prematura (pais foram diagnosticados com DAC através de angiografia coronária quando apresentaram idade inferior a 55 anos (homens) e 65 anos (mulheres)). As demais 67 crianças pertenciam ao grupo controle (pais com angiografia coronária normal). Os participantes foram avaliados quanto à presença do polimorfismo I/D no gene da ECA.

Os genótipos I/D da ECA foram significativamente diferentes entre os grupos experimental e controle (p = 0,01). A frequência do genótipo D/D foi significativamente superior no grupo experimental quando comparado ao grupo controle (20/73 vs. 3/67, respectivamente, p = 0,01) (Tabela 1). A frequência do alelo D foi ligeiramente superior no grupo experimental (0,52) quando comparado ao grupo controle (0,27) (p = 0,005).

Tabela 1
Frequência do polimorfismo I/D do gene de ECA nos grupos experimental e controle. IC = 95%

A ECA é um fator importante não só na produção de angiotensina II como também na degradação de bradicinina. A exposição crônica a altos níveis de ECA, tanto na circulação como nos tecidos, está relacionada à predisposição para redução do calibre das artérias e desenvolvimento de arteriosclerose. O polimorfismo I/D da ECA resulta da presença (inserção–I) ou ausência (deleção–D) de uma repetição Alu localizada no íntron 16 do gene da ECA. O alelo D está associado ao aumento das concentrações plasmáticas de ECA2Sobti RC, Maithil N, Thakur H, Sharma Y, Talwar KK. Association of ACE and Factor VII gene variability with the risk of coronary heart disease in north Indian population. Mol Cell Biochem. 2010;341(1-2):87-98.. Vários estudos investigaram a associação entre o genótipo D/D e o desenvolvimento de DAC3Beohar N, Damaraju S, Prather A, Yu QT, Raizner A, Kleiman NS, et al. Angiotensin-I converting enzyme genotype DD is a risk factor for coronary artery disease. J Investig Med. 1995;43(3):275-80.,4Cambien F, Poirier O, Lecerf L, Evans A, Cambou JP, Arveiler D, et al. Deletion polymorphism in the gene for angiotensin-converting enzyme is a potent risk factor for myocardial infarction. Nature. 1992;359(6396):641-4. , mas tal associação não foi confirmada por outros grupos5Shafiee SM, Firoozrai M, Salimi S, Zand H, Hesabi B, Mohebbi A. Angiotensin converting enzyme DD genotype not associated with increased risk of coronary artery disease in the Iranian population. Pathophysiology. 2010;17(3):163-7.. Neste estudo, no entanto, observamos que a frequência do genótipo D/D e do alelo D do gene da ECA foram consideravelmente superiores em crianças com histórico familiar de DAC prematura quando comparadas ao grupo controle.

Além disso, mostramos que as frequências do genótipo DD e do alelo D do gene da ECA foram maiores em crianças com histórico familiar de DAC prematura. Estes resultados indicam maior risco de arteriosclerose nestes indivíduos e podem contribuir para o diagnóstico de crianças com risco de desenvolver DAC. Assim, estudos envolvendo populações maiores devem ser conduzidos para confirmação destes resultados.

Este estudo obteve suporte financeiro da Universidade de Celal Bayar e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa local da Universidade. Todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Informação adicional:

Além do polimorfismo I/D do gene da ECA, os polimorfismos dos genes da glicoproteína IIIa, mutações G1691A e H1299R do Fator V, e mutação G20210A da protrombina e apolipoproteína E também foram investigados pelo nosso grupo. Estes resultados foram publicados em diversos periódicos.

* Ciftdoğan DY. Glycoprotein IIIa gene polymorphism in children with a family history of premature coronary artery disease. Acta Cardiol. 2010;65(6):695.

** Ciftdoğan DY, Coşkun S, Ulman C, Tikiz H. The factor V G1691A, factor V H1299R, prothrombin G20210A polymorphisms in children with family history of premature coronary artery disease. Coron Artery Dis. 2009;20(7):435-9.

*** Ciftdoğan DY, Coskun S, Ulman C, Tıkız H. The association of apolipoprotein E polymorphism and lipid levels in children with a family history of premature coronary artery disease. J Clin Lipidol. 2012;6(1):81-7.

References

  • 1
    de Albuquerque FN, Brandão AA, da Silva DA, Mourilhe-Rocha R, Duque GS, Gondar AF, et al. Angiotensin-converting enzyme genetic polymorphism: its impact on cardiac remodeling. Arq Bras Cardiol. 2014;102(1):70-9.
  • 2
    Sobti RC, Maithil N, Thakur H, Sharma Y, Talwar KK. Association of ACE and Factor VII gene variability with the risk of coronary heart disease in north Indian population. Mol Cell Biochem. 2010;341(1-2):87-98.
  • 3
    Beohar N, Damaraju S, Prather A, Yu QT, Raizner A, Kleiman NS, et al. Angiotensin-I converting enzyme genotype DD is a risk factor for coronary artery disease. J Investig Med. 1995;43(3):275-80.
  • 4
    Cambien F, Poirier O, Lecerf L, Evans A, Cambou JP, Arveiler D, et al. Deletion polymorphism in the gene for angiotensin-converting enzyme is a potent risk factor for myocardial infarction. Nature. 1992;359(6396):641-4.
  • 5
    Shafiee SM, Firoozrai M, Salimi S, Zand H, Hesabi B, Mohebbi A. Angiotensin converting enzyme DD genotype not associated with increased risk of coronary artery disease in the Iranian population. Pathophysiology. 2010;17(3):163-7.

Carta-resposta

O polimorfismo genético Inserção1Pontremoli R, Sofia A, Tirotta A, Ravera M, Nicolella C, Viazzi F, et al. The deletion polymorphism of the angiotensin I-converting enzyme gene is associated with target organ damage in essential hypertension. Am Soc Nephrol. 1996;7(12):2550-8. /Deleção (D) da ECA tem sido estudado em diferentes quadros clínicos além da insuficiência cardíaca (IC), incluindo hipertensão arterial (HA)1Pontremoli R, Sofia A, Tirotta A, Ravera M, Nicolella C, Viazzi F, et al. The deletion polymorphism of the angiotensin I-converting enzyme gene is associated with target organ damage in essential hypertension. Am Soc Nephrol. 1996;7(12):2550-8. , fibrilação arterial (FA)2Topal NP, Ozben B, Hancer VS, Tanrikulu AM, Diz-Kucukkaya R, Fak AS, et al. Polymorphisms of the angiotensin-converting enzyme and angiotensinogen gene in patients with atrial fibrillation. J Renin Angiotensin Aldosterone Syst. 2911;12(4):549-56. e doença arterial coronariana (DAC)3Mutthumala A, Montgomery H, Palmen J, Cooper JA, Humphries SE. Angiotensin-converting enzyme genotype interacts with systolic blood pressure to determine coronary heart disease risk in healthy middle-aged men. Hypertension. 2007;50(2):348-53.. Em todos estes casos, apesar da controvérsia quanto ao tamanho da amostra, tem-se observado uma associação entre o genótipo D/D e pior evolução clínica.

Os parâmetros avaliados nos estudos menores geralmente constituem marcadores substitutos, tais como variáveis ecocardiográficas (artigo original) ou hipertrofia ventricular esquerda1Pontremoli R, Sofia A, Tirotta A, Ravera M, Nicolella C, Viazzi F, et al. The deletion polymorphism of the angiotensin I-converting enzyme gene is associated with target organ damage in essential hypertension. Am Soc Nephrol. 1996;7(12):2550-8.. Em outros casos, somente é possível estabelecer a relação entre genótipos e a incidência da doença2Topal NP, Ozben B, Hancer VS, Tanrikulu AM, Diz-Kucukkaya R, Fak AS, et al. Polymorphisms of the angiotensin-converting enzyme and angiotensinogen gene in patients with atrial fibrillation. J Renin Angiotensin Aldosterone Syst. 2911;12(4):549-56..

A arteriosclerose é um caso especial devido à alta prevalência e importância da DAC. Diferentes tipos de publicações estão disponíveis, envolvendo ensaios clínicos e não clínicos (incluindo a apresentada nesta carta). Em nosso estudo4Albuquerque FN de, Brandão AA, Silva DAD, Mourilhe-Rocha R, Duque GS, Gondar AF, et al. Angiotensin-converting enzyme genetic polymorphism: its impact on cardiac remodeling. Arq Bras Cardiol. 2014;102(1):70-9. , entretanto, acompanhamos somente pacientes com insuficiência cardíaca não-isquêmica e pudemos observar uma associação entre o genótipo D/D e pior padrão ecocardiográfico.

Mais recentemente foi descrito que a fisiopatologia da IC e a atividade do sistema renina-angiotensina-aldosterona são determinados por herança poligênica. Um estudo de múltiplos polimorfismos genéticos em uma população mostrou que somente a combinação destes genótipos está significantemente associada à complicações clínicas e ecocardiográficas5Zakrzewski-Jakubiak M, de Denus S, Dubé M-P, Bélanger F, White M, Turgeon J. Ten renin-angiotensin system-related gene polymorphisms in maximally treated Canadian Caucasian patients with heart failure. Br J Clin Pharmacol. 2006;5(5):742-51.,6Kitsios G, Zintzaras E. Genetic variation associated with ischemic heart failure: a huge review and meta-analysis. Am J Epidemiol. 2007;116(6):619-33..

Portanto, é provável que um painel de marcadores genéticos e não um polimorfismo genético isolado seja mais eficiente em diagnosticar indivíduos de alto risco. Assim, nosso grupo tem focado neste tipo de análise e resultados preliminares sugerem a associação de um painel genético (incluindo: enzima conversora da angiotensina, receptor beta adrenérgico 1, óxido nítrico sintase, polimorfismos da angiotensina II) e desfechos clínicos. Os resultados do presente estudo (em desenvolvimento) devem contribuir para elucidar este assunto.

Atenciosamente,

Felipe Neves de Albuquerque, Andréa Araujo Brandão, Dayse Aparecida da Silva, Ricardo Mourilhe-Rocha, Gustavo Salgado Duque, Alyne Freitas Pereira Gondar, Luiza Maceira de Almeida Neves, Marcelo Imbroinise Bittencourt, Roberto Pozzan, Denilson Campos de Albuquerque.

  • 1
    Pontremoli R, Sofia A, Tirotta A, Ravera M, Nicolella C, Viazzi F, et al. The deletion polymorphism of the angiotensin I-converting enzyme gene is associated with target organ damage in essential hypertension. Am Soc Nephrol. 1996;7(12):2550-8.
  • 2
    Topal NP, Ozben B, Hancer VS, Tanrikulu AM, Diz-Kucukkaya R, Fak AS, et al. Polymorphisms of the angiotensin-converting enzyme and angiotensinogen gene in patients with atrial fibrillation. J Renin Angiotensin Aldosterone Syst. 2911;12(4):549-56.
  • 3
    Mutthumala A, Montgomery H, Palmen J, Cooper JA, Humphries SE. Angiotensin-converting enzyme genotype interacts with systolic blood pressure to determine coronary heart disease risk in healthy middle-aged men. Hypertension. 2007;50(2):348-53.
  • 4
    Albuquerque FN de, Brandão AA, Silva DAD, Mourilhe-Rocha R, Duque GS, Gondar AF, et al. Angiotensin-converting enzyme genetic polymorphism: its impact on cardiac remodeling. Arq Bras Cardiol. 2014;102(1):70-9.
  • 5
    Zakrzewski-Jakubiak M, de Denus S, Dubé M-P, Bélanger F, White M, Turgeon J. Ten renin-angiotensin system-related gene polymorphisms in maximally treated Canadian Caucasian patients with heart failure. Br J Clin Pharmacol. 2006;5(5):742-51.
  • 6
    Kitsios G, Zintzaras E. Genetic variation associated with ischemic heart failure: a huge review and meta-analysis. Am J Epidemiol. 2007;116(6):619-33.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov 2014

Histórico

  • Recebido
    22 Jul 2014
  • Revisado
    28 Ago 2014
  • Aceito
    28 Ago 2014
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